Uma elegia cultural e política ao bar
Sim,
o álcool pode ser prejudicial, mas também estimula sociabilidades. Nas
tavernas, protestos e revoluções foram tramadas. E conexões reais surgem ao
redor de copos, desafiando uma sociedade cada vez mais deprimida.
Numa quinta-feira à noite em outubro, notei um homem de
vinte e poucos anos sentado sozinho em uma cervejaria da Pensilvânia, onde
organizo uma noite semanal de perguntas e respostas. Mas ele não passou a noite
afogando suas mágoas. Em vez disso, assisti em tempo real ele fazendo amizade
com estranhos durante algumas rodadas de cerveja — uma cena que eu já tinha
visto acontecer muitas vezes. Agora ele não só retorna ao bar toda semana com
seus novos amigos, mas um deles recentemente o iniciou em um clube social do
bairro. Poucos meses depois de sua introdução regada a álcool, ele cantou uma
música na festa de karaokê de um colega de equipe de perguntas e respostas na
véspera de Ano Novo. Eu sei disso porque eu também estava lá, convidado após
alguns meses de socialização na cervejaria.
Histórias como essas de sociabilidade auxiliada pelo
álcool soam cada vez mais como relíquias do passado. A pandemia da COVID-19
congelou o consumo social de bebidas em bares e festas em casa, e ainda não
derreteu completamente. Não só o “Janeiro Seco” foi mais seco este ano, mas o
resto do calendário também está secando. Os jovens estão cada vez mais livres
de álcool ou estão mais “curiosos pela sobriedade“.
Esse desenvolvimento não é necessariamente uma coisa
ruim. As muitas desvantagens do álcool são bem documentadas. Sabíamos sobre os
vícios, os perigosos apagões e as implicações negativas para a saúde muito
antes dos médicos alertarem contra o consumo de álcool.
Mas, goste ou não, o álcool é um importante canal pelo
qual os americanos desfrutam da companhia uns dos outros pessoalmente. Já somos
atomizados, alienados e dependentes da internet o suficiente. O álcool tem
algumas desvantagens, mas também facilita as conexões sociais tete-a-tete que sustentaram todas as
gerações anteriores.
A falta de conexão offline genuína também é um veneno
para qualquer projeto político sério. É quase impossível ter falar de
socialismo sem o social. Então, tenha cuidado, claro, mas mantenha a bebida
fluindo.
·
Rum e revolução
Nos Estados Unidos, os bares sempre foram mais do que
um lugar para tomar cerveja e comer alguma coisa.
“[Eles são] um local onde as pessoas se reúnem e
conversam. E bebem. E o álcool leva a mais conversa, mais bebida e, sob certas
circunstâncias, a um nível mais alto de indignação e comprometimento com a
ação”, escreve a autora Christine Sismondo em America
Walks Into a Bar: A Spirited History of Taverns and Saloons, Speakeasies and
Grog Shops.
Como tal, beber socialmente é um elemento negligenciado
na importância histórica das revoluções e mudanças sociais, incluindo a
Revolução Francesa. Como um estudioso francês observa, o álcool não só
era central para a vida social, mas também desencadeou protestos em torno da
questão da tributação excessiva, levando cidadãos comuns a participar da
criação de um novo regime. O vinho tinto simbolizava liberdade, igualdade e
republicanismo francês, já que jacobinos e sans-culottes bebiam vinho tinto
todos os dias em tavernas, cafés e reuniões.
Se não fosse pelo bar, os americanos possivelmente
ainda seriam súditos de um rei britânico. Na América colonial, o pub,
abreviação de casa pública, era onde as pessoas se misturavam em volta de uma
caneca de cerveja, independentemente da classe. As primeiras leis fixavam o
preço que os donos das tavernas podiam cobrar por uma bebida, para que eles não
pudessem atender apenas aos clientes ricos.
Os pubs também serviam como locais de reunião para
assembleias e tribunais, destinos para entretenimento e locais democráticos
para debate e discussão sobre ideias revolucionárias. Eles “se tornaram um
palco público no qual os colonos resistiam, iniciavam e abordavam mudanças em
sua sociedade… redefinindo gradualmente seus relacionamentos com figuras de
autoridade”, escreve David W.
Conroy em In Public Houses: Drink and
the Revolution of Authority in Colonial Massachusetts.
O Green Dragon Tavern, um bar em Boston, foi apelidado
de “Sede da Revolução” pelo ex-secretário de estado Daniel Webster como o local
de encontro dos “filhos da liberdade”. O Boston Tea Party foi planejado a
portas fechadas da taverna; Paul Revere foi enviado de lá para Lexington em seu
passeio icônico depois de ouvir planos para a invasão de Lexington e Concord. O
escritório de George Washington já foi na Fraunces Tavern, na cidade de Nova
York. A Rebelião do Uísque na década de 1790 e os tumultos de Stonewall na década de
1960 também saíram dos bares.
