Como
o 1º estudo controlado mostra que Ozempic pode reduzir o desejo e o consumo
abusivo de álcool
A famosa semaglutida, princípio ativo dos medicamentos Ozempic
para diabetes e Wegovy para obesidade, também deve poder ajudar as pessoas a
reduzir a ingestão de álcool, de acordo com uma pesquisa da Universidade do Sul
da Califórnia.
A semaglutida é uma substância que substitui a ação
de um hormônio chamado GLP1, produzido naturalmente no intestino. Ela atua no
hipotálamo, responsável por controlar a saciedade no fígado - que reduz a
produção de glicose - e no pâncreas, que estimula a produção de insulina. Na
prática, isso faz com que a pessoa se sinta mais satisfeita, o que pode levar a
uma redução de 30% a 40% do consumo de calorias, dependendo da dosagem.
As descobertas, publicadas na revista
científica "JAMA Psychiatry",
mostraram que a medicação semanal, em comparação com um placebo, reduziu o
desejo por álcool, a quantidade de bebida e a frequência de dias de consumo
excessivo.
Cerca de 178 mil mortes por ano nos EUA podem ser atribuídas ao álcool, que está ligado a doenças hepáticas, cardiovasculares e é uma causa
conhecida de cancer, conforme observado recentemente pelo Conselho de
Cirurgiões Gerais dos Estados Unidos. Quase um terço dos adultos americanos
preencheram os critérios para problemas com o consumo de álcool em algum
momento das suas vidas – mas muito poucos procuram ou recebem tratamento.
<><> O que acontece quando se para de
tomar Ozempic, segundo estudos
O estudo confirma uma observação comum feita por
muitos pacientes e médicos desde que o Ozempic e medicamentos semelhantes
explodiram em popularidade: as pessoas iniciam
injeções semanais de semaglutida para obesidade ou diabetes e, como efeito
colateral, perdem o desejo por álcool.
Este é o primeiro ensaio clínico randomizado e
controlado por placebo para estudar o fenômeno, disse Christian Hendershot,
primeiro autor do estudo e diretor de pesquisa clínica do Instituto de Pesquisa
de Dependência da USC (Universidade do sul da Califórnia).
“Dois medicamentos atualmente aprovados para
reduzir o consumo de álcool não são amplamente utilizados. A popularidade do
Ozempic e de outros agonistas do receptor GLP-1 aumenta as chances de ampla
adoção desses tratamentos para o transtorno por uso de álcool. A redução da
ingestão de álcool está associada a melhores resultados de saúde. Esses
resultados justificam estudos maiores de agonistas do receptor GLP-1 para
transtorno por uso de álcool”, disse Hendershot, que é professor de Ciências da
População e Saúde Pública na Keck School of Medicine da USC.
·
Médicos brasileiros comentam a relação entre a
semaglutida e o consumo de álcool
O diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia
e Metabologia (SBEM) Fabio Moura explica que drogas como a semaglutida atuam
principalmente na fome fisiológica, mas também na fome hedônica, que é o comer
por prazer.
“Essas drogas atuam numa região do cérebro que é
chamada de sistema mesolímbico e essa atuação no está associada com a
diminuição da percepção ao comer alguns alimentos ou ao ingerir álcool. Então,
a gente tem visto sim uma associação entre o uso dessas drogas e essa
diminuição da vontade de ingerir álcool”, diz Moura.
O endocrinologista Marcio Mancini, diretor do
Departamento de Tratamento Farmacológico da Associação Brasileira para o Estudo
da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) acrescenta que estudos em animais
(ratos machos e fêmeas) mostraram que semaglutida reduziu o consumo de álcool
em administração aguda e crônica. Além disso, preveniu as recaídas em animais
privados de álcool e aumentou a ingestão hídrica.
“Tudo indica que isso se deve a uma diminuição da
ativação do sistema límbico pelo álcool, levando a aumento do metabolismo da
dopamina (consequentemente reduzindo a dopamina), o que diminui a recompensa
causada pela ingestão de álcool. Em humanos, sabemos que pessoas que possuem
mutação do receptor de GLP-1 causando um mau funcionamento do receptor apresentam
mais transtornos por uso de álcool (TUA)”, afirma Mancini.
O médico destaca ainda que um estudo sueco com mais
de 200.000 pessoas mostrou que o risco de internações por transtornos por uso
de álcool foi reduzido em pessoas em uso de semaglutida.
Além disso, um estudo duplo-cego de fase 2 mostrou
diminuição de beber excessivamente (heavy drinking) e redução da quantidade de
álcool ingerida.
O diretor da Associação Brasileira para o Estudo da
Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Alexandre Hohl, explica que
principalmente quando o objetivo é perda de peso, a observa-se claramente em um
grupo de pacientes a diminuição do desejo de ingerir bebidas alcoólicas dos
mais variados tipos – gin, destilado e cerveja.
“O próprio paciente considera isso um benefício, visto
que diminuindo a ingesta alcoólica, diminui-se a ingesta calórica e ajuda neste
processo de emagrecimento”, diz Hohl.
A psiquiatra e médica pesquisadora do Centro de
Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), Olivia Pozzolo, afirma que, embora os
estudos atuais sobre semaglutida e outros análogos do GLP, como a liraglutina e
exenatida, mostrem resultados promissores na redução do consumo de álcool e na
modulação da neurotransmissão central, é importante enfatizar que essas
descobertas ainda estão em estágios iniciais, o que leva a necessidade de
ensaios clínicos robustos para melhor compreensão desses resultados.
