'Frequência não
deve ser principal indicador de satisfação sexual'
Em um mundo
obcecado pelo desempenho, há muitas vozes que, em seu esforço para descrever
o prazer e o desejo sexual em termos de
"realizações" e "objetivos", sugerem às pessoas números
mágicos e metas que devem atingir para ter uma vida sexual feliz a dois.
"A maioria das
vezes em que as pessoas vão à terapia de casais, em todo tipo de combinações de
gênero e relacionamentos, é por uma diferença no desejo", diz Emily
Nagoski, sexóloga americana e autora de dois livros de sucesso sobre o desejo
nas relações.
Mas ela acrescenta
que, após conversar com centenas de casais e ouvi-los descrevendo suas
experiências sexuais, ainda se surpreende com a quantidade de casos em que as
pessoas fazem sexo focadas em
"cumprir" com o que outras pessoas acreditam ser uma vida sexual plena - e com
tantos outros que vivem sua sexualidade sem explorar ou entender o que realmente
os estimula.
"Descrevem o
sexo por um senso de obrigação. Sexo segundo as regras que acreditam que devem
seguir, e aqui eu proponho uma ideia 'louca': não querer o sexo que você tem
disponível no seu relacionamento não te torna 'disfuncional' se o sexo que você
tem disponível não for o que você gosta."
"O sexo deve
ser brincalhão, deve ser alegre e menos vinculado ao cumprimento de
metas."
Nagoski é PhD pela
Universidade de Indiana (EUA), especializada em sexualidade humana e autora dos
livros Come as you are ("Venha como você é", em tradução
literal) e Come Together ("Venha Junto"). Os títulos são
jogos de palavras - em inglês, a palavra come também é usada para
descrever o orgasmo.
A pesquisadora se
tornou uma das mais reconhecidas estudiosas sobre sexualidade e prazer nos EUA
e é uma das especialistas entrevistadas na série documental Os Princípios
do Prazer, da Netflix.
A BBC Mundo,
serviço de notícias em espanhol da BBC conversou com ela.
<><> Leia,
a seguir, trechos da entrevista.
·
Hoje
se fala com frequência que as pessoas estão fazendo menos sexo do que antes, em
um nível que muitos qualificam como "historicamente baixo". Ainda
assim, você é autora de livros best sellers, e as pessoas, de forma geral,
parecem muito interessadas no tema da sexualidade. Onde você acha que está a
dissonância?
Emily
Nagoski - De fato, vários dados indicam que a frequência sexual tem
diminuído com o tempo.
No entanto, uma das
ideias principais que eu proponho é que contar o número de vezes que fazemos
sexo não é a forma correta de determinar se nossa vida sexual vai bem.
Pense em um casal
que tem encontros muito frequentemente, mas pelo menos um dos membros não
aproveita nada disso. Você preferiria essa situação ou, melhor, um casal que,
embora não tenha sexo tão frequente, quando o faz, ambos aproveitam ao máximo?
É evidente que o
segundo caso é mais desejável. Por isso, não devemos tomar a frequência como o
principal indicador de satisfação sexual.
·
Existe
essa percepção de que é preciso cumprir com um número de relações ou orgasmos
para ter uma vida íntima "bem-sucedida". Você acha que isso pressiona
demais as pessoas e, consequentemente, reduz o desejo delas de fazer sexo?
Nagoski - Sim,
as pessoas procuram uma forma de medir algo que, na realidade, é subjetivo. É
mais fácil contar quantas vezes o sexo acontece do que medir o prazer ou a
qualidade dessas experiências.
Além disso, muitas
crenças culturais sobre quantas vezes "deveríamos" fazer sexo ou
quantos orgasmos "devemos" alcançar acabam sendo absorvidas.
Eu conheço o caso
de um casal que decidiu "cumprir" uma certa frequência semanal porque
havia lido que esse era o número médio, pensando "assim ninguém pode dizer
que não tentamos".
O problema é que
ela estava fazendo isso mais por obrigação do que por um desejo real e, quanto
mais repetiam, mais a ideia de que o prazer dela não importava se reforçava.
Ela acabou ficando profundamente ressentida, e a relação foi prejudicada.
Isso mostra que não
se trata apenas da quantidade, mas de quão satisfatório isso é para todos os
envolvidos.
·
Você
menciona a importância de que o sexo seja algo prazeroso e lúdico, não apenas
uma tarefa a ser cumprida. Como se consegue essa abordagem mais livre e de
verdadeiro prazer?
Nagoski -
Descobri que os casais que mantêm uma conexão sexual sólida tendem a
compartilhar três características.
A primeira é que
genuinamente se agradam e se admiram mutuamente; parece óbvio, mas desempenhar
um papel de agrado e respeito aumenta muito a qualidade do sexo.
A segunda é que
eles dão prioridade ao sexo, entendendo que ele traz algo valioso e único para
o relacionamento. Embora passem por momentos de pouca atividade, sempre buscam
se reconectar porque reconhecem sua importância.
A terceira, que sempre
considero a mais difícil de alcançar, consiste em se libertar das regras que
foram absorvidas da cultura, da família ou da religião sobre como o sexo
"deve" ser e se atrever a descobrir o que realmente funciona para
eles.
