terça-feira, 11 de março de 2025

"Avanço transnacional da extrema direita é desafio maior do que foi o nazifascismo", diz historiador

O historiador, professor e escritor João Cezar de Castro Rocha afirmou que o avanço transnacional da extrema direita representa um desafio ainda maior do que o nazifascismo do século passado. A declaração foi feita durante entrevista ao programa Conversas Com Hildegard Angel, da TV 247.

"O que nós enfrentamos hoje, com o avanço transnacional da extrema direita, é um desafio maior do que foi o nazifascismo do século passado. Porque o nazifascismo surge, sobretudo, como oposição violenta. Mas hoje, a extrema direita de Donald Trump, Elon Musk e Jair Bolsonaro avança conquistando corações e mentes, sobretudo das gerações mais jovens. Por quê? O que está em jogo? A gente precisa compreender esse dilema do desafio contemporâneo, é o que tenho tentado", afirmou.

Para Castro Rocha, o que está em jogo é a disputa pela narrativa que molda as sociedades contemporâneas. Ele alertou para o uso estratégico de fake news e teorias conspiratórias por líderes políticos da extrema direita, como Trump, Bolsonaro e o presidente argentino Javier Milei.

"Não existem mais projetos para a cidadania, como por exemplo a 'Pátria Educadora' de Dilma Rousseff, ou o '50 anos em 5', de JK, ou as 'Reformas de Base', do João Goulart", afirmou o professor. "Uma vez que você tem o ódio como mecanismo de interação social, nós vivemos o caos que vivemos hoje", completou.

¨      "Se nós não falarmos de segurança pública, a extrema-direita irá pautar o tema da pior maneira possível”, diz Contarato

Em entrevista ao programa Reconversa, de Reinaldo Azevedo e Walfrido Warde, no Youtube, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) revelou os ataques que sofreu durante sua campanha eleitoral devido à sua orientação sexual e estrutura familiar. O parlamentar denunciou a divulgação de fotos suas com o marido e o filho adotivo, Gabriel, em uma tentativa de desqualificá-lo como representante do Espírito Santo. "Meus adversários espalhavam essas imagens e perguntavam para a população: 'Esse é o tipo de família que você quer que represente o estado?'. Isso é muito duro", desabafou Contarato.

O senador também relatou as dificuldades enfrentadas durante o processo de adoção de Gabriel. "O promotor se posicionou contra, alegando que uma criança precisa de pai e mãe, e jamais de dois pais", revelou. Apesar das resistências, Contarato conseguiu reverter a decisão na Justiça, e o Estado do Espírito Santo foi condenado a indenizá-lo pelo comportamento homofóbico do Ministério Público. "Foi uma luta que registrei em um livro, para que meus filhos saibam o quanto batalhamos para construir nossa família."

<><> A omissão da esquerda na segurança pública

Durante a entrevista, Contarato também criticou a postura da esquerda em relação ao debate sobre segurança pública. Ele defendeu a necessidade de endurecimento de penas para crimes graves e criticou o abandono do tema por parte dos progressistas. "Se nós, da esquerda, não falarmos de segurança pública, a extrema-direita irá pautar o tema da pior maneira possível", alertou.

O senador mencionou seu projeto de lei que propõe o aumento do período de internação para adolescentes que cometem atos infracionais com violência. Ele citou o caso de um jovem de 17 anos que invadiu uma escola no Espírito Santo e matou sete pessoas. "Atualmente, ele pode ficar internado no máximo por três anos. Isso não é razoável", afirmou.

<><> Polêmicas e embates com a direita

Contarato também criticou a direita por distorcer conceitos jurídicos e promover pautas "odientas". Ele questionou o projeto aprovado pela Comissão de Segurança Pública do Senado que previa a castração química para estupradores. "Essa medida sequer passou pelo plenário do Senado. Enquanto isso, tentaram aumentar a pena para crimes contra o patrimônio, como estelionato, para até 19 anos. Isso é uma aberração jurídica", criticou.

