"O
povo está sendo enganado dentro das igrejas": missionária evangélica
denuncia manipulação política da fé
Em entrevista ao
programa Boa Noite 247, a dentista do SUS, missionária, escritora e
fundadora do movimento Cristãos Pela Democracia, Sinhara Garcia, abordou o
crescimento do movimento evangélico no Brasil e sua relação com a política.
Para ela, a fé tem sido cada vez mais instrumentalizada por lideranças
religiosas que utilizam as igrejas como ferramenta de controle e manipulação
eleitoral.
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Expansão das igrejas e o controle político sobre
fiéis
Garcia apontou que o número
de evangélicos tem crescido de forma acelerada, podendo atingir metade da
população brasileira até 2032. No entanto, ela alertou que esse crescimento não
ocorre apenas pelo acolhimento que a igreja oferece, mas também por estratégias
agressivas de expansão. "Existem igrejas que colocam a multiplicação de
fiéis acima da vivência do Evangelho", afirmou. Para ela, muitas
denominações priorizam o aumento de rebanho para garantir mais arrecadação
financeira e maior influência política.
Ela também destacou a
facilidade de abertura de novas igrejas evangélicas no Brasil, o que gera uma
proliferação de lideranças religiosas sem formação teológica adequada.
"Basta um pastor consagrar outro, e ele já pode abrir uma igreja. Isso tem
gerado um ambiente onde muitos líderes estão mais preocupados com poder e
dinheiro do que com o Evangelho de Cristo."
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A Teologia do Domínio e a instrumentalização da fé
Para Sinhara, um dos maiores
problemas enfrentados hoje pelo movimento evangélico é a adoção da chamada
Teologia do Domínio, que defende que os evangélicos devem assumir o controle do
Estado. "A Teologia da Libertação perdeu espaço para a Teologia da
Prosperidade, e agora ambas estão sendo substituídas pela Teologia do Domínio,
que rejeita o Estado laico e prega que os evangélicos devem governar o país a
qualquer custo. Isso é perigoso, porque transforma a religião em um projeto de
poder."
Ela criticou a forma como
algumas lideranças evangélicas promovem candidatos políticos como "ungidos
de Deus". "Fazem decretos e dizem que tal candidato é escolhido por
Deus, quando na verdade quem decide é o povo. O que temos visto é uma manipulação
da fé, que transforma o pastor em uma autoridade inquestionável, onde o que ele
diz deve ser seguido sem questionamento."
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Fake news e coerção política dentro das igrejas
Garcia também denunciou a
disseminação de fake news dentro das igrejas para influenciar a decisão
política dos fiéis. Ela relatou sua experiência pessoal nas eleições de 2022,
quando foi alvo de coerção religiosa por apoiar Lula. "Me ligavam dizendo
que votar no Lula era pecado, que eu perderia a bênção. Isso foi um assédio
religioso, e muitas pessoas passaram por situações semelhantes."
Ela citou um episódio
específico durante as eleições municipais em Fortaleza, quando a vice-prefeita
de um candidato bolsonarista espalhou desinformação sobre os postos de saúde.
"Ela disse que nos postos do SUS se realizavam abortos e que haviam
cartilhas ensinando como abortar em casa. Isso é uma mentira horrorosa!
Trabalho no SUS há 20 anos, e sei que nunca houve esse tipo de prática. Essa
fake news foi criada para manipular os evangélicos pelo medo."
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A necessidade de um diálogo entre evangélicos e a
esquerda
A missionária defendeu um
maior diálogo entre evangélicos progressistas e setores da esquerda. "A
esquerda precisa parar de tratar os evangélicos como inimigos. Se quiser
defender a democracia, precisa entender que existem evangélicos comprometidos
com a justiça social e com o Estado laico."
Ela mencionou sua
participação no Seminário Nacional do Partido dos Trabalhadores na Fundação
Perseu Abramo, onde debateu a importância de construir pontes entre evangélicos
progressistas e os partidos de esquerda. "Não se trata de uma guerra
religiosa, mas de um embate político sobre democracia. O bolsonarismo empoderou
a ignorância e usou a fé como um instrumento de domínio. Não podemos deixar
isso acontecer."
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"O povo perece por falta de conhecimento"
Para Sinhara, um dos maiores
desafios atuais é o afastamento dos evangélicos da leitura crítica da Bíblia.
"As pessoas não estão mais conhecendo a Palavra de Deus. Se lessem sobre
Jesus, encontrariam um Cristo que cuidava dos pobres, rejeitava a
mercantilização da fé e pregava a justiça social."
