Ronaldo de Morais:
Da hiperguerra neoliberal - a desinformação como guerra por outros meios
Há uma operação de
guerra no cotidiano que, por seu domínio virtual, está distante do radar
político da sociedade civil. Ela é imperceptível, porque ocupa o hiper-real.
Trata-se de hiperguerra, isto é, de guerra no estágio tardio do capitalismo.
Diferentemente das guerras de outros tempos, o sangue que jorra da lama das
batalhas é o da desinformação total. No cibermundo das redes, o terror é
psicológico. Hoje, a desinformação é a guerra por outros meios. Além de tudo, a
máquina de guerra virtual configura-se na indistinção do inimigo. Ele é civil
ou militar? Todavia, pouco importa, visto que são corpos de guerra
completamente militarizados. Importante registrar de pronto, a história das
guerras é um importante campo hermenêutico para compreender a lógica da
produção material e imaterial das sociedades em conflito. A hiperguerra é a
guerra que progride no terreno das infovias, em tempos de Capitalismo de
Plataforma. Em outras palavras, momento no qual o neoliberalismo alcança o topo
da incivilização moderna. Sem dúvida, ele é o modo de destruição que nos
arrasta à barbárie. Basta olhar e ver, com os olhos bem abertos, a fim de consignar
que o conteúdo das fake news que inflaciona as redes sociais, além da mensagem
tola, traduz interesse material. Dito brevemente, revela interesse econômico,
que agencia as massas ao fenômeno pânico para ampliar o lucro capitalista. São,
verdadeiramente, ciberbombas de contrainformação a serviço da reprodução do
capital.
A reação contrária
dos Barões das Big Techs à regulamentação das plataformas digitais é
emblemática, posto que “regulamentar” significa não mais que obstruir o fluxo
de informações falsas com o intuito de defender a sociedade democrática. Ao
lado da extrema-direita, cibersoldados da desinformação, os super-ricos são
parte desse exército virtual, que faz a hiperguerra ordinariamente e, portanto,
é impossível tangenciar que se trata de guerra contra a democracia e a
sociedade civil. A velocidade das chamadas revoluções coloridas, que chegaram
ao Brasil em 2013, e o consequente avanço da extrema-direita ocidental é parte
dessa guerra operada nas vias informacionais, que agenciam a emoção pública com
o propósito de instaurar a política do pior, que, objetivamente, representa a
ampliação total do terror neoliberal e o empobrecimento da sociedade civil. Por
exemplo, os personagens públicos bizarros – Trump e Bolsonaro – são máquinas da
hiperguerra cotidiana, rebentos de contaminação da política por fake news. Eles
são o produto direto da continuada explosão das bombas virais de
contrainformação, que acionam, repetidas vezes, a personalidade autoritária que
dorme profundamente no esgoto da modernidade.
Pesquisadores
militares dos Estados Unidos subscrevem o conceito de guerra em rede – netwar –
para qualificar o cenário de emergência dos conflitos beligerantes na chamada
“comunidade virtual”. É a previsão do progresso beligerante no ciberespaço. Também,
da crescente militarização da internet. Trata-se de um conflito que se encaixa
na guerra de informação. Embora muito mais difusa. É uma guerra de baixa
intensidade, que progride no interior das novas tecnologias informacionais de
comunicação, que estão disponíveis no mercado. E é nas infovias do ciberespaço
que se ergue o teatro de guerra. Em realidade, a hiperguerra registra uma
mutação de guerra de informação, pois a verdade factual é sua baixa essencial.
Ela é, regularmente, contrainformação. Não é guerra de narrativas com base no
acontecimento factual, ou mesmo, combate de informações com o objetivo de
formar consciência nova. Digo instrutivamente, não é o que grosseiramente se
nomeava na Guerra Fria de “lavagem cerebral”, limpar a consciência da população
civil, mas algo ainda pior, pois o objetivo é o de criar um simulacro de
consciência ou de opinião pública. Em poucas palavras, produzir uma
“consciência falsa” com o objetivo de agenciar a emoção pública para agir
contra si e contra todos. É o fenômeno pânico apresentado quantitativamente por
meio de milhões de compartilhamentos, visualizações e até mesmo expresso como
“pesquisa de opinião”. É uma guerra estrategicamente concebida para destruir
qualquer possibilidade de consciência coletiva. A hiperguerra que arrola no
cotidiano expõe um mundo virtual, no qual não há fatos universais nem mesmo
interpretações conscientes. É o espaço-tempo de agenciamento total e imediato
da emoção pública. Não é o mundo moderno do fato único e das infinitas interpretações.
