sábado, 8 de março de 2025

Domenico Quirico: Agora quem explicará aos ucranianos que eles morreram pelo impossível?

Como recapitular três anos de guerra? Não seria justo esperar que ela acabe, agora que todos têm certeza de que ela terminará, e até mesmo aqueles que a consideram uma conclusão inaceitável, uma derrota da justiça e do direito? Trump... é tudo mérito de Trump... é tudo culpa de Trump.... era preciso Trump... Trump traiu... Trump e as terras raras... Trump, o comerciante... Posso sentir o cheiro ruim que emana daqueles que já estão se preparando para voltar, como se nada tivesse acontecido, ao mundo de ontem. Para redirecionar os oleodutos. Para abastecer, depois dos arsenais agora garantidos pelos planos de “rearmamento de qualquer maneira”, o grande negócio da reconstrução, do fim das sanções, dos gordos mercados do luxo. E os mortos?

Relembrar uma guerra, honrar o aniversário, enquanto ainda se combate em um frenesi desesperado e extremo, significa assumir um compromisso, concluir um pacto especial com os fatos, implica uma promessa, uma disposição de avaliar tudo, registrar tudo, não esconder ou omitir nada. Até mesmo já classificar vencedores e perdedores com um rigor quase aristotélico. Será que sou capaz disso? Será que somos capazes disso? Quando a história, mais que uma tentativa de registrar e compreender, torna-se o hábito de reordenar fatos inconvenientes, ela já está em processo de esquecimento. Como todo mundo, exceto os mentirosos, os aproveitadores, os fanáticos, nesses três anos eu procurei o fio de Ariadne desse massacre, às vezes encontrando-o, às vezes não encontrando nada, apenas tragédia e inutilidade.

E essa desorientação era a única atitude honesta em relação àqueles que, em um campo e em outro, pregavam como tudo terminaria. Como muitos outros, deixei meus pensamentos vaguearem para me trazer de volta uma migalha pura de dor ou de esperança.

O tempo deveria ser parado. Sim. Às vezes é preciso tentar, mesmo que seja em vão. Exatamente: às vezes é preciso tentar justamente porque é em vão. Pelo fato de um evento ser desprovido de sentido, uma guerra inútil em que todos saem perdedores, é preciso lhe dar um. Como o futuro nos escapa, é preciso criá-lo.

Portanto: os ucranianos, os refugiados e os que ficaram para trás nas cidades bombardeadas e destruídas e, acima de tudo, os soldados nas trincheiras. É deles que devemos partir, a eles pertence totalmente este enésimo aniversário. A eles se devem explicações, nós, no Ocidente, devemos explicações. Por exemplo: por que o Ocidente, que até um mês atrás garantia a uma só voz que os acompanharia até a “paz justa”, agora está dividido; e a única parte que conta, os EUA versão Trump, troca sorrisos, promessas e dita condições sentado à mesa com o invasor?

Os líderes da UE irão a Kiev no dia do aniversário para instruir, confirmar e fazer as enésimas promessas que eles sabem que não podem cumprir. Uma peregrinação de nus e impotentes que estão ansiosos para se alinharem pela enésima vez com a cambalhota estadunidense e querem estar na primeira fila para que o chefe não os renegue. Coitados. Será que eles acham que podem dar conselhos a eles, àqueles que estão encarando a morte há três anos? Durante três anos, no abrigo dos salões de Bruxelas, em intervalos com penosas viagenzinhas para tirar uma foto ao lado do astro Zelensky para fins de propaganda interna, lhes garantiram a vitória, asseguraram que as armas que forneceram ou compraram no exterior poderiam esmagar o invasor russo, os incitaram: bravos, vocês precisam ser heroicos! É como se maus advogados tivessem se apoderado de sua causa justa. Os ucranianos sabem mais do que eles sobre os mistérios da guerra, a fragilidade da existência e o fim da história. Até mesmo a menor das crianças ucranianas possui uma soma de experiência maior do que aqueles que entre eles são os mais importantes.

