sábado, 8 de março de 2025

Roberto Amaral: Como deter o avanço da direita?

Os números das eleições parlamentares da Alemanha confirmam o cenário antevisto pela unanimidade dos analistas, tão claras eram as evidências do crescimento da extrema-direita e do neonazismo, que lá floresceu para incendiar o mundo e construir uma era de horror. Agora, com matizes tirados da modernidade, ressurge ameaçador, empolgando majoritariamente a Europa Ocidental, em crise econômica, política e mesmo de identidade. O neonazismo é uma doença que nem a guerra, nem a fome, nem a barbárie dos campos de concentração conseguiram erradicar. Nascida com a crise de 1929-1930, recrudesce com o esgotamento capitalista e a falência das alternativas até aqui cogitadas.

Lá e cá, sempre que a esquerda, na busca do voto conservador (ou da governança, governabilidade, composição, conciliação, ou disso ou daquilo), abandona seu leito natural e se alia à direita – muitas vezes subsumindo seu discurso –, é esta quem avança eleitoralmente e, principalmente, vence politicamente. Hoje, a direita dirige o discurso planetário e é vitoriosa do ponto de vista ideológico, pois seus valores se fazem presentes em todo o mundo, instalando-se no pensar, no formular e no fazer dos adversários históricos, que assim se transformam em reprodutores inconscientes dessa ideologia.

O capitalismo, além de dominar o aparato militar, avança sobre corações e mentes: o Estado de bem-estar social, promessa da social-democracia do pós-guerra, foi substituído pelo neoliberalismo. O indivíduo toma o lugar da sociedade. Os EUA, em declínio, reivindicam a unipolaridade, e o trumpismo vitorioso é a voz da “nova” ordem mundial: belicismo, intolerância, expansionismo, avanço do sionismo, nacionalismo excludente, racismo desabrido.

A ascensão de Hitler em 1933 foi alimentada pela crise econômica que chegara ao seu clímax em 1930, mas foi facilitada pelo recuo da social-democracia. Doutrinariamente oportunista, essa corrente viu na ascensão do futuro Führer um meio de derrotar seus inimigos figadais: os comunistas. Hitler esmagou a ambos.

O fracasso do governo de centro-esquerda (SPD) semeou o crescimento dos neonazistas nas eleições deste ano, assegurando à AfD seu resultado mais expressivo desde sua fundação, em 2013, e garantindo o retorno da direita (CDU/CSU) ao posto que Angela Merkel controlou durante dezesseis anos.

<><> A direita capitaliza as frustrações populares.

As eleições alemãs expuseram, mais uma vez, o avanço das forças reacionárias caminhando pelo terreno deixado livre pela esquerda tradicional.

Quando um lado recua incondicionalmente e não como condição preparatória para o ataque, esse movimento deixa de ser tático: cada recuo torna-se condicionante do próximo. O outro lado, em contraste, negocia cada recuo seu; recua quando é necessário, taticamente, para evitar ou minimizar perdas – ou ainda para tomar impulso e voltar a avançar.

Quando as tropas russas de Kutouzov, na campanha de 1812, abriram caminho para o ingresso do exército napoleônico, não estavam de fato recuando, mas se preparando para uma ofensiva: a Batalha de Borodino. Derrotados no front de Stalingrado, em 1943, os exércitos nazistas recuavam sob o peso da grande derrota. Não era um recuo tático, desejado como artimanha, mas o fim da linha.

Em 1938, no regresso a Londres após o Acordo de Munique, Neville Chamberlain, primeiro-ministro britânico, declarava que a Europa havia conquistado a paz. Mas os fatos mostrariam que a capitulação do Reino Unido simplesmente oferecia mais tempo ao nazismo para preparar-se para a guerra. Já no ano seguinte, a Alemanha avançava sobre os Sudetos, na então Tchecoslováquia. O que se seguiu é conhecido.