Ele é o cibermundo da mutação da liberdade de expressão, que gerou o monstro da
tirania da emoção. Nessa contextura obscena, a emoção é o fato e as
interpretações tão estúpidas quanto infinitas.
A hiperguerra que
solapa a democracia nas cidades de concreto e aço atua essencialmente no
processo de subjetivação contemporâneo, melhor dizendo, no modo de produção dos
sujeitos. São combates com o propósito de cativar a emoção pública. Todavia, a
máquina de guerra gera seus próprios “war baby”. Ela forma seus guerreiros. O
soldado-operário das guerras totais foi uma criação da máquina de guerra do
capitalismo industrial avançado, do mesmo modo que o cibersoldado da
hiperguerra tem como demiurgo o capitalismo tardio neoliberal das Big Techs.
A guerra é sempre
uma expressão de estágio civilizatório e de barbarização da condição humana.
Por certo, quando destacamos o extremismo de direita, como agente direto da
guerra em rede, também inferimos a posição socioeconômica desses combatentes do
ódio. Ele é o filho da degradação do bem-estar social. A hiperguerra opera por
meio de contrainformação, aciona bombas virais contra uma população civil de
imaginário empobrecido, em profundo mal-estar socioeconômico. O alvo de
agenciamento está concentrado na classe média massificada. Ela vivencia, diante
do crescente avanço neoliberal, a erosão socioeconômica de seu mundo. Não é
tudo.
Como parte
considerável da burocracia estatal das democracias modernas é composta por
estrato de classe média, o enfraquecimento das instituições, em face da
flexibilização da vida social, produziu o terreno favorável ao êxito das
guerras em rede, conduzidas, em larga medida, por agentes públicos. Logo, há
crescente ruptura de compromisso molecular dos indivíduos com as instituições
das quais fazem parte. A exclusão recente, pelo serviço de informação
americano, de parte da guarda de proteção ao Capitólio nos Estados Unidos, em
janeiro de 2021, por suspeita de integrar grupos de ciberfascismo, é exemplo
ilustrativo de que há impacto importante da guerra em rede sobre agentes
públicos, principalmente da área de segurança.O mesmo acontecimento é possível
identificar no dia oito de janeiro de 2023 em Brasília, uma massa tresloucada,
essencialmente branca de classe média – muitos funcionários públicos – guiados
pelo ódio disseminado nas infovias e pela distopia da completa militarização da
política. Após investigação e apresentação das imagens – self e live dos
próprios autores do terror – demonstrou-se evidente o papel fundamental dos
funcionários da segurança pública para o “sucesso da ação” antidemocrática. A
contrainformação que inflaciona as redes sociais, ao contrário do imaginado
pelo jornalismo comercial, não compõe qualquer manifestação de opinião política
paralela. Ela contrapõe-se à informação produzida pelas instituições, uma vez
que a fake news escapa ao diálogo e à dialética. A informação institucional
guarda, efetivamente, nexo com o mundo real. Há no mínimo alguma relação com o
verdadeiro. Distintamente, a contrainformação é o falso, a falsa mensagem que
objetiva desinformar para conquistar.
Na guerra, a
verdade é a primeira vítima. É necessário, sobretudo, eliminar o verdadeiro com
a finalidade de obter as condições favoráveis para exterminar, conquistar e
subjugar os corpos. Nessa perspectiva, sustentamos que o conceito de verdade,
aqui exposto, está imbricado ao contexto de hiperguerra, portanto diz respeito
às bases deontológicas que devem sustentar o discurso no interior da democracia
com o propósito de proteger a sociedade da barbárie. Evidentemente, o que
ocorre nas redes informacionais não compõe a base moderna da liberdade de
opinião, de luta política e epistemológica à composição da verdade, pois
corresponde à hedionda ofensiva do falso que corrompe a vida democrática no
interior das cidades. Por fim, a circulação de fake news não se limita à
disseminação de informação falsa, dado que a intenção é belicosa. Ela atua como
movimento estratégico de contrainformação para cativar sujeitos que estão
inseridos no terror neoliberal nas sociedades hiperindividualizadas, formando
um enorme exército de cibersoldados do caos com a intenção de executar ações
antidemocráticas de toda ordem. Assim, ergue-se uma comunidade de
cibercombatentes de extrema-direita, que interfere nas emoções, sentimentos,
desejos e impulsos subjetivos das massas de classe média.
