sábado, 8 de março de 2025

Aqueles que amam a paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e de resistência pela frente.

Em sua curta história, o capitalismo teve uma relação ambivalente com a democracia, com a paz e com o livre mercado. De fato, a história às vezes – basta pensar no nascimento da Comunidade Europeia – confirmou a tese de Montesquieu – “O efeito natural do comércio é trazer a paz” (L'Esprit des Lois, 1745). Em outras ocasiões, e talvez as mais numerosas incluindo a atual, os fatos, ao contrário, deram razão ao napolitano Antonio Genovesi: “Grande fonte de guerras é o comércio”, porque “o espírito do comércio é o mesmo daquele das conquistas” (Lezioni di economia civile, 1769). Qual é, então, a relação entre o espírito do capitalismo e o espírito de paz, da democracia e da liberdade? Após a implosão da grande alternativa coletivista, o novo capitalismo do século XXI é caracterizado por uma notável biodiversidade de formas e culturas empresariais.

Essa variedade de instituições econômicas – da pequena empresa à multinacional, das empresas benefit às private equity – cria um efeito de cortina que faz esquecer que o núcleo do sistema capitalista vive e cresce impulsionado por um único objetivo: a maximização racional da riqueza na forma de lucros e, cada vez mais, de rendas. Esse é o núcleo que impulsiona todo o variegado movimento do nosso capitalismo. Para os grandes atores globais, qualquer coisa que não seja crescimento dos lucros e das rendas é apenas um vínculo a ser contornado ou afrouxado, incluindo as várias legislações ambientais, sociais e fiscais. Esse capitalismo conhece apenas a ética do aumento dos fluxos e dos ativos econômicos e financeiros; todo o resto é apenas um meio para esse único fim.

Entre os meios podem até estar a democracia, o livre mercado e a paz, mas não são necessários. O espírito do capitalismo e dos capitalistas é adaptativo e pragmático: se em uma região do planeta há democracia, livre comércio e paz, eles se inserem nessas dinâmicas democráticas, liberais e pacíficas e seguem com seus negócios; mas, assim que o clima político muda, com perfeito cinismo, mudam de linguagem, de aliados, de meios e usam guerras, ditaduras, tarifas, populistas e populismo para continuar perseguindo seu único objetivo. E se, em circunstâncias ainda diferentes, do passado e do presente, alguma grande potência econômica vislumbra em possíveis cenários bélicos, não liberais e não democráticos, oportunidades de ganhos maiores, não tem nenhum escrúpulo em favorecer essa mudança, porque, vale a pena repetir, o telos, a natureza desse capitalismo não é nem a paz, nem a democracia, nem o livre mercado, mas apenas lucros e rendas. Ontem e hoje.

Basta pensar, como um grande e incômodo exemplo, no advento do fascismo na Itália. Não teríamos tido vinte anos de fascismo sem a escolha das elites industriais e financeiras da Itália de usar aquele grupo de esquadrões de espancamento para se protegerem do concreto e possível “perigo vermelho”, convencidos de que o Estado liberal não o faria. Diante do medo de perder riquezas e privilégios, aquele capitalismo italiano (a maior parte dele) não teve escrúpulos em abandonar a democracia, a liberdade, o livre mercado e favorecer o surgimento do regime fascista. A economia corporativa fascista, que conquistou e contaminou grande parte dos economistas liberais italianos e católicos, apresentava-se como uma superação tanto do “sistema liberal-individualista que havia dominado as nações civilizadas durante o século XIX até a guerra quanto do comunismo: desejava-se um sistema que mediasse entre os extremos, superando-os. Aqui, também, revela-se a harmonia do espírito latino” (Arrigo Serpieri, Principi di Economia Politica Corporativa, 1938, p. 2.931). E Francesco Vito, um importante economista católico, escrevia em sua Economia Política Corporativa: “A tarefa da nova economia consiste essencialmente na assunção consciente dos fins sociais no lugar da concepção individualista da sociedade que prevaleceu até agora” (1943, p. 85). De fato, a teoria individualista liberal não convinha mais ao capital, e eis que estava pronta a nova economia corporativista e estatista, apresentada como a expressão máxima do espírito latino.

Na primeira edição de sua revista Gerarchia, Mussolini se perguntava: “Para que lado vai o mundo?”, e respondia afirmando “a inegável constatação da orientação para a direita dos espíritos” (fevereiro de 1922), e alguns anos depois diria: “Hoje enterramos o liberalismo econômico” (novembro de 1933).

Assim, quando necessário, o espírito do capitalismo se torna o oposto do espírito do mercado, porque acaba coincidindo com o espírito bélico de conquista. Porque o mercado também é um dos meios que o capitalismo às vezes usa, se e quando melhor atende aos interesses dos capitalistas e de seus representantes-agentes políticos. Hoje estamos atravessando uma nova fase de aliança entre o espírito capitalista e o espírito bélico e iliberal, que está trocando as democracias pelas “liderocracias populistas nacionalistas e protecionistas. Ontem os medos eram “vermelhos” (que, no entanto, estão sempre no horizonte do Ocidente), hoje são aqueles da imigração, de uma globalização rápida demais, da mudança climática (à qual se responde negando-a), do empobrecimento da classe média. Aqueles que amam a paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e de resistência pela frente.

¨      Thomas Piketty: Nacional-capitalismo de Trump gosta de ostentar força, mas é frágil e está em apuros

Para aqueles que tinham dúvidas, Donald Trump ao menos tem o mérito de deixar as coisas claras: a direita existe e fala alto. Como tantas vezes no passado, ela assume a forma de uma mistura de nacionalismo brutal, conservadorismo social e liberalismo econômico desenfreado.