Nossa história também registra uma sucessão de recuos aparentemente táticos que se converteram em derrotas estratégicas. Na contemporaneidade, é exemplar o recuo das forças progressistas em 1961, ao concordarem com a reforma constitucional negociada entre Tancredo Neves e os militares sediciosos, que esvaziava os poderes do presidente da República, quando a nação, de pé e nas ruas, clamava por avanço. Ali, com nosso recuo, começava a construção do golpe de 1964 e o avanço da direita comandado pelas baionetas.

O crescimento da direita, onda que percorre o mundo, é fruto da crise do capitalismo (como nos anos 1920-1940) somada ao desencanto das grandes massas com governos de esquerda e centro-esquerda que falham em resolver seus problemas. O quadro se agrava quando a esquerda abdica da luta concreta.
Nas últimas eleições alemãs, confirmando todos os prognósticos, o fracasso do governo da social-democracia de Scholz foi o outro lado do assustador crescimento da direita, que agora chega também à América do Sul e se instala confortavelmente entre nós, alimentada pelos primeiros passos do trumpismo arrogante no governo do mais poderoso e belicoso império moderno. A direita de Friedrich Merz (CDU/CSU) e Merkel (que governou entre 2005 e 2021) sagrou-se majoritária, com 28,6% dos votos, os quais, somados aos 20,8% conquistados pela direita fascista (AfD), totalizam 49% dos votos e das cadeiras no Parlamento. O nome do novo primeiro-ministro já foi anunciado: Friedrich Merz, líder da CDU.

Se a grande vitória sorriu para a direita, o grande perdedor foi o SPD, partido da social-democracia, até aqui liderado por Olaf Scholz, que obteve apenas 16,4%, uma queda vertiginosa de 50% em relação à última eleição. Outro partido que perdeu substância eleitoral foi o Grüne (Verdes), que mais definha quanto mais se aproxima da direita. Obteve 8,8% dos votos, uma queda de 38% em comparação com os números de 2021. Se somarmos os votos da direita tradicional (CDU/CSU), liderada por Friedrich Merz (28,6%), aos votos dados à extrema-direita neonazista da AfD, liderada por Alice Weidel (20,8%), vemos que 49,2% do eleitorado alemão se alinhou com a direita e extrema-direita nesta eleição. A direita nazista obteve seus maiores ganhos na antiga RDA, e no Oeste da RFA, sua área mais pobre.
Seria bom que a esquerda brasileira se pusesse a pensar sobre esses números.

Entretanto, é preciso registrar que a extrema-direita teve um grande salto: cresceu nada menos que 79,5% no apoio do eleitorado, dobrando sua bancada no Bundestag. E a esquerda? O Die Linke, apesar de possuir, ainda, uma pequena bancada, cresceu 41%. Aliás, nesta eleição, cresceram apenas a extrema-direita (AfD) e a esquerda socialista (o citado Die Linke), ou seja, as forças que não tomaram emprestado ao adversário seus programas.
Entre nós, o crescimento da direita – e, consequentemente, a crise das esquerdas – é uma constante desde julho de 2013. Desde então, a perplexidade domina as reflexões. Em 2022, um grande arco de alianças permitiu, com dificuldade, deter o avanço do neofascismo com a eleição de Lula, mas não ofereceu meios para a construção de uma maioria política. E a intentona de janeiro de 2023 (ainda não totalmente desvelada) demonstra o nível de infiltração do extremismo de direita nas estruturas do Estado, a começar pelas forças armadas.