Ela alertou que igrejas
lotadas não significam necessariamente um compromisso real com o Evangelho.
"Muitas dessas igrejas estão mais preocupadas com a quantidade de fiéis do
que com a transformação social e o cuidado com os mais vulneráveis."
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Resistência e o papel dos cristãos progressistas
Ao final da entrevista,
Sinhara Garcia reforçou a necessidade de os cristãos progressistas resistirem à
instrumentalização política da fé. "Nossa luta é para que a religião seja
um instrumento de amor, justiça e solidariedade, e não de manipulação e
domínio. Precisamos denunciar as fake news, promover o diálogo e mostrar que o
Evangelho não é um projeto de poder, mas de serviço ao próximo."
¨ Negacionismo de esquerda: quando a correlação de forças
se torna a 'Terra plana' do radicalismo. Por Reynaldo José Aragon Gonçalves
A correlação de forças para
a esquerda é o que a ciência é para a extrema-direita: um incômodo que desafia
crenças e expõe limites.
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O medo da realidade
Você
não gosta da expressão “correlação de forças”, né? Pois é, a correlação de
forças para setores da esquerda é o equivalente à ciência para a
extrema-direita: um incômodo que desafia suas crenças e expõe suas limitações.
Assim como as evidências científicas deixam claro que a Terra não é plana, a
correlação de forças demonstra que a política não é um desejo infantil. Ela
impõe limites, define possibilidades e exige estratégia. Mas para alguns,
admitir isso significa aceitar que suas vontades não são suficientes para mudar
o mundo—e isso dói. O problema é que, ao negar a correlação de forças, parte da
esquerda recorre ao que deveria combater: o negacionismo. A extrema-direita
rejeita a ciência porque ela impõe fatos inconvenientes à sua ideologia;
setores da esquerda rejeitam a correlação de forças porque ela impõe uma
realidade dura: sem organização, sem estratégia e sem articulação
institucional, a transformação não acontece.
Há um
grupo que prefere acreditar que basta gritar mais alto para que a história mude
de rumo. Um grupo que acha que fazer oposição ao governo progressista – mesmo
quando ele representa o único freio à extrema-direita – é um ato
revolucionário. Mas será que esse radicalismo performático constrói alguma
coisa? Ou será que apenas enfraquece a luta e abre caminho para a reação
conservadora? A verdade é simples: negar a correlação de forças não torna a
revolução mais próxima – apenas torna a derrota mais certa.
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O materialismo histórico de Lenin e a realidade que desagrada
Lenin
nos ensinou algo fundamental: revoluções não são feitas com base em vontade,
mas em condições concretas. A transformação radical da sociedade não acontece
por desejo moral, mas pela análise das forças em disputa, da organização da
classe trabalhadora e da estratégia para avançar. O problema é que muitos que
se dizem "leninistas" hoje têm pavor da lição central de Lenin: a
revolução é um processo, não um surto de indignação. E o que determina esse processo? A correlação
de forças. Lenin mostrou que a revolução só ocorre quando há um
equilíbrio preciso entre condições objetivas (a crise do sistema, o desgaste
das instituições, a falência da hegemonia da classe dominante) e condições
subjetivas (o nível de consciência de classe, a organização política dos
trabalhadores, a existência de uma vanguarda capaz de liderar a transformação).
Negar qualquer um desses fatores é negar o materialismo histórico – e cair no
mundo das abstrações idealistas.
Mas
parte da esquerda contemporânea escolheu viver nessa abstração. Eles rejeitam a
necessidade de articulação, demonizam qualquer negociação e chamam de traição
qualquer movimento estratégico. No fundo, têm medo da realidade. Preferem
acreditar que a revolução pode ser convocada por postagens indignadas no
YouTube, X ou Instagram, como se a história fosse escrita por likes e não por
força política organizada. Sem articulação e estratégia, não há mudança real. E
nos dias de hoje, com desestabilização global, controle da informação e guerra
híbrida, entender a correlação de forças não é só essencial para avançar na
luta – é uma questão de sobrevivência.
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O delírio da "oposição pela oposição”
A
oposição sistemática ao governo progressista, feita por certos setores da
esquerda, nada mais é do que um negacionismo político travestido de
radicalismo. São aqueles que confundem estratégia com traição, tática com
capitulação, e que, no fundo, acreditam que bater no governo é um fim em si
mesmo, não importando as consequências. O raciocínio deles segue a mesma lógica
do negacionismo da extrema-direita: “se a realidade não condiz com minha visão
de mundo, pior para a realidade”. Assim como negacionistas do clima rejeitam
evidências científicas porque ameaçam seus interesses econômicos, esses setores
negam a correlação de forças porque ela ameaça suas certezas ideológicas. No
fim, ambos compartilham o mesmo desprezo pelos fatos.
