sábado, 8 de março de 2025

Ronaldo de Morais: Da hiperguerra neoliberal - a desinformação como guerra por outros meios

Há uma operação de guerra no cotidiano que, por seu domínio virtual, está distante do radar político da sociedade civil. Ela é imperceptível, porque ocupa o hiper-real. Trata-se de hiperguerra, isto é, de guerra no estágio tardio do capitalismo. Diferentemente das guerras de outros tempos, o sangue que jorra da lama das batalhas é o da desinformação total. No cibermundo das redes, o terror é psicológico. Hoje, a desinformação é a guerra por outros meios. Além de tudo, a máquina de guerra virtual configura-se na indistinção do inimigo. Ele é civil ou militar? Todavia, pouco importa, visto que são corpos de guerra completamente militarizados. Importante registrar de pronto, a história das guerras é um importante campo hermenêutico para compreender a lógica da produção material e imaterial das sociedades em conflito. A hiperguerra é a guerra que progride no terreno das infovias, em tempos de Capitalismo de Plataforma. Em outras palavras, momento no qual o neoliberalismo alcança o topo da incivilização moderna. Sem dúvida, ele é o modo de destruição que nos arrasta à barbárie. Basta olhar e ver, com os olhos bem abertos, a fim de consignar que o conteúdo das fake news que inflaciona as redes sociais, além da mensagem tola, traduz interesse material. Dito brevemente, revela interesse econômico, que agencia as massas ao fenômeno pânico para ampliar o lucro capitalista. São, verdadeiramente, ciberbombas de contrainformação a serviço da reprodução do capital.

A reação contrária dos Barões das Big Techs à regulamentação das plataformas digitais é emblemática, posto que “regulamentar” significa não mais que obstruir o fluxo de informações falsas com o intuito de defender a sociedade democrática. Ao lado da extrema-direita, cibersoldados da desinformação, os super-ricos são parte desse exército virtual, que faz a hiperguerra ordinariamente e, portanto, é impossível tangenciar que se trata de guerra contra a democracia e a sociedade civil. A velocidade das chamadas revoluções coloridas, que chegaram ao Brasil em 2013, e o consequente avanço da extrema-direita ocidental é parte dessa guerra operada nas vias informacionais, que agenciam a emoção pública com o propósito de instaurar a política do pior, que, objetivamente, representa a ampliação total do terror neoliberal e o empobrecimento da sociedade civil. Por exemplo, os personagens públicos bizarros – Trump e Bolsonaro – são máquinas da hiperguerra cotidiana, rebentos de contaminação da política por fake news. Eles são o produto direto da continuada explosão das bombas virais de contrainformação, que acionam, repetidas vezes, a personalidade autoritária que dorme profundamente no esgoto da modernidade.

Pesquisadores militares dos Estados Unidos subscrevem o conceito de guerra em rede – netwar – para qualificar o cenário de emergência dos conflitos beligerantes na chamada “comunidade virtual”. É a previsão do progresso beligerante no ciberespaço. Também, da crescente militarização da internet. Trata-se de um conflito que se encaixa na guerra de informação. Embora muito mais difusa. É uma guerra de baixa intensidade, que progride no interior das novas tecnologias informacionais de comunicação, que estão disponíveis no mercado. E é nas infovias do ciberespaço que se ergue o teatro de guerra. Em realidade, a hiperguerra registra uma mutação de guerra de informação, pois a verdade factual é sua baixa essencial. Ela é, regularmente, contrainformação. Não é guerra de narrativas com base no acontecimento factual, ou mesmo, combate de informações com o objetivo de formar consciência nova. Digo instrutivamente, não é o que grosseiramente se nomeava na Guerra Fria de “lavagem cerebral”, limpar a consciência da população civil, mas algo ainda pior, pois o objetivo é o de criar um simulacro de consciência ou de opinião pública. Em poucas palavras, produzir uma “consciência falsa” com o objetivo de agenciar a emoção pública para agir contra si e contra todos. É o fenômeno pânico apresentado quantitativamente por meio de milhões de compartilhamentos, visualizações e até mesmo expresso como “pesquisa de opinião”. É uma guerra estrategicamente concebida para destruir qualquer possibilidade de consciência coletiva. A hiperguerra que arrola no cotidiano expõe um mundo virtual, no qual não há fatos universais nem mesmo interpretações conscientes. É o espaço-tempo de agenciamento total e imediato da emoção pública. Não é o mundo moderno do fato único e das infinitas interpretações. Ele é o cibermundo da mutação da liberdade de expressão, que gerou o monstro da tirania da emoção. Nessa contextura obscena, a emoção é o fato e as interpretações tão estúpidas quanto infinitas.