Nas eleições que garantiram o retorno de Lula à Presidência, o candidato da direita obteve, no segundo turno, 49,1% dos votos. A esquerda foi derrotada na maioria dos governos estaduais que disputou, perdeu nas eleições para a Câmara dos Deputados (80 cadeiras num coletivo de 513) e no Senado conquistou apenas seis das 27 em disputa. Assim, o governo nasce minoritário e refém de uma aliança parlamentar conservadora, na qual fisiologismo é mato. Esse arranjo instala, sem reforma constitucional e sem consulta à soberania popular, um estranho “presidencialismo”, mais que mitigado, no qual o Congresso controla a governança por meio do controle da elaboração do orçamento da União e da aplicação das verbas públicas (pela qual não tem, contudo, qualquer responsabilidade) por um sistema esdrúxulo de emendas.

Limitado politicamente e condicionado pela maioria conservadora tanto do ponto de vista político quanto programático, o nosso é um governo ainda – ainda! – indefinido. Não podendo ser um projeto de centro-esquerda, trata-se de um governo por ser – e cada vez mais próximo de um pleito decisivo para os rumos do país.

As pesquisas de opinião pública registram a desaprovação do governo, a queda da popularidade de Lula e a ascendência do pensamento de direita, que já se fazia sentir desde as eleições de 2018. Essas mesmas pesquisas (vide 163ª Pesquisa CNT de Opinião, 24/02/2025) mostram que 31,8% do eleitorado se declara de direita, 18,8% de esquerda e 16,3% “de centro, centro-direita e centro-esquerda”. Agora, são os números que expõem a disputa que não conseguimos enfrentar: a batalha ideológica, a construção de um pensamento próprio e a defesa de nossas teses.

Uma das formas de ajudar o governo a sair das cordas é a esquerda retomar o proselitismo e assumir a ação política. Uma das formas de o governo ajudar a esquerda e o movimento democrático-progressista de um modo geral é abandonar o taticismo estéril, o enredamento numa governabilidade duvidosa, e construir um projeto estratégico claro. A experiência mostra que jamais avançamos – e jamais avançaremos – governados no pensamento e na ação por um projeto de conciliação. Este tem sido o principal instrumento ideológico da classe dominante para a conservação do statu quo, do qual depende sua sobrevivência. Mas a esquerda deve ser, sempre, movimento, ação e mudança.

Há sempre uma esperança. Desta vez, precisamos olhar para o fracasso da centro-esquerda alemã, considerar a ascensão (embora severina) da esquerda socialista (buscando entendê-la), arregaçar as mangas e focar no enfrentamento à direita, com discurso e organização adequados.

 

¨      “Temos a pior ideologia dominante, no pior momento possível”, afirma George Monbiot

“Imaginemos que os habitantes da União Soviética nunca tivessem ouvido falar de comunismo. É mais ou menos assim que estamos no momento: a ideologia dominante de nosso tempo, que afeta quase todos os aspectos de nossas vidas, não tem nome para a maioria de nós. Se você a menciona, provavelmente, será ignorado pelas pessoas ou, então, reagirão com uma mistura de perplexidade e desdém: “O que você quer dizer? O que é isso?””.

O primeiro parágrafo de A doutrina invisível: a história secreta do neoliberalismo é um punhal profundo, uma interpelação incômoda, mas necessária, aos milhões de cidadãos que se opõem a um capitalismo selvagem que, mais do que nunca, ameaça todos os pilares das democracias modernas. Nas primeiras vinte páginas, seus autores, o jornalista britânico George Monbiot e o cineasta estadunidense Peter Hutchison, nos dão várias bofetadas. A mensagem seria: como esperamos deter a ascensão dos Trumps e os Milei, se nem sequer conhecemos a ideologia – seus postulados, seus lobbies, seus mecanismos – que os impulsiona? “As crises acontecem, mas não compreendemos suas raízes comuns. Não conseguimos reconhecer que todos os desastres surgem ou são agravados pela mesma ideologia coerente, uma ideologia que tem, ou ao menos tinha, um nome. “Qual pode ser o poder maior do que operar sem um nome?”, questionam. Os autores definem o neoliberalismo como “uma ideologia cuja crença central é que a competição é a característica que define a humanidade”. É uma doutrina que nos apresenta como “gananciosos e egoístas”, algo nada ruim, porque essa ganância e egoísmo “iluminam o caminho para melhorar a sociedade, gerando a riqueza que acabará enriquecendo a todos”. Sentado no escritório de sua casa em Londres, Monbiot – jornalista, estudioso, escritor, ambientalista e ativista político, a quem Nelson Mandela entregou um Prêmio Global das Nações Unidas por ser um destacado defensor ambiental – aceita a proposta de apresentar o fio condutor do livro. Admite que está preocupado com a apropriação da palavra “liberdade” pelos neoliberais. O autoritarismo presente para ocultar que estamos diante de um sistema econômico “que leva ao colapso ambiental”. Pede foco no triângulo formado por fascismo, neoliberalismo e redes sociais – “pensávamos que os meios de comunicação tradicionais eram ruins o suficiente, mas em comparação a Elon Musk ou Mark Zuckerberg, os empresários dos meios de comunicação parecem dirigir uma clínica de yoga”, ironiza –, e convida para a construção de “contranarrativas eficazes” para lutar contra este monstro enorme.