O trumpismo pode ser descrito como nacional-liberalismo ou, mais precisamente, nacional-capitalismo.

A retórica de Donald Trump sobre a Groenlândia e o Panamá mostram seu apego ao capitalismo autoritário e extrativista mais agressivo, que é basicamente a forma real e concreta que mais frequentemente assumiu o liberalismo econômico na história, como Arnaud Orain acaba de nos lembrar em Le monde confisqué. Essai sur le capitalisme de la finitude, XVIe-XXIe siècle.

Sejamos claros: o nacional-capitalismo trumpista gosta de ostentar sua força, mas, na verdade, é frágil e está em apuros.

A Europa tem os meios para enfrentá-lo, desde que recupere a confiança em si mesma, estabeleça novas alianças e analise calmamente as vantagens e os limites desta matriz ideológica.

A Europa está bem colocada para isso: durante muito tempo, baseou seu desenvolvimento num modelo militar-extrativista semelhante, para o bem e para o mal.

Depois de terem tomado pela força o controle das rotas marítimas, das matérias-primas e dos mercados têxteis mundiais, as potências europeias impuseram, ao longo do século XIX, tributos coloniais a todos os países recalcitrantes, do Haiti à China, passando pelo Marrocos.

Na véspera de 1914, elas estavam empenhadas numa luta feroz pelo controle de territórios, de recursos e do capitalismo mundial. Chegaram até mesmo a impor tributos cada vez mais exorbitantes uns aos outros, a Prússia à França em 1871, depois a França à Alemanha em 1919: 132 bilhões de marcos-ouro, ou seja, mais de três anos do PIB alemão da época.

Tanto como o tributo imposto ao Haiti em 1825, salvo que, desta vez, a Alemanha tinha meios para se defender. A escalada sem fim levou ao colapso do sistema e do orgulho europeu.

Esta é a primeira fraqueza do nacional-capitalismo: quando os poderes estão inflamados, acabam devorando-se uns aos outros.

A segunda é que o sonho de prosperidade prometido pelo nacional-capitalismo acaba sempre desapontando as expectativas populares, pois, na verdade, ele repousa em hierarquias sociais exacerbadas e numa concentração de riquezas cada vez maior.

Se o Partido Republicano tornou-se tão nacionalista e virulento em relação ao mundo exterior, isso se deve, em primeiro lugar, ao fracasso das políticas reaganianas, que deveriam impulsionar o crescimento, mas apenas reduziram e conduziram-no à estagnação da renda da maioria.

A produtividade nos Estados Unidos, medida pelo PIB por hora trabalhada, era duas vezes superior à da Europa em meados do século XX, graças à liderança educacional do país.

Desde os anos 1990, ela está no mesmo nível que a dos países europeus mais avançados (Alemanha, França, Suécia e Dinamarca), com diferenças tão pequenas que não podem ser distinguidas estatisticamente.

·        Postura arrogante e neocolonial

Impressionados com as capitalizações das bolsas e os montantes em bilhões de dólares, alguns observadores ficam maravilhados com o poder econômico dos Estados Unidos.

Esquecem-se de que essas capitalizações se explicam pelo poder de monopólio de alguns grandes grupos e, mais geralmente, de que os montantes astronômicos em dólares se devem, em grande parte, aos preços muito elevados impostos aos consumidores estadunidenses.

É como se estivéssemos analisando a evolução dos salários sem considerar a inflação. Se raciocinarmos em termos de paridade do poder de compra, a realidade é muito diferente: a diferença de produtividade em relação à Europa desaparece completamente.

Esta medida mostra igualmente que o PIB da China ultrapassou o dos Estados Unidos em 2016. Atualmente, é mais de 30% superior e atingirá o dobro do PIB dos EUA em 2035.

Isto tem consequências muito concretas em termos de capacidade de influenciar e financiar investimentos no Sul, especialmente se os Estados Unidos continuarem mantendo sua postura arrogante e neocolonial.

A verdade é que os Estados Unidos estão à beira de perder o controle do mundo e a retórica trumpista nada mudará.

Resumamos. A força do nacional-capitalismo está em exaltar a vontade de poder e a identidade nacional, ao mesmo tempo que denuncia as ilusões dos discursos ingênuos sobre a harmonia universal e a igualdade de classes.

Sua fraqueza reside na confrontação entre as potências, e em desconsiderar que uma prosperidade sustentável exige investimentos educacionais, sociais e ambientais que beneficiem todos.

Diante do trumpismo, a Europa deve, antes de tudo, manter-se ela mesma. Ninguém no continente, nem mesmo a direita nacionalista, deseja voltar às posturas militares do passado.

Em vez de dedicar seus recursos a uma escalada sem fim – Donald Trump agora exige orçamentos militares de 5% do PIB –, a Europa deve basear sua influência no direito e na justiça.

Com sanções financeiras específicas, realmente aplicadas a alguns milhares de dirigentes, é possível fazer ouvir a nossa voz de forma mais eficaz do que empilhando tanques em barracões.

E, acima de tudo, a Europa deve ouvir as demandas de justiça econômica, fiscal e climática que vêm do Sul. Ela deve retomar os investimentos sociais e ultrapassar definitivamente os Estados Unidos em formação e produtividade, como já fez em saúde e expectativa de vida.

Depois de 1945, a Europa reconstruiu-se graças ao Estado social e à revolução social-democrata. Este programa não está concluído: ao contrário, deve ser considerado como o início de um modelo de socialismo democrático e ecológico que deve ser pensado agora em escala mundial.

 

 

Nenhum comentário: