México: a receita Obrador-Sheinbaum
Num momento em que os partidos no governo, em várias partes do mundo,
estão perdendo para quem os desafia – e em que há, no Ocidente, nítido avanço
da ultradireita, o partido de esquerda Morena, do México, destaca-se como uma
exceção. As mañaneras do ex-presidente Andrés Manuel López
Obrador — coletivas de imprensa diárias que fundiam governança com narrativas —
revolucionaram a comunicação política, criando um diálogo direto e sem filtros
com o público. Essa abordagem agora foi adotada pela nova presidente, Claudia
Sheinbaum, que dá continuidade ao legado de AMLO enquanto busca traçar seu
próprio caminho. Um dos membros do conselho editorial da revista
norte-americana The Nation, Waleed Shahid, conversou com Ezra Alcázar, estrategista político e
escritor que trabalha no Fondo de Cultura Económica, uma
prestigiada editora em língua espanhola (ele também é âncora do El
Desfiladero no Canal Once), e com Alex González Ormerod, historiador e jornalista que lidera o The
Mexico Political Economist, para entender como a estratégia de comunicação
do Morena contornou uma mídia de direita hostil, conquistou a confiança dos
eleitores mexicanos da classe trabalhadora e consolidou uma agenda populista
que remodelou o cenário político do país.
·
Qual é o
propósito político dasmañaneras, e quais lições vocês
conseguiram extrair dela?
Ezra Alcázar: [O ex-presidente] López Obrador começou a
realizar as mañaneras quando ainda era prefeito da Cidade do
México. Todas as manhãs, ele fazia uma coletiva de imprensa na qual informava o
público — bem, a mídia — sobre o que estava acontecendo na cidade: quais reuniões
haviam ocorrido, como estava o andamento da segurança, entre outros assuntos.
Jornalistas de diversos veículos compareciam e escreviam suas matérias. López
Obrador dedicava muito tempo não apenas respondendo às perguntas, mas também
conceituando, do seu ponto de vista, o que lhe era perguntado. Isso garantia
que ele estivesse comunicando diretamente ao povo como ele interpretava as
coisas.
Alex González: Precisamos lembrar que a mídia no
México naquela época — e, em certa medida, ainda hoje — era uma mídia
corporativa, majoritariamente inclinada à direita, além da mídia governamental,
que hoje está nas mãos do Morena, mas naquela época estava sob o controle do
ex-presidente de direita Vicente Fox. Então, basicamente, era toda uma mídia de
oposição. Essa era a maneira de López Obrador contra-atacar.
·
Vocês podem dar um
pouco mais de cor ao que acontecia nessas mañaneras? A maioria das
pessoas fora do México não sabe nada sobre elas. Era um espaço para
combater suas vulnerabilidades, para moldar uma mensagem diante de uma imprensa
adversária? Ou era mais para repetir diariamente qual era a principal mensagem
da campanha e da presidência?
Ezra Alcázar:Antes de começarmos esta entrevista, assisti de
novo à última coletiva de imprensa matinal de López Obrador. Ele passou a maior
parte do tempo agradecendo aos jornalistas que cobriram suas falas. Vale notar
que, nessa última conferência matinal, o presidente sorteou seu relógio. Isso
mostra um pouco do tom das conferências matinais. Elas eram muito variadas; podiam
ir de um sorteio com os jornalistas a tocar uma música ou falar sobre livros. Lembro-me
de um momento em que li uma coluna de um jornalista no México dizendo que López
Obrador não lia livros, e que isso era evidente porque ele nunca citava livros.
