Aqueles que amam a
paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e de
resistência pela frente.
Em sua curta
história, o capitalismo teve uma relação ambivalente com a democracia, com a
paz e com o livre mercado. De fato, a história às vezes – basta pensar no
nascimento da Comunidade Europeia – confirmou a tese
de Montesquieu – “O efeito natural do comércio é trazer a paz”
(L'Esprit des Lois, 1745). Em outras ocasiões, e talvez as mais numerosas
incluindo a atual, os fatos, ao contrário, deram razão ao napolitano Antonio Genovesi: “Grande fonte de
guerras é o comércio”, porque “o espírito do comércio é o mesmo daquele das
conquistas” (Lezioni di economia civile, 1769). Qual é, então, a relação entre
o espírito do capitalismo e o espírito de paz, da democracia e da liberdade?
Após a implosão da grande alternativa coletivista, o novo capitalismo do século
XXI é caracterizado por uma notável biodiversidade de formas e culturas
empresariais.
Essa variedade de
instituições econômicas – da pequena empresa à multinacional, das
empresas benefit às private equity – cria um efeito de
cortina que faz esquecer que o núcleo do sistema capitalista vive e cresce impulsionado
por um único objetivo: a maximização racional da riqueza na forma de lucros e,
cada vez mais, de rendas. Esse é o núcleo que impulsiona todo o variegado
movimento do nosso capitalismo. Para os grandes atores globais, qualquer coisa
que não seja crescimento dos
lucros e das rendas é
apenas um vínculo a ser contornado ou afrouxado, incluindo as várias
legislações ambientais, sociais e fiscais. Esse capitalismo conhece apenas a
ética do aumento dos fluxos e dos ativos econômicos e financeiros; todo o resto
é apenas um meio para esse único fim.
Entre os meios
podem até estar a democracia, o livre mercado e a paz, mas não são necessários.
O espírito do capitalismo e dos capitalistas é adaptativo e pragmático: se em
uma região do planeta há democracia, livre comércio e paz, eles se inserem
nessas dinâmicas
democráticas, liberais e pacíficas e seguem com seus negócios; mas,
assim que o clima político muda, com perfeito cinismo, mudam de linguagem, de
aliados, de meios e usam guerras, ditaduras, tarifas, populistas e populismo
para continuar perseguindo seu único objetivo. E se, em circunstâncias ainda
diferentes, do passado e do presente, alguma grande potência econômica
vislumbra em possíveis cenários bélicos, não liberais e não democráticos,
oportunidades de ganhos maiores, não tem nenhum escrúpulo em favorecer essa
mudança, porque, vale a pena repetir, o telos, a natureza desse capitalismo não
é nem a paz, nem a democracia, nem o livre mercado, mas apenas lucros e rendas.
Ontem e hoje.
Basta pensar, como
um grande e incômodo exemplo, no advento do fascismo na Itália. Não
teríamos tido vinte anos de fascismo sem a escolha das elites industriais e
financeiras da Itália de usar aquele grupo de esquadrões de
espancamento para se protegerem do concreto e possível “perigo vermelho”,
convencidos de que o Estado liberal não o faria. Diante do medo de
perder riquezas e privilégios, aquele capitalismo italiano (a maior parte dele)
não teve escrúpulos em abandonar a democracia, a liberdade, o livre mercado e
favorecer o surgimento do regime fascista. A economia corporativa fascista, que
conquistou e contaminou grande parte dos economistas liberais italianos e
católicos, apresentava-se como uma superação tanto do “sistema
liberal-individualista que havia dominado as nações civilizadas durante
o século XIX até a guerra quanto do comunismo: desejava-se um sistema que
mediasse entre os extremos, superando-os. Aqui, também, revela-se a harmonia do
espírito latino” (Arrigo Serpieri, Principi di
Economia Politica Corporativa, 1938, p. 2.931). E Francesco Vito, um importante
economista católico, escrevia em sua Economia Política Corporativa: “A
tarefa da nova economia consiste essencialmente na assunção consciente dos fins
sociais no lugar da concepção individualista da sociedade que prevaleceu até
agora” (1943, p. 85). De fato, a teoria individualista liberal não convinha
mais ao capital, e eis que estava pronta a nova economia corporativista e
estatista, apresentada como a expressão máxima do espírito latino.