Deveriam deixá-los falar, os senhores da Europa, da moralidade sem poder, dos bancos, das indústrias bélicas trabalhando em plena capacidade; depois, um a um, explicar como é estar em um abrigo ou em uma trincheira enquanto a terra treme sob as bombas. E que três anos assim são um tempo infinito, um poço do qual você nunca mais volta, especialmente se você perceber que não serviu para nada. O nome do Pétain ucraniano já está sendo mencionado, um antigo herói que assinará a paz com Putin. As coisas estão se movendo rapidamente. É estranho que ninguém especule, entre as possibilidades, uma revolta violenta em Kiev contra uma Vichy ucraniana. Afinal, com três anos de atraso, um governo “maleável” era o que Putin imaginava quando atacou. Como explicar, para os senhores em Bruxelas, para aqueles que sabem e dizem em cada discurso e tuíte, pelo que se estava lutando, explicar quando você descobre que está sendo abandonado por seus aliados, que há meses se batem porque não têm outra escolha. Em uma guerra como essa, chega-se ao ponto de ir para as trincheiras não pela reconquista impossível das terras roubadas, pela democracia, pela Europa! Ou porque se odeiam os russos. Luta-se por si mesmos, pelo que resta de suas famílias e porque não há outro lugar para onde ir, lutam por medo e porque foi isso que foram forçados a fazer.

Eles sabem como se pode ficar sozinhos se decidirem não capitular. O vencido é um apestado. Amanhã, também, eles serão educados com os senhores de Bruxelas. Eles os ouvirão gentis quando disserem que estão prontos para continuar, que a guerra não está perdida, e fingirão aceitar suas promessas, para não os desagradar. É isso. Têm pena deles. Pobres coitados, eles não sabem. Eles conservarão o heroísmo de serem dóceis para quando as ordens vierem de Riad, onde seu destino será decidido.

Somente porque entenderam que, infelizmente, no final, as ordens são dadas por aqueles que têm a Força, aqueles que podem exigir tudo, fazer e desfazer tudo, e não os faladores do Bem.

A guerra é maligna e, ao se prolongar, infelizmente apaga os rastros. Bucha, quem se lembra do massacre?

O “homem procurado” prepara a viagem a Washington ou as boas-vindas ao Kremlin para o outro líder da paz. O Tribunal de Haia encerrará o processo da Ucrânia por impotência manifesta, uma motivação que não está nos pactos teóricos de Roma, mas na realidade do mundo. Quem pedirá explicações a Putin sobre essa “vitória” inútil e sangrenta serão os russos mortos e suas famílias, também em vão. Nós, europeus, aliviados, nos dedicaremos, em êxtase, a ver os índices da bolsa subirem novamente.

 

¨         Sobre os EUA, a Ucrânia, a Rússia a regulação e as cortinas de fumaça. Por Luis Renato Vedovato

O Presidente dos EUA, Donald J. Trump, em 12 de fevereiro de 2025, tornou pública uma conversa telefônica com o Presidente russo Vladimir Putin. O que em muitos momentos históricos poderia ser visto como uma fala esperada, afinal de contas era o primeiro mês de Trump no seu segundo mandato na Casa Branca. Porém, o cenário de 2025 torna essa aproximação bastante espantosa e preocupante para quem acompanha os movimentos estadunidenses desde fevereiro de 2022, quando Putin determinou que suas tropas invadissem a Ucrânia.

Para jogar mais lenha na fogueira, o Presidente dos EUA declarou que um acordo para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia seria celebrado, sem a presença da Ucrânia e da União Europeia, e as negociações começaram a acontecer, vindo com a cobrança por todos os investimentos que os EUA fizeram na defesa da Ucrânia. Não foi difícil encontrar analistas que ficaram perplexos, custando a acreditar que as peças desse jogo de xadrez se moviam agora de forma totalmente caótica, se o jogo fosse pensado pela lógica dos Estados envolvidos. O ponto é que há muito tempo não são os Estados que ditam a lógica das relações internacionais. Mas o que (ou quem) a determina? Existe uma lógica?

Antes de mais nada, sempre costumo me lembrar de uma frase que ouvia de meu professor de Direito Penal, na época da graduação na Faculdade de Direito: “Ali, o mais bobo conserta relógio debaixo d’água com luva de boxe”. Professor Marcelo Fortes Barbosa, lá nos idos de 1993, queria nos ensinar a nunca subestimar a inteligência de ninguém.

Partindo desse ponto, não há insanidade sendo feita. Há planejamento. E é dessa forma que deve ser visto. Além disso, o governo dos EUA foi eleito, não se pode afastar isso, e assim deve ser tratado. O melhor, portanto, é descobrir os motivos que o levam a agir dessa forma. Para tanto, vale um contexto.

