O assassinato de Rubens Paiva, um dos crimes
mais emblemáticos da ditadura militar e que norteia a história do filme ‘Ainda
Estou Aqui’, indicado ao Oscar, permanece com muitas perguntas sem resposta.
Uma delas é o que os militares fizeram com o corpo do deputado após matá-lo.
Agora, uma nova revelação pode ajudar a montar um quebra-cabeça que dura mais
de 50 anos.
Veterano paraquedista, o militar Valdemar Martins de
Oliveira prestou serviços de busca, apreensão e espionagem para o Exército
durante a década de 1970 — alguns deles sob coação, disse ele em entrevista
ao Intercept Brasil. Em alguns desses
trabalhos, ele acabou testemunhando ou tomando ciência de crimes praticados
pelos órgãos de segurança da ditadura. Lembranças que, segundo Valdemar, nunca
o abandonaram.
Uma delas envolve o destino dado pelos militares aos
restos mortais de Rubens Paiva. As versões conhecidas se alternam entre seu
corpo ter sido enterrado na praia ou atirado ao mar ou num rio. De acordo com Valdemar,
Paiva foi arremessado ao mar com um peso amarrado ao corpo: “uma roda de
caminhão”.
Dois de seus colegas de regimento – Jurandyr Ochsendorf
e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza – participaram da ação de ocultação do corpo
em janeiro de 1971, sob ordens de Paulo Malhães, chefe da equipe. Jurandyr lhe
contou que o corpo de Paiva foi levado no mesmo dia da morte por um barco da
Marinha.
Meses depois, os irmãos Ochsendorf seriam agraciados
com a Medalha do Pacificador, honraria igualmente concedida pelo Exército ao
assassino do deputado, o tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, agente do
Centro de Informações do Exército, CIE, ligado ao Centro de Informações de
Segurança da Aeronáutica, CISA. “Rubens Paiva já chegou quebrado ao 1º BPE
[sede do DOI-Codi/RJ], vindo do CISA. Fernando Hughes terminou o serviço”,
afirma.
Hoje, ele vive em uma espécie de limbo
jurídico-militar. De um lado, o Exército o taxou de ter sido desertor durante a
ditadura e isso o impediu de passar para a reserva. Mas ele garante que nunca
desertou e que demorou anos até descobrir que havia um termo de deserção em seu
nome. E, justamente por não saber que havia sido acusado de abandonar a tropa,
conta que se sentia coagido a realizar trabalhos para o Exército.
Valdemar conta que resolveu falar por não ter mais medo
de ameaças à sua família e, por isso, prefere contar o que sabe. “Fiquei calado
por muito tempo. Dizem que a pena máxima é 30 anos, mas estou numa prisão há 50
anos”, desabafa.
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Cinco denunciados, nenhum
condenado
Em 2014, o Ministério Público Federal denunciou cinco
envolvidos, por formação de quadrilha armada, fraude processual, homicídio
doloso e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Entre eles, além de Jurandyr e
Jacy Ochsendorf, Rubens Paim Sampaio, que integrou o Centro de Informações do
Exército no Rio, José Antônio Nogueira Belham, ex-comandante do DOI-Codi/RJ, e
Raymundo Ronaldo Campos. Outros acusados, como Hughes, Malhães e o capitão
Freddie Perdigão Pereira, que também teriam participado do crime, já haviam morrido
na época da denúncia.
Até hoje, ninguém foi
condenado pela morte de Paiva. Em fevereiro deste ano, o assassinato do
deputado foi um dos três casos concretos analisados pelo Supremo Tribunal
Federal, STF, durante a discussão se a Lei de Anistia deve valer para crimes
permanentes e graves violações de direitos humanos — a Corte formou
maioria para reconhecer que há repercussão geral.
Para o ex-preso político Ivan Seixas, ex-membro da
Comissão da Verdade do estado de São Paulo – Rubens Paiva e consultor da
Comissão Nacional da Verdade, as declarações do ex-militar são um importante
resgate de informações sobre as ações repressivas do período. “O fato de ele
ter a disposição de falar tem de ser valorizado. Ele já mostrou que se opôs às
mortes”, avalia. “Na Argentina não há um documento que prove nada, tudo é
baseado em depoimentos, e ainda assim condenaram os culpados”.
