Domenico Quirico:
Agora quem explicará aos ucranianos que eles morreram pelo impossível?
Como recapitular
três anos de guerra? Não seria justo esperar que ela acabe, agora que todos têm
certeza de que ela terminará, e até mesmo aqueles que a consideram uma
conclusão inaceitável, uma derrota da justiça e do direito? Trump... é tudo mérito
de Trump... é tudo culpa de Trump.... era preciso Trump... Trump
traiu... Trump
e as terras raras...
Trump, o comerciante... Posso sentir o cheiro ruim que emana daqueles que já
estão se preparando para voltar, como se nada tivesse acontecido, ao mundo de
ontem. Para redirecionar os oleodutos. Para abastecer, depois dos arsenais
agora garantidos pelos planos de “rearmamento de qualquer maneira”, o grande
negócio da reconstrução, do fim das sanções, dos gordos mercados do luxo. E os
mortos?
Relembrar uma
guerra, honrar o aniversário, enquanto ainda se combate em um frenesi
desesperado e extremo, significa assumir um compromisso, concluir um pacto
especial com os fatos, implica uma promessa, uma disposição de avaliar tudo,
registrar tudo, não esconder ou omitir nada. Até mesmo já classificar
vencedores e perdedores com um rigor quase aristotélico. Será que sou capaz
disso? Será que somos capazes disso? Quando a história, mais que uma tentativa
de registrar e compreender, torna-se o hábito de reordenar fatos
inconvenientes, ela já está em processo de esquecimento. Como todo mundo,
exceto os mentirosos, os aproveitadores, os fanáticos, nesses três anos eu
procurei o fio de Ariadne desse massacre, às vezes encontrando-o, às
vezes não encontrando nada, apenas tragédia e inutilidade.
E essa
desorientação era a única atitude honesta em relação àqueles que, em um campo e
em outro, pregavam como tudo terminaria. Como muitos outros, deixei meus
pensamentos vaguearem para me trazer de volta uma migalha pura de dor ou de
esperança.
O tempo deveria ser
parado. Sim. Às vezes é preciso tentar, mesmo que seja em vão. Exatamente: às
vezes é preciso tentar justamente porque é em vão. Pelo fato de um evento ser
desprovido de sentido, uma guerra inútil em que todos saem
perdedores, é preciso lhe dar um. Como o futuro nos escapa, é preciso criá-lo.
Portanto:
os ucranianos, os refugiados e os que ficaram para trás nas cidades
bombardeadas e destruídas e, acima de tudo, os soldados
nas trincheiras.
É deles que devemos partir, a eles pertence totalmente este enésimo
aniversário. A eles se devem explicações, nós, no Ocidente, devemos
explicações. Por exemplo: por que o Ocidente, que até um mês atrás garantia a
uma só voz que os acompanharia até a “paz
justa”,
agora está dividido; e a única parte que conta, os EUA versão Trump, troca
sorrisos, promessas e dita condições sentado à mesa com o invasor?
Os líderes da UE irão a Kiev no dia do
aniversário para instruir, confirmar e fazer as enésimas promessas que eles
sabem que não podem cumprir. Uma peregrinação de nus e impotentes que estão
ansiosos para se alinharem pela enésima vez com a cambalhota estadunidense e
querem estar na primeira fila para que o chefe não os renegue. Coitados. Será
que eles acham que podem dar conselhos a eles, àqueles que estão encarando a
morte há três anos? Durante três anos, no abrigo dos salões de Bruxelas,
em intervalos com penosas viagenzinhas para tirar uma foto ao lado do
astro Zelensky para fins de
propaganda interna, lhes garantiram a vitória, asseguraram que as armas que
forneceram ou compraram no exterior poderiam esmagar o invasor russo, os
incitaram: bravos, vocês precisam ser heroicos! É como se maus advogados
tivessem se apoderado de sua causa justa. Os ucranianos sabem mais do que eles
sobre os mistérios da guerra, a fragilidade da existência e o fim da história.
Até mesmo a menor das crianças
ucranianas possui
uma soma de experiência maior do que aqueles que entre eles são os mais
importantes.