A banalização, cada
vez mais extensiva, do acesso às vias informacionais no ciberespaço multiplica
a inércia polar nos corpos de jovens e adultos idiotizados, paralisados em seus
quartos e presos aos écrans de comunicação informacional, consumindo o ódio
como o pão nosso de cada dia. São, grosso modo, desocupados ou
trabalhadores precarizados, integrantes do exército de reserva da economia
neoliberal e soldados ciberfascistas da ativa nas comunidades virtuais da
guerra em rede. Todo o esforço presente na contrainformação, que ocupa as
bolhas de afinidades afetivas, está inclinado à narrativa irracional que
percebe o mundo real como mera expressão ideológica e o discurso ideológico
extremista, como a única realidade existente.
É a consciência
falsa do mundo que mobiliza a guerra em redes, o espaço virtual, o simulacro do
real, passa a ser a realidade imaginada por uma massa invisível aprisionada às
bolhas de ódio. Habitamos espaço-tempo em que o falso se dissemina como
pandemia viral. É o contexto de pós-verdade, no qual os indivíduos subtraem do
discurso a verdade factual com o desejo nefasto de criar realidades ficcionais
e perigosas à democracia. Além disso, a miséria das narrativas expressas nas fake
news carrega objetivos políticos e econômicos nada inocentes. Ideias que
corroboram a ordem neoliberal, carregadas de cosmético para camuflar o fascismo
que avança com a disposição de salvaguardar o poder dos super-ricos. Realmente,
é impossível descolar as intenções econômicas e ideológicas expressas nas
mensagens falsas, que inflacionam as redes sociais, do ultraliberalismo
triunfante.
No limite, o
capitalismo do século XX criou o Cidadão Kane, magnata das comunicações
liberais, a fim de interferir na progressão da democracia de massa, fabricando
consenso para dominar. Do mesmo modo, o Capitalismo Tardio concebeu o bebê de
Rosemary, Elon Musk, Barão da plataforma de contrainformação, que, fazendo uso
das infovias neoliberais, fabrica o fenômeno pânico para destruir – por meio de
hiperguerra neoliberal – a progressão das democracias.
¨ Guerra comercial: por que Trump vai perder. Por Antônio
Martins
O mundo é dos
fortes. Para vencer, é preciso estar disposto a impor. Quem não submete, será
subjugado. Por orientar-se a partir de preceitos éticos como estes, Donald
Trump desencadeou no início desta semana uma nova etapa de sua guerra comercial
contra o mundo. Na terça-feira, entrariam em vigor tarifas aduaneiras de 25%
sobre todos os produtos vendidos a seu país pelo México e pelo Canadá – além de
uma nova sobretaxa de 10% contra a China. No mesmo dia, ao discursar pela
primeira vez no Congresso, o presidente dos EUA anunciou que sua cruzada está
apenas começando e que países como o Brasil serão as próximas vítimas. Os atos
e as falas impressionam, num mundo acostumado à letargia cínica dos regimes
liberais e a uma esquerda que tarda tanto, no Ocidente, a renovar seu projeto
histórico. Mas Trump corre enorme risco de perder a guerra comercial que ele
próprio iniciou. Embora seja muito cedo para um prognóstico definitivo, já
começaram a germinar, no rastro de seus últimos atos, as sementes de seu
fracasso.
Os primeiros sinais
estão no terreno da Geopolítica e a voz mais dura partiu da China. Nesta
quarta-feira (5/3), menos de 24 horas depois de Trump anunciar as novas
sanções, a embaixada de Pequim em Washington rebateu em termos ásperos o
pretexto usado pelo presidente para decretar a medida. Seu país, afirmou a
representação em
rede social, não mantém complacência alguma com a produção de fentanil, droga
anestésica cujo abuso mata quase cem mil pessoas ao ano nos EUA. No entanto,
“se é guerra o que Washington deseja — seja guerra de tarifas, guerra comercial
ou qualquer outro tipo de guerra –, estamos prontos para lutar até o fim”… Não
foi um escorregão verbal. Pouco depois, em Pequim, o próprio Ministério das
Relações Exteriores chinês respaldava seus
diplomatas:
“Os Estados Unidos, e ninguém mais, são responsáveis pela crise de fentanil em
seu país. (…) Intimidação não nos amedronta. Bullying não funciona
conosco”.