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Refutando versões oficiais de
crimes
Valdemar também contou detalhes de outro crime ocorrido
na ditadura. Na chamada Casa da Morte, antro secreto de tortura e extermínio em
Petrópolis, no RJ, ele conta que viu a morte do cabo e agente duplo Victor Luiz
Papandreu, o “Grego”. Militante do Vanguarda Armada Revolucionária Palmares,
VAR-Palmares, Papandreu havia sido preso, aceitara ser informante dos órgãos de
segurança e foi morto quando os agentes consideraram que ele não tinha mais
serventia.
Após ser diagnosticado com transtornos psicológicos
pelo médico Amílcar Lobo, Grego foi fuzilado à queima-roupa por Rubens Paim
Sampaio, também denunciado no assassinato de Rubens Paiva, em maio de 1971.
Após sua morte, o corpo de Grego foi levado para uma usina e incinerado. De
acordo com o médico, Paim havia assassinado mais de dez pessoas na casa de Petrópolis.
“Grego era inteligente, não estava louco. Mas ele era
um incômodo, como eu”, conta Valdemar, que garante que Paim tinha uma extensa
lista de assassinatos.
Um mês antes, o paraquedista havia participado do cerco
ao casal de militantes do MR-8 [o grupo Movimento Revolucionário 8 de Outubro]
Mário de Souza Prata e Marilena Villas-Boas, que resultou em tiroteio e morte
do major José Túlio Toja Martinez numa rua de Campo Grande, subúrbio do Rio. O
presidente Médici usou o episódio para adotar a execução como política de
estado.
A versão oficial descreve que Marilena alvejou o major
com um revólver ao ser abordada. Valdemar sustenta que o tiro inicial foi
disparado por um potente fuzil FAL, do Exército, ou seja, o oficial pode ter
sido morto por “fogo amigo”. “Seria necessário fazer um exame pericial para
saber que tipo de bala o atingiu”, sugere.
Ele afirma também que o motorista de táxi que
transportava o casal foi pressionado, posteriormente, a declarar que o primeiro
disparo foi dado por Marilena. Ela e Mário teriam sido feridos e levados para o
Hospital Central do Exército.
Anos depois, soube-se pela militante Inês Etienne Romeu
que Marilena foi levada para a Casa da Morte, local onde Valdemar esteve por
três vezes. “O que vocês chamam de Casa da Morte, era a casa de Mario Lodders,
filho de um alemão nazista”, ele explica. Inês também contou ter reconhecido
Hughes como um dos torturadores do local. Criado a mando do ministro do
Exército Orlando Geisel, o centro de tortura teria sido desativado no fim de
1973.
·
Ingresso no Exército e nos
porões da ditadura
A trajetória de Valdemar no Exército começou em 15 de
janeiro de 1968, com 17 anos, quando ingressou como soldado concursado no
Núcleo de Divisão Aeroterrestre, onde hoje está o 27º Batalhão de Infantaria
Paraquedista, no Rio de Janeiro.
Primeiro paraquedista de sua turma, foi cooptado já em
agosto daquele ano pelo CIE, órgão do aparato de segurança criado em 1967,
subordinado ao Ministério do Exército e ao Serviço Nacional de Informação, o
SNI.
Segundo ele, os paraquedistas, uma tropa de elite, eram
fanatizados e treinados para a guerra. Após sua convocação, o sargento
Guilherme do Rosário o apresentou ao então capitão Rubens Paim Sampaio.
Valdemar conta que Sampaio comparou sua aparência à de jovens militantes de
esquerda. Ele ainda observa que não se deu conta que estava se embrenhando no
submundo da vida militar. “Não sabia o que era o CIE. Simplesmente fazia o que
meus superiores ordenavam”, relata.
O recruta teve treinamento especial no 1º Batalhão de
Polícia do Exército, sede do futuro Destacamento de Operações de Informações do
Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, no Rio de Janeiro.
