Criação
da Fundação IBGE+ provoca crise no órgão de pesquisa federal: 'Está
insustentável', diz ex-presidente
Diretores
entregando cargos, acusações entre o presidente e
servidores e uma comunidade científica em alerta sobre
o futuro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o cenário atual do órgão federal responsável por
desenvolver pesquisas como o Censo e divulgar dados econômicos como o PIB e o IPCA. O IBGE é fundamental para orientar
políticas públicas nacionais e regionais.
Segundo funcionários ouvidos
pelo g1, a atual crise no IBGE teve início em julho do ano
passado, quando o presidente Marcio Pochmann criou a Fundação de Apoio à
Inovação Científica e Tecnológica do IBGE, a Fundação IBGE+. A fundação foi batizada por alguns
servidores como IBGE Paralelo.
A nova instituição é um braço do
IBGE, mas tem autorização para receber
dinheiro de empresas privadas, por exemplo, para realizar pesquisas contratadas.
A Fundação IBGE+ é um órgão de caráter público-privado e foi criada com o
objetivo de suprir a falta de dinheiro
público para manter a estrutura do órgão federal.
Porém, muitos funcionários e
ex-presidentes acreditam que abrir o IBGE para o financiamento privado pode
fazer o órgão perder autonomia e
credibilidade no longo prazo.
"O IBGE produz um bem público.
Ele tem que divulgar para todos, ao mesmo tempo, seja o governo, trabalhadores,
empresas e a sociedade em geral. Toda vez que uma empresa financia alguma coisa
ela quer que o resultado seja dela. (O IBGE+) É um grandioso conflito de interesse",
comentou a ex-presidente Wasmália Bivar.
Além das preocupações, a falta de
diálogo entre a presidência e seus diretores e a insatisfação de servidores com
os rumos do instituto são apontadas como motivos para um racha dentro do órgão.
A crise chegou ao ápice no início
deste ano, quando a diretora de pesquisas Elizabeth Hypolito e o diretor
adjunto João Hallack pediram exoneração e entregaram
seus cargos. Segundo o colunista Lauro Jardim, do Jornal O
Globo, outros diretores importantes devem pedir demissão nos próximos
dias.
Na opinião da economista Wasmália
Bivar, presidente do IBGE entre 2011 e 2016, a situação atual está insustentável. Para ela, o
atual presidente Marcio Pochmann precisa recuar e tentar dialogar com os
servidores, caso contrário, não conseguirá seguir
no cargo.
"Infelizmente o presidente está
vivendo uma situação muito difícil. Eu não vejo outra saída para ele que não
seja dar dois passos atrás e dialogar. (...) Com toda boa vontade, às vezes as
pessoas erram. Eu não tenho compromisso com meu erro, e ele precisa ter essa
flexibilidade", comentou Wasmália Bivar.
"O IBGE é uma instituição grande
demais para ter uma gestão tão conflituosa. Hoje está em um nível de conflito
que está insustentável", completou a ex-presidente.
O g1 ouviu membros do Sindicato Nacional dos
Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística
(Assibge) e servidores do órgão para entender o tamanho da crise. Veja mais
adiante na reportagem as críticas dos trabalhadores e como a presidência do
IBGE reagiu.
·
Conselho Diretor não foi consultado,
diz associação; Instituto nega
Segundo o Assibge, a insatisfação com
a presidência do órgão é grande em praticamente todas as diretorias do IBGE. O
principal motivo teria sido a criação da Fundação IBGE+, sem a aprovação do
Conselho Diretor.
"Essa medida foi implementada
sem consulta aos quadros técnicos, à comunidade científica e à sociedade civil,
configurando um precedente perigoso para a interferência de interesses privados
no sistema geoestatístico nacional”, dizia um trecho da nota divulgado pelo
sindicato.
"Decisões recentes da atual
direção do IBGE colocam em risco a soberania geoestatística brasileira”,
completou a nota ao falar sobre a Fundação IBGE+.
Ainda de acordo com o sindicato, a
criação da Fundação IBGE+ aconteceu "sem a participação dos profissionais
que possuem o conhecimento técnico a experiência necessários para avaliar a
viabilidade e os impactos de tal criação".
Já a presidência do IBGE negou que a fundação tenha sido criada sem consulta de
especialistas do órgão.
"Não só foram feitos os debates
junto a órgãos federais e no Conselho Diretor do IBGE, como todos os diretores
e diretoras deste Conselho acompanharam as discussões, aprovaram a totalidade
dos documentos e assinaram a ata de criação da Fundação IBGE+, registrada em
cartório e aprovada por unanimidade, em ato documentado em texto e
imagens", informou o IBGE, por meio de uma nota.
·
Home-offfice e outros pontos do
conflito
A motivação maior para o racha entre
presidência, diretores e funcionários é, sem dúvidas, a criação da Fundação
IBGE+, contudo, outros problemas também emergiram nos últimos meses.
Entre as reclamações dos
trabalhadores estão duas mudanças relacionadas ao dia a dia do trabalho dos
servidores. A primeira delas, a mudança do regime de trabalho, deixando o
home-office e adotando o regime híbrido, com alguns dias trabalhando de forma
presencial.
