O que é
moderação quando o assunto é álcool?
À primeira vista, o Alegria
Sem Ressaca é um bloco carnavalesco como outro qualquer: tem fantasia, alegoria
e adereço. Tem até uma bateria com reco-reco, pandeiro e tamborim. Um olhar
mais cuidadoso, porém, desvenda o mistério: ao contrário dos outros blocos,
seus integrantes não consomem bebida alcoólica. Em vez de
cerveja, os foliões bebem água – mineral ou de coco. No lugar do chope, sucos e
picolés de fruta.
"A verdadeira alegria
do Carnaval não está dentro de um copo; está dentro de cada um de nós",
filosofa o psiquiatra Jorge Jaber, o idealizador do bloco Alegria Sem Ressaca.
"Minha inspiração veio de uma tragédia pessoal: quando eu tinha 14 anos,
perdi um amigo da mesma idade por overdose. Desde 2003, tento conscientizar a
população de que o consumo abusivo de álcool pode trazer consequências graves à
saúde."
Tudo no Carnaval remete a
álcool. Desde os nomes de alguns blocos, como Birita Mas Não Cai e Quem Num
Guenta Bebe Água, até as letras de algumas marchinhas, como "As águas vão
rolar / Garrafa cheia eu não quero ver sobrar / Eu passo mão na saca, saca,
saca-rolha / E bebo até me afogar" ou "Você pensa que cachaça é água?
/ Cachaça não é água não / Cachaça vem do alambique / E água vem do
ribeirão".
Não à toa, o consumo
de bebida alcoólica, a exemplo da
temperatura no verão, tende a subir no Carnaval. Em 2024, as vendas de latinhas
e garrafas de cerveja cresceram 12% em comparação ao mesmo período do ano
anterior. E nem adianta pedir: "Beba com moderação". Esse tipo de
alerta, criado em 2008 pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação (Conar),
não funciona.
É o que garante um estudo
britânico de 2022. Conduzido por pesquisadores da Universidade de Oxford e
publicado na revista especializada British
Journal of Health Psychology, ele dá o veredicto: os rótulos de
advertência não estimulam o consumidor a beber menos.
·
Alcoolismo feminino
Um em cada cinco
brasileiros, segundo o Ministério da Saúde, faz uso abusivo de bebida
alcoólica. Ou seja, consome quatro ou mais doses, no caso das mulheres, e cinco
ou mais doses, no caso dos homens, em uma mesma ocasião: festa, churrasco ou
balada. Cada dose, corresponde a uma lata de 350 ml de cerveja, uma taça de 150
ml de vinho ou um copo de 45 ml de destilado, como vodca, gim, tônica, uísque
ou cachaça.
Homens bebem mais do que as
mulheres: são 27,3% contra 15,2%. No entanto, elas são mais vulneráveis ao
álcool. Em geral, começam a beber mais tarde, mas levam menos tempo para se
tornarem dependentes.
"Mesmo ingerindo doses
menores, elas tendem a adoecer mais", adverte a psiquiatra Ana Cecília
Marques, doutora em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e
Outras Drogas (ABEAD).
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Abusivos x moderados
Há dois tipos de
consumidores de álcool: os abusivos e os moderados. O que difere um do outro é
o risco à saúde. No caso dos abusivos, o risco é alto. No caso dos moderados, é
baixo.
"Não há limite seguro
para o consumo de álcool. O mais seguro é não consumir", recomenda o
psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, doutor em Psiquiatria pela Unifesp e
ex-presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Álcool
e Drogas (ABRAMD). "O risco pode ser baixo, mas não é nulo."
Mas, afinal, o que é
"moderação" quando o assunto é álcool? No Brasil, consumo moderado é
definido como uma dose por dia para as mulheres e duas doses por dia para os
homens. No Canadá, o rigor é maior: são duas doses por semana tanto para homens
quanto para mulheres. Outros países, como França, EUA e Austrália, também
estudam reduzir o número de doses máximas toleradas.
"Mesmo pequenas
quantidades, a longo prazo, podem trazer riscos à saúde", alerta o
psiquiatra Jorge Jaber, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
"O ideal é evitar o consumo, principalmente em casos de histórico familiar
de alcoolismo ou de doenças preexistentes, como hipertensão e
diabetes."
·
Tolerância zero
A pesquisa Álcool e a Saúde dos Brasileiros, de 2023,
revela que a maioria da população não faz ideia do que seja "beber com
moderação". Segundo o levantamento, 75% dos consumidores abusivos
acreditam que bebem moderadamente. Apenas 13% admitem que precisam de
ajuda.
"Não se deve ingerir álcool
em hipótese nenhuma: durante a gravidez, antes de dirigir e menor de
idade", afirma o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Centro de
Informações sobre Álcool e Saúde (CISA).