<><> Eis a entrevista.

·        Poucas vezes na história moderna convivemos com tantas crises simultâneas: crise das democracias liberais, crise climática, crise da desinformação, crise da saúde pública. Existe alguma dessas crises que não seja influenciada pelo neoliberalismo?

Acredito que o neoliberalismo contribuiu para todas elas. Não é a única causa. Há outros sistemas que também contribuíram para essas crises. No entanto, sem dúvidas, o neoliberalismo as acelerou e exacerbou. O problema é que quando mais precisamos de uma ação política eficaz para enfrentar todas essas crises, o neoliberalismo nos diz que os governos não existem para produzir qualquer ação política eficaz. Muito pelo contrário. Os governos devem ficar de lado e não estorvar. Os governos devem permitir que o poder econômico faça o que quiser. Os governos devem derrubar as proteções públicas e todas aquelas regulamentações que incomodam o poder econômico. Temos a pior ideologia dominante, no pior momento possível.

·        Por que essa ideologia dominante é tão invisível?

neoliberalismo fez um esforço muito grande e deliberado para disfarçar suas ideias. Desde aproximadamente meados dos anos 1950, os pensadores neoliberais pararam de usar o termo neoliberalismo. De fato, não usaram nenhum termo para se descreverem, pois queriam criar a impressão de que estavam descrevendo a ordem natural. É assim que o mundo funciona, é assim que a seleção natural funciona. Para o neoliberalismo, os seres humanos são egoístas e gananciosos. Não só temos que aceitar e abraçar isto, pois o egoísmo e a ganância tornarão todos mais ricos e, por um efeito cascata, o dinheiro chegará aos pobres. No entanto, graças a um amplo leque de estudos científicos, sabemos que os seres humanos não são primordialmente egoístas e gananciosos, exceto uma pequena proporção que chamamos de psicopatas. A maioria de nós tem algo de egoísmo e ganância, mas outros valores são mais importantes para nós, como a empatia e o altruísmo, a comunidade, a família, a pertença e a bondade para com os outros. Queremos um mundo melhor para nós, mas também para as outras pessoas. No entanto, o neoliberalismo nos diz que somos psicopatas e que essa é a nossa única maneira de ser.

·        Estamos entrando em uma nova fase do neoliberalismo? A Argentina, por exemplo, teve um governo com essa ideologia nos anos 1990, o de Carlos Menem. Como um personagem tão disruptivo como Javier Milei se encaixa?