Na primeira edição
de sua revista Gerarchia, Mussolini se
perguntava: “Para que lado vai o mundo?”, e respondia afirmando “a inegável
constatação da orientação para a direita dos espíritos” (fevereiro de 1922), e
alguns anos depois diria: “Hoje enterramos o liberalismo econômico” (novembro
de 1933).
Assim, quando
necessário, o espírito do capitalismo se torna o oposto do espírito do mercado,
porque acaba coincidindo com o espírito bélico de conquista. Porque o mercado
também é um dos meios que o capitalismo às vezes usa, se e quando melhor atende
aos interesses dos capitalistas e de seus representantes-agentes políticos.
Hoje estamos atravessando uma nova fase de aliança entre o espírito capitalista
e o espírito bélico e iliberal, que está trocando as democracias pelas
“liderocracias populistas nacionalistas e protecionistas. Ontem os medos eram
“vermelhos” (que, no entanto, estão sempre no horizonte do Ocidente), hoje são
aqueles da imigração, de uma globalização rápida demais, da mudança climática
(à qual se responde negando-a), do empobrecimento da classe média. Aqueles que
amam a paz, a democracia e um mercado civilizado devem esperar anos difíceis e
de resistência pela frente.
¨ Thomas
Piketty: Nacional-capitalismo de Trump gosta de ostentar força, mas é frágil e
está em apuros
Para aqueles
que tinham dúvidas, Donald Trump ao menos tem o mérito de deixar as coisas
claras: a direita existe e fala alto. Como tantas vezes no passado, ela assume
a forma de uma mistura de nacionalismo brutal, conservadorismo social e
liberalismo econômico desenfreado.
O trumpismo
pode ser descrito como nacional-liberalismo ou, mais precisamente,
nacional-capitalismo.
A retórica de
Donald Trump sobre a Groenlândia e o Panamá mostram seu apego ao capitalismo
autoritário e extrativista mais agressivo, que é basicamente a forma real e
concreta que mais frequentemente assumiu o liberalismo econômico na história,
como Arnaud Orain acaba de nos lembrar em Le
monde confisqué. Essai sur le capitalisme de la finitude, XVIe-XXIe siècle.
Sejamos
claros: o nacional-capitalismo trumpista gosta de ostentar sua força, mas, na
verdade, é frágil e está em apuros.
A Europa tem
os meios para enfrentá-lo, desde que recupere a confiança em si mesma,
estabeleça novas alianças e analise calmamente as vantagens e os limites desta
matriz ideológica.
A Europa está
bem colocada para isso: durante muito tempo, baseou seu desenvolvimento num
modelo militar-extrativista semelhante, para o bem e para o mal.
Depois de
terem tomado pela força o controle das rotas marítimas, das matérias-primas e
dos mercados têxteis mundiais, as potências europeias impuseram, ao longo do
século XIX, tributos coloniais a todos os países recalcitrantes, do Haiti à
China, passando pelo Marrocos.
Na véspera de
1914, elas estavam empenhadas numa luta feroz pelo controle de territórios, de
recursos e do capitalismo mundial. Chegaram até mesmo a impor tributos cada vez
mais exorbitantes uns aos outros, a Prússia à França em 1871, depois a França à
Alemanha em 1919: 132 bilhões de marcos-ouro, ou seja, mais de três anos do PIB
alemão da época.
Tanto como o
tributo imposto ao Haiti em 1825, salvo que, desta vez, a Alemanha tinha meios
para se defender. A escalada sem fim levou ao colapso do sistema e do orgulho
europeu.