Bem, eu me dediquei a revisar várias conferências matinais em que ele mencionou
mais de 100 livros, e não falava por cinco segundos. Não era apenas mencionar o
título, o autor e fazer um resumo; ele se aprofundava, explicava por que queria
trazer aquele livro à tona, desde clássicos mexicanos como Elena Garro ou Juan
Rulfo até clássicos universais como Tolstói ou Stefan Zweig. Esses livros o
ajudavam a fornecer uma base — não teórica, mas histórica e moral — para o que
queria explicar. Por exemplo, se ele estivesse discutindo a reforma judicial,
poderia falar sobre Tolstói e a importância de viver sem muitos luxos, ou
Dostoiévski e os temas de justiça, recorrendo a Crime e Castigo.
Ou, se quisesse falar sobre seu movimento e o significado das transformações
que estavam ocorrendo no país, poderia referenciar Stefan Zweig. Nós reunimos
mais de 45 minutos dele falando sobre livros. Mesmo que você não tivesse lido
aqueles livros, mas soubesse que existiam, sentiria uma base teórica para a
compreensão, e isso dava peso ao que ele estava dizendo. Você sentia que fazia
parte de algo importante acontecendo no seu país. Acho que o tom usado por
López Obrador — de dar fundamentos históricos e morais ao seu discurso — foi
muito importante para envolver as pessoas. Ele usava uma linguagem extremamente
simples, o que não a torna menos valiosa do que qualquer outra forma de
linguagem. O que López Obrador fez foi entender a linguagem do povo mexicano
depois de viajar — não apenas viajar, mas visitar e trabalhar em todo o país —
e descobrir a linguagem que precisava usar para se comunicar com o povo.
González Ormerod: As pessoas
zombavam dele porque ele falava devagar. Ele justificava isso dizendo que, se
falasse muito rápido e cometesse algum deslize, isso se tornaria notícia internacional.
Mas, mesmo falando devagar, ele era incrivelmente envolvente. Ele era muito
engraçado — muito mais sofisticado do que Trump, por exemplo. Falava
diretamente com o povo, em uma linguagem que todos podiam entender. Esse é o
verdadeiro desafio para Claudia Sheinbaum. Ela é um animal político
completamente diferente — embora eu diria que não menos eficaz. Isso fica
evidente na maneira como está ampliando a comunicação de uma forma muito mais
diversificada. Estou fascinado com o canal dela no TikTok, por exemplo, que
considero muito voltado para as gerações millennial e Z.
·
Nos Estados Unidos, publicações
liberais da elite, como o The New York Times, se referem às mañaneras como
algo “trumpiano”, autoritário, no estilo de Hugo Chávez e anti-intelectual.
González Ormerod:Ezra e eu temos debates eternos
sobre isso. Eu realmente senti que, às vezes, havia momentos em que ele
ultrapassava certos limites, como no caso do doxing de Natalie
Kitroeff, a jornalista do New York Times [cujo número de
telefone López Obrador divulgou]. Ele nunca atacou jornalistas da forma como
Trump fazia. Ele nunca defendeu a violência. Ele nunca disse: “Façam coisas
terríveis com eles.” Mas acho que houve momentos em que ele talvez tenha
escorregado. Houve muita discussão sobre o quão justificado foi o doxing.
Como membro do mundo do jornalismo, para mim é importante que esse tipo de
limite seja respeitado. Mas, claro, romper limites faz parte do propósito
das mañaneras.
Ezra Alcázar:Esse é um problema com aqueles que estabelecem as normas
de como a análise é feita. Rotulamos discursos que conseguem se conectar com as
massas como “populistas” ou “demagógicos” porque não usam uma linguagem
excessivamente técnica ou intelectual. Acho que isso é um erro, porque, no fim
das contas, somos nós que não estamos aprendendo a nos comunicar de forma
eficaz. Porque, no final, para quem era dirigida essa crítica — para o povo ou
para os próprios críticos? Há um filósofo [David Bak Geler] que escreveu um
livro chamado Ternuritas: El linchamiento lingüístico de AMLO —
ou Queridinhos: O linchamento linguístico de AMLO — e ele
examina muitos intelectuais e jornalistas que, nos últimos seis anos, vêm
comentando o que López Obrador disse. [Esses críticos estão] falando sobre
milhões e milhões de pessoas no país… tirando dessas pessoas a capacidade de
serem inteligentes ou reflexivas, como se estivessem sendo manipuladas. López
Obrador entendia que as pessoas não podem ser manipuladas, mas que é preciso
falar com elas, convencê-las. Parte do propósito das coletivas de imprensa
matinais não era falar com os jornalistas, mas falar diretamente com o povo. E
acho que isso irritou muita gente, porque quebrou a tradição de que, se você
fosse um jornalista ou intelectual de certo prestígio, seria convidado à residência
presidencial. Você teria essa conversa exclusiva com o presidente, onde só você
poderia expressar suas preocupações — não as preocupações do público em geral.