Deveriam deixá-los
falar, os senhores da Europa, da moralidade sem poder, dos bancos, das
indústrias bélicas trabalhando em plena capacidade; depois, um a um, explicar
como é estar em um abrigo ou em uma trincheira enquanto a terra treme sob as
bombas. E que três anos assim são um tempo infinito, um poço do qual você nunca
mais volta, especialmente se você perceber que não serviu para nada. O nome
do Pétain ucraniano já está sendo mencionado, um antigo herói que
assinará a paz com Putin. As coisas estão
se movendo rapidamente. É estranho que ninguém especule, entre as
possibilidades, uma revolta violenta em Kiev contra
uma Vichy ucraniana. Afinal, com três anos de atraso, um governo
“maleável” era o que Putin imaginava quando atacou. Como explicar, para os
senhores em Bruxelas, para aqueles que sabem e dizem em cada discurso e tuíte,
pelo que se estava lutando, explicar quando você descobre que está sendo
abandonado por seus aliados, que há meses se batem porque não têm outra
escolha. Em uma guerra como essa, chega-se ao ponto de ir para as trincheiras não
pela reconquista impossível das terras roubadas, pela democracia, pela Europa!
Ou porque se odeiam os russos. Luta-se por si mesmos, pelo que resta de suas
famílias e porque não há outro lugar para onde ir, lutam por medo e porque foi
isso que foram forçados a fazer.
Eles sabem como se
pode ficar sozinhos se decidirem não capitular. O vencido é um apestado.
Amanhã, também, eles serão educados com os senhores de Bruxelas. Eles os
ouvirão gentis quando disserem que estão prontos para continuar, que a guerra
não está perdida, e fingirão aceitar suas promessas, para não os desagradar. É
isso. Têm pena deles. Pobres coitados, eles não sabem. Eles conservarão o
heroísmo de serem dóceis para quando as ordens vierem de Riad, onde seu destino
será decidido.
Somente porque
entenderam que, infelizmente, no final, as ordens são dadas por aqueles que têm
a Força, aqueles que podem exigir tudo, fazer e desfazer tudo, e não os
faladores do Bem.
A guerra é
maligna e, ao se prolongar, infelizmente apaga os rastros. Bucha, quem se
lembra do massacre?
O “homem procurado”
prepara a viagem a Washington ou as boas-vindas ao Kremlin para o outro
líder da paz. O Tribunal de Haia encerrará o processo da Ucrânia por impotência
manifesta, uma motivação que não está nos pactos teóricos de Roma, mas na
realidade do mundo. Quem pedirá explicações a Putin sobre essa
“vitória” inútil e sangrenta serão os russos mortos e suas famílias, também em
vão. Nós, europeus, aliviados, nos dedicaremos, em êxtase, a ver os índices da
bolsa subirem novamente.
¨
Sobre os EUA, a Ucrânia, a
Rússia a regulação e as cortinas de fumaça. Por Luis Renato Vedovato
O Presidente dos EUA, Donald J. Trump, em 12 de
fevereiro de 2025, tornou pública uma conversa telefônica com o Presidente russo
Vladimir Putin. O
que em muitos momentos históricos poderia ser visto como uma fala esperada,
afinal de contas era o primeiro mês de Trump no seu segundo mandato na Casa
Branca. Porém, o cenário de 2025 torna essa aproximação bastante espantosa e
preocupante para quem acompanha os movimentos estadunidenses desde fevereiro de
2022, quando Putin determinou que suas tropas invadissem a Ucrânia.
Para jogar mais lenha na fogueira, o Presidente dos EUA
declarou que um acordo para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia seria
celebrado, sem a presença da Ucrânia e da União Europeia, e as negociações
começaram a acontecer, vindo com a cobrança por todos os investimentos que os
EUA fizeram na defesa da Ucrânia. Não foi difícil encontrar analistas que
ficaram perplexos, custando a acreditar que as peças desse jogo de xadrez se
moviam agora de forma totalmente caótica, se o jogo fosse pensado pela lógica
dos Estados envolvidos. O ponto é que há muito tempo não são os Estados que
ditam a lógica das relações internacionais. Mas o que (ou quem) a determina?
Existe uma lógica?
Antes de mais nada, sempre costumo me lembrar de uma
frase que ouvia de meu professor de Direito Penal, na época da graduação na
Faculdade de Direito: “Ali, o mais bobo conserta relógio debaixo d’água com
luva de boxe”. Professor Marcelo Fortes Barbosa, lá nos idos de 1993, queria
nos ensinar a nunca subestimar a inteligência de ninguém.
Partindo desse ponto, não há insanidade sendo feita. Há
planejamento. E é dessa forma que deve ser visto. Além disso, o governo dos EUA
foi eleito, não se pode afastar isso, e assim deve ser tratado. O melhor,
portanto, é descobrir os motivos que o levam a agir dessa forma. Para tanto,
vale um contexto.