O senador também rebateu os discursos sobre anistia para os golpistas do 8 de Janeiro. "No Brasil, um crime não é cometido apenas por ação, mas também por omissão. As pessoas que estavam nos acampamentos e as forças de segurança que nada fizeram são igualmente culpadas", argumentou. Para ele, defender anistia aos participantes dos atos golpistas é um equívoco grave. "Eles estavam ali para desestabilizar o regime democrático. Não eram 'senhorinhas inocentes'."

<><> Falta de abertura na esquerda

Contarato revelou sua frustração com a falta de espaço para discutir segurança pública dentro da própria esquerda. "Quando o presidente Lula foi eleito e formou a equipe de transição, eu, que fui delegado por 27 anos e sou professor de Direito Penal desde 1999, não fui chamado para contribuir", lamentou.

O senador defendeu que a esquerda precisa ampliar seu discurso para dialogar com a população sobre temas como combate à corrupção, segurança pública e direitos humanos. "Direitos humanos também envolvem proteger famílias de policiais mortos em serviço, combater a violência doméstica e punir crimes sexuais. Precisamos ressignificar esse debate e tirar o monopólio da direita sobre o tema."

A entrevista de Contarato repercutiu fortemente nas redes sociais, reacendendo o debate sobre os desafios da esquerda em lidar com a segurança pública e os direitos das famílias LGBTQIA+ no Brasil.

¨      “O império sem máscaras: o trumpismo é a verdade dos Estados Unidos”, diz Boaventura

O renomado sociólogo Boaventura de Sousa Santos descreveu, em entrevista ao jornalista Gustavo Conde no Podcast do Conde, a chegada de Donald Trump à Casa Branca como o marco de um "império sem máscaras". Segundo o acadêmico, o trumpismo é a face mais crua do capitalismo e do imperialismo estadunidense, despida de qualquer disfarce democrático.

Boaventura começou destacando um aspecto peculiar da liderança de Trump: "Há uma coisa que eu admiro no Trump: é o imperialismo sem máscaras. Acabou a hipocrisia. Não há mais a máscara da democracia ou da paz. Ele governa de forma direta, em prol das elites bilionárias.”

Na análise do sociólogo, a posse do republicano foi uma "performance midiática cuidadosamente orquestrada", que reuniu os grandes bilionários do planeta para legitimar um governo voltado exclusivamente para os interesses do capital financeiro, da indústria armamentista e do petróleo.

A política de revogações executivas, marca dos primeiros dias do novo mandato de Trump, também foi alvo da reflexão do intelectual. Entre as decisões mais polêmicas, Boaventura destacou a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), a revogação do direito ao jus soli (nacionalidade pelo local de nascimento) e a soltura de condenados pelo ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. "São ações que consolidam uma era de expansionismo econômico, militarização e nacionalismo extremo. O que Trump faz é oficializar o que sempre esteve no subtexto da política norte-americana", afirmou.

Sobre a política externa, Boaventura criticou a postura beligerante e protecionista do novo governo. "Trump anunciou tarifas de até 200% sobre produtos vindos da China e de outros países considerados 'hostis'. Trata-se de uma estratégia para reindustrializar os Estados Unidos à custa da economia global. É a velha lógica colonial aplicada ao século XXI."

Ao abordar a reação internacional às medidas de Trump, o sociólogo destacou a ausência de resistência organizada. "A Europa está perdida, dividida e sem lideranças capazes de enfrentar esse cenário. Os BRICS, por sua vez, têm potencial, mas enfrentam desafios internos e falta de coesão política para fazer frente ao dólar ou ao protecionismo norte-americano."

O acadêmico também apontou a desconexão entre os movimentos progressistas e as demandas populares como uma das razões da fragilidade da esquerda global. "A esquerda está se suicidando ao abandonar a luta anticapitalista e priorizar divisões internas baseadas em identitarismos. Enquanto isso, a extrema direita avança com força, legitimada por lideranças como Trump e Bolsonaro", avaliou.