O presidente lhe daria atenção, falaria diretamente com você e validaria sua
importância. Acredito que as mañaneras irritaram profundamente
os intelectuais porque os colocaram no mesmo nível de todo mundo, e isso era
algo que eles não podiam aceitar. Eles não se viam como iguais ao restante das
pessoas. Mesmo jornalistas de boa fé que compareciam às coletivas de imprensa
para questionar o presidente enfrentaram desafios. Dois casos importantes me
vêm à mente: Julio “Astillero” Hernández e Ernesto Ledesma, do [canal de TV na
Internet] Rompeviento. Eles abordavam tópicos significativos e
frequentemente questionavam o presidente de forma intensa, talvez porque ele
não estivesse prestando atenção ou não quisesse abordá-los. Eles diziam: “Sr.
Presidente, estão mentindo para o senhor. Sua equipe não está lhe fornecendo
informações precisas.”
Alex González Ormerod: Ambos
jornalistas de esquerda, aliás, só para contextualizar.
Ezra Alcázar:O presidente não brigava diretamente com eles. Eles
simplesmente falavam e falavam por horas ali, mas havia uma onda de pessoas nas
redes sociais que os atacava. E é aí que, acredito, o poder que existia ficava
evidente, assim como o quanto ele próprio precisava ser cuidadoso ao
confrontá-los. Ele entrou em conflito com muitos [de seus críticos] e, sim,
falou mal de muitos [deles]. Ele frequentemente apontava quem os estava
financiando, as relações que tinham com outros governos, os benefícios
econômicos que haviam recebido e assim por diante. Mas, quando se tratava de
jornalistas que ele considerava agressivos, e até mesmo com outros, ele tentava
ser muito cauteloso, porque talvez estivessem dizendo coisas importantes, e ele
entendia o poder que suas palavras poderiam ter — não porque o governo os
perseguiria, mas porque seus seguidores poderiam fazê-lo.
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Existem três categorias de
pessoas que a esquerda tradicional vem perdendo há bastante tempo:
pessoas que não frequentaram a faculdade ou universidade; pessoas que não
acompanham a política diariamente ou semanalmente; e pessoas que obtêm suas
notícias de fontes não tradicionais, como YouTube e TikTok. Fico curioso para
saber como as mañaneras se encaixam nesse ecossistema.
Ezra Alcázar:Acho que essas mesmas categorias existem aqui no
México. Podem existir pessoas muito fixadas e com uma opinião forte sobre algo,
e outras que não ligam para política — ou talvez digam que não ligam para
política. Mas acho que o grande sucesso de López Obrador foi levar essas
conversas para todos os lugares.
Outro dia, enquanto eu estava na Feira Internacional do Livro em
Guadalajara, conheci uma mulher que me disse: “Eu não sou de esquerda nem de
direita. Não me envolvo nessas coisas.” Mas acabamos conversando sobre política
por meia hora, mesmo ela dizendo que não tomava posição.
Alex González:Alcançamos novos patamares na politização do
público mexicano. A maioria dos liberais acha que a politização é algo ruim —
que equivale à polarização. López Obrador diz o contrário. Ele afirma que a
comunicação política e o diálogo constante com a mídia e o povo são essenciais
para que as pessoas entendam quais são seus interesses. Isso nos leva de volta
à disputa pela atenção. Seu uso de memes era hilário. Obama também faz isso,
mas parecia muito mais genuíno quando López Obrador compartilhava suas
playlists. Mas ele também as politizava: “Não é como, ‘Ah, esta é apenas uma
boa playlist.’ Estou compartilhando essa música com vocês porque não quero que
escutem narcocorridos. Estou politizando essa lista mesmo quando vocês achavam
que não era algo político.” Acho que isso foi essencial.Isso nos leva ao Abre
Más Los Ojos [um grupo de apoiadores de AMLO] e a como essa iniciativa
fez a transição para o governo. Essa plataforma era muito boa em usar memes e
simplesmente compartilhar o zeitgeist da política com as pessoas sem empurrar a
política goela abaixo.
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Você pode falar um pouco mais
sobre isso e nos dar mais contexto?
Ezra Alcázar:O que López Obrador sempre entendeu — que seu
principal público, as pessoas com quem ele precisava falar, não era a mídia
tradicional, mas a população — foi fundamental. O campo de batalha tornou-se a
mídia, mas agora a mídia era a Internet, onde os veículos convencionais não
sabiam como operar. Isso se tornou essencial. López Obrador frequentemente se
referia às “benditas redes sociais”, não porque elas contornavam o filtro da
mídia hegemônica, mas porque passavam apenas pelo filtro do povo. Isso mais
tarde se estruturou em mecanismos de campanha eficazes.
Alex González:Antes disso, você tinha um sistema [de comunicação]
presidencial baseado na televisão corporativa, onde colocavam os presidentes
que queriam no palco. Enrique Peña Nieto, logo antes de López Obrador, foi, sem
dúvida, esse tipo de presidente televisivo. Durante esse período, López Obrador
saiu do radar. Exceto para seus seguidores mais próximos, ele era bastante
irrelevante para o debate público. Era alvo de memes — o mais famoso era de uma
imagem dele meio que olhando para um pombo sem motivo aparente, sem contexto
algum. Era algo no estilo Biden: “Esse cara está ficando maluco — ele é velho e
senil.” A grande virada veio com o Abre Más Los Ojos. Esse
movimento foi liderado por Tatiana Clouthier, que havia atuado no Partido Ação
Nacional (PAN), um partido de direita. Ela deixou o PAN e se juntou ao Morena
bem cedo, durante a terceira campanha de AMLO, que foi a campanha vencedora. E
ela criou esse aparato repleto de millennials — quando os millennials ainda
eram considerados relativamente jovens — que conseguiram comunicar muitas
dessas [mensagens] online. O que foi crucial é que fizeram isso de uma maneira
que não parecia política partidária. Parecia simplesmente alguém te contando o
que estava acontecendo de novo, como a direita tende a fazer. Eles misturavam
memes com as mensagens.
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Nos Estados Unidos, os
republicanos tentam atacar os democratas principalmente em torno do que
chamamos de guerras culturais — crime, a fronteira, imigração, aborto, direitos
transgênero, até mesmo mudanças climáticas — e a esquerda tenta atacar os
republicanos em questões de democracia e riqueza. Obviamente, a sociedade
mexicana é muito diferente da dos EUA, mas estou curioso para saber como tanto
López Obrador quanto Sheinbaum se relacionam com algumas das questões que
afligem partidos de centro-esquerda ao redor do mundo.