A hiperguerra que solapa a democracia nas cidades de concreto e aço atua essencialmente no processo de subjetivação contemporâneo, melhor dizendo, no modo de produção dos sujeitos. São combates com o propósito de cativar a emoção pública. Todavia, a máquina de guerra gera seus próprios “war baby”. Ela forma seus guerreiros. O soldado-operário das guerras totais foi uma criação da máquina de guerra do capitalismo industrial avançado, do mesmo modo que o cibersoldado da hiperguerra tem como demiurgo o capitalismo tardio neoliberal das Big Techs.

A guerra é sempre uma expressão de estágio civilizatório e de barbarização da condição humana. Por certo, quando destacamos o extremismo de direita, como agente direto da guerra em rede, também inferimos a posição socioeconômica desses combatentes do ódio. Ele é o filho da degradação do bem-estar social. A hiperguerra opera por meio de contrainformação, aciona bombas virais contra uma população civil de imaginário empobrecido, em profundo mal-estar socioeconômico.  O alvo de agenciamento está concentrado na classe média massificada. Ela vivencia, diante do crescente avanço neoliberal, a erosão socioeconômica de seu mundo. Não é tudo.

Como parte considerável da burocracia estatal das democracias modernas é composta por estrato de classe média, o enfraquecimento das instituições, em face da flexibilização da vida social, produziu o terreno favorável ao êxito das guerras em rede, conduzidas, em larga medida, por agentes públicos. Logo, há crescente ruptura de compromisso molecular dos indivíduos com as instituições das quais fazem parte. A exclusão recente, pelo serviço de informação americano, de parte da guarda de proteção ao Capitólio nos Estados Unidos, em janeiro de 2021, por suspeita de integrar grupos de ciberfascismo, é exemplo ilustrativo de que há impacto importante da guerra em rede sobre agentes públicos, principalmente da área de segurança.O mesmo acontecimento é possível identificar no dia oito de janeiro de 2023 em Brasília, uma massa tresloucada, essencialmente branca de classe média – muitos funcionários públicos – guiados pelo ódio disseminado nas infovias e pela distopia da completa militarização da política. Após investigação e apresentação das imagens – self e live dos próprios autores do terror – demonstrou-se evidente o papel fundamental dos funcionários da segurança pública para o “sucesso da ação” antidemocrática. A contrainformação que inflaciona as redes sociais, ao contrário do imaginado pelo jornalismo comercial, não compõe qualquer manifestação de opinião política paralela. Ela contrapõe-se à informação produzida pelas instituições, uma vez que a fake news escapa ao diálogo e à dialética. A informação institucional guarda, efetivamente, nexo com o mundo real. Há no mínimo alguma relação com o verdadeiro. Distintamente, a contrainformação é o falso, a falsa mensagem que objetiva desinformar para conquistar.

Na guerra, a verdade é a primeira vítima. É necessário, sobretudo, eliminar o verdadeiro com a finalidade de obter as condições favoráveis para exterminar, conquistar e subjugar os corpos. Nessa perspectiva, sustentamos que o conceito de verdade, aqui exposto, está imbricado ao contexto de hiperguerra, portanto diz respeito às bases deontológicas que devem sustentar o discurso no interior da democracia com o propósito de proteger a sociedade da barbárie. Evidentemente, o que ocorre nas redes informacionais não compõe a base moderna da liberdade de opinião, de luta política e epistemológica à composição da verdade, pois corresponde à hedionda ofensiva do falso que corrompe a vida democrática no interior das cidades. Por fim, a circulação de fake news não se limita à disseminação de informação falsa, dado que a intenção é belicosa. Ela atua como movimento estratégico de contrainformação para cativar sujeitos que estão inseridos no terror neoliberal nas sociedades hiperindividualizadas, formando um enorme exército de cibersoldados do caos com a intenção de executar ações antidemocráticas de toda ordem. Assim, ergue-se uma comunidade de cibercombatentes de extrema-direita, que interfere nas emoções, sentimentos, desejos e impulsos subjetivos das massas de classe média.