Vamos
deixar claro: um governo progressista nunca será perfeito, ainda mais em um
país como o Brasil, onde a estrutura de poder está historicamente capturada
pelas elites. Mas há uma diferença brutal entre fazer crítica construtiva e
fazer oposição sistemática como se estivéssemos lidando com inimigos idênticos.
Esse tipo de oposição cega leva a dois resultados: enfraquece as forças
progressistas e fortalece a extrema-direita. O pior é que, para esse tipo de
militante, qualquer avanço obtido pelo governo é visto como uma ameaça ao seu
discurso. Se o governo resiste, se mantém algum nível de soberania e evita
retrocessos brutais, eles minimizam. Se o governo cede para não perder tudo,
gritam "traição". É um jogo que só favorece a direita, porque
desmobiliza, desmoraliza e impede qualquer avanço real. A política não é um
palco de moralismo abstrato. Ou você joga o jogo para vencer, ou será
atropelado. O problema é que, para alguns, perder parece ser uma escolha
confortável – porque os livra do peso da responsabilidade.
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Os dois caminhos possíveis
Diante
da realidade concreta, sem ilusões e sem negacionismo, restam apenas duas opções
possíveis para a esquerda neste momento. A primeira é tensionar as relações
institucionais entre as forças progressistas e as elites, sem perder o controle
do jogo. Isso significa disputar espaços, avançar onde for possível, impedir
retrocessos e criar condições para mudanças estruturais. Exige paciência,
estratégia e capacidade de articular sem se render. A segunda opção é focar na
luta essencial e visceral: impedir, de toda forma, que a extrema-direita volte
ao poder pelo voto popular. Isso não é detalhe, não é secundário, não é uma
“tarefa menor”. Se a extrema-direita reassumir o controle do Estado, não haverá
espaço para debate, muito menos para construção revolucionária. Haverá
repressão, perseguição e a institucionalização da barbárie.
Negar
essa encruzilhada e agir como se o governo progressista fosse apenas “o outro
lado da mesma moeda” não é apenas burrice – é irresponsabilidade histórica.
Esse erro já custou caro no Brasil e no mundo, sempre com o mesmo desfecho: o
avanço do fascismo. A política tem regras próprias. Se a esquerda não entende
isso, a extrema-direita entende muito bem. Eles sabem como utilizar as
ferramentas institucionais, como construir hegemonia cultural e como manipular
o descontentamento popular. A diferença é que, enquanto a extrema-direita faz
isso para destruir a democracia, alguns setores da esquerda fazem para se
sentirem “coerentes”. Mas coerência sem estratégia é só um suicídio político
glorificado.
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A esquerda precisa parar de ter medo da correlação de forças
A realidade
é dura, mas ignorá-la não faz com que ela desapareça. A correlação de forças
não é um capricho reformista, nem um obstáculo para mudanças estruturais – é o
próprio campo de batalha onde a luta política acontece. Negá-la é agir como a
extrema-direita age diante da ciência: fechar os olhos para os fatos porque
eles não confirmam suas vontades. Mas política não é um exercício de desejo, e
revoluções não acontecem por indignação moral.
Por
mais que existam muitas críticas legítimas ao governo Lula, o mínimo que se
espera da esquerda e dos setores “democratas” da política é que deem o sangue
para derrotar a extrema-direita nas urnas. Uma derrota eleitoral já seria
trágica no campo político, mas no campo simbólico, seria catastrófica. Essa
gente é extremamente articulada, tem muito dinheiro e subestimar sua
inteligência e capacidade estratégica é um erro grave. Eles não estão
brincando. Eles aprendem com os erros, ajustam suas táticas e voltam mais
fortes. Se a esquerda não fizer o mesmo, o resultado será inevitável:
retrocesso, repressão e destruição. A escolha, no fim das contas, é simples. Ou
compreendemos a realidade como ela é, analisamos a correlação de forças e
agimos com inteligência, ou seguimos fingindo que podemos impor nossa vontade à
história, até sermos esmagados por ela. Se a esquerda quer vencer, precisa
primeiro parar de ter medo da realidade.
Fonte: Brasil 247
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