Milei é um exemplo clássico de neoliberalismo. Chegou ao poder com a ajuda de uma rede neoliberal, a Rede Atlas, que coordena as atividades dos think tanks neoliberais de todo o mundo. Eles forneceram grande parte de sua política, de sua mensagem e seu marketing. Vemos um esforço coordenado a nível mundial, apoiado por algumas das pessoas e corporações mais ricas do planeta, para implementar uma forma específica de política. A Argentina é agora um exemplo clássico de como esse sistema funciona e Milei é um exemplo perfeito de um político neoliberal que corta o Estado de bem-estar social, que destrói os serviços públicos, que abre os recursos às corporações, que derruba regulamentações que protegem os cidadãos comuns. Sua única preocupação é satisfazer o capital e seus lobistas. Milei representa o grande sonho neoliberal.

·        Precisa do autoritarismo para enterrar as desigualdades que gerou?

Uma das grandes ironias do neoliberalismo é que aqueles que primeiro formularam essa ideologia, como Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, disseram que estavam salvando o mundo do totalitarismo. Afirmavam que qualquer tentativa de gerar ação e tomada de decisão coletivas, de usar a política para mudar a vida das pessoas, era um caminho escorregadio em direção ao stalinismo ou ao nazismo. Que isso nos levaria ao totalitarismo. No entanto, como essas políticas são extremamente impopulares e afetam a maioria dos cidadãos, os Estados precisam se tornar cada vez mais autoritários. E enquanto desregulamenta a economia, oprime aqueles que tentam interferir em seu programa pró-capital. Voltemos ao exemplo da ArgentinaMilei diz que defende a liberdade, fala sempre em liberdade. Contudo, é um presidente muito autoritário. A liberdade é uma palavra que o neoliberalismo usa como arma. Se se opõe ao que eles pedem, você é contra a liberdade. São muito cuidadosos em não especificar a liberdade para quem, porque há bem poucas liberdades universais. A liberdade para um grupo é cativeiro para outro grupo. A liberdade do chefe para explorar seus trabalhadores é cativeiro para os trabalhadores. A liberdade da corporação para despejar produtos químicos em um rio é uma perda de liberdade para as pessoas que vivem daquele rio. Milei e tantos outros líderes políticos buscam a liberdade dos ricos, o que leva ao cativeiro dos pobres.

·        Como se combate esse triunfo narrativo? A palavra liberdade é muito poderosa e mobiliza.

Esse triunfo narrativo é muito perigoso. Somos todos a favor da liberdade. Todos nós queremos liberdade. E a liberdade é um valor excelente. É um valor que todos nós devemos buscar. No entanto, devemos reconhecer que a liberdade geral da sociedade depende da restrição das liberdades de pessoas extremamente poderosas e destrutivas. Então, quando Elon Musk é livre, as liberdades em todo os Estados Unidos são amplamente reduzidas. Um caso clássico é o desmantelamento que está promovendo da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O homem mais rico do mundo quer destruir esta agência. E o resultado é que algumas das pessoas mais pobres do mundo precisam ficar sem comida, sem remédios, sem a ajuda essencial que necessitam. Ele é mais livre. Em consequência, eles são menos livres. Então, a liberdade é sempre um equilíbrio. Se quer libertar a população em seu conjunto, você tem que restringir muitas atividades do capital.

·        Julia Steinberger, uma estudiosa de referência no movimento climático, diz que não há vitória possível para o conhecimento científico, caso os tentáculos do neoliberalismo não sejam desmascarados. Você concorda?

Concordo plenamente. Julia é uma heroína para mim. É uma pensadora e cientista maravilhosa e uma das poucas que é capaz de contextualizar a ciência climática politicamente. O neoliberalismo é fortemente contra a ciência climática e a ambiental. Está constantemente buscando caluniá-las, retirar o seu financiamento, restringi-las. Ajudou a espalhar ficções conspiratórias escandalosas sobre cientistas do clima, dizendo que pesquisam só por dinheiro. Porque, como todos sabemos, se você quer ser um bilionário, torne-se um cientista do clima, assim, um dia você conseguirá até pagar o seu aluguel. Não se torne um executivo do petróleo porque que não recebem dinheiro algum. Ironia à parte, é tudo tão ridículo que as pessoas que geram conhecimento valioso por muito pouco dinheiro são consideradas opressoras. Simplesmente por dizer aos neoliberais coisas que não querem ouvir: que esse sistema econômico não regulamentado leva ao colapso ambiental.