Além de moderados e
abusivos, há um terceiro grupo: os dependentes. O consumidor abusivo torna-se
dependente quando, entre outros fatores, perde o controle sobre o ato de beber.
Isto é, passa a beber em ocasiões em que não deveria. E pior: com frequência e
quantidade cada vez maiores. Outros sinais de alerta: tolerância (precisa
ingerir mais doses para obter o mesmo efeito), abstinência (passa mal quando
para de ingerir álcool) e persistência (sabe que a bebida faz mal, mas não
consegue evitar).
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Janeiro Seco
Há muitas estratégias para
reduzir o consumo ou parar de beber. O Janeiro Seco ("Dry January”) é uma
delas. O objetivo é passar um mês inteiro sem consumir uma única gota. Que pode
ser janeiro ou qualquer outro.
Há outras, acrescenta o
historiador João Ricardo Rodrigues Viégas, consultor da Organização
Pan-Americana da Saúde (OPAS) para Tabaco, Álcool e Vigilância das Doenças
Crônicas Não-Transmissíveis (DCNT): aumentar os impostos, restringir a
publicidade e conscientizar o público. "Colocar rótulos de
advertência em garrafas e latinhas é, sem dúvida, um passo importante",
afirma Viégas. "É direito do consumidor saber, por exemplo, que o álcool
causa câncer."
E, neste caso, não precisa
ser consumidor abusivo. "Uma taça de vinho por dia já aumenta em 11% o
risco de câncer de mama", adverte o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, diretor
da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (UNIAD). "Consumo de baixo
risco, que não tem impacto na saúde, é uma dose por semana."
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"Sober Shaming"
A boa notícia é que as novas
gerações estão bebendo menos. Segundo a pesquisa Copo Meio Cheio, o número de
consumidores nas gerações Y (nascidos entre 1981 e 1996) e Z (entre 1997 e
2010) caiu. Em compensação, na geração X (entre 1965 e 1980), aumentou.
De acordo com a pesquisa,
62% dos consumidores já pensaram em reduzir o consumo. Desses, 79% conseguiram.
Dos que conseguiram, 67% desejam parar no futuro. Ter um estilo de vida mais
saudável é o principal motivo.
Um dado que chamou a atenção
de Gabriela Terra, CEO da Go Magenta, empresa responsável pela pesquisa, foi
o "sober shaming" ("humilhação dos sóbrios", em tradução livre).
"Quando perguntamos quais são as principais barreiras para diminuir o
consumo, a segunda mais apontada, por 34% dos entrevistados, foi a necessidade
de dar satisfação. Ou seja, somos os maiores algozes de quem está tentando
parar", analisa.
Sóbria há 16 anos, a
publicitária Graziella Santoro já sofreu incontáveis episódios de "sober
shaming". Tantos que, com o tempo, aprendeu a inventar desculpas: num dia,
estava pagando promessa; no outro, estava tomando remédio; no terceiro dia,
tinha exame para fazer, e assim por diante. Hoje, quando alguém lhe pergunta:
"Por que você não bebe? ", a fundadora e presidente da Associação
Alcoolismo Feminino, instituição que reúne quase 700 mulheres, limita-se a
rebater: "Não quero, e você? Por que bebe?"
·
Manual de sobrevivência
Para o Carnaval não terminar
antes da quarta-feira de cinzas, os médicos dão algumas dicas. A primeira delas
é manter-se hidratado. "A água ajuda a diluir o metabolismo do álcool e
inibe a vontade de tomar cerveja para hidratar o corpo ou refrescar do
calor", explica Arthur Guerra.
A segunda dica é semelhante
à primeira: não beber com o estômago vazio. O motivo também é parecido:
"Reduz a velocidade de absorção do álcool no organismo", observa o
psiquiatra Jorge Jaber.
A terceira é evitar misturas
perigosas. Em outras palavras: remédios, principalmente os benzodiazepínicos,
como sedativos, ansiolíticos e relaxantes musculares, entre outros, ou
energéticos. "É como se você pisasse no freio e no acelerador ao mesmo
tempo", compara Guerra. "Enquanto o efeito do álcool é depressor, o
do energético é euforizante." O carro pode colidir contra o primeiro poste
que encontrar pelo caminho.
Por falar nisso, bebida não
é medicamento. "Tá ansioso, estressado ou deprimido? Não é a cerveja que
vai resolver seu problema", acrescenta o psiquiatra. "Procure um
médico."
A quarta dica é estabelecer
limites. E, principalmente, respeitá-los. "Defina previamente o quanto
pretende beber", aconselha Jaber. "Não ceda à pressão dos outros para
tomar mais uma dose", arremata Guerra.
Por último, não misture
volante e bebida. "Não dirija depois de consumir álcool", avisa
Jaber. "Planeje com antecedência como voltar para casa: táxi, aplicativo
ou transporte público."
Lembre-se: quem bebe menos,
se diverte mais.
Fonte: DW Brasil
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