Em 18 de fevereiro de 2025, o Vice-Presidente dos EUA fez uma participação na Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha, tradicional evento que se ocupa dos desafios globais na área. Olhar seu discurso pode ser muito esclarecedor. Todo ele merece ser lido, aqui, destaco três passagens: (i) foco no judiciário; (ii) tema da migração; e (iii) a regulação das redes sociais.

Com relação ao judiciário, ele fez alusão a um triste caso ocorrido na Suécia em que um ativista cristão acaba por ser condenado por queimar o Corão e, na sentença, o judiciário deixa claro que há limites à liberdade de expressão. O Vice-Presidente liga essa condenação à morte do amigo do condenado, o iraquiano Salwan Momika, morto em um tiroteio no final de janeiro de 2025. No direito não se fazem ligações dessa forma, há que se investigar e, de fato, a liberdade de expressão e muitos outros direitos fundamentais possuem limites. O ataque ao judiciário é esperado e, por isso, a defesa dele deve ser bem trabalhada.

Algo parecido ocorre com a migração. Foi em Munique, e apareceu na abertura da fala de J.D. Vance, que ocorreu um atentado contra pedestres perpetrado por um solicitante de refúgio que atropelou 38 pessoas.

Pode-se dizer que um prato cheio tinha sido servido ao palestrante, pois tudo estava fresco na memória de quem o ouvia.

O ponto alto, porém, foi a alusão à regulação das redes sociais, as palavras são as seguintes:

“Olho para Bruxelas, ‘onde os comissários da UE alertam os cidadãos de que pretendem fechar as mídias sociais durante períodos de distúrbios civis no momento em que detectarem o que julgam ser, entre aspas, ‘conteúdo odioso’.

Ou para este mesmo país, onde a polícia realizou batidas contra cidadãos suspeitos de publicar comentários antifeministas on-line como parte do ‘combate à misoginia na Internet, um dia de ação”.

Ora, o foco é a regulação das mídias sociais. Claramente. Não é novidade que a União Europeia tem um conjunto normativo para as redes sociais e para inteligência artificial que é referência mundial, o que pode estar incomodando.

Se os pontos forem unidos, ou seja, se forem juntadas a pressão para a conclusão da guerra prejudicando a Europa com a fala sobre regulação das redes, tem-se que talvez o objetivo não seja o fim da guerra, mas o fim das diretrizes europeias sobre esses temas. Sem falar da diminuição de financiamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é fundamental para a segurança da Europa. Em outras palavras, tudo poderá voltar ao que era a normalidade no campo das relações internacionais, se a alteração das normas europeias for colocada na mesa de debates.

A Europa talvez tenha que decidir o que faz mais sentido para ela, continuar a regular ou ter o apoio na guerra. De toda forma, entender os objetivos de todos os interlocutores é fundamental. E não é segredo para ninguém que o atual governo dos EUA é apoiado pelas empresas que sofrem as consequências das normas europeias na área.

Mas aí, poder-se-ia perguntar: e o judiciário e a migração? Qual é a relação deles com a guerra, com as redes sociais, e com a inteligência artificial? Bem, talvez, quem esteja fazendo esse caminho tenha aprendido algo com os russos, que também se beneficiam de regulação frouxa das redes sociais. A ficção (muito realista, aliás) de Giuliano da Empoli (O Mago do Kremlin, Trad. Julia da Rosa Simões. Ed. Vestígio, 2022), traz seguinte passagem:

“Como você faz quando quer partir um arame? Você o torce para um lado, depois para o outro. É o que faremos, Evgueni. À medida que for construindo sua rede, você se dará conta de que há temas aos quais as pessoas se apegam mais que tudo. Não sei quais. Os cliques dirão.”

Parece que os cliques já disseram, judiciário e migração são temas que chamam a atenção, especialmente se ligados à religião e a ataques à população civil. Haverá força para manter a regulação de pé? É o que será visto nos próximos meses. Entender as atitudes americanas passa por entender as empresas que apoiam o governo. Não é de hoje que há notícias dizendo que há empresas mais poderosas que Estados, com patrimônio maior que o produto interno bruto (PIB) de muitos países. O que acontecia em países menores parece que está a acontecer nos EUA agora.

O que se pode aprender até aqui é que haverá muita cortina de fumaça, desvio de foco e afastamento do padrão das relações internacionais conhecido até agora. Há que se prestar muita atenção a detalhes.

