Luís Nassif: A
imprensa durante a ditadura – 1 e 2
Em dezembro de
1979, com menos de 6 meses no Jornal da Tarde, e com 29 anos de idade, sugeri
ao Ruyzito Mesquita – representante do pai no jornal – que me liberasse por uns
dias da função de chefe de reportagem de Economia, para mergulhar na história
do jornalismo brasiliense. Para minha surpresa, a pauta foi aceita e saiu
publicada durante 4 ou 5 edições no Jornal da Tarde e no Estadão. Era uma
matéria crítica ao chapa-branquismo da imprensa mas, principalmente, uma
descrição crítica do novo tipo de jornalismo que começava a dominar a mídia,
cuja linha de frente era a revista Veja, dirigida por José Roberto Guzzo, mas
tendo em Elio Gaspari o ponto político central, atuando pesadamente nos jogos
de poder militar. Como o Jornal da Tarde jamais foi digitalizado, achei que
tinha perdido meu trabalho. Agora, arrumando meus arquivos, encontrei a série
xerocada e que me foi enviada por um leitor.
Está dando um pouco
de trabalho digitalizar e extrair o texto, mas ai vai o primeiro capítulo.
·
O
Poder e a descoberta da Imprensa
Despida das
prerrogativas de capital de República, após a inauguração de Brasília, o Rio
resistiu brava, ruidosa e festivamente ao fim bem a seu estilo. Os políticos
custaram a se desvencilhar de sua paisagem. Os altos escalões da tecnocracia,
obrigados a se mudar para Brasília, continuaram reservando seus fins de semana
para as praias cariocas. As principais notícias políticas continuaram a fluir
abundantes dos bares de Ipanema e Leblon. E o corpo diplomático, que só no
começo dos anos 70 iria transferir-se definitivamente para Brasília, garantiu
por muitos anos ainda, com seu fausto e sua pompa, as dezenas de bailes da Ilha
Fiscal que seriam necessários para que o Rio finalmente admitisse o seu
fim.
Em 1961, contudo,
se já não tinha o cetro, o Rio continuava soberano, capital de fato, centro dos
acontecimentos e da badalação. Mudar-se para Brasília na época, mesmo para um
presidente da República, equivalia a um verdadeiro confinamento. Não só pela
solidão geográfica da nova capital, como pelo seu afastamento da grande caixa
de ressonância da política nacional da época que era a escola de jornalismo
político carioca que se expressava tanto por meio dos jornais locais como das
sucursais dos jornais paulistas. Para se garantir contra a solidão, Jânio
Quadros eleito presidente desembarcou em Brasília abastecido de filmes de
faroeste, uísque de boa qualidade e do principal jornalista político carioca
Carlos Castello Branco, o Castelinho, a tiracolo. Estava criada, assim, a
figura do assessor de Imprensa da Presidência da República, embrião do que
viria a se constituir, nos dias atuais, a poderosa Secretaria de Comunicação
Social da Presidência da República (Secom). Com Jânio, porém, estava
próximo o fim do ciclo de presidentes civis. A Jânio sucede Goulart, a
Castelinho o jornalista Raul Riff, ainda hoje relembrado como uma “fonte
maravilhosa” pelos jornalistas da época.
·
O
ciclo autoritário
Pouco tempo depois,
estourava o movimento de março de 64, trazendo mudanças substanciais no
relacionamento governo/imprensa. A começar do fato de que a concentração
econômica e política nas mãos do governo o acabaria transformando no grande
personagem da cobertura jornalística, e num anunciante cada vez mais
poderoso. Tem início, a partir daí, um relacionamento tumultuado,
pontilhado de desconfianças recíprocas, alianças provisórias e conflitos
crescentes. Pois, ao mesmo tempo em que os grandes jornais brasileiros começam
a instalar ou aumentar suas sucursais em Brasília, e a dedicar suas páginas
nobres aos temas governamentais, toma corpo no interior do governo, por força
da pesada herança castrense trazida pelos presidentes militares, uma nítida mudança
no relacionamento com a imprensa, diz uma fonte militar. Havia a
necessidade de fortalecer o movimento vitorioso continua o militar. Por isso,
naquela época precisávamos de mais informação e menos notícias, diz ele.