A China mostrou que
não teme o valentão. A reação mais espetacular, porém, foi a do México. Embora
declarando-se aberta a negociações com a Casa Branca – o que viria de fato a
ocorrer –, a presidenta Claudia Sheinbaum revelou que seu governo prepara
represálias. E para mostrar que fala sério, convocou o povo às ruas. Na manhã
do próximo domingo, no gigantesco Zócalo da capital, Cláudia vai
encontrar-se com uma “assembleia de
defesa da soberania”,
à qual comunicará seus próximos atos. O encontro foi mantido mesmo após os
primeiros recuos de Trump. A popularidade da presidenta beira os 80%. Para evitar
isolamento, ela tem mantido comunicação
permanente com
as federações empresariais mexicanas, que até agora não cederam ao servilismo e
endossam sua atitude.
Mas algo notável
está em curso também no abastado Canadá. Ainda na terça, o primeiro ministro
Justin Trudeau apressou-se a sancionar produtos
norte-americanos –
de pasta de amendoim a caminhões –, confirmando a postura altiva das últimas
semanas. No período, o Partido Liberal, que ele hoje lidera, reduziu
dramaticamente a desvantagem diante do partido Conservador, nas pesquisas de
intenção de voto (eleições
parlamentares ocorrerão até outubro, no máximo). Mais notável: o repúdio às
políticas da Casa Branca estendeu-se aos conservadores, que não querem se
descolar do eleitorado. “O presidente Trump esfaqueou o maior
amigo dos EUA pelas
costas”, disse o líder do partido, Pierre Polièvre, em discurso no Parlamento.
* * *
No campo da
Economia, os revezes foram igualmente duros. Na terça-feira, um texto da
revista Economist demonstrava que as
tarifas disparadas contra México e Canadá ricocheteariam sobre os consumidores
e corporações norte-americanas e de seus aliados. Os dois países exportam,
juntos, 3,6 milhões de veículos ao ano para os EUA. A vasta maioria é produzida
por empresas como Ford, Stellantis (Chrysler, Fiat, Jeep e outras marcas), GM,
Nissan, Toyota e Volkswagen. A sobretaxa de 25% teria efeitos dramáticos e
imediatos. Mas não é só, prossegue a matéria. A indústria automobilística da
América do Norte é tão integrada que algumas partes automotivas atravessam
fronteiras seis vezes, antes de serem incorporados nos automóveis ou caminhões.
As sanções eram receita certa para um caos nas cadeias produtivas. Na
quarta-feira, as ações das corporações atingidas despencaram nas bolsas de
valores de Nova York, Frankfurt e Paris. Bastaram poucas horas de pressão para
Trump recuar, parcialmente. No mesmo dia, ele emitiu ordem suspendendo por 30
dias as sobretaxas. Na quinta-feira, novo passo atrás, desta vez por viés
geopolítico. Após diálogo telefônico com Claudia Sheinbaum, Trump recuou
também, temporariamente, da maior parte das tarifas contra produtos mexicanos.
A presidenta terá muito o que comemorar no próximo domingo, no Zócalo – e ganha tempo
precioso para
preparar o país contra os efeitos de uma possível retomada das medidas.
* * *
Tarifas aduaneiras
e outras medidas protecionistas não devem, em condições normais, ser vistas
como um tabu. São um instrumento eficaz para países que, tendo se atrasado na
industrialização ou no desenvolvimento de serviços avançados, desejam recuperar
o tempo perdido. Defendidas originalmente por economistas como Friedrich List, foram empregados
com sucesso, entre muitos outros, pela Alemanha e Japão, nos séculos XIX e XX –
ou pelo Brasil, entre as décadas de 1930 e 80. Hoje, seria extremamente
saudável articular, internacionalmente, um sistema de proteções que reduzisse o
abismo entre o poder e a sofisticação econômica dos países, e o bem-estar de
suas populações. Mas estas políticas, graduais e acompanhadas de planejamento,
diferem radicalmente do voluntarismo extremo de Trump, e da condição dos EUA –
não um país em desenvolvimento, mas o centro do sistema financeiro mundial. Outro artigo de Economist chama
atenção para o nonsense do desejo expresso pelo presidente em sua fala
ao Congresso em 4/3: o de adotar “tarifas recíprocas” às dos parceiros
comerciais dos Estados Unidos. Cada país estabelece suas tarifas aduaneiras
segundo realidades e politicas específicas, argumenta a revista. A Colômbia,
por exemplo, impõe 80% de imposto sobre o café que eventualmente importa. De
que forma Washington estabelecerá “reciprocidade”? Além de impraticável, tal
atitude gerará retaliações inevitáveis e produzirá o caos nas relações
internacionais de comércio.