Boaventura ainda destacou a importância das resistências locais, como os povos indígenas da América Latina e os movimentos africanos, que têm emergido com propostas baseadas em harmonia com a natureza. "A verdadeira mudança virá dos povos que vivem na prática a ideia de que pertencemos à natureza, e não o contrário. Eles trazem uma alternativa concreta ao modelo destrutivo do capitalismo."

Ao final, o sociólogo reforçou a necessidade de uma renovação nas formas de resistência global. "Precisamos de uma articulação internacional que vá além das redes sociais e da retórica. É hora de repensar as estruturas de luta para que possamos fazer frente a essa nova era de plutocracia global." 

¨      “Cultura do cancelamento é uma cultura de linchamento, que tem atingido figuras de esquerda”, diz Boaventura de Sousa Santos

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirmou, em entrevista à TV 247, que foi vítima da chamada cultura do cancelamento, que o levou a se desligar do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal, instituição da qual é sócio-fundador. Ele pediu demissão após alegar irregularidades no processo de inquérito sobre acusações de assédio sexual e moral feitas por um grupo de pesquisadoras.

“Eu me desliguei do CES porque a cultura do cancelamento entrou no meu centro”, declarou. Boaventura negou veementemente as acusações e criticou o que chamou de “indústria do cancelamento”. Segundo ele, as denúncias nunca foram apresentadas formalmente a nenhuma instituição oficial. “Nunca fui alvo de denúncias formais”, afirmou.

Durante a entrevista, o sociólogo acusou ONGs internacionais de financiar campanhas de difamação contra ele e destacou que a investigação no CES não seguiu os princípios do Estado de Direito. “Fui vítima de mentiras de uma agência que se diz pública, mas que é financiada por ONGs internacionais, que fomentam a cultura do cancelamento”, disse.

Boaventura classificou a cultura do cancelamento como uma forma de linchamento e um instrumento de disputa política. “A cultura do cancelamento não permite o contraditório. O objetivo era eliminar-me”, afirmou. Ele comparou sua situação à do jurista brasileiro Alysson Mascaro, argumentando que ambos enfrentaram acusações sem respaldo jurídico.

Para o sociólogo, o cancelamento é uma ferramenta seletiva e está sendo usada para descredibilizar intelectuais de esquerda. “Cultura do cancelamento é uma cultura de linchamento, que tem atingido figuras de esquerda. Estamos numa luta política”, afirmou. Ele também classificou o fenômeno como uma espécie de “novo macartismo a serviço da extrema-direita internacional”.

Boaventura também criticou mudanças sociais e acadêmicas que, segundo ele, têm tornado o ambiente mais hostil ao diálogo. “No passado, eu podia dizer que uma mulher estava bonita. Hoje, não posso mais”, comentou, atribuindo o endurecimento das regras sociais à competição no meio acadêmico. “Estamos numa sociedade em que há muita competição na área acadêmica e científica.”

O sociólogo encerrou sua participação afirmando que continuará a atuar como intelectual independente, mesmo sem vínculo institucional. Ele anunciou que já acionou a Justiça para contestar as acusações e defender sua honra. “As ações judiciais estão em curso”, finalizou.

<><> "O Brasil está concluindo sua longa transição democrática"

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos afirmou  que o Brasil está concluindo uma transição democrática que se estende desde o fim da ditadura militar, em 1985. Para ele, as recentes investigações sobre a tentativa de golpe de Estado e a tentativa de impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcam um ponto de inflexão na história política do país. "O Brasil tem uma longa transição democrática que é praticamente entre 1985 e 2025", afirmou.