O governo Castello
Branco manteve a figura do assessor de Imprensa. Confiou o cargo ao jornalista
José Wamberto, vinculado ao Gabinete Civil. Mas todas as notícias
(informações?) para serem divulgadas precisavam ser submetidas ao crivo do
Gabinete Militar, chefiado pelo então coronel Ernesto Geisel. Há uma
breve liberalização no início do governo Costa e Silva. A assessoria de
imprensa, entregue ao jornalista Heráclito Salles, desvencilha-se
temporariamente da tutela do Gabinete Militar. Os jornalistas que cobriam a
área na época julgam que ele cumpriu a contento o seu papel. Nessa época,
contudo, o chefe do Gabinete Militar, Costa e Silva, e seu “ghost writer”
coronel Ernâni D’Aguiar, apaixonado pelas relações públicas, resolve montar um
projeto que, segundo eles, iria “revolucionar” o processo de divulgação da
imagem do governo. Mas como não há magia de marketing capaz de resistir
ao AI-5, o governo Costa e Silva passaria à história como um dos mais
impopulares que o País já teve. Estavam, em todo caso, lançadas as bases da
Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP).
O AI-5 estancaria
de vez o fluxo das notícias oficiais. Heráclio deixa a assessoria, que será
entregue ao jornalista Carlos Chagas, para um curto mandato que se encerra com
a doença e morte de Costa e Silva. A partir daí, contudo, informações do
Palácio passariam a ser canalizadas por meio desses dois organismos, a
assessoria de imprensa e a AERP. A AERP passaria, enfim, a enquadrar a
informação no aspecto estratégico exigido pelo pensamento militar, utilizando-a
como material propagandistico contra a tal guerra psicológica adversa. O clima
de guerra interna que se instaura no País após o AI-5, com a deflagração do
movimento terrorista e da guerrilha do Araguaia e o superdimensionamento dos
órgãos de segurança, contribui para salientar cada vez mais o aspecto
estratégico da informação. O regime ainda precisava de mais informações e menos
notícias, segundo esse militar.
·
A
paranóia
Assim, no governo
Médici, o então coronel Octávio Costa, chefe da AERP, engole rapidamente o assessor
de imprensa, o jornalista gaúcho Carlos Felberg. E o sistema de comunicação do
Palácio transforma-se numa imensa passarela de mão-única, forrada de press
releases e documentários de cunho patriótico. A aversão à notícia foi
levada, então, a extremos paranoicos. O que é notícia? O que é informação? O
que ajuda a imagem do governo? O que a prejudica? A herança que recebera
principalmente porque estava de posse de informações precisas sobre a
realidade. Começava a tomar corpo uma reação irreversível contra o
arbítrio e o próprio governo, sentindo o seu isolamento, tratava de modificar o
estilo de relacionamento com a imprensa. Assim, enquanto desativava a
Aerp, Geisel passaria a fortalecer novamente o papel do assessor de imprensa,
confiando o cargo a Humberto Barreto, seu amigo íntimo, com todas as condições
para se transformar no porta-voz do Palácio.
O processo de
desgaste da imagem do regime e das Forças Armadas, contudo, começava a
preocupar seriamente as autoridades. O próprio ministro do Exército, general
Sílvio Frota, atribuiu esse processo à desativação da Aerp. Por sua sugestão, o
órgão foi revitalizado e escolhido para o cargo o então coronel Toledo Camargo.
Mas ficou subordinado à assessoria de imprensa. Tempos depois, Humberto
Barreto deixou a assessoria para assumir a presidência da Caixa Econômica
Federal, e Toledo Camargo assumiu o seu lugar. É dessa época, mais
precisamente, de maio de 1977 um documento revelador do estado de espírito dos
militares em relação à sua imagem e ao papel da imprensa. Trata-se da “Política
de Comunicação Social do Ministério da Aeronáutica”, elaborada pelo coronel
Ivan Bernardino da Costa, assessor de imprensa do então ministro brigadeiro
Araripe Macedo -provavelmente o primeiro levantamento teórico e sistemático
sobre a função das coordenadorias sociais a nível de governo; e que exerceria
uma forte influência sobre a política de comunicação social implementada
especialmente pelo coronel Toledo Camargo. Na verdade, o coronel
Bernardino, atualmente chefiando o gabinete do ministro Délio Jardim de Mattos,
percebeu com grande clarividência o desgaste que o segmento militar sofria,
provocado por seu próprio isolamento. Os chefes militares sempre tiveram
receio de fazer declarações, pelo medo que o assunto descambasse para a
imprensa, comentou ele certa vez, em conversa informal com jornalistas. Isso
atrapalhava o relacionamento com a imprensa, e nós ficamos ilustres
desconhecidos do povo, considerados parasitas e usurpadores do poder.