As tavernas frequentemente serviram como um local de
encontro para o movimento trabalhista, fornecendo um espaço para os
trabalhadores debaterem e se organizarem. É por isso que os primeiros
industriais frequentemente as proibiam em cidades empresariais e eventualmente
apoiavam a Liga Anti-Saloon e a Lei Seca no início do século XX — o controle
sobre o pub significava menos pessoas se organizando para montar sindicatos e
lutar por melhores condições de trabalho. “As pessoas não embarcaram na Lei
Seca até que viram o saloon como um espaço político radical e perigoso”, lembra Sismondo.
Nem todos os socialistas eram contra a Lei Seca, mas um
oponente proeminente foi Eugene V. Debs, que escreveu em 1916:
Socialize o negócio de bebidas alcoólicas,
tire o lucro e deixe que ele seja controlado pelo Estado, como o socialismo
propõe, e haverá um fim sumário para o mal, mas nunca por meio de legislação
proibitiva. Há muita “proibição” no mundo, e frequentemente o espírito dela é
intolerante e tirânico. Há dezenas de milhares de leis em livros de estatutos
que proíbem quase tudo que se possa conceber, e por todo o bem que elas fazem,
seria melhor que fossem revogadas.
·
Horário de encerramento
Na década de 2020, bares e tavernas estão fechando —
mas, desta vez, não é o governo que os está fechando. São os americanos que
estão voluntariamente largando a garrafa e ficando em casa.
Os números são impressionantes. Em todo o país, o
volume de vendas de álcool caiu 2,8% somente nos primeiros sete meses de 2024,
de acordo com a IWSR, uma empresa de análise da indústria de bebidas. As vendas
de vinho caíram 4%, a cerveja caiu 3,5% e as bebidas destiladas caíram 3%. O
quadro de declínio se torna mais nítido se assumirmos que os dados incluem
pessoas mais alcoólatras, incluindo aqueles que mantiveram o hábito mesmo na
pandemia, consumindo suas bebidas em casa.
Como resultado, o happy hour não é mais tão feliz. Na
Filadélfia, por exemplo, há atualmente cerca de 1.300 licenças ativas para
venda de bebidas alcoólicas, uma queda de 38,1% desde 1997, e mais de 60 delas
são detidas por supermercados e postos de gasolina. A recessão dos bares de
Chicago é ainda pior, caindo de 3.300 estabelecimentos com licenças de taverna
em 1990 para cerca de 1.200 hoje.
O abandono dos bares está ocorrendo junto com uma
recessão social mais ampla, como documentado em “The Anti-Social Century”, a atual matéria
de capa da Atlantic. Os
americanos agora passam menos tempo interagindo pessoalmente do que em qualquer
período da história moderna.
Esse declínio social é especialmente mais forte para a
Geração Z, que tem sido chamada de “geração caseira“. A multidão com
menos de 30 anos aparentemente prefere ficar em casa e fumar um pouco de
maconha legalizada enquanto rola os feeds das redes sociais do que beber com
amigos em um bar. Um estudo recente revelou que
2022 foi o primeiro ano na história americana em que o consumo de maconha
ultrapassou o consumo de álcool, com a Geração Z liderando a pesquisa.
Outros jovens aderiram ao movimento de “otimização”,
liderados por influenciadores obcecados em maximizar a saúde, praticar a
autodisciplina e eliminar todas as indulgências — ou seja, em se tornar monges
seculares. O extremo dessa tendência é personificado por Bryan Johnson, o
multimilionário da tecnologia com aparência vampírica que afirma que sua rotina
de autocuidado de US$ 2 milhões por ano lhe garantirá a imortalidade. Bryan
Johnson recebeu transfusões de sangue de seu filho
adolescente para reverter o envelhecimento — e ele não bebe.
Novamente, há alguns pontos positivos nessa mudança nos
hábitos dos americanos. “Aquela bebida demoníaca” é culpada por uma quantidade
incalculável de problemas de dependência, incidentes violentos, mau
comportamento e inúmeros riscos à saúde. No entanto, continuamos a precisar de
conexão e estímulo para prosperar. Solidão e atomização também podem tirar anos
da sua vida. O álcool é uma maneira consagrada de quebrar o gelo, e seus
benefícios sociais podem superar suas desvantagens para pessoas que conseguem
usá-lo com moderação.
Em seu livro Realismo Capitalista, o escritor,
filósofo e e critico cultural Mark Fisher sabiamente
nos disse que as consequências do capitalismo tardio não devem ser sofridos
sozinhos. “A pandemia de angústia mental que aflige nosso tempo não pode ser
devidamente compreendida ou curada se vista como um problema privado sofrido
por indivíduos prejudicados”, ele escreveu. Está longe de ser perfeito, mas uma
cervejinha com amigos no bar local é um antídoto.
Frank Sinatra também dizia: “O álcool pode ser o pior
inimigo do homem, mas a Bíblia diz que você deve amar seu inimigo.”
Então, saúde e vamos brindar a vida e luta!
Fonte:
Por Ryan Zickgraf, na Jacobin Brasil
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