De fato, a atuação do novo governo dos Estados Unidos pode ter deixado a Europa em apuros no curto prazo, mas parece ter deixado atordoadas as instituições internas americanas, que enfrentam uma pior situação. Como diz Valdir Assef Júnior, as estruturas de Estado dos EUA estão passando por um teste de stress, no curto prazo, parecem mais perdidas que o exército francês, em 1940. E por falar nesse período, é bem emblemático que os fatos citados fazem referências a combate a migração, ataques ao judiciário e sejam retratados em Munique, onde aconteceu o acordo de 1938 sobre o futuro dos Sudetos da Tchecoslováquia, sem a presença dessa. A história não deu desfecho feliz a Chamberlain, que seja um ponto a considerar pelos europeus.

¨      Zelensky diz estar 'pronto' para negociar fim da guerra horas depois de Trump congelar ajuda militar à Ucrânia

Em sua primeira manifestação após os Estados Unidos anunciarem a suspensão de auxílio militar à Ucrânia, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que seu país está pronto para "sentar à mesa de negociação o mais rápido possível" para construir "uma paz duradoura".

"Estamos prontos para trabalhar rapidamente para acabar com a guerra", diz o texto publicado em sua conta no X na tarde de terça-feira (4/3).

No post, Zelensky também detalha o que sugere como próximos passos em direção ao fim do conflito: "As primeiras etapas poderiam ser a libertação de prisioneiros e uma trégua no céu — proibição de mísseis, de drones de longo alcance e de bombardeio de infraestruturas de energia e outras infraestruturas civis — e trégua no mar imediatamente, se a Rússia concordar em fazer o mesmo".

O presidente disse valorizar tudo o que os EUA têm feito para "ajudar a Ucrânia a manter sua soberania e independência" e classificou como "lamentável" o bate-boca com o presidente americano, Donald Trump, e seu vice, JD Vance, durante sua visita à Casa Branca na sexta-feira (28/2).

"Nosso encontro em Washington na Casa Branca na sexta-feira não aconteceu da maneira prevista", escreveu o presidente ucraniano. "É lamentável que tenha acontecido desta forma. É hora de consertar as coisas. Nós gostaríamos que a cooperação e a comunicação fossem construtivas daqui para frente."

O pedido de desculpas contrasta com a cena tensa do encontro entre os líderes dias atrás.

Zelensky havia viajado aos EUA para assinar um acordo para que os americanos pudessem explorar minerais em território ucraniano. Antes que o documento fosse firmado, contudo, no Salão Oval diante de jornalistas, ele, Trump e Vance protagonizaram um bate-boca acalorado, no qual Trump chegou a acusar o líder ucraniano de estar "jogando com a Terceira Guerra Mundial".

Zelensky havia rebatido JD Vance em sua afirmação de que o "caminho para a paz" passava pela diplomacia.

O ucraniano apontou que o líder russo Vladimir Putin já havia quebrado acordos antes — ao que Vance respondeu que Zelensky estava sendo "desrespeitoso".

Zelensky disse então que, embora os EUA estivessem protegidos da Rússia por um oceano, eles sentiriam os impactos da guerra "no futuro".

O presidente dos EUA rebateu dizendo a Zelensky que não deveria dizer aos americanos como se sentir, pois ele "não estava em posição de apontar isso".

Trump então ameaçou: "Ou vocês fazem um acordo, ou estamos fora"

Zelensky foi depois orientado a deixar a Casa Branca, e uma entrevista coletiva que havia sido planejada foi cancelada — assim como o acordo relativo à exploração de minerais.

Em sua manifestação na terça, o presidente ucraniano fez referência a ele, dizendo que a "Ucrânia está pronta para assiná-lo a qualquer momento e em qualquer formato" que seja conveniente aos EUA.

"Vemos este acordo como um passo em direção a uma maior segurança e garantias de segurança sólidas, e eu realmente espero que ele funcione efetivamente", conclui o texto.

Na segunda-feira (03/03), a Casa Branca confirmou que os Estados Unidos fariam uma pausa na ajuda militar à Ucrânia.

Segundo a agência Bloomberg, todo equipamento militar dos EUA que não esteja na Ucrânia ficaria inacessível, como armas em trânsito e armazenadas em depósitos na Polônia.

 

Fonte: La Stampa/Le Monde/BBC News Mundo

 

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