·
Princípios
éticos
O documento define
como objetivos da comunicação Social no campo interno “estabelecer e manter a
compreensão mútua entre Organização e o seu Público Interno, despertando,
estimulando, e desenvolvendo seus valores essenciais, a fim de fortalecer os
laços. Integração”. No campo externo, “obter e perdurar a compreensão, o
respeito e o apoio do Público Externo para os propósitos e realizações do
Ministério da Aeronáutica, incutindo-lhe e incentivando-lhe a mentalidade a
vocação aeroespacial”. O documento estabelece também uma série de
princípios éticos que deverão ser obedecidos pela comunicação social. No item
referente à legitimidade, salienta que “os direitos humanos, as instituições
nacionais, a ordem jurídica vigente, bem como os fundamentos orais e
espirituais da nacionalidade devem ser irrestritamente respeitados”. Em
seguida, no item impessoalidade, reza que “a comunicação deve ser isenta de
promoção pessoal ou de grupos, porquanto visa, exclusivamente, a bem servir à
Instituição”. Mais à frente, diz que “a comunicação se baseia na verdade,
aspecto ético essencial, que inspira a confiança e a credibilidade. Finalmente,
no item imparcialidade, determina que “os diversos públicos e órgãos de
comunicação devem ser estimulados e respeitados, através do tratamento uniforme
e isento. Depois dos princípios éticos, o documento esclarece quais serão
as atividades da Comunicação Social do Ministério da Aeronáutica: Informar os
Públicos, deles trazendo informaações para a instituição; estimular a
instituição ou seus públicos a modificar suas opiniões e atitudes; integrar a
instituição com os eus públicos”.
No meio do
documento, mais detalhadamente, há o que se intitula “Projeto Imprensa”, onde
se percebe, talvez pela primeira vez no regime militar, a exata compreensão da psicologia
e da dinâmica da imprensa e a formulação de regras de conduta capazes de
minimizar ao máximo os conflitos com os jornalistas. Assim, a olímpica
posição das fontes, especialmente as militares, de determinar que notícias são
de interesse público é definitivamente deixada de lado. Para se avaliar o
significado dessa abertura no meio militar, basta lembrar que até então eram
mantidas em sigilo e disputadas como “furos” pelos setoristas até as notícias
referentes a reuniões normais do Alto Comando. Nas solenidades militares, a
imprensa era confinada a um canto, e proibida de colocar os pés para fora de um
círculo riscado no chão. Quem se atrevesse a ultrapassar esse cercado era
imediatamente expulso do recinto.
Na convivência
diária com os setoristas do Ministério, o coronel Ivan Bernardino quebraria
novos tabus que atrapalhavam o relacionamento com a imprensa. Por exemplo,
certa vez resolveu dar um voto de confiança a um jornalista cujo credenciamento
não fora recomendado pela Divisão de Segurança e Informação (DSI) o braço
burocrático do SNI que se estende por todos os ministérios de Brasília. Em
outras oportunidades a chamada “luz vermelha” do DSI equivaleria a um veto. O
coronel Ivan interpretou como deveria ser: como uma recomendação. Manteve o jornalista.
Na época, segundo relatam os setoristas, ele teria sido chamado à presença do
brigadelro Araripe Macedo para ouvir a insinuação, do diretor do DSI, de que
“os comunistas ganharam um aliado aqui dentro”. Ao que ele teria retrucado que
“fomos nós que ganhamos um aliado lá fora”. De fato, o Ministério não
teve por que se queixar dessas liberalidades. No final da gestão Araripe
Macedo, o relacionamento com a imprensa estava tão cordial que já havia
setoristas condecorados com a medalha de mérito aeronático. A Aeronáutica era o
Ministério que possuía melhor imagem entre as três Armas. E, se o brigadeiro
Araripe Macedo não terminou sua gestão muito conhecido foi porque os princípios
de impessoalidade, determinados pelo documento, foram seguidos à risca.
·
Imprensa
aliada
O documento
“Política de Comunicação Social” foi simplesmente uma sistematização da
experiência acumulada nos contatos diários com a imprensa. – Nós de
maneira alguma tentamos disciplinar a Imprensa confidenciava o coronel Ivan a
jornalistas, em conversas informais. Nós é que nos disciplinávamos para com a
Imprensa. Em suma, tratava-se de tentar compreender e aceitar a dinâmica
da imprensa, suas próprias características, e torná-la uma aliada
voluntária. Esse documento acabou servindo de modelo para uma tentativa
de unificação das políticas das coordenadorias de comunicação social do
governo, empreendida pelo coronel Toledo Camargo, ao assumir a assessoria de
Imprensa do Palácio, no lugar de Humberto. Barreto. Tanto assim que, em
junho de 77, Camargo realizou um seminário com os responsáveis pelas
coordenadorias dos diversos Ministérios, mais assessores de cada governador de
Estado e de empresas vinculadas, num total de mais de cem pessoas.