González Ormerod: Muitas
dessas questões de raça e gênero estão sendo resolvidas no México agora, por
meio de abordagens econômicas. A melhor maneira de lidar com questões de gênero
e raça não é dizer: “Vamos ter uma longa conversa”, mas sim: “Vamos
literalmente te dar dinheiro.” Por exemplo, vamos dar dinheiro para essa mulher
trabalhadora, para que ela tenha recursos próprios em vez de depender do homem
da família. Vamos dar dinheiro para essas comunidades indígenas, para que
possam realizar os projetos de que precisam, porque elas sabem o que é melhor
para elas. O que López Obrador e Claudia Sheinbaum continuam fazendo é trazer
essas questões de volta para o âmbito econômico, o tempo todo. Claudia
Sheinbaum, ao contrário de Kamala Harris, não teve nenhuma vergonha em dizer:
“Vou ser a primeira mulher presidente.” Essa não era a questão. Ela dizia:
“Porque sou mulher, vou dar às mulheres as oportunidades econômicas que
merecem”, e acho que esse foi um ponto-chave.
·
As linhas de conflito político no
México são similares às dos EUA?
González Ormerod:Não exatamente. Por exemplo,
López Obrador quase nunca falou sobre o aborto. Ele adotou uma abordagem mais
voltada para os direitos dos estados: no que diz respeito ao aborto, os estados
do México são autônomos sobre esta questão. Muitas organizações de mulheres
incríveis estão travando essa boa batalha, mas acho que você precisa escolher
seus combates. O que une os mexicanos em geral é: “Como você está colocando
comida na mesa?” O aborto é extremamente importante — é uma questão de vida ou
morte. Mas colocar comida na mesa também é, e essa é o tipo de luta política
que você precisa escolher.
Ezra Alcázar:Houve um momento em 2020 em que o movimento
feminista estava em um pico muito significativo no México, e [pelo que me
lembro] López Obrador estava sendo pressionado a adotar uma linguagem inclusiva
— ao que ele respondeu que não era sua forma de falar. No final, percebemos que
a única maneira de desafiá-lo era pela esquerda. E isso incluía questões
feministas, questões trans e, às vezes, uma certa sofisticação ao abordar as
questões dos povos indígenas. Essas eram realmente desafiadoras. No entanto,
acho que agora Claudia Sheinbaum incorporou todas essas questões em sua agenda
principal. Por exemplo, as questões ambientais são muito importantes para ela,
porque é daí que ela vem. Por outro lado, a frase de López Obrador, “Primeiro,
os pobres”, foi transformada em “Primeiro, as mulheres indígenas,
afro-mexicanas e pobres”. Mais uma vez, ela aborda o que faltava na abordagem
de López Obrador ao argumentar: “Sim, é claro que os pobres vêm primeiro, mas
devemos entender que, dentro desse universo de pobreza, as mulheres estão um
passo abaixo, pois carregam fardos adicionais.” Tudo isso é acompanhado pela
ideia de “Todos os direitos para todas as pessoas.” Isso é muito difícil de
conciliar dentro de uma coalizão tão ampla, porque, assim como existem pessoas
que apoiam todos os direitos para a comunidade trans, também há pessoas dentro
do Morena que não os apoiam. No entanto, a mensagem segue unificada, e busca-se
assegurar certos direitos. Acho que estão fazendo algum progresso nesse
sentido. Devemos acrescentar a questão que você mencionou sobre o crime, onde
houve uma mudança completa. Talvez a abordagem de López Obrador, “abraços, não
balas”, tenha se tornado muito problemática — não porque significasse abraçar
os traficantes de drogas, mas porque buscava se afastar do confronto direto.
Essa era uma situação que experimentamos sob Felipe Calderón, e foi
extremamente violenta para o nosso país. No entanto, o discurso deve mudar de
forma inteligente, e precisamos criar uma maneira de trabalhar em conjunto com
todo o aparato estatal para que funcione.
·
Todos vivemos o primeiro mandato
de Trump, e a maior parte das relações entre México e EUA, pelo menos no
primeiro ano, relacionavam-se à fronteira. É possível que agora o foco volte-se
para as deportações em massa. Gostaria de saber o que vocês pensam sobre o
impacto da estratégia de comunicação do Morena e da política mexicana em geral
Alex González: Um dos pontos principais a
entender é que os EUA, em sua própria visão, têm o mundo inteiro para gerenciar.