Há críticas mais
sofisticadas. O economista Michael Hudson fala, em “Imperialismo
americano a todo vapor”, nos distúrbios e risco de crises financeiras que
os planos de Trump podem produzir. Devido ao enorme peso dos EUA na economia
mundial, cada investida da Casa Branca produz sobressalto na cotação das moedas
– em geral desvalorizando, diante do dólar, o dinheiro dos países atingidos.
Como a maior parte das nações do Sul Global está superendividada, fazer frente
aos juros desta dívida (pagos em dólares) exigirá esforço brutal das
populações, resultando em perda de poder aquisitivo, serviços públicos e
direitos sociais. A única alternativa civilizada, propõe Hudson, será repudiar
o pagamento das dívidas. Mas quanto sofrimento será necessário este passo? Já
Michael Roberts, outro economista formado na tradição marxista, parece ter
decifrado a espantosa cegueira ideológica que preside os atos de Donald Trump –
tanto a guerra comercial quanto o ataque ao serviço público. O presidente “vê
os Estados Unidos como apenas uma grande corporação capitalista, da qual é o
executivo-chefe. Assim como fazia quando era o mandachuva em ‘O Aprendiz’, ele
pensa estar tocando um negócio, e poder empregar e demitir à sua vontade. Tem
um grupo de diretores que aconselham e ou lançam apostas (hoje, os oligarcas
norte-americanos; antes, os assessores na TV). As instituições do Estado são
obstáculos. O Congresso, os tribunais, os governos estaduais etc devem ser
ignorados ou levados a seguir as instruções do executivo-chefe…” Esta visão, e os enormes riscos de selvageria
nela implícitos, estão sendo felizmente enfrentados por atitudes como as do
México, da China e do Canadá. Mas será ótimo se outras forças se juntarem ao
combate.
* * *
Apontado
nominalmente como um dos próximos candidatos ao abalroamento, o Brasil tem
conservado estranho silêncio. Não se trata de propor uma disputa antecipada com
os EUA, como frisou há dias, no
programa Outra Manhã, o economista Paulo Kliass. Mas, conforme também
lembrou ele, de abrir debate com a sociedade, alertar para os riscos, evitar
mais uma atitude passiva. Há três semanas, quando as primeiras medidas de Trump
(restrições à importação de aço e alumínio) atingiram lateralmente o
país, aventou-se, como
contramedida, impor um tributo especial às corporações que dominam o espaço da
internet. São todas norte-americanas. Todas recorrem a
medidas de evasão fiscal, como transferir lucros para o
exterior. Todas estão envolvidas nos atos abusivos e antidemocráticos
do presidente dos EUA. E, acima de tudo, todas empenham-se em
transformar o espaço público em seu território privado, a serviço não da
democracia e da informação cidadã mas da multiplicação de lucros.A tributação
estava em estudos, há meses, no Ministério da Fazenda. Não tinha caráter
regulador, mas apenas arrecadatório e muito modesto (pretendia-se obter cerca
de R$ 8 bilhões ao ano). Ainda assim, o ministro apressou-se a
descartá-la.
Se for capaz de
enxergar o que se passa no México, o presidente Lula ficará tentado a alterar
esta posição: a tributar as Big Techs e iniciar medidas que estabeleçam
controle social sobre elas. Obterá três resultados muito desejáveis.
Estabelecerá diálogo direto com a população (de quem tem se afastado), apelando
para o justo sentimento de soberania nacional. Poderá desmascarar a
ultradireita, que sustenta um falso “nacionalismo” mas dele se afasta diante de
qualquer aceno de Trump. E retomará algum protagonismo na cena internacional,
da qual anda distante. Recuperar a internet, salvá-la da captura promovida
pelas corporações e reconvertê-la em praça cidadã será essencial para a vida
política brasileira, nos próximos anos. Tornou-se, também, aspiração difusa
(mas real) de uma parcela importante das populações do Ocidente, extenuadas
pela disputa incessante pela atenção, pela necessidade de permanecer conectado
permanentemente, pelo consumo psíquico imposto pelas plataformas. Há combates
de que não se deve fugir. Derrotar Trump e seu projeto de barbárie é – como se
viu – possível. Mas a disputa será longa e árdua, envolverá múltiplas batalhas,
e a vitória não está assegurada. Diante da arrogância do presidente dos EUA e
dos bilionários que o seguem, o Brasil tem uma primeira contribuição relevante
a oferecer.
Fonte: Jornal GGN/Outras
Palavras
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