“Enquanto esses estudos abrem caminhos para novas
terapias, eles também destacam a necessidade de pesquisa contínua e cuidadosa
de soluções efetivas e abrangentes para o tratamento do alcoolismo",
destaca Pozzolo.
·
O ensaio clínico
Para o ensaio, os pesquisadores recrutaram 48
adultos – 34 mulheres (71%) e 14 homens (29%) com transtorno por uso de álcool
que não procuravam tratamento ativamente. O estudo ocorreu em um centro médico
acadêmico nos EUA de setembro de 2022 a fevereiro de 2024.
O transtorno por uso de álcool é definido por uma
série de sintomas possíveis, incluindo a incapacidade de parar ou controlar o
consumo de álcool, apesar das consequências negativas.
Os participantes tinham um histórico de consumo de
álcool no último mês de mais de sete (para mulheres) ou mais de 14 (para
homens) bebidas padrão em uma semana, bem como dois ou mais episódios de
consumo excessivo de álcool (4 ou mais bebidas para mulheres e 5 ou mais para
homens).
Uma semana antes da primeira injeção semanal, os
pesquisadores convidaram os participantes a beber suas bebidas alcoólicas
preferidas durante um período de duas horas em um ambiente confortável de
laboratório, com instruções para adiar o consumo, se assim desejassem. Os
pesquisadores documentaram atrasos e bebidas consumidas.
Os participantes foram então designados
aleatoriamente para receber injeções semanais de baixas doses de Ozempic ou
placebo durante nove semanas, período durante o qual seus padrões de consumo
semanais também foram medidos. Depois, participantes e pesquisadores voltaram
ao laboratório de bebidas para repetir o processo e ver o que mudou.
Os resultados, medidos por gramas de álcool consumidos
e concentração de álcool no ar expirado, indicaram que as injeções de
semaglutida reduziram o desejo semanal de álcool, reduziram a média de bebidas
nos dias de consumo e levaram a maiores reduções nos dias de consumo excessivo,
em relação ao placebo.
De acordo com os pesquisadores, o tratamento com
semaglutida reduziu significativamente o total de bebida em cada dia de
consumo.
Uma descoberta importante foi que a magnitude dos
efeitos da semaglutida em vários resultados do consumo de álcool foi relativamente
maior do que é frequentemente observado com medicamentos existentes para
reduzir o desejo por álcool, embora a semaglutida só tenha sido administrada
nas doses clínicas mais baixas.
No último mês de tratamento, os participantes do
grupo da semaglutida reduziram significativamente o número de dias de consumo
excessivo de álcool. Além disso, quase 40% das pessoas no grupo da semaglutida
não relataram dias de consumo excessivo de álcool no último mês de tratamento,
em comparação com 20% no grupo do placebo.
Entre um pequeno subgrupo de participantes que
fumavam cigarros no início do estudo, aqueles tratados com semaglutida tiveram
reduções significativamente maiores na média de cigarros por dia em comparação
com aqueles no grupo placebo.
“Esses dados sugerem o potencial da semaglutida e
de medicamentos similares para suprir uma necessidade não atendida no
tratamento do transtorno por uso de álcool”, disse a autora sênior Klara Klein,
da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte.
“São necessários estudos maiores e mais longos em
populações mais amplas para compreender completamente a segurança e eficácia em
pessoas com transtorno por uso de álcool, mas essas descobertas iniciais são
promissoras”.
Embora preliminares, as estimativas atuais do
tamanho do efeito são promissoras, de acordo com o estudo, que utilizou as 2
doses clínicas mais baixas de semaglutida, enquanto as doses para redução de
peso atingem 2,4 mg/semana.
Com o aumento da dose e da duração do tratamento,
doses mais altas provavelmente produziriam maiores efeitos na redução do
álcool.
O Atlas Mundial da Obesidade estimou que a doença deve atingir quase 30%
da população adulta do Brasil em 2030. O
Brasil está entre os países com maiores índices de obesidade no mundo. Segundo
a federação, estamos entre os 11 países onde vivem a metade das mulheres com
obesidade e entre os nove que abrigam metade dos homens com obesidade.
Em janeiro, pesquisadores dos Estados Unidos
descobriram achados importantes, apontando tanto benefícios e riscos associados
a esses remédios. . Por conta disso, os estudiosos reforçam que esses
medicamentos precisam de um acompanhamento profissional para minimizar riscos e
identificar complicações precocemente.
Eles identificaram alguns benefícios para a saúde
cognitiva e comportamental, mas também observaram possíveis efeitos adversos
associados ao uso de GLP-1, como: efeitos gastrointestinais - maior risco de
náuseas, vômitos, refluxo gastroesofágico, gastrite e retardo no esvaziamento
do estômago; possibilidade de quedas na pressão arterial, aumentando o risco de
desmaios; complicações renais, com maior risco de pedras nos rins e inflamação
dos rins, e pancreatite induzida por medicamentos, com risco aumentado de
inflamação grave do pâncreas.
Entre os benefícios, estão melhora na saúde mental,
na neuroproteção, no coração e circulação e no sistema respiratório, além de
menor risco de anemia, dor muscular, insuficiência hepática, doença
inflamatória intestinal e câncer de fígado.
Fonte: g1
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