A banalização, cada vez mais extensiva, do acesso às vias informacionais no ciberespaço multiplica a inércia polar nos corpos de jovens e adultos idiotizados, paralisados em seus quartos e presos aos écrans de comunicação informacional, consumindo o ódio como o pão nosso de cada dia. São, grosso modo, desocupados ou trabalhadores precarizados, integrantes do exército de reserva da economia neoliberal e soldados ciberfascistas da ativa nas comunidades virtuais da guerra em rede. Todo o esforço presente na contrainformação, que ocupa as bolhas de afinidades afetivas, está inclinado à narrativa irracional que percebe o mundo real como mera expressão ideológica e o discurso ideológico extremista, como a única realidade existente.

É a consciência falsa do mundo que mobiliza a guerra em redes, o espaço virtual, o simulacro do real, passa a ser a realidade imaginada por uma massa invisível aprisionada às bolhas de ódio. Habitamos espaço-tempo em que o falso se dissemina como pandemia viral. É o contexto de pós-verdade, no qual os indivíduos subtraem do discurso a verdade factual com o desejo nefasto de criar realidades ficcionais e perigosas à democracia. Além disso, a miséria das narrativas expressas nas fake news carrega objetivos políticos e econômicos nada inocentes. Ideias que corroboram a ordem neoliberal, carregadas de cosmético para camuflar o fascismo que avança com a disposição de salvaguardar o poder dos super-ricos. Realmente, é impossível descolar as intenções econômicas e ideológicas expressas nas mensagens falsas, que inflacionam as redes sociais, do ultraliberalismo triunfante.

No limite, o capitalismo do século XX criou o Cidadão Kane, magnata das comunicações liberais, a fim de interferir na progressão da democracia de massa, fabricando consenso para dominar. Do mesmo modo, o Capitalismo Tardio concebeu o bebê de Rosemary, Elon Musk, Barão da plataforma de contrainformação, que, fazendo uso das infovias neoliberais, fabrica o fenômeno pânico para destruir – por meio de hiperguerra neoliberal – a progressão das democracias.

 

¨      Guerra comercial: por que Trump vai perder. Por Antônio Martins

O mundo é dos fortes. Para vencer, é preciso estar disposto a impor. Quem não submete, será subjugado. Por orientar-se a partir de preceitos éticos como estes, Donald Trump desencadeou no início desta semana uma nova etapa de sua guerra comercial contra o mundo. Na terça-feira, entrariam em vigor tarifas aduaneiras de 25% sobre todos os produtos vendidos a seu país pelo México e pelo Canadá – além de uma nova sobretaxa de 10% contra a China. No mesmo dia, ao discursar pela primeira vez no Congresso, o presidente dos EUA anunciou que sua cruzada está apenas começando e que países como o Brasil serão as próximas vítimas. Os atos e as falas impressionam, num mundo acostumado à letargia cínica dos regimes liberais e a uma esquerda que tarda tanto, no Ocidente, a renovar seu projeto histórico. Mas Trump corre enorme risco de perder a guerra comercial que ele próprio iniciou. Embora seja muito cedo para um prognóstico definitivo, já começaram a germinar, no rastro de seus últimos atos, as sementes de seu fracasso.

Os primeiros sinais estão no terreno da Geopolítica e a voz mais dura partiu da China. Nesta quarta-feira (5/3), menos de 24 horas depois de Trump anunciar as novas sanções, a embaixada de Pequim em Washington rebateu em termos ásperos o pretexto usado pelo presidente para decretar a medida. Seu país, afirmou a representação em rede social, não mantém complacência alguma com a produção de fentanil, droga anestésica cujo abuso mata quase cem mil pessoas ao ano nos EUA. No entanto, “se é guerra o que Washington deseja — seja guerra de tarifas, guerra comercial ou qualquer outro tipo de guerra –, estamos prontos para lutar até o fim”… Não foi um escorregão verbal. Pouco depois, em Pequim, o próprio Ministério das Relações Exteriores chinês respaldava seus diplomatas: “Os Estados Unidos, e ninguém mais, são responsáveis pela crise de fentanil em seu país. (…) Intimidação não nos amedronta. Bullying não funciona conosco”.