Entre os instrutores, diz Valdemar, estavam dois
oficiais estadunidenses egressos do Vietnã, que ministraram aulas sobre
explosivos, fotografia, métodos de espionagem, sabotagem, interrogatório e
tortura, além de temas sobre anticomunismo e ideologias de esquerda.
Dois de seus superiores estavam entre os mais ativos
agentes da repressão institucionalizada: o próprio Paim Sampaio, que usava o
codinome “Dr. Teixeira”, membro do CIE e oficial dos gabinetes dos generais
Orlando Geisel (irmão do presidente da República) e Sylvio Frota; e o capitão
Freddie Perdigão Pereira, o “Dr. Roberto”, integrante do CIE, DOI-Codi/SP, SNI
e Grupo Secreto – milícia responsável por atentados a bombas a sedes de
jornais, bancas de revistas, OAB/RJ e Riocentro.
Paim Sampaio e Perdigão eram chefes da Casa da Morte,
cuja zeladoria era feita por um colega do grupo de paraquedismo de Valdemar:
Antônio “Camarão” Waneir Lima, torturador e abusador de Inês Etienne Romeu, a única
sobrevivente do local.
“No quartel, ele gostava de dizer que tinha sodomizado Inês”, recorda Valdemar.
Elo entre a casa e o DOI-Codi de São Paulo, Perdigão
foi um dos envolvidos no atentado à estilista Zuzu Angel, morta num
acidente automobilístico em 1976. Ele e Paim Sampaio também estiveram entre os
14 apontados pelo Ministério Público Federal, em 2014, como autores do
sequestro, assassinato e ocultação do corpo do deputado Rubens Paiva.
Um terceiro chefe de Valdemar, o capitão Paulo Malhães,
era um dos idealizadores da Casa de Morte, igualmente implicado no caso Rubens
Paiva. Em entrevistas, Malhães admitiu que utilizava animais para torturar
presos (a famosa jiboia do DOI-Codi pertencia a
ele) e que retirava arcadas dentárias e dedos dos corpos de guerrilheiros antes
de jogar os cadáveres em rios.
No CIE, o soldado relata ter testemunhado até mesmo a
quebra de hierarquia militar: oficiais de maiores patentes obedeciam a oficiais
de menores patentes, coronéis obedeciam a capitães. Ele assegura que o órgão
estava diretamente conectado à Presidência e que suas determinações prevaleciam
sobre as de outros destacamentos: “o presidente sabia tudo o que ocorria ali”,
afirma.
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Missões de espionagem e
repressão
Após deixar o cabelo crescer e adotar trajes civis, uma
de suas primeiras missões foi fotografar jovens do movimento estudantil, entre
eles, João Antônio Abi-Eçab e Catarina Helena Abi-Eçab, estudantes da USP e
militantes da Ação Libertadora Nacional, a ALN, suspeitos da execução do capitão
estadunidense Charles Chandler em outubro de 1968.
Em seguida, Valdemar Martins participou da ação de
captura que resultou em tortura e morte do casal num sítio de um coronel em São
João de Meriti, no Rio de Janeiro, em novembro de 1968. “O governo procurava os
assassinos do capitão, queria os culpados, mas eu disse que o casal nada
sabia”, conta.
Após discordar da violência exercida pelos agentes,
Valdemar relata ter sido agredido por “Miro”, policial do DOPS, e depois afirma
que passou a ser perseguido e ameaçado por seus pares.
Dias depois, segundo Valdemar, Paim Sampaio produziu um
falso termo de deserção que acredita ter como objetivo lhe imputar a execução
do casal, que teria sido feita por Perdigão.
“O termo foi
escrito à mão numa folha de caderno. Eles queriam que eu segurasse essa bucha”,
relata. A versão oficial sobre o caso Abi-Eçab citava que o casal morrera num
acidente automobilístico, cujo veículo carregava explosivos. Os militares
receavam que o recruta denunciasse os crimes – algo que ocorreria muito depois,
mas sem surtir efeito perante a Justiça Militar.
