terça-feira, 11 de março de 2025

Como o 1º estudo controlado mostra que Ozempic pode reduzir o desejo e o consumo abusivo de álcool

A famosa semaglutida, princípio ativo dos medicamentos Ozempic para diabetes e Wegovy para obesidade, também deve poder ajudar as pessoas a reduzir a ingestão de álcool, de acordo com uma pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia.

A semaglutida é uma substância que substitui a ação de um hormônio chamado GLP1, produzido naturalmente no intestino. Ela atua no hipotálamo, responsável por controlar a saciedade no fígado - que reduz a produção de glicose - e no pâncreas, que estimula a produção de insulina. Na prática, isso faz com que a pessoa se sinta mais satisfeita, o que pode levar a uma redução de 30% a 40% do consumo de calorias, dependendo da dosagem.

As descobertas, publicadas na revista científica "JAMA Psychiatry", mostraram que a medicação semanal, em comparação com um placebo, reduziu o desejo por álcool, a quantidade de bebida e a frequência de dias de consumo excessivo.

Cerca de 178 mil mortes por ano nos EUA podem ser atribuídas ao álcool, que está ligado a doenças hepáticas, cardiovasculares e é uma causa conhecida de cancer, conforme observado recentemente pelo Conselho de Cirurgiões Gerais dos Estados Unidos. Quase um terço dos adultos americanos preencheram os critérios para problemas com o consumo de álcool em algum momento das suas vidas – mas muito poucos procuram ou recebem tratamento.

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O estudo confirma uma observação comum feita por muitos pacientes e médicos desde que o Ozempic e medicamentos semelhantes explodiram em popularidade: as pessoas iniciam injeções semanais de semaglutida para obesidade ou diabetes e, como efeito colateral, perdem o desejo por álcool.

Este é o primeiro ensaio clínico randomizado e controlado por placebo para estudar o fenômeno, disse Christian Hendershot, primeiro autor do estudo e diretor de pesquisa clínica do Instituto de Pesquisa de Dependência da USC (Universidade do sul da Califórnia).

“Dois medicamentos atualmente aprovados para reduzir o consumo de álcool não são amplamente utilizados. A popularidade do Ozempic e de outros agonistas do receptor GLP-1 aumenta as chances de ampla adoção desses tratamentos para o transtorno por uso de álcool. A redução da ingestão de álcool está associada a melhores resultados de saúde. Esses resultados justificam estudos maiores de agonistas do receptor GLP-1 para transtorno por uso de álcool”, disse Hendershot, que é professor de Ciências da População e Saúde Pública na Keck School of Medicine da USC.

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O diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) Fabio Moura explica que drogas como a semaglutida atuam principalmente na fome fisiológica, mas também na fome hedônica, que é o comer por prazer.

“Essas drogas atuam numa região do cérebro que é chamada de sistema mesolímbico e essa atuação no está associada com a diminuição da percepção ao comer alguns alimentos ou ao ingerir álcool. Então, a gente tem visto sim uma associação entre o uso dessas drogas e essa diminuição da vontade de ingerir álcool”, diz Moura.

O endocrinologista Marcio Mancini, diretor do Departamento de Tratamento Farmacológico da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) acrescenta que estudos em animais (ratos machos e fêmeas) mostraram que semaglutida reduziu o consumo de álcool em administração aguda e crônica. Além disso, preveniu as recaídas em animais privados de álcool e aumentou a ingestão hídrica.

“Tudo indica que isso se deve a uma diminuição da ativação do sistema límbico pelo álcool, levando a aumento do metabolismo da dopamina (consequentemente reduzindo a dopamina), o que diminui a recompensa causada pela ingestão de álcool. Em humanos, sabemos que pessoas que possuem mutação do receptor de GLP-1 causando um mau funcionamento do receptor apresentam mais transtornos por uso de álcool (TUA)”, afirma Mancini.

O médico destaca ainda que um estudo sueco com mais de 200.000 pessoas mostrou que o risco de internações por transtornos por uso de álcool foi reduzido em pessoas em uso de semaglutida.

Além disso, um estudo duplo-cego de fase 2 mostrou diminuição de beber excessivamente (heavy drinking) e redução da quantidade de álcool ingerida.

O diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Alexandre Hohl, explica que principalmente quando o objetivo é perda de peso, a observa-se claramente em um grupo de pacientes a diminuição do desejo de ingerir bebidas alcoólicas dos mais variados tipos – gin, destilado e cerveja.

“O próprio paciente considera isso um benefício, visto que diminuindo a ingesta alcoólica, diminui-se a ingesta calórica e ajuda neste processo de emagrecimento”, diz Hohl.

A psiquiatra e médica pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), Olivia Pozzolo, afirma que, embora os estudos atuais sobre semaglutida e outros análogos do GLP, como a liraglutina e exenatida, mostrem resultados promissores na redução do consumo de álcool e na modulação da neurotransmissão central, é importante enfatizar que essas descobertas ainda estão em estágios iniciais, o que leva a necessidade de ensaios clínicos robustos para melhor compreensão desses resultados.

