terça-feira, 11 de março de 2025

Fé e folia: 1° bloco gospel de SP aposta em samba, zero álcool nem pegação para divulgar Evangelho

"O Bloco Ide chegou, chegou e vem para te abençoar. Vem cá, vem cá. Essa mensagem vem do trono para você. Tudo é possível naquele que crê." Misturando fé e folia, é assim que começa o samba-enredo do Bloco Ide, o primeiro bloco de rua gospel da cidade de São Paulo.

Antes do desfile oficial no pós-carnaval, o g1 acompanhou o último ensaio do bloco, que aconteceu dentro de um bar no Jardim Esmeralda, próximo à comunidade do Sapé, na Zona Oeste da capital, na noite de 21 de fevereiro.

A banda do bloco é formada por ex-integrantes de escolas de samba tradicionais de São Paulo, como a Império de Casa Verde, que se converteram para igrejas evangélicas. Durante a apresentação, eles cantaram clássicos como "Faz Um Milagre Em Mim" do Regis Danese, que estourou nas rádios nos anos 2000 (veja o vídeo acima.)

<><> Fundação

Na contramão da comunidade evangélica mais tradicional, que costuma se refugiar em acampamentos e retiros durante o carnaval, o Bloco Ide foi fundado em 2018 pela consultora em inovação e tecnologia Silvia Fagá, com a missão de espalhar a mensagem do Evangelho de uma forma diferente.

O primeiro desfile aconteceu em 2019 pelas ruas do bairro Ipiranga, na Zona Sul da capital. Com um pequeno carro de som e músicos de bandas cristãs acompanhando pelo chão, o grupo atraiu um público diverso — de crianças a idosos.

Apesar de usarem abadá e glitter no rosto, o clima do Bloco Ide é diferente dos demais blocos de rua, que costumam ter pegação e bebida. O consumo de álcool não é proibido, tanto que os ambulantes podem vendê-lo. Contudo, como Silvia disse ao g1, "acho que eles têm prejuízo porque a maioria do público não bebe".

Ao longo do trajeto, o cortejo também alternava músicas de samba gospel com momentos de evangelização — com pastores compartilhando seus testemunhos sobre o processo de conversão ou com orações direcionadas a pessoas que estavam passando pelo bloco.

"A gente parava na frente dos bares. As pessoas viam que a gente estava falando de Deus. A gente perguntava se podia orar, e eles falavam que podia continuar. Às vezes, pastores davam testemunho, falando: um dia eu estive aí também, não se preocupe, continue aí celebrando e fazendo o que você está fazendo. Foi muito bacana, porque nesse dia a gente conseguiu levar duas pessoas para a casa de recuperação", relembra Silvia.

Após 2019, o grupo fez uma pausa no bloco e optou por organizar somente rodas de samba na época do carnaval , mas neste ano ele voltará às ruas. Em 2025, o Bloco Ide vai desfilar no Rio Pequeno, na Zona Oeste, em 8 de março.

<><> União entre Evangelho e o carnaval

Para a fundadora do Bloco Ide, a união entre o carnaval e o Evangelho não interfere na transmissão da mensagem cristã. Isto é, a adoração a Deus pode ser manifestada também por meio da música e da cultura popular.

Segundo Silvia, não há motivo para rejeitar expressões artísticas como o samba ou o pagode por estarem historicamente ligadas a religiões de matriz africana. É possível misturar esses estilos musicais, ligados ao carnaval, com o gospel por meio do sincretismo, explica.

"Você vai adorar a Deus nos 360 dias por ano, menos os cinco dias de carnaval? Então assim, a todo o tempo, em todo lugar. A Bíblia nos diz assim: tudo o que tem fôlego, louve ao Senhor. Então, eu não tenho problema em manifestar oração ao meu Deus nesse período, de maneira alguma. E talvez isso possa incomodar outras pessoas."

"Quando a gente começou com esse trabalho, eu também sofri preconceito de outras esferas. Pessoas que já eram do carnaval falavam: 'Agora esses evangélicos querem tomar conta de tudo, agora eles querem tomar conta do carnaval'. Tem espaço para todo mundo, e o nosso interesse também é levar a nossa mensagem de alegria e de esperança. Então tem uma missão e um propósito com tudo isso."

Ao g1, Silvia contou que, quando fundou o bloco de rua sete anos atrás, não tinha nenhuma experiência, já que não frequentava esse tipo de espaço. Mas hoje já sonha até em montar uma escola de samba.

"Neste ano a gente quer iniciar a nossa escola de percussão de ritmistas. Então vamos começar um projeto com as crianças e os adolescentes e quem sabe no futuro a gente vire uma escola de samba."

 

¨      Produtor se inspira em trilhas de filmes para dar identidade pop ao gospel

Há cerca de quatro anos, Matheus Charles ajudou a cantora gospel Gabriela Rocha a fazer uma transição no seu som.

Charles é produtor musical e tecladista da artista, que teve o sexto vídeo mais visto no YouTube no Brasil em 2023. Ele foi o responsável por inserir, no repertório da artista, elementos inspirados em trilhas de filmes e games, criando uma identidade mais pop.