Hospedado no Hotel Marialva, no bairro da Lapa, Rio de
Janeiro, Valdemar partia para operações diversas na região. Em 1970, contudo,
ele se reuniu com os militares na casa de sua irmã, em São Paulo, para tratar
de sua permanência no quartel do Rio de Janeiro, proposta rechaçada pelos
agentes de segurança. Valdemar afirma que, como se recusou a dar continuidade
às atividades de vigilância, acabou agredido, juntamente com sua mãe e irmã –
ele teve um corte profundo na cabeça e seu braço quebrado, enquanto sua irmã
sofreu um aborto.
Coagido, permaneceu ligado ao CIE. “Quem entrasse, não
sairia mais, então eu me fazia de besta”, afirma.
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Vida na clandestinidade e
retorno à caserna
Valdemar Martins executou também tarefas mais amenas e
burocráticas. Mesmo sem experiência, atuou como “funcionário” e olheiro nas
empresas DIMIG e SPI, onde emitia certificados de títulos mobiliários e fundos
de investimento, e na fábrica de cigarros Sabratti.
Diariamente, conta ele, tinha que se apresentar no
prédio do DOI-Codi em São Paulo. Por discordar dos métodos de repressão,
Valdemar revela que, frequentemente, neste e em outros casos, seus relatórios
omitiam informações.
Em 1972, ele foi enviado para as regiões de Marília e
de Ribeirão Preto, ambas no interior de São Paulo, para se infiltrar em grupos
de teatros, bares de universitários e igrejas. Quatro anos depois, Valdemar foi
avisado que estava sendo procurado por Mariel Mariscot, ex-paraquedista e
notório integrante do temido Esquadrão da Morte, e teve sua casa invadida. Ao
perceber que a porta seria arrombada, conta que escapou pelos fundos e pulou o
muro. Mariscot seria preso em seguida.
Em meio a turbulências, partiu para o Chile, onde
trabalhou numa mineradora e prestou serviços para o CIE quando requisitado.
“Havia o receio de ameaças à minha família”, pontua.
No início da reabertura política, em 1979, procurou seu
antigo chefe em São Paulo e Marília, Waldir Silveira Mello, que havia se
tornado juiz auditor da Justiça Militar. Porém, foi aconselhado a “sumir, pois
sabia demais”. O conselho, além de outro ataque, no qual seu carro foi alvejado
por tiros, o compeliram a seguir na semi clandestinidade durante as décadas
seguintes, quando trabalhou em garimpos e fazendas, como boia-fria – e
procurou, sem sucesso, auxílio de oficiais para resolver sua situação militar.
A sua sorte mudou em 1997. Após relatar sua condição a
diversos oficiais, foi chamado para se reapresentar ao seu antigo batalhão. Munido
de habeas corpus preventivo foi, 30 anos após seu ingresso nas Forças Armadas,
reincorporado em 12 de março de 1998, com 47 anos de idade.
A estadia no quartel foi curta. Ele foi licenciado do
serviço em 26 de julho de 1999 por ultrapassar a idade permitida para a função
de soldado, sem direitos assegurados aos agentes militares – situação que
persiste até hoje. Negou-se a assinar o certificado de reservista por discordar
de sua permanência no cargo de soldado.
Antes de sua saída, o capitão José Vanildo Cerqueira havia se prontificado a
regularizar sua situação militar por meio de Inquérito Policial Militar, IPM,
reunindo provas e documentos. Mas, em questão de um mês, o oficial foi
transferido do batalhão e faleceu durante exercício na Amazônia. Fotos e
documentos desapareceram, e várias versões foram dadas para a morte do capitão.
Seu substituto foi Reginaldo Vieira de
Abreu, que seria indiciado na trama golpista de 8 de janeiro de 2023.
Um dos oficiais que havia articulado sua
reincorporação, o general Osvaldo Pereira Gomes, propôs a ele que passasse para
a reserva como sargento, contanto que esquecesse o IPM e não comentasse mais o
caso. “Os irmãos Ochsendorf já estavam como capitães a essa altura. Como não
acreditava em mais nada do que falavam e insistia em uma investigação, não
concordei. Fui licenciado sem mais nem menos”, diz.
