Como queimadas na
Amazônia aceleram derretimento na Antártida a milhares de quilômetros de
distância
A fuligem das
queimadas na Amazônia contribui
para o derretimento das geleiras na Península Antártica, distante milhares de
quilômetros, segundo estudo publicado na revista Science Advances. A pesquisa revela
ainda que embarcações turísticas na Antártida respondem por
metade da fuligem que atinge a região.
Embora o
aquecimento global seja a principal causa do degelo, aquecendo os oceanos e a
atmosfera ao redor da Antártida, cientistas estão identificando novos fatores
que aceleram esse processo, como a fuligem.
Desde os anos 1970,
as queimadas na Amazônia e em outras regiões da América do Sul liberam até 800
mil toneladas de fuligem por ano na atmosfera — quase o dobro das emissões de
fuligem geradas por combustíveis fósseis na Europa.
A fumaça carregada
de fuligem sobe até 5 km de altitude e, impulsionada por ventos poderosos,
percorre mais de 6 mil km até atingir a Península Antártica em menos de duas
semanas.
Apenas partículas
ultrafinas, invisíveis a olho nu e cerca de 100 vezes mais finas que um fio de
cabelo, chegam às geleiras.
Ao pousar na neve,
essas partículas aquecem o gelo, formando pequenas poças de água ao seu redor.
Isso ocorre porque a fuligem, ou carbono negro, absorve calor intensamente
devido à sua cor escura — assim como roupas pretas aquecem mais sob o sol —
explica Márcio Cataldo, coautor do estudo da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
Os cientistas já
sabiam que a fuligem amazônica chegava à Antártida, mas as crescentes
queimadas têm
intensificado o fluxo e o impacto dessas partículas.
Segundo a pesquisa,
cada metro quadrado da Península Antártica perde cerca de 150 g de gelo por dia
— o equivalente a uma xícara de café. Embora pareça pouco, o impacto é
significativo dada a vastidão da região, que experimenta as temperaturas mais
altas em 2 mil anos, destaca o climatologista Heitor Evangelista, líder da
pesquisa da UERJ.
Estudo publicado na
revista Nature aponta que a fuligem já chegava à Antártida desde o século 13,
vinda de queimadas promovidas pelos Māori na Nova Zelândia. No entanto, os
níveis modernos de fuligem são dez vezes superiores aos de séculos atrás,
comentou Robert Mulvaney, do British Antarctic Survey, à BBC News Brasil.
Sem reconhecer
fronteiras, a fuligem também pode atingir as geleiras andinas, contribuindo
para o derretimento de até 5% do gelo nas montanhas bolivianas — um recurso
essencial para milhões de pessoas, segundo estudo da UERJ liderado por Newton
de Magalhães Neto.
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Impacto de navios, aviões e bases científicas
Ao analisar
amostras de ar na Península Antártica de gelo, os cientistas surpreenderam-se
com altos níveis de substâncias químicas associadas à da queima de petróleo,
indicando que o turismo crescente está deixando pegadas de carbono na
Antártida. A descoberta foi confirmada por análises do gelo.
Navios, aviões,
helicópteros e geradores a diesel usados na Península Antártica estão liberando
grandes quantidades de fuligem — em níveis semelhantes aos trazidos das
queimadas distantes — demonstrou pela primeira vez a pesquisa da UERJ.
A fuligem amazônica
atinge o pico no inverno antártico, durante a temporada de incêndios no Brasil,
enquanto a fuligem do turismo se concentra no verão, quando o gelo está mais
vulnerável.
Um estudo chileno
de 2022 já havia detectado altos níveis de fuligem na neve próxima a
desembarques turísticos e instalações científicas, capazes de derretê-la. No
entanto, o impacto combinado com a fuligem amazônica ainda não estava claro.
Heitor Evangelista
destaca que a recente expansão das instalações científicas também agrava o
problema. Mais de 80% das 104 estações e bases da Antártida operam com
combustíveis fósseis, e cerca de metade delas está na Península Antártica,
segundo dados do Comnap (Council of Managers of National Antarctic Programs).
O número de
turistas na Antártida triplicou na última década, atingindo 123 mil na
temporada 2023-24. Desses, 80 mil desembarcaram no continente em 77
embarcações. Norte-americanos lideram o fluxo de visitantes (45%), segundo
relatório da IAATO (Associação Internacional de Turismo Antártico).
Expedições de luxo,
que chegam a custar mais de 600 mil reais (US$ 110 mil), oferecem caminhadas
com pinguins e acampamentos sofisticados. Em 2021, um Airbus A340 de quatro
motores pousou na Antártida para abastecer o acampamento de luxo Wolf's Fang,
da empresa White Desert.
