Fé
e folia: 1° bloco gospel de SP aposta em samba, zero álcool nem pegação para
divulgar Evangelho
"O Bloco Ide chegou,
chegou e vem para te abençoar. Vem cá, vem cá. Essa mensagem vem do trono para
você. Tudo é possível naquele que crê." Misturando fé e folia, é assim
que começa o samba-enredo do Bloco Ide, o primeiro bloco de rua gospel da
cidade de São
Paulo.
Antes do desfile oficial no pós-carnaval, o g1 acompanhou
o último ensaio do bloco, que aconteceu dentro de um bar no Jardim Esmeralda,
próximo à comunidade do Sapé, na Zona Oeste da capital, na noite de 21 de
fevereiro.
A banda do bloco é formada por ex-integrantes de
escolas de samba tradicionais de São Paulo, como a Império de Casa Verde, que
se converteram para igrejas evangélicas. Durante a apresentação, eles cantaram
clássicos como "Faz Um Milagre Em Mim" do Regis Danese, que estourou
nas rádios nos anos 2000 (veja o vídeo acima.)
<><> Fundação
Na contramão da comunidade evangélica mais
tradicional, que costuma se refugiar em acampamentos e retiros durante o
carnaval, o Bloco Ide foi fundado em 2018 pela consultora em inovação e
tecnologia Silvia Fagá, com a missão de espalhar a mensagem do Evangelho de uma
forma diferente.
O primeiro desfile aconteceu em 2019 pelas ruas do
bairro Ipiranga, na Zona Sul da capital. Com um pequeno carro de som e músicos
de bandas cristãs acompanhando pelo chão, o grupo atraiu um público diverso —
de crianças a idosos.
Apesar de usarem abadá e glitter no rosto, o clima
do Bloco Ide é diferente dos demais blocos de rua, que costumam ter pegação e
bebida. O consumo de álcool não é proibido, tanto que os ambulantes podem
vendê-lo. Contudo, como Silvia disse ao g1, "acho que eles têm prejuízo porque a maioria do
público não bebe".
Ao longo do trajeto, o cortejo também alternava
músicas de samba gospel com momentos de evangelização — com pastores
compartilhando seus testemunhos sobre o processo de conversão ou com orações
direcionadas a pessoas que estavam passando pelo bloco.
"A gente parava na frente dos bares. As
pessoas viam que a gente estava falando de Deus. A gente perguntava se podia
orar, e eles falavam que podia continuar. Às vezes, pastores davam testemunho,
falando: um dia eu estive aí também, não se preocupe, continue aí celebrando e
fazendo o que você está fazendo. Foi muito bacana, porque nesse dia a gente
conseguiu levar duas pessoas para a casa de recuperação", relembra Silvia.
Após 2019, o grupo fez uma pausa no bloco e optou
por organizar somente rodas de samba na época do carnaval , mas neste ano ele
voltará às ruas. Em 2025, o Bloco Ide vai desfilar no Rio Pequeno, na Zona
Oeste, em 8 de março.
<><> União entre Evangelho e o carnaval
Para a fundadora do Bloco Ide, a união entre o
carnaval e o Evangelho não interfere na transmissão da mensagem cristã. Isto é,
a adoração a Deus pode ser manifestada também por meio da música e da cultura
popular.
Segundo Silvia, não há motivo para rejeitar
expressões artísticas como o samba ou o pagode por estarem historicamente
ligadas a religiões de matriz africana. É possível misturar esses estilos
musicais, ligados ao carnaval, com o gospel por meio do sincretismo, explica.
"Você vai adorar a Deus nos 360 dias por ano,
menos os cinco dias de carnaval? Então assim, a todo o tempo, em todo lugar. A
Bíblia nos diz assim: tudo o que tem fôlego, louve ao Senhor. Então, eu não
tenho problema em manifestar oração ao meu Deus nesse período, de maneira
alguma. E talvez isso possa incomodar outras pessoas."
"Quando a gente começou com esse trabalho, eu
também sofri preconceito de outras esferas. Pessoas que já eram do carnaval
falavam: 'Agora esses evangélicos querem tomar conta de tudo, agora eles querem
tomar conta do carnaval'. Tem espaço para todo mundo, e o nosso interesse
também é levar a nossa mensagem de alegria e de esperança. Então tem uma missão
e um propósito com tudo isso."
Ao g1,
Silvia contou que, quando fundou o bloco de rua sete anos atrás, não tinha
nenhuma experiência, já que não frequentava esse tipo de espaço. Mas hoje já
sonha até em montar uma escola de samba.
"Neste ano a gente quer iniciar a nossa escola
de percussão de ritmistas. Então vamos começar um projeto com as crianças e os
adolescentes e quem sabe no futuro a gente vire uma escola de samba."
¨
Produtor se inspira em trilhas de filmes para dar
identidade pop ao gospel
Há cerca de quatro anos, Matheus Charles ajudou a
cantora gospel Gabriela Rocha a fazer uma transição no seu som.
Charles é produtor musical e tecladista da
artista, que teve o sexto vídeo mais visto no YouTube no Brasil em 2023. Ele foi o responsável por inserir, no repertório da artista, elementos
inspirados em trilhas de filmes e games, criando uma identidade mais pop.