Eles estão focados em todos os países do mundo que lhes interessam. O México
tem apenas uma prioridade real: os Estados Unidos. Todo mundo faz parecer que o
México está apenas reagindo a Trump. O México tem se preparado para Trump desde
antes de ele ser eleito, por duas razões. Primeiro, porque as pessoas presumiam
que ele seria eleito. Mas os democratas não são muito melhores — a narrativa
muda, mas muitas políticas permanecem as mesmas. Vimos isso com as crianças
imigrantes em gaiolas. Após Trump, as crianças continuaram nas gaiolas — apenas
a mídia liberal parou de focar tanto nisso. Quando se trata de lidar com as
deportações, o México possui uma rede incrivelmente eficiente de consulados em
todos os Estados Unidos. Cidades rurais com grandes populações mexicanas têm um
consulado mexicano. Isso cria uma grande rede de segurança. E a estratégia mais
interessante, que é uma política do Morena, tem sido desenvolver certas áreas e
indústrias onde precisamos que o desenvolvimento aconteça. Eles chamam isso
de polos de desenvolvimento, e há espaço para os migrantes nesses
locais. Acho que podem fazer melhor. A indústria privada, as ONGs e o governo
precisam se sentar e conversar sobre como vão incorporar muitos desses
migrantes. Talvez muitos queiram voltar para casa, mas muitos provavelmente
querem ficar, e você pode incorporá-los à economia mexicana, que realmente
precisa de muita mão de obra. Podemos aproveitar ao máximo essa crise. É muito
mais caro para uma empresa, e muito menos lucrativo, ter uma vaga em aberto do
que requalificar alguém e eventualmente regularizá-lo em termos de
documentação. Portanto, se o México conseguir se antecipar aos Estados Unidos,
isso pode gerar um novo boom econômico.
·
Última pergunta. Qual você acha
que é a principal lição que os democratas podem aprender com a experiência do
Morena, de López Obrador e de Sheinbaum?
Ezra Alcázar:Acho que a frase de López Obrador — “Primeiro, os
pobres” — é fundamental para entender a necessidade de focar nas necessidades
mais básicas das pessoas. Isso é crucial porque, sem isso, as pessoas não
conseguem parar de se preocupar com o dia a dia. Quero dizer, se eu tiver que
passar metade do mês descobrindo como colocar comida na mesa ou pagar o
aluguel, não vou conseguir me concentrar no restante das minhas necessidades. Sim,
é importante que as mulheres tenham todos os seus direitos. Sim, é importante
que as pessoas trans sejam compreendidas. Mas eu não vou prestar atenção nas
questões ambientais ou em qualquer outra coisa se estiver constantemente
tentando descobrir como chegar ao fim do mês. O foco que este governo colocou
nos mais pobres é essencial para construir seu projeto com o povo. Não para
conquistar a mídia, porque é improvável que você consiga isso, já que ela tem
sua própria agenda. Você precisa vencer com o povo — e garantir que sejam eles
a combater as narrativas opositoras. Esse é o grande sucesso que eles
alcançaram.
Alex González: Algo sobre o quê não
falamos, mas é provavelmente o mais importante. Ir às ruas. Falar com as
pessoas onde elas estão. É o que muitos dos políticos que tiveram mais êxito
fizeram nos últimos anos, no México. O lema de Claudia Sheinbaum é: Mais
território, menos escritório. Não vá às planilhas, vá ao asfalto. É
bom lançar mensagens, mas é preciso saber o que as pessoas querem de você. Acho
que a esquerda acostumou-se demais a discursar para as pessoas. Kamala Harris
perdeu, nos EUA, quando disse: “Eu estou falando”. Ela nunca ouviu. E isso
teria sido muito importante.
Fonte: Por Ezra Alcázar e Alex González, em entrevista a Waleed Shahid, no The Nation | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras
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