O avanço do turismo
levanta debates ambientais. A IAATO afirma adotar medidas rigorosas, mas
pesquisadores como Newton Magalhães (UERJ) questionam sua eficácia e sugerem
combustíveis limpos, motores elétricos ou a limitação de visitantes para
reduzir a fuligem.
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Geleiras derretem, mares avançam
A fuligem de
queimadas, veículos e indústrias intensifica o derretimento das geleiras em
todo o mundo — dos Andes ao Ártico, da Antártida aos Himalaias.
As geleiras da
Terra refletem grande parte da luz solar de volta ao espaço, ajudando a
resfriar o planeta. A neve levemente escurecida pela fuligem contribui para a
redução dessa proteção térmica natural, agravando o derretimento causado pelo
aquecimento global. Fenômenos como o El Niño e os rios voadores também provocam
derretimentos.
A água derretida
das geleiras que flui para os oceanos é hoje a principal causa do aumento do
nível do mar global, segundo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas).
Estudos indicam que
a água derretida pode ainda infiltrar-se em fissuras do gelo, desestabilizando
plataformas que atuam como barreiras nas bordas da Antártida, sustentando
enormes massas de gelo.
A desintegração de
geleiras como Thwaites, apelidada de 'geleira do fim do
mundo',
pode já estar em curso, e de maneira inevitável. Com um tamanho comparável ao
do Reino Unido, se ela derreter completamente, o nível do mar pode subir entre
90 cm e 3 metros.
"Se a Terra
aquecer mais de 2°C, pontos de não retorno podem ser ultrapassados, podendo
causar mudanças rápidas e irreversíveis", alerta Alex Brisbourne, do
British Antarctic Survey.
A Antártida
concentra 90% do gelo global e será crucial para o futuro dos oceanos. Mesmo
uma pequena perda de gelo pode elevar o nível do mar em metros nas próximas
décadas ou séculos, de acordo com Jefferson Cardia Simões, glaciologista da
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
O IPCC aponta a
necessidade crescente de diques e aterros marítimos, estruturas de contenção já
amplamente usadas em regiões baixas da Europa e do Leste Asiático.
Mas seus custos
globais podem atingir 2,2 trilhões de dólares anuais até 2100, valores inviáveis
para muitos países pobres. Estados insulares como Tuvalu e Kiribati, que já possuem
refugiados climáticos, podem enfrentar custos estimados de adaptação superiores
a 7% do PIB até 2050.
Os impactos do
aumento do nível do mar afetarão especialmente as populações mais pobres,
observa o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
Estima-se que apenas 15
países concentram 90% da população pobre e rural em áreas costeiras vulneráveis
aos mares mais altos. Esses locais, sem defesas adequadas, enfrentarão mais
desigualdade e conflitos sociais, reforça o IPCC.
Em Bangladesh, a água
salobra destrói plantações e habitats vitais para a população. Até 2050, 1
milhão de pessoas desprotegidas podem ter que migrar, deixando um rastro de
crise humanitária, com as novas demandas por empregos, moradia e alimentos.
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Impacto global e desigual
As projeções do
IPCC indicam que o nível do mar pode subir até 2 metros até 2100, o suficiente
para redesenhar as fronteiras dos continentes. Dados da Nasa, a agência
espacial americana, mostram que o mar já subiu 10 cm em três décadas, causando
inundações, erosão e salinização de aquíferos.
Cerca de 1 bilhão
de pessoas, ou 15% da população global, estarão expostas a marés mais altas,
incluindo moradores de megacidades costeiras. Nos EUA, embora 14% do litoral
tenha proteção de engenharia avançada, muitas cidades já sofrem com inundações
frequentes.
O IPCC prevê que os
custos globais de adaptação, como diques e aterros, podem chegar a US$ 2,2
trilhões anuais até 2100 — valores inviáveis para muitos países pobres. Estados
insulares como Tuvalu e Kiribati, que já registram refugiados climáticos,
teriam que gastar mais de 7% do PIB em adaptação até 2050.
Enquanto países
ricos podem construir diques e barreiras, populações pobres ficam expostas ao
avanço do mar sem defesas. Em apenas 15 países, concentram-se 90% da população
pobre em áreas costeiras de risco. A desigualdade e os conflitos sociais devem
se intensificar nesses países, prevê o relatório do IPCC.
Essa desigualdade é
evidente em países como Bangladesh, onde famílias perdem seus sustentos com
água salobra invadindo plantações de arroz e destruindo habitats. Até 2050, 1
milhão de pessoas podem ser forçadas a migrar, o que demandará novos empregos,
moradia e alimentos — um desafio que países pobres podem não estar preparados
para enfrentar.
Esse cenário
retrata como o rápido degelo na Antártida, com as contribuições das distantes
queimadas na Amazônia e do turismo polar, pode gerar consequências globais e
desiguais.
Fonte: BBC News
Brasil
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