Em 18 de fevereiro de 2025, o Vice-Presidente dos EUA
fez uma participação na Conferência de Segurança de Munique, na Alemanha,
tradicional evento que se ocupa dos desafios globais na área. Olhar seu
discurso pode ser muito esclarecedor. Todo ele merece ser lido, aqui, destaco
três passagens: (i) foco no judiciário; (ii) tema da migração; e (iii) a
regulação das redes sociais.
Com relação ao judiciário, ele fez alusão a um triste
caso ocorrido na Suécia em que um ativista cristão acaba por ser condenado por
queimar o Corão e, na sentença, o judiciário deixa claro que há limites à
liberdade de expressão. O Vice-Presidente liga essa condenação à morte do amigo
do condenado, o iraquiano Salwan Momika, morto em um tiroteio no final de
janeiro de 2025. No direito não se fazem ligações dessa forma, há que se
investigar e, de fato, a liberdade de expressão e muitos outros direitos
fundamentais possuem limites. O ataque ao judiciário é esperado e, por isso,
a defesa dele deve ser bem trabalhada.
Algo parecido ocorre com a migração. Foi em Munique, e
apareceu na abertura da fala de J.D. Vance, que ocorreu um atentado contra
pedestres perpetrado por um solicitante de refúgio que atropelou 38 pessoas.
Pode-se dizer que um prato cheio tinha sido servido ao
palestrante, pois tudo estava fresco na memória de quem o ouvia.
O ponto alto, porém, foi a alusão à regulação das redes
sociais, as palavras são as seguintes:
“Olho para Bruxelas, ‘onde os comissários da UE alertam
os cidadãos de que pretendem fechar as mídias sociais durante períodos de
distúrbios civis no momento em que detectarem o que julgam ser, entre aspas,
‘conteúdo odioso’.
Ou para este mesmo país, onde a polícia realizou
batidas contra cidadãos suspeitos de publicar comentários antifeministas
on-line como parte do ‘combate à misoginia na Internet, um dia de ação”.
Ora, o foco é a regulação das mídias sociais.
Claramente. Não é novidade que a União Europeia tem um conjunto normativo para
as redes sociais e para inteligência artificial que é referência mundial, o que
pode estar incomodando.
Se os pontos forem unidos, ou seja, se forem juntadas a
pressão para a conclusão da guerra prejudicando a Europa com a fala sobre
regulação das redes, tem-se que talvez o objetivo não seja o fim da guerra, mas
o fim das diretrizes europeias sobre esses temas. Sem falar da diminuição de
financiamento da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que é
fundamental para a segurança da Europa. Em outras palavras, tudo poderá voltar
ao que era a normalidade no campo das relações internacionais, se a alteração
das normas europeias for colocada na mesa de debates.
A Europa talvez tenha que decidir o que faz mais
sentido para ela, continuar a regular ou ter o apoio na guerra. De toda forma,
entender os objetivos de todos os interlocutores é fundamental. E não é segredo
para ninguém que o atual governo dos EUA é apoiado pelas empresas que sofrem as
consequências das normas europeias na área.
Mas aí, poder-se-ia perguntar: e o judiciário e a
migração? Qual é a relação deles com a guerra, com as redes sociais, e com a
inteligência artificial? Bem, talvez, quem esteja fazendo esse caminho tenha
aprendido algo com os russos, que também se beneficiam de regulação frouxa das
redes sociais. A ficção (muito realista, aliás) de Giuliano da Empoli (O Mago
do Kremlin, Trad. Julia da Rosa Simões. Ed. Vestígio, 2022), traz seguinte
passagem:
“Como você faz quando quer partir um arame? Você o
torce para um lado, depois para o outro. É o que faremos, Evgueni. À medida que
for construindo sua rede, você se dará conta de que há temas aos quais as
pessoas se apegam mais que tudo. Não sei quais. Os cliques dirão.”
Parece que os cliques já disseram, judiciário e
migração são temas que chamam a atenção, especialmente se ligados à religião e
a ataques à população civil. Haverá força para manter a regulação de pé? É o
que será visto nos próximos meses. Entender as atitudes americanas passa por
entender as empresas que apoiam o governo. Não é de hoje que há notícias
dizendo que há empresas mais poderosas que Estados, com patrimônio maior que o
produto interno bruto (PIB) de muitos países. O que acontecia em países menores
parece que está a acontecer nos EUA agora.
O que se pode aprender até aqui é que haverá muita
cortina de fumaça, desvio de foco e afastamento do padrão das relações
internacionais conhecido até agora. Há que se prestar muita atenção a detalhes.