"A Gabriela tem anos de carreira. Para você virar a chave para um público, é muito complicado. Você não pode dar uma virada muito brusca. Antes, ela estava no pop rock, um estilo mais fácil de consumir."

“E, depois de alguns anos fazendo muitos trabalhos com ela, eu consegui implementar uma sonoridade estética mais 'soundtrack' [trilha sonora, em inglês], que é uma identidade sonora minha, e que ela me dá liberdade para colocar”, explica o produtor, em entrevista ao g1.

O momento da virada aconteceu em 2021, com a música "Creio que tu és a cura". Depois vieram "Os sonhos de Deus" e "Me atraiu (Reimagined)", todas focadas no piano e elementos de cordas. Matheus sente que seu trabalho com Gabriela acabou influenciando outros nomes do mercado gospel.

"A Gabriela hoje é uma artista enorme, então, quando a gente faz algo, fica muito em evidência. As pessoas querem fazer igual."

"E eu já vi muita gente fazendo, replicando coisas que eu tenho feito. É quase o nascimento de um segmento novo."

<><> Quem é Matheus Charles?

Matheus Charles tem 24 anos e trabalha com música desde os 15. O pai do produtor era vendedor da Modern Sound, uma histórica casa de discos em Copacabana, no Rio de Janeiro, que fechou suas portas em 2010.

"O meu crescimento musical foi com o meu pai me dizendo o que era a música para eu poder escutar. Com 6 anos, eu estava estudando música clássica. Desde pequeno, meu pai me colocava para poder escutar música dos anos 1980: Tears For Fears, Gary Moore, A-ha...", relembra o artista.

Aos 17 anos, Matheus começou a trabalhar com Gabriela Rocha. Primeiro, como tecladista. Depois, com muita insistência, foi conseguindo espaço na produção. "Eu sempre fui muito ligado à produção musical. Eu era chato. Era aquela pessoa que era insuportável, porque eu só falava disso o tempo todo."

"E aí, aos poucos, ela foi deixando para mim algumas missões um pouco mais complicadas. Acho que foram testes. Um dia, ela falou: 'Matheus, quero que você produza para mim o álbum 'Ecoar'". O disco foi lançado em 2021.

Desde então, Matheus se mantem na produção musical dos álbuns de Gabriela, incluindo o projeto infantil "Pequenos Levitas".

Com o crescimento constante do mercado gospel, em especial, após a pandemia de coronavírus, ele também assina projetos com outros artistas.

"É um mercado muito grande. Tem amigos e produtores que me passam trabalhos, porque não dão conta de fazer tanta produção. É muita coisa."

<><> Estética 'soundtrack'

Para deixar a assinatura da estética "soundtrack" em seus projetos, Matheus fica ligado nas telonas. "A trilha sonora dos filmes é uma coisa muito rica."

Uma de suas maiores referências é o longa "Interstelar" (2014), que tem a trilha sonora assinada por Hans Zimmer. Outra inspiração para o produtor é a faixa "On the Nature of Daylight", de Max Richter, usada na trilha do filme "A chegada".

E, como na infância através das indicações do pai, ele segue antenado em diversos gêneros musicais, incluindo os seculares -- como são chamados aqueles que estão fora do universo gospel. "Para mim, é muito normal falar para você que eu escuto [músicas seculares]. Mas eu sei que algumas pessoas têm barreiras com isso."

"Mas no meu caso, eu sou produtor musical, então se eu ficar preso a um tipo de música só, eu vou ficar estacado para sempre numa mesmice que eu vou provavelmente cair no esquecimento."

<><> Cenário secular

Ao analisar o cenário gospel, Matheus avalia que o gênero estourou uma bolha na pandemia. "A riqueza da letra na música gospel é uma coisa muito profunda, que a pessoa escuta e se identifica. Música é muito sobre identificação."

"Acho que, agora, a gente conseguiu de fato furar a bolha, com pessoas que não tinham nada a ver com esse segmento."

O produtor cita como exemplo Caetano Veloso levando ao palco de seu show com a irmã, Maria Bethânia, a música "Deus cuida de mim", do pastor Kleber Lucas. Outros exemplos são Maria Gadu cantando "Sonda-me, usa-me", de Aline Barros, em sua live em 2021, e Simone Mendes cantando "Deus de promessas" em parceria com Davi Sacer.

"A gente pode dizer que os caras conseguiram divulgar a música involuntariamente."

"E a pessoa não precisa ser crente para poder curtir uma música gospel. A pessoa sente uma paz natural ali. Eu já cansei de ouvir relatos de pessoas que não eram crentes, simplesmente ouviram uma música e falaram: 'Matheus, eu senti uma paz aqui que eu não consigo explicar'."

"Essa paz, que na verdade a gente sabe que é o Espírito Santo, é uma coisa que prende as pessoas. Elas ficam quase dependentes. E isso abre portas para outras coisas, até para a pessoa se converter para Cristo e conhecer o amor de Jesus."

 

Fonte: g1

 

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