Muitas vezes, isso
implica reconsiderar crenças profundamente enraizadas e aprender a comunicar os
próprios desejos e limites.
·
Mesmo
sabendo da importância da comunicação para melhorar, parece muito difícil falar
sobre sexo. Por que você acha que isso acontece?
Nagoski -
Muitos de nós crescemos com a ideia de que, se é necessário "falar sobre
isso", é porque algo está errado.
Mas, quando
analisamos casais que descrevem sua vida sexual como maravilhosa, vemos que
eles falam sobre o tema com total naturalidade, como quem fala sobre um hobby compartilhado.
Eles adoram
relembrar o que funcionou, pensar no que gostariam de experimentar na próxima
vez…
No entanto, existem
dois medos muito comuns: um de dizer algo que choque o parceiro e que depois
ele não consiga te ver da mesma forma; e o outro de ferir seus sentimentos.
Se o que você busca
é maior conexão, é assustador pensar que você pode provocar o contrário.
Por isso, recomendo
começar com o que chamo de "conversa sobre a conversa": admitir que
você deseja que a vida sexual melhore e que, embora ninguém tenha te ensinado a
falar sobre isso, você quer fazê-lo com cuidado e respeito.
Assim, ambos
acordam como se comunicar de maneira compassiva e eficaz.
·
Esses
problemas de comunicação sobre sexo são exclusivos de casais heterossexuais ou
também ocorrem em outros tipos de relacionamentos?
Nagoski - Em
grande parte, as pessoas LGBTQIA+ já tiveram que questionar as imposições
culturais sobre sua identidade.
Ao romper com a
norma, elas desenvolvem o hábito de desafiar regras e buscar o que realmente
faz sentido para elas.
Além disso, quando
compartilham o mesmo gênero, às vezes evitam certas barreiras comunicativas
ligadas à forma como homens e mulheres são tradicionalmente criados.
O que me preocupa
particularmente são os casais heterossexuais, pois tendem a ter mais encontros
sexuais, mas os aproveitam menos.
Muitas vezes,
seguem roteiros muito rígidos, não falam abertamente sobre o que realmente
gostam e acabam fazendo sexo mais por obrigação ou rotina do que por desejo
genuíno.
·
Para
um casal que está passando por dificuldades e não sabe por onde começar, que
primeiro passo você recomendaria?
Procurar terapia
sexual pode ser muito útil. Muitas vezes, com poucas sessões um terapeuta
ensina habilidades de comunicação que o casal nunca praticou antes, e isso já
gera uma grande mudança.
Também sugiro a
leitura de livros sobre sexualidade. Eu gosto de incluir no final dos meus
livros um breve resumo dos pontos principais, porque às vezes basta mostrar
esse resumo ao parceiro para iniciar o diálogo: "Li isso e achei
interessante, o que você acha?".
Esse tipo de
conversa ajuda a quebrar o medo e faz com que ambos parem de enxergar o sexo
como um tema tabu.
·
Falando
de prazer: recentemente foi mencionada a aprovação de um medicamento não
opioide para tratar a dor, e um dos pontos levantados por especialistas foi a
dificuldade de medir algo tão subjetivo quanto a dor. No início da nossa
conversa, você mencionou algo semelhante em relação ao prazer. Qual é a relação
entre essas sensações tão subjetivas?
Nagoski - A
dor e o prazer são processados no cérebro; não são algo que acontece apenas no
nível dos tecidos.
Por exemplo, se
você cortar a mão com uma folha de papel enquanto foge de um leão, seu cérebro
pode ignorar a dor da mão até que você esteja seguro, porque considera a ameaça
do leão mais perigosa.
Com o prazer,
acontece algo semelhante: ele depende de como o cérebro interpreta as sensações
em um determinado contexto.
Da mesma forma,
quando uma mulher passa por um parto traumático e, mesmo após a recuperação
física, sente dor ao retomar a vida sexual, pode ser que seu sistema nervoso
ainda esteja em "modo de alerta", interpretando a estimulação como
uma ameaça.
Daí a importância
da fisioterapia do assoalho pélvico e do trabalho emocional, para reeducar o cérebro
a experimentar sensações de forma segura. Além disso, enfatizo: sexo nunca
deveria doer; se dói, é essencial procurar um profissional de saúde.
·
Algum
conselho final para quem deseja melhorar sua vida sexual?
Nagoski
- Conheça-se bem e dê a si mesmo permissão para descobrir do que gosta e
do que não gosta. Permita que seu parceiro ou parceira faça o mesmo.
Cada pessoa e cada
corpo mudam com o tempo; o que antes funcionava pode não servir mais agora.
Comunique-se com
franqueza e crie um ambiente seguro: se o cérebro interpreta uma ameaça,
dificilmente haverá prazer.
Por fim, não hesite
em pedir ajuda ou se informar.
O sexo satisfatório
é aquele em que ambas as partes (ou todas as envolvidas) estão igualmente
felizes por estarem ali.
Essa é a chave para
que, mais do que a frequência, a experiência seja realmente prazerosa e
enriquecedora.
Fonte: BBC News
Mundo
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