Esta é a
primeira fraqueza do nacional-capitalismo: quando os poderes estão inflamados,
acabam devorando-se uns aos outros.
A segunda é
que o sonho de prosperidade prometido pelo nacional-capitalismo acaba sempre
desapontando as expectativas populares, pois, na verdade, ele repousa em
hierarquias sociais exacerbadas e numa concentração de riquezas cada vez maior.
Se o Partido
Republicano tornou-se tão nacionalista e virulento em relação ao mundo
exterior, isso se deve, em primeiro lugar, ao fracasso das políticas
reaganianas, que deveriam impulsionar o crescimento, mas apenas reduziram e
conduziram-no à estagnação da renda da maioria.
A
produtividade nos Estados Unidos, medida pelo PIB por hora trabalhada, era duas
vezes superior à da Europa em meados do século XX, graças à liderança
educacional do país.
Desde os anos
1990, ela está no mesmo nível que a dos países europeus mais avançados
(Alemanha, França, Suécia e Dinamarca), com diferenças tão pequenas que não
podem ser distinguidas estatisticamente.
·
Postura arrogante e neocolonial
Impressionados
com as capitalizações das bolsas e os montantes em bilhões de dólares, alguns
observadores ficam maravilhados com o poder econômico dos Estados Unidos.
Esquecem-se de
que essas capitalizações se explicam pelo poder de monopólio de alguns grandes
grupos e, mais geralmente, de que os montantes astronômicos em dólares se
devem, em grande parte, aos preços muito elevados impostos aos consumidores
estadunidenses.
É como se
estivéssemos analisando a evolução dos salários sem considerar a inflação. Se
raciocinarmos em termos de paridade do poder de compra, a realidade é muito
diferente: a diferença de produtividade em relação à Europa desaparece completamente.
Esta medida
mostra igualmente que o PIB da China ultrapassou o dos Estados Unidos em
2016. Atualmente, é mais de 30% superior e atingirá o dobro do PIB dos EUA
em 2035.
Isto tem
consequências muito concretas em termos de capacidade de influenciar e
financiar investimentos no Sul, especialmente se os Estados Unidos continuarem
mantendo sua postura arrogante e neocolonial.
A verdade é
que os Estados Unidos estão à beira de perder o controle do mundo e a retórica
trumpista nada mudará.
Resumamos. A
força do nacional-capitalismo está em exaltar a vontade de poder e a identidade
nacional, ao mesmo tempo que denuncia as ilusões dos discursos ingênuos sobre a
harmonia universal e a igualdade de classes.
Sua fraqueza
reside na confrontação entre as potências, e em desconsiderar que uma
prosperidade sustentável exige investimentos educacionais, sociais e ambientais
que beneficiem todos.
Diante do
trumpismo, a Europa deve, antes de tudo, manter-se ela mesma. Ninguém no
continente, nem mesmo a direita nacionalista, deseja voltar às posturas
militares do passado.
Em vez de
dedicar seus recursos a uma escalada sem fim – Donald Trump agora exige
orçamentos militares de 5% do PIB –, a Europa deve basear sua influência no
direito e na justiça.
Com sanções
financeiras específicas, realmente aplicadas a alguns milhares de dirigentes, é
possível fazer ouvir a nossa voz de forma mais eficaz do que empilhando tanques
em barracões.
E, acima de
tudo, a Europa deve ouvir as demandas de justiça econômica, fiscal e climática
que vêm do Sul. Ela deve retomar os investimentos sociais e ultrapassar
definitivamente os Estados Unidos em formação e produtividade, como já fez em
saúde e expectativa de vida.
Depois de
1945, a Europa reconstruiu-se graças ao Estado social e à revolução
social-democrata. Este programa não está concluído: ao contrário, deve ser
considerado como o início de um modelo de socialismo democrático e ecológico
que deve ser pensado agora em escala mundial.
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