“Enquanto esses estudos abrem caminhos para novas terapias, eles também destacam a necessidade de pesquisa contínua e cuidadosa de soluções efetivas e abrangentes para o tratamento do alcoolismo", destaca Pozzolo.

·        O ensaio clínico

Para o ensaio, os pesquisadores recrutaram 48 adultos – 34 mulheres (71%) e 14 homens (29%) com transtorno por uso de álcool que não procuravam tratamento ativamente. O estudo ocorreu em um centro médico acadêmico nos EUA de setembro de 2022 a fevereiro de 2024.

O transtorno por uso de álcool é definido por uma série de sintomas possíveis, incluindo a incapacidade de parar ou controlar o consumo de álcool, apesar das consequências negativas.

Os participantes tinham um histórico de consumo de álcool no último mês de mais de sete (para mulheres) ou mais de 14 (para homens) bebidas padrão em uma semana, bem como dois ou mais episódios de consumo excessivo de álcool (4 ou mais bebidas para mulheres e 5 ou mais para homens).

Uma semana antes da primeira injeção semanal, os pesquisadores convidaram os participantes a beber suas bebidas alcoólicas preferidas durante um período de duas horas em um ambiente confortável de laboratório, com instruções para adiar o consumo, se assim desejassem. Os pesquisadores documentaram atrasos e bebidas consumidas.

Os participantes foram então designados aleatoriamente para receber injeções semanais de baixas doses de Ozempic ou placebo durante nove semanas, período durante o qual seus padrões de consumo semanais também foram medidos. Depois, participantes e pesquisadores voltaram ao laboratório de bebidas para repetir o processo e ver o que mudou.

Os resultados, medidos por gramas de álcool consumidos e concentração de álcool no ar expirado, indicaram que as injeções de semaglutida reduziram o desejo semanal de álcool, reduziram a média de bebidas nos dias de consumo e levaram a maiores reduções nos dias de consumo excessivo, em relação ao placebo.

De acordo com os pesquisadores, o tratamento com semaglutida reduziu significativamente o total de bebida em cada dia de consumo.

Uma descoberta importante foi que a magnitude dos efeitos da semaglutida em vários resultados do consumo de álcool foi relativamente maior do que é frequentemente observado com medicamentos existentes para reduzir o desejo por álcool, embora a semaglutida só tenha sido administrada nas doses clínicas mais baixas.

No último mês de tratamento, os participantes do grupo da semaglutida reduziram significativamente o número de dias de consumo excessivo de álcool. Além disso, quase 40% das pessoas no grupo da semaglutida não relataram dias de consumo excessivo de álcool no último mês de tratamento, em comparação com 20% no grupo do placebo.

Entre um pequeno subgrupo de participantes que fumavam cigarros no início do estudo, aqueles tratados com semaglutida tiveram reduções significativamente maiores na média de cigarros por dia em comparação com aqueles no grupo placebo.

“Esses dados sugerem o potencial da semaglutida e de medicamentos similares para suprir uma necessidade não atendida no tratamento do transtorno por uso de álcool”, disse a autora sênior Klara Klein, da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte.

“São necessários estudos maiores e mais longos em populações mais amplas para compreender completamente a segurança e eficácia em pessoas com transtorno por uso de álcool, mas essas descobertas iniciais são promissoras”.

Embora preliminares, as estimativas atuais do tamanho do efeito são promissoras, de acordo com o estudo, que utilizou as 2 doses clínicas mais baixas de semaglutida, enquanto as doses para redução de peso atingem 2,4 mg/semana.

Com o aumento da dose e da duração do tratamento, doses mais altas provavelmente produziriam maiores efeitos na redução do álcool.

O Atlas Mundial da Obesidade estimou que a doença deve atingir quase 30% da população adulta do Brasil em 2030. O Brasil está entre os países com maiores índices de obesidade no mundo. Segundo a federação, estamos entre os 11 países onde vivem a metade das mulheres com obesidade e entre os nove que abrigam metade dos homens com obesidade.

Em janeiro, pesquisadores dos Estados Unidos descobriram achados importantes, apontando tanto benefícios e riscos associados a esses remédios. . Por conta disso, os estudiosos reforçam que esses medicamentos precisam de um acompanhamento profissional para minimizar riscos e identificar complicações precocemente.

Eles identificaram alguns benefícios para a saúde cognitiva e comportamental, mas também observaram possíveis efeitos adversos associados ao uso de GLP-1, como: efeitos gastrointestinais - maior risco de náuseas, vômitos, refluxo gastroesofágico, gastrite e retardo no esvaziamento do estômago; possibilidade de quedas na pressão arterial, aumentando o risco de desmaios; complicações renais, com maior risco de pedras nos rins e inflamação dos rins, e pancreatite induzida por medicamentos, com risco aumentado de inflamação grave do pâncreas.

Entre os benefícios, estão melhora na saúde mental, na neuroproteção, no coração e circulação e no sistema respiratório, além de menor risco de anemia, dor muscular, insuficiência hepática, doença inflamatória intestinal e câncer de fígado.

 

Fonte: g1

 

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