A China mostrou que não teme o valentão. A reação mais espetacular, porém, foi a do México. Embora declarando-se aberta a negociações com a Casa Branca – o que viria de fato a ocorrer –, a presidenta Claudia Sheinbaum revelou que seu governo prepara represálias. E para mostrar que fala sério, convocou o povo às ruas. Na manhã do próximo domingo, no gigantesco Zócalo da capital, Cláudia vai encontrar-se com uma “assembleia de defesa da soberania”, à qual comunicará seus próximos atos. O encontro foi mantido mesmo após os primeiros recuos de Trump. A popularidade da presidenta beira os 80%. Para evitar isolamento, ela tem mantido comunicação permanente com as federações empresariais mexicanas, que até agora não cederam ao servilismo e endossam sua atitude.

Mas algo notável está em curso também no abastado Canadá. Ainda na terça, o primeiro ministro Justin Trudeau apressou-se a sancionar produtos norte-americanos – de pasta de amendoim a caminhões –, confirmando a postura altiva das últimas semanas. No período, o Partido Liberal, que ele hoje lidera, reduziu dramaticamente a desvantagem diante do partido Conservador, nas pesquisas de intenção de voto (eleições parlamentares ocorrerão até outubro, no máximo). Mais notável: o repúdio às políticas da Casa Branca estendeu-se aos conservadores, que não querem se descolar do eleitorado. “O presidente Trump esfaqueou o maior amigo dos EUA pelas costas”, disse o líder do partido, Pierre Polièvre, em discurso no Parlamento.

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No campo da Economia, os revezes foram igualmente duros. Na terça-feira, um texto da revista Economist demonstrava que as tarifas disparadas contra México e Canadá ricocheteariam sobre os consumidores e corporações norte-americanas e de seus aliados. Os dois países exportam, juntos, 3,6 milhões de veículos ao ano para os EUA. A vasta maioria é produzida por empresas como Ford, Stellantis (Chrysler, Fiat, Jeep e outras marcas), GM, Nissan, Toyota e Volkswagen. A sobretaxa de 25% teria efeitos dramáticos e imediatos. Mas não é só, prossegue a matéria. A indústria automobilística da América do Norte é tão integrada que algumas partes automotivas atravessam fronteiras seis vezes, antes de serem incorporados nos automóveis ou caminhões. As sanções eram receita certa para um caos nas cadeias produtivas. Na quarta-feira, as ações das corporações atingidas despencaram nas bolsas de valores de Nova York, Frankfurt e Paris. Bastaram poucas horas de pressão para Trump recuar, parcialmente. No mesmo dia, ele emitiu ordem suspendendo por 30 dias as sobretaxas. Na quinta-feira, novo passo atrás, desta vez por viés geopolítico. Após diálogo telefônico com Claudia Sheinbaum, Trump recuou também, temporariamente, da maior parte das tarifas contra produtos mexicanos. A presidenta terá muito o que comemorar no próximo domingo, no Zócalo – e ganha tempo precioso para preparar o país contra os efeitos de uma possível retomada das medidas.

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Tarifas aduaneiras e outras medidas protecionistas não devem, em condições normais, ser vistas como um tabu. São um instrumento eficaz para países que, tendo se atrasado na industrialização ou no desenvolvimento de serviços avançados, desejam recuperar o tempo perdido. Defendidas originalmente por economistas como Friedrich List, foram empregados com sucesso, entre muitos outros, pela Alemanha e Japão, nos séculos XIX e XX – ou pelo Brasil, entre as décadas de 1930 e 80. Hoje, seria extremamente saudável articular, internacionalmente, um sistema de proteções que reduzisse o abismo entre o poder e a sofisticação econômica dos países, e o bem-estar de suas populações. Mas estas políticas, graduais e acompanhadas de planejamento, diferem radicalmente do voluntarismo extremo de Trump, e da condição dos EUA – não um país em desenvolvimento, mas o centro do sistema financeiro mundial. Outro artigo de Economist chama atenção para o nonsense do desejo expresso pelo presidente em sua fala ao Congresso em 4/3: o de adotar “tarifas recíprocas” às dos parceiros comerciais dos Estados Unidos. Cada país estabelece suas tarifas aduaneiras segundo realidades e politicas específicas, argumenta a revista. A Colômbia, por exemplo, impõe 80% de imposto sobre o café que eventualmente importa. De que forma Washington estabelecerá “reciprocidade”? Além de impraticável, tal atitude gerará retaliações inevitáveis e produzirá o caos nas relações internacionais de comércio.