No seminário,
Camargo defendeu a mídia técnica e se mostrou contrário à utilização excessiva
do release. Criticou os assessores por distribuírem muito release e dar pouca
informação. A essa altura, já se havia institucionalizado nos diversos
Ministérios uma nova estrutura de comunicação social, copiando o modelo do
Palácio. Há o coordenador de comunicação social, ao qual se subordinam um
assessor de Imprensa e um assessor de relações públicas. A tentativa de
unificação da política de comunicação social do governo não foi mantida pelo
sucessor de Toledo Camargo, o coronel Rubem Ludwig, já assoberbado com os
problemas decorrentes do desgaste do governo na condução da política econômica,
e com a luta pela sucessão. Mas o bom relacionamento com a imprensa foi
mantido. Em pouco tempo de atuação, Ludwig aprendeu a dinâmica da imprensa. Ou
seja, nas notícias que interessava ao governo dar destaque, Ludwig preparava um
certo suspense, um mise-en-scène, capaz de valorizá-la jornalisticamente.
Dar-lhe “charme” como ele mesmo dizia.
Os jornalistas
aceitavam o jogo e, ao mesmo tempo, procuravam envolvê-lo sub-repticlamente,
tentando arrancar as informações que lhes interessavam através de perguntas
aparentemente inocentes. Era um jogo desgastante, que se repetia
diariamente às 15 horas, durante o chamado breafing instituído por
Ludwig. No balanço final, ambos os lados saíram satisfeitos. Os
repórteres conseguiram um fluxo razoável de notícias. Ludwig conseguiu
estabelecer hierarquia nas notícias de acordo com seus próprios
critérios. (…) uma foram demitidos um ministro do Exército e um
chefe do Gabinete Militar. Na época, o Palácio se ressentiu da ausência de
uma estrutura de divulgação mais ágil e completa para responder com maior
presteza à onda de boatos que se formou.
A campanha
presidencial de Figueiredo passaria a incorporar definitivamente os modernos
esquemas de formação de imagem através dos meios de comunicação de massa mesmo
com o sacrifício do princípio de impessoalidade defendido pela formação
castrense. Pela primeira vez, nas diversas sucessões revolucionárias,
havia um impasse, uma certa equivalência de força no âmbito militar que
obrigava a se abrir o círculo das adesões que legitimassem a candidatura
Figueiredo. A exemplo das campanhas presidenciais norte-americanas,
contratou-se uma equipe especial, encarregada de trabalhar a imagem do
presidente. Havia, de um lado, o staff oficial, sob a coordenação do general
Danilo Venturini, e composto pelo coronel Paiva Chaves, espécie de encarregado
do setor operacional, e de Said Farhat, encarregado do setor de
comunicação. A eles se juntou uma equipe de três pessoas da agência de
publicidade MPM, coordenadas por Hélio Bloch, autor de peças teatrais até hoje
inéditas, por força da censura, e de um lema bastante divulgado: “coragem,
franqueza e lealdade”, que seria a marca registrada do produto
Figueiredo.
·
Assessoria
de marketing
Está para ser
contada ainda a história real dessa campanha. Estaria na mente de seus
articuladores, desde o início, a divulgação do que posteriormente viria a se
revelar a “rude franqueza” do candidato? Um deslumbrado segundo escalão
da equipe, atualmente fora do governo, garante que desde o primeiro momento
Farhat insistiu na apresentação da imagem real do candidato. E que a MPM teria
sido a escolhida, entre 3 ou 4 agências que se apresentaram, justamente por não
apresentar uma imagem estereotipada do candidato. Pouco tempo antes,
contudo, na divulgação do célebre álbum de família de Figueiredo, distribuído
para toda a Imprensa por meio dos escritórios da Eletrobrás, no Rio-procurava-se
apresentar um candidato intelectualizado. Pois não era o candidato um
especialista em matemática, um tríplice coroado? E não foi o próprio candidato
que surpreendeu os convidados de um almoço em Porto Alegre ao se levantar,
deixar de lado o discurso preparado pela assessoria e recitar (de improviso e
sem prévia combinação, juram seus assessores) um trecho da peça Cyrano de
Bergerac em que o personagem, num crescendo, brada que “sou o que sou”?