·        As redes sociais são o braço comunicativo do neoliberalismo?

Precisamos entender que o capitalismo é muito criativo em seus ataques à democracia. E encontrou duas ferramentas muito poderosas: o fascismo e o neoliberalismo. Agora, vemos um híbrido de fascismo e neoliberalismo em figuras como Trump, Milei ou Victor Orbán, e um de seus instrumentos mais poderosos são as redes sociais. Pensávamos que os meios de comunicação tradicionais eram ruins o suficiente. Víamos a Fox News e a Rupert Murdoch como desproporcionalmente poderosas. No entanto, em comparação a Elon Musk ou Mark Zuckerberg, os empresários dos meios de comunicação parecem dirigir uma clínica de yoga. Agora, vemos surgir um conjunto de poderes ainda muito mais perigosos dos que os meios de comunicação tradicionais. E a razão para isso é que as redes sociais penetram em nossas vidas de forma muito mais profunda do que os meios de comunicação tradicionais. Envolvem nossas mentes de forma muito mais eficaz e nos recrutam como soldados rasos contra nossos próprios interesses.

·        Portanto, mais desinformação, mais neoliberalismo.

desinformação é essencial para qualquer sistema que atue contra os interesses da maioria da população. Trata-se de um sistema deliberadamente desenhado para agir em benefício das pessoas mais ricas do mundo, interesses que são diametralmente opostos aos interesses da grande maioria dos cidadãos do mundo. Portanto, sim, a única maneira de manter esse sistema vivo é por meio da desinformação. O neoliberalismo se sente muito cômodo no campo da desinformação.

·        Qual o papel da Inteligência Artificial nessa ideologia?

Estamos falando de uma tecnologia que pode ser usada de forma positiva e negativa, mas que não deixa de ser uma tecnologia muito ameaçadora. Atualmente, pode ser usada para nos manipular em um grau ainda mais sofisticado, com um nível superior ao que até agora as ferramentas informáticas padrão utilizaram. Isso representa uma ameaça adicional. Tornará muito mais fácil fazer vídeos deepfake, por exemplo, e que a reputação de muitas pessoas que lutam contra essa ideologia seja destruída por esses vídeos. Em definitivo, a IA vai gerar uma proliferação de desinformação muito maior do que a que vimos até agora.

·        Quais são os elementos que trazem esperança, se existem, para pensar que o neoliberalismo pode ser derrotado?

Uma coisa que aprendi nesses 40 anos em que trabalho como jornalista e ativista é que nunca se sabe de onde surgirá a esperança. Alguns anos atrás, eu estava me sentindo muito deprimido pelos problemas climáticos. Pensava que ninguém conseguiria lidar com isso, que nada iria mudar. De repente, uma estudante de 15 anos se senta fora do parlamento sueco e tudo começa a mudar. Os seres humanos são infinitamente inventivos. Temos um amplo leque de ferramentas à nossa disposição. O que não está bem é que nos tornamos muito passivos. Não conseguimos desenvolver contranarrativas eficazes. Não conseguimos desenvolver uma história que explique para onde vamos e como chegaremos lá. Ficamos muito presos ao passado, obcecados com triunfos passados. Não há como voltar na história com uma política como esta. Temos que desenvolver novos sistemas, novos sistemas de pensamento, novas ideologias. E podemos aprender coisas com a forma como os neoliberais operaram. Eles entenderam como criar uma mudança de sistema. E é a mudança de sistema que devemos buscar. Nosso livro é uma contribuição para pensarmos no que podemos fazer para acabar com todas essas crises que estamos atravessando.

 

Fonte: Brasil 247/IHU

 

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