Há críticas mais sofisticadas. O economista Michael Hudson fala, em “Imperialismo americano a todo vapor”, nos distúrbios e risco de crises financeiras que os planos de Trump podem produzir. Devido ao enorme peso dos EUA na economia mundial, cada investida da Casa Branca produz sobressalto na cotação das moedas – em geral desvalorizando, diante do dólar, o dinheiro dos países atingidos. Como a maior parte das nações do Sul Global está superendividada, fazer frente aos juros desta dívida (pagos em dólares) exigirá esforço brutal das populações, resultando em perda de poder aquisitivo, serviços públicos e direitos sociais. A única alternativa civilizada, propõe Hudson, será repudiar o pagamento das dívidas. Mas quanto sofrimento será necessário este passo? Já Michael Roberts, outro economista formado na tradição marxista, parece ter decifrado a espantosa cegueira ideológica que preside os atos de Donald Trump – tanto a guerra comercial quanto o ataque ao serviço público. O presidente “vê os Estados Unidos como apenas uma grande corporação capitalista, da qual é o executivo-chefe. Assim como fazia quando era o mandachuva em ‘O Aprendiz’, ele pensa estar tocando um negócio, e poder empregar e demitir à sua vontade. Tem um grupo de diretores que aconselham e ou lançam apostas (hoje, os oligarcas norte-americanos; antes, os assessores na TV). As instituições do Estado são obstáculos. O Congresso, os tribunais, os governos estaduais etc devem ser ignorados ou levados a seguir as instruções do executivo-chefe…”  Esta visão, e os enormes riscos de selvageria nela implícitos, estão sendo felizmente enfrentados por atitudes como as do México, da China e do Canadá. Mas será ótimo se outras forças se juntarem ao combate.

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Apontado nominalmente como um dos próximos candidatos ao abalroamento, o Brasil tem conservado estranho silêncio. Não se trata de propor uma disputa antecipada com os EUA, como frisou há dias, no programa Outra Manhã, o economista Paulo Kliass. Mas, conforme também lembrou ele, de abrir debate com a sociedade, alertar para os riscos, evitar mais uma atitude passiva. Há três semanas, quando as primeiras medidas de Trump (restrições à importação de aço e alumínio) atingiram lateralmente o país, aventou-se, como contramedida, impor um tributo especial às corporações que dominam o espaço da internet. São todas norte-americanas. Todas recorrem a medidas de evasão fiscal, como transferir lucros para o exterior. Todas estão envolvidas nos atos abusivos e antidemocráticos do presidente dos EUA. E, acima de tudo, todas empenham-se em transformar o espaço público em seu território privado, a serviço não da democracia e da informação cidadã mas da multiplicação de lucros.A tributação estava em estudos, há meses, no Ministério da Fazenda. Não tinha caráter regulador, mas apenas arrecadatório e muito modesto (pretendia-se obter cerca de R$ 8 bilhões ao ano). Ainda assim, o ministro apressou-se a descartá-la.

Se for capaz de enxergar o que se passa no México, o presidente Lula ficará tentado a alterar esta posição: a tributar as Big Techs e iniciar medidas que estabeleçam controle social sobre elas. Obterá três resultados muito desejáveis. Estabelecerá diálogo direto com a população (de quem tem se afastado), apelando para o justo sentimento de soberania nacional. Poderá desmascarar a ultradireita, que sustenta um falso “nacionalismo” mas dele se afasta diante de qualquer aceno de Trump. E retomará algum protagonismo na cena internacional, da qual anda distante. Recuperar a internet, salvá-la da captura promovida pelas corporações e reconvertê-la em praça cidadã será essencial para a vida política brasileira, nos próximos anos. Tornou-se, também, aspiração difusa (mas real) de uma parcela importante das populações do Ocidente, extenuadas pela disputa incessante pela atenção, pela necessidade de permanecer conectado permanentemente, pelo consumo psíquico imposto pelas plataformas. Há combates de que não se deve fugir. Derrotar Trump e seu projeto de barbárie é – como se viu – possível. Mas a disputa será longa e árdua, envolverá múltiplas batalhas, e a vitória não está assegurada. Diante da arrogância do presidente dos EUA e dos bilionários que o seguem, o Brasil tem uma primeira contribuição relevante a oferecer.

 

Fonte: Jornal GGN/Outras Palavras

 

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