"A Gabriela tem anos de carreira. Para você
virar a chave para um público, é muito complicado. Você não pode dar uma virada
muito brusca. Antes, ela estava no pop rock, um estilo mais fácil de
consumir."
“E, depois de alguns anos fazendo muitos trabalhos
com ela, eu consegui implementar uma sonoridade estética mais 'soundtrack'
[trilha sonora, em inglês], que é uma identidade sonora minha, e que ela me dá
liberdade para colocar”, explica o produtor, em entrevista ao g1.
O momento da virada aconteceu em 2021, com a música
"Creio que tu és a cura". Depois vieram "Os sonhos de Deus"
e "Me atraiu (Reimagined)", todas focadas no piano e elementos de
cordas. Matheus sente que seu trabalho com Gabriela acabou influenciando outros
nomes do mercado gospel.
"A Gabriela hoje é uma artista enorme, então,
quando a gente faz algo, fica muito em evidência. As pessoas querem fazer
igual."
"E eu já vi muita gente fazendo, replicando
coisas que eu tenho feito. É quase o nascimento de um segmento novo."
<><> Quem é Matheus Charles?
Matheus Charles tem 24 anos e trabalha com música
desde os 15. O pai do produtor era vendedor da Modern Sound, uma histórica casa
de discos em Copacabana, no Rio de Janeiro, que fechou suas portas em 2010.
"O meu crescimento musical foi com o meu pai
me dizendo o que era a música para eu poder escutar. Com 6 anos, eu estava
estudando música clássica. Desde pequeno, meu pai me colocava para poder
escutar música dos anos 1980: Tears For Fears, Gary Moore, A-ha...",
relembra o artista.
Aos 17 anos, Matheus começou a trabalhar com
Gabriela Rocha. Primeiro, como tecladista. Depois, com muita insistência, foi
conseguindo espaço na produção. "Eu sempre fui muito ligado à produção
musical. Eu era chato. Era aquela pessoa que era insuportável, porque eu só
falava disso o tempo todo."
"E aí, aos poucos, ela foi deixando para mim
algumas missões um pouco mais complicadas. Acho que foram testes. Um dia, ela
falou: 'Matheus, quero que você produza para mim o álbum 'Ecoar'". O disco
foi lançado em 2021.
Desde então, Matheus se mantem na produção musical
dos álbuns de Gabriela, incluindo o projeto infantil "Pequenos
Levitas".
Com o crescimento constante do mercado gospel, em
especial, após a pandemia de coronavírus, ele também assina projetos com outros
artistas.
"É um mercado muito grande. Tem amigos e
produtores que me passam trabalhos, porque não dão conta de fazer tanta
produção. É muita coisa."
<><> Estética 'soundtrack'
Para deixar a assinatura da estética
"soundtrack" em seus projetos, Matheus fica ligado nas telonas.
"A trilha sonora dos filmes é uma coisa muito rica."
Uma de suas maiores referências é o longa
"Interstelar" (2014), que tem a trilha sonora assinada por Hans
Zimmer. Outra inspiração para o produtor é a faixa "On the Nature of
Daylight", de Max Richter, usada na trilha do filme "A chegada".
E, como na infância através das indicações do pai,
ele segue antenado em diversos gêneros musicais, incluindo os seculares -- como
são chamados aqueles que estão fora do universo gospel. "Para mim, é muito
normal falar para você que eu escuto [músicas seculares]. Mas eu sei que
algumas pessoas têm barreiras com isso."
"Mas no meu caso, eu sou produtor musical,
então se eu ficar preso a um tipo de música só, eu vou ficar estacado para
sempre numa mesmice que eu vou provavelmente cair no esquecimento."
<><> Cenário secular
Ao analisar o cenário gospel, Matheus avalia que o
gênero estourou uma bolha na pandemia. "A riqueza da letra na música
gospel é uma coisa muito profunda, que a pessoa escuta e se identifica. Música
é muito sobre identificação."
"Acho que, agora, a gente conseguiu de fato
furar a bolha, com pessoas que não tinham nada a ver com esse segmento."
O produtor cita como exemplo Caetano Veloso levando
ao palco de seu show com a irmã, Maria Bethânia, a música "Deus cuida de
mim", do pastor Kleber Lucas. Outros exemplos são Maria Gadu cantando
"Sonda-me, usa-me", de Aline Barros, em sua live em 2021, e Simone
Mendes cantando "Deus de promessas" em parceria com Davi Sacer.
"A gente pode dizer que os caras conseguiram
divulgar a música involuntariamente."
"E a pessoa não precisa ser crente para poder
curtir uma música gospel. A pessoa sente uma paz natural ali. Eu já cansei de
ouvir relatos de pessoas que não eram crentes, simplesmente ouviram uma música
e falaram: 'Matheus, eu senti uma paz aqui que eu não consigo explicar'."
"Essa paz, que na verdade a gente sabe que é o
Espírito Santo, é uma coisa que prende as pessoas. Elas ficam quase
dependentes. E isso abre portas para outras coisas, até para a pessoa se
converter para Cristo e conhecer o amor de Jesus."
Fonte: g1
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