(discurso repetido, aliás, em Florianópolis, após os incidentes com populares).
E não seria o próprio candidato que numa entrevista sustentaria que um
matemático é muito mais intelectual que um músico (numa alusão ao compositor
Chico Buarque de Hollanda)?
Com o tempo, porém,
Figueiredo acabaria desempenhando atuações seguramente fora do script. Como no
encerramento da campanha, quando os jornalistas que o acompanharam ofereceram
um almoço e o presentearam com o livro “Comentários do discurso de Tito Livio”,
de Maquiavel, embrulhado em papel de presente. Figueiredo, numa demonstração de
gentileza, fez questão de abrir o embrulho. Depois de pesar o livro com os
olhos, começou a folheá-lo e a fazer comentários sobre a obra. Abria em
determinada página, lia o título do capítulo e ora bradava entusiasmado, batendo
a mão espalmada várias vezes sobre a página aberta: “Está certo, concordo com
ele.” Ou então, em outra página, contestando: “Não, com isso não concordo
não.” Por via das dúvidas, a assessoria solicitou, e conseguiu, que o
caso fosse mantido em sigilo pelos repórteres. E a história não apareceu sequer
no livro “João Presidente”, preparado por um esforçado setorista e contendo
histórias da campanha. O livro, ao que consta revisado pelo próprio coronel
Paiva Chaves, rendeu ao setorista, jornalista Alexandre Garcia, o cargo de
assessor de Imprensa do Planalto. Assim, a imagem intelectual acabou-se
esboroando rapidamente, substituída de vez pela “rude franqueza”. E graças ou
apesar da assessoria de marketing, o fato é que o candidato passou a ostentar,
amparado pela ressurreição dos velhos, mas nem por isso menos eficientes
clichês populistas, o que um analista político brasiliense garante ser o
derradeiro triunfo político desse governo: a própria imagem de
Figueiredo. A transformação rendeu inesperados frutos para Said Farhat. A
assessoria de comunicação foi elevada à condição de Ministério. Farhat
tornou-se um ministro prestigiado e com planos ambiciosos.
O governo passava,
finalmente, a administrar a abertura.
¨ A imprensa na ditadura - 2
Ao menos geograficamente,
o poder em Brasília é facilmente identificável. De disposição lógica e
geométrica, ele se estende ao longo da Esplanada dos Ministérios. À frente, os
ministérios, dispostos em duas longas filas simétricas, que guarnecem a avenida
central. No final desse corredor, o Congresso. À sua direita, projetando-se um
pouco à frente, a Justiça; à esquerda, o Itamaraty. Atrás de tudo, na
continuação do corredor de prédios, dispostos à direita do Congresso, o
Planalto. E, imediatamente atrás do Planalto, o anexo, um poder pouco visível,
que se abriga num conjunto de três blocos retangulares, construídos abaixo do
nível da rua, ocultos por um corte brusco de terreno, sustentado por um muro
vertical de concreto, de 6 metros de altura. Nesses conjuntos despojados envidraçados
com rayban, estão instalados a administração do Planalto, parte da Secom, e o
sistema do Conselho de Segurança Nacional, com suas salas mobiliadas com mesas
e cadeiras alemãs, troféus de guerra, conquistados da Embaixada alemã durante a
II Guerra. Distribuídos pelo setor bancário, em torno da Esplanada dos
Ministérios, estão os prédios do Banco Central, Caixa Econômica Federal e Banco
do Brasil. É este, enfim, o objeto, onde a imprensa pratica o seu jogo diário.
Mas não apenas
isso.
<><>
Cargos de confiança
Coloquem-se pessoas
nesse ambiente asséptico; um tipo especial de pessoas: o funcionário público, o
burocrata. E retire-se dele a viga mestra de seu equilíbrio psicológico: a
estabilidade. Cada ministro que chega a Brasília tem à sua disposição uma
infinidade de cargos de confiança, que se multiplicam geometricamente pelos
escalões inferiores, e que vão ser ocupados por seu séquito. A cada cinco anos,
às vezes antes disso, porém, há uma troca de guarda. Essa insegurança, que se
acentua nos finais de mandato, transforma a imensa repartição pública numa
arena, onde grupos se engalfinham disputando cada metro de poder. Nesse
universo, os chamados cinco grandes diários Jornal do Brasil e Globo, do Rio, e
Folha de São Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde têm uma importância
especial, em termos de formação de opinião pública. As notícias por eles
transmitidas, com o enfoque dado por seus repórteres, atingem diretamente os
dois grandes centros de opinião pública do País: Rio e São Paulo. De lá, elas
vão se reproduzir por todo o País, um pouco por meio da venda direta, mais por
meio agências de notícias. Esses jornais, mais as duas revistas semanais Veja e
Isto É, também possuem um peso específico importante na formação da opinião
através de sua releitura, pelos editores e jornalistas dos demais centros
regionais.