De fato, a atuação do novo governo dos Estados Unidos
pode ter deixado a Europa em apuros no curto prazo, mas parece ter deixado
atordoadas as instituições internas americanas, que enfrentam uma pior
situação. Como diz Valdir Assef Júnior, as estruturas de Estado dos EUA estão
passando por um teste de stress, no curto prazo, parecem mais perdidas que o
exército francês, em 1940. E por falar nesse período, é bem emblemático que os
fatos citados fazem referências a combate a migração, ataques ao judiciário e
sejam retratados em Munique, onde aconteceu o acordo de 1938 sobre o futuro dos
Sudetos da Tchecoslováquia, sem a presença dessa. A história não deu desfecho
feliz a Chamberlain, que seja um ponto a considerar pelos europeus.
¨ Zelensky diz estar 'pronto' para negociar fim da guerra
horas depois de Trump congelar ajuda militar à Ucrânia
Em sua primeira
manifestação após os Estados Unidos anunciarem
a suspensão de
auxílio militar à Ucrânia, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou
que seu país está pronto para "sentar à mesa de negociação o mais rápido
possível" para construir "uma paz duradoura".
"Estamos
prontos para trabalhar rapidamente para acabar com a guerra", diz o texto
publicado em sua conta no X na tarde de terça-feira (4/3).
No post, Zelensky
também detalha o que sugere como próximos passos em direção ao fim do conflito:
"As primeiras etapas poderiam ser a libertação de prisioneiros e uma
trégua no céu — proibição de mísseis, de drones de longo alcance e de
bombardeio de infraestruturas de energia e outras infraestruturas civis — e
trégua no mar imediatamente, se a Rússia concordar em fazer o mesmo".
O presidente disse
valorizar tudo o que os EUA têm feito para "ajudar a Ucrânia a manter sua
soberania e independência" e classificou como "lamentável" o bate-boca com o
presidente americano, Donald Trump, e seu vice, JD Vance, durante sua visita
à Casa Branca na sexta-feira (28/2).
"Nosso
encontro em Washington na Casa Branca na sexta-feira não aconteceu da maneira
prevista", escreveu o presidente ucraniano. "É lamentável que tenha
acontecido desta forma. É hora de consertar as coisas. Nós gostaríamos que a
cooperação e a comunicação fossem construtivas daqui para frente."
O pedido de
desculpas contrasta com a cena tensa do encontro entre os líderes dias atrás.
Zelensky havia
viajado aos EUA para assinar um acordo para que os americanos pudessem explorar
minerais em território ucraniano. Antes que o documento fosse firmado, contudo,
no Salão Oval diante de jornalistas, ele, Trump e Vance
protagonizaram um bate-boca acalorado, no qual Trump chegou a acusar o líder
ucraniano de estar "jogando com a Terceira Guerra Mundial".
Zelensky havia
rebatido JD Vance em sua afirmação de que o "caminho para a paz"
passava pela diplomacia.
O ucraniano apontou
que o líder russo Vladimir Putin já havia quebrado acordos antes — ao que Vance
respondeu que Zelensky estava sendo "desrespeitoso".
Zelensky disse
então que, embora os EUA estivessem protegidos da Rússia por um oceano, eles
sentiriam os impactos da guerra "no futuro".
O presidente dos
EUA rebateu dizendo a Zelensky que não deveria dizer aos americanos como se sentir,
pois ele "não estava em posição de apontar isso".
Trump então
ameaçou: "Ou vocês fazem um acordo, ou estamos fora"
Zelensky foi depois
orientado a deixar a Casa Branca, e uma entrevista coletiva que havia sido
planejada foi cancelada — assim como o acordo relativo à exploração de
minerais.
Em sua manifestação
na terça, o presidente ucraniano fez referência a ele, dizendo que a
"Ucrânia está pronta para assiná-lo a qualquer momento e em qualquer
formato" que seja conveniente aos EUA.
"Vemos este
acordo como um passo em direção a uma maior segurança e garantias de segurança
sólidas, e eu realmente espero que ele funcione efetivamente", conclui o
texto.
Na segunda-feira
(03/03), a Casa Branca confirmou que os Estados Unidos fariam uma pausa na
ajuda militar à Ucrânia.
Segundo a agência
Bloomberg, todo equipamento militar dos EUA que não esteja na Ucrânia ficaria
inacessível, como armas em trânsito e armazenadas em depósitos na Polônia.
Fonte: La Stampa/Le
Monde/BBC News Mundo
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