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Testemunhos sobre crimes e
golpes
Nos anos 2000, o ex-agente começou a tornar públicas
suas histórias. Em 2001, Valdemar ajudou o repórter Caco Barcellos a trazer à
tona a verdadeira história por trás das mortes de João Antônio e Catarina
Helena Abi-Eçab, provando que o acidente fora forjado por militares. Conforme
sua descrição, os peritos constataram que Catarina fora executada com um tiro
no crânio. “Havia vestígios de chumbo em sua nuca, no local onde eu havia
indicado”, revela.
O irmão de Catarina, Lula Ferreira, ex-técnico da
seleção brasileira de basquete, consentiu que fosse feita a necropsia nos
restos mortais. Ele considera que o ex-militar também foi uma vítima da
ditadura civil-militar. “Assim como Catarina e João, ele era muito jovem na
época”, disse Ferreira.
Enquanto Valdemar fornecia declarações à TV Globo, no
Rio de Janeiro, sua família recebeu a visita de Paim Sampaio, seu antigo chefe
no CIE, no interior de São Paulo. Seu filho, então com 12 anos, foi intimidado
pelo militar. “Por telefone, Paim me disse para tomar cuidado com o que eu
falava”, revela. Ele denunciaria Freddie Perdigão como o autor do homicídio do
casal somente na Comissão Nacional da Verdade.
Entre 2013 e 2014, Valdemar prestou depoimentos à
comissão sobre o assassinato dos Abi-Eçab e sobre o atentado à OAB/RJ em 1980,
ao fazer reconhecimento do fabricante de bombas Hilário Corrales e do sargento Magno
Cantarino Mota –
este, presente também no Riocentro, em 1981. Ele acredita que seu ex-colega,
o sargento Guilherme
do Rosário,
que carregava uma das bombas que explodiu no atentado ao Riocentro, teve sua
morte planejada. Freddie Perdigão, então um tenente-coronel, comandou as duas
operações.
Um inesperado reencontro com o passado ocorreu numa sessão
da comissão, quando se deparou com o ex-comandante Paulo Malhães. “Ele me disse
‘aprenda como se faz’, após mentir nos depoimentos para proteger seus amigos”,
afirma Valdemar. Semanas depois, Malhães foi encontrado morto, com sinais de
asfixia, em seu sítio. “Ele morreu ‘no saco’, como se diz na gíria militar, com
um saco plástico envolto na cabeça.”
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Tentativas de reparação
Apesar de ter sido falsamente taxado de desertor
durante a ditadura militar, o que lhe acarretou problemas constantes, Valdemar
continuou a realizar trabalhos para o Exército e foi mantido contra sua vontade
no posto de soldado até os 49 anos – mesmo com curso de cabo –, ultrapassando a
idade limite para a função.
Agora, aos 73 anos, ele ainda não conseguiu passar para
a reserva. “Se eu fosse mesmo um desertor, seria excluído do serviço ativo. O
Supremo Tribunal Militar reconheceu que não houve deserção de praça, pois em
1998 não encontrou a Instrução Provisória de Deserção, o IPD”, argumenta.
No entanto, seus pedidos de anulação do ato de
deserção, anistia política, reintegração à reserva do Exército Brasileiro e
reparação econômica não foram acolhidos pela Justiça Militar. “Meus processos
sempre caíam na mão de Edmundo Franca Oliveira, o juiz do caso do Riocentro”,
conta. Nem mesmo a Comissão de Anistia os acolheu – em 2021, ele obteve um
parecer favorável e outro divergente pela comissão.
Os seus ex-colegas de regimento, Antônio “Camarão”
Waneir e Jacy Ochsendorf, chegaram aos postos de, respectivamente, sargento e
major. Eles, ao lado do general reformado José Antônio Belham, ex-comandante do
DOI-Codi/RJ, seguem livres e recebendo salários.
Valdemar tem esperança de que seu depoimento seja
considerado e, com isso, mudar o curso de sua história na segunda quinzena de
março, quando será realizada uma oitiva, com presença de procuradores e da
Polícia Federal, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos –
um marco importante no reconhecimento de violações cometidas durante a
ditadura, restabelecido no ano passado após sua extinção por Jair Bolsonaro, um
ex-paraquedista.
Fonte: Por Sérgio
Barbo, em The Intercept
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