Boaventura ressaltou que pela primeira vez "pessoas e lógicas políticas golpistas estão sendo questionadas e responsabilizadas no Supremo Tribunal Federal (STF)”, o que representa um avanço na consolidação democrática. No entanto, ele alerta para um cenário político preocupante nas próximas eleições presidenciais no Brasil, destacando o papel da extrema-direita global e a influência de figuras como Elon Musk. "O horizonte para as próximas eleições é muito perturbador", avaliou. Ele citou o caso da Alemanha, onde Musk interferiu no processo político ao defender a extrema-direita, e questionou: "Se ele fez isso na Alemanha, por que não faria no Brasil?".

O sociólogo demonstrou preocupação com a vitalidade da esquerda brasileira diante deste cenário. "Não estou a ver a vitalidade da esquerda para enfrentar este grande desafio", disse, acrescentando que observa a construção de uma narrativa para enfraquecer Lula, similar à que foi utilizada contra o presidente norte-americano Joe Biden, associando-o à falta de capacidade mental. Segundo Boaventura, essa estratégia foi evidenciada em um artigo recente da jornalista Mônica Bergamo, que teria sugerido que Lula estaria "desconectado da realidade" diante de sua queda de popularidade. "Podemos estar a criar uma ideia de que Lula não tem condições para se recandidatar", alertou.

A relação dos Estados Unidos com a esquerda latino-americana também foi um ponto abordado na entrevista. Para Boaventura, um dos principais equívocos da esquerda brasileira foi acreditar que poderia contar com os Estados Unidos como um aliado. "A esquerda brasileira depois da ditadura foi muito irrealista em relação aos Estados Unidos", afirmou, lembrando o caso da espionagem da ex-presidente Dilma Rousseff pelo governo de Barack Obama. Ele ainda criticou a posição do Brasil em relação à Venezuela dentro do BRICS, considerando que o veto de Lula à entrada do país no bloco não trará benefícios ao Brasil. "Os Estados Unidos só têm um aliado: os seus próprios interesses", pontuou.

A crise política nos Estados Unidos também foi um tema abordado por Boaventura, que considera o país "à beira de uma guerra civil". Ele afirmou que "uma percentagem significativa da população acredita que os problemas do país só se resolvem através de uma guerra civil interna" e que o sistema político norte-americano é, na realidade, controlado pelo chamado "Deep State", uma estrutura subterrânea de poder. Segundo ele, o ex-presidente Donald Trump "pode ser eliminado" caso ameace os interesses desse sistema. "No momento em que seja visto pelo Deep State que Trump está a pôr em causa o sistema, matam-no", afirmou, citando o assassinato de John F. Kennedy como um exemplo histórico da violência política norte-americana.

Na Europa, Boaventura de Sousa Santos destacou o crescimento da extrema-direita como um fenômeno impulsionado pela crise econômica e pela falta de alternativas para a população. "A extrema-direita cresce na Europa porque as pessoas estão em um profundo mal-estar social e econômico", disse. Para ele, os países europeus estão enfrentando um processo de declínio irreversível, agravado pelas sanções contra a Rússia e a dependência econômica dos Estados Unidos. "O dinheiro que vai para as armas não vai para a educação, não vai para o serviço nacional de saúde, não vai para as classes médias europeias", enfatizou.

Sobre a crise da esquerda global, Boaventura criticou a falta de um projeto alternativo ao capitalismo e a forma como as esquerdas foram cooptadas por ideias do próprio sistema. Ele defendeu que a esquerda precisa se reconectar com conceitos de "bem viver" e romper com a lógica do desenvolvimento baseado no consumo exacerbado. "O grande problema da esquerda é que é contra nós agora, contra a nossa maneira de pensar. O inimigo está cá dentro, nas subjetividades", afirmou.

Ao finalizar sua participação, Boaventura defendeu a necessidade de reinvenção da esquerda para enfrentar os desafios do século XXI e sugeriu um maior protagonismo dos movimentos sociais e das comunidades tradicionais. "A esquerda tem que buscar outros pensamentos. Os povos indígenas, os quilombolas, os movimentos sociais têm muito a nos ensinar. A crise ecológica, a crise social e a crise política só serão superadas com um novo paradigma de sociedade". 

 

Fonte: Brasil 247

 

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