<><> A
cobertura
O objeto, portanto,
é este: um conjunto de repartição política dessas ações que produzem
ininterruptamente matéria jornalística, e que exige um meticuloso sistema de
cobertura, estendido por todos os lados do aparelho onde possam pingar
notícias. Com uma ou outra variação, cada um dos quatro grandes diários utiliza
cerca de 40 jornalistas, entre a direção, coordenação e reportagem. Os
repórteres são subdivididos por áreas de cobertura. São os chamados setoristas,
que necessitam dar um plantão diário, recolhendo as menores notícias do setor. Para
efeito de cobertura, o governo é dividido em três áreas nobres. Primeiro, e
acima de tudo, o Planalto, para onde são destacados dois setoristas
experientes; depois, o comando econômico, a Secretaria do Planejamento, com
mais dois setoristas; finalmente o Congresso onde os jornais mantêm uma média
de 7 repórteres, mais um coordenador lotado no próprio local. Os demais
setoristas distribuem-se pelos ministérios econômicos Agricultura, Indústria e
Comércio, Minas e Energia, Transportes, Comunicação e Fazenda; mais o Banco
Central, do Brasil e Caixa Econômica Federal, ministérios militares, Itamaraty,
Justiça e ministérios sociais: Saúde, Previdência e Educação. O conjunto
funciona como uma autêntica linha de produção, que chega a remeter para as
redações às vezes mais de cem notícias diárias de diversos calibres.
<><> O
novo jornalismo
Inclua-se,
finalmente, nesse quadro geral, as características do que se poderia denominar
genericamente de o novo jornalismo brasileiro uma livre designação para
diferenciar do jornalismo tradicional um estilo jornalístico que começou a se
implantar a partir da década passada e hoje é hegemônico em diversas publicações
do País. Até por volta de 1964, as publicações eram razoavelmente matizadas
politicamente, cada qual com seu definidos e tão sedimentados em sua própria
cultura, que permitem à indústria de comunicação de massas veicular, assimilar
e absorver inclusive movimentos pretensamente contestadores da ordem
constituída.
A adaptação desse
estilo ao Brasil, contudo, esbarrou em algumas diferenças fundamentais. A
começar da falta de uma ideologia majoritária na opinião pública. Além disso, o
processo de concentração do poder econômico e político nas mãos do Estado,
acabou criando, para as linhas editoriais de várias publicações, um segundo
ponto de referência é a opinião dos homens do governo. Assim cria-se uma
espécie de movimento pendular. Num determinado momento, assume-se uma postura
crítica e defendem-se posições liberais para conquistar o leitor antes de ter
uma posição política, o leitor costuma apreciar publicações independentes, ou
pretensamente independentes. Num segundo momento, pratica-se o mais puro
jornalismo oficial.
Por volta de 1968,
já existiam publicações que praticavam com certa desenvoltura esse movimento
pendular. O AI-5 viria interromper o processo. E, nos árduos tempos de
fechamento que se seguiram, o pêndulo, em grande parte das publicações,
inclinou-se decisivamente para o lado governamental. A herança da censura,
abatendo-se sobre o processo de formação dessa nova escola e sendo escola, a
designação não se refere diretamente a publicações, mas a estilos de se fazer
jornalismo acabaria provocando-lhe deformações fundamentais. A figura do
jornalista tradicional começa a se contrapor a figura do tecnocrata da notícia.
Tratam-se de jornalistas dotados do que se denomina um certo feeling para
captar as nuanças do tal movimento pendular. As notícias têm de ser
direcionadas de acordo com os movimentos do pêndulo. Enquanto o jornalismo
tradicional tenta pautar-se pelos princípios liberais da objetividade e
neutralidade da informação separando-a da matéria opinativa o novo jornalismo
passa a utilizar a informação trabalhada. A isenção é aparentemente mantida
através da pasteurização da linguagem, que assume uma pretensa objetividade.
Fonte: Jornal GGN
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