Além disso, outra mudança de rotina
também perturbou os funcionários. Servidores que trabalhavam no Centro do Rio de Janeiro foram transferidos
para o Horto Florestal, no Jardim Botânico, na Zona Sul, um local considerado
de difícil acesso pelos trabalhadores.
Contudo, apesar dos servidores se
colocarem contra as mudanças, essas ações isoladas não seriam responsáveis por
provocar a saída de diretores indicados pelo presidente e a insatisfação grande
de uma categoria. Essa é a opinião da ex-presidente Wasmália Bivar.
"Existem ouras insatisfações,
mas essa nunca teriam alcançado o nível que alcançou se não fosse o IBGE+.
Foram agravantes", disse Bivar.
"Eu acredito muito honestamente,
conhecendo os técnicos do IBGE, que jamais a crise teria alcançado essa
dimensão se não existisse o IBGE+. Essa não é a primeira vez que existem
reclamações por condições de trabalho e nunca a insatisfação tomou a dimensão
que tomou agora", completou a ex-presidente.
Em um comunicado divulgado à
imprensa, o IBGE comentou sobre essas duas reclamações.
"Até 2023, a quase totalidade
dos institutos nacionais de estatística do planeta já havia retornado ao
trabalho presencial. O IBGE era uma das exceções, ainda que com uma
peculiaridade: parte significativa da força de trabalho que atua na coleta dos
dados já havia retornado ao trabalho presencial integral, nos cinco dias úteis
da semana, além de superintendentes, chefes de agências, setores
administrativos e diretores. Ou seja, apenas parcela reduzida do quadro ainda
se encontrava em regime totalmente remoto", dizia parte do comunicado.
O IBGE alegou ainda que as
determinações desencadearam "reações, até então, inéditas do sindicato e
de parte dos trabalhadores da unidade da Avenida Chile, no centro do Rio de
Janeiro, em defesa de interesses particulares e contrariados pelo fim do regime
remoto integral, o popular home office".
<><> Sobre a mudança do
local de trabalho de parte da equipe, o IBGE escreveu:
"A transferência
temporária dos servidores e servidoras alocadas na unidade da Avenida Chile
permitirá ao IBGE economia anual de aproximadamente 84% em relação aos R$ 15
milhões anualmente gastos em aluguel e custos de manutenção que esta unidade
consumia no início da atual gestão. Estes recursos serão revertidos para
reformas das unidades do centro e da Avenida Canabarro, obra esta que se inicia
neste mês de janeiro.
Entretanto, apesar dos ganhos
evidentes e substanciais com esta mudança temporária, parte dos servidores e
servidoras da unidade da Avenida Chile, e o sindicato, difundem informações
inverídicas sobre condições de acesso e de trabalho na unidade do Horto, que
contará com sistema de vans para transporte entre o imóvel e a principal rua do
bairro, que possui ampla oferta de transporte público e serviços, como
restaurantes e comércio local."
·
O que dizem os citados
Em nota, o Ministério do Planejamento
e Orçamento (MPO), órgão a que o IBGE está vinculado, informou que respeita a
autonomia administrativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), segundo disposto no Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.
"O MPO também acompanha, de
forma contínua, as atividades de suas unidades vinculadas, entre elas o IBGE, e
mantém canal aberto de diálogo com seus representantes", dizia outro
trecho da nota.
O g1 entrou em contato com o IBGE e questionou sobre a
crise e as reclamações dos funcionários, além de tentar entender o motivo dos
pedidos de exoneração de diretores escolhidos pelo presidente do órgão.
<><> No comunicado
divulgado anteriormente, o IBGE informou:
"O processo de
reconhecimento do IBGE como Instituição de Ciência e Tecnologia, e a
consequente e legalmente necessária constituição de uma fundação de apoio, a
permitir a busca de recursos não-orçamentários essenciais para a urgente e
imprescindível modernização e fortalecimento tecnológico, já foi amplamente
publicizado em Comunicados e documentos disponíveis no Portal do IBGE e em site
próprio da fundação."
""Entretanto, cabem
neste ponto esclarecimentos adicionais frentes a alegação recente do sindicato
nacional dos servidores (ASSIBGE), de que a criação da Fundação nem passou pelo
Conselho Diretor, órgão máximo deliberativo do Instituto, e composto
majoritariamente por servidores da casa. Não só foram feitos os debates junto a
órgãos federais e no Conselho Diretor do IBGE, como todos os diretores e
diretoras deste Conselho acompanharam as discussões, aprovaram a totalidade dos
documentos e assinaram a ata de criação da Fundação IBGE+, registrada em
cartório e aprovada por unanimidade, em ato documentado em texto e
imagens"
"A Fundação IBGE+ é também
alvo de forte campanha de desinformação por, possivelmente, evidenciar
conflitos de interesses privados existentes dentro do IBGE, sendo estes,
inclusive, objeto de manifestação do Ministério Público Federal, conforme
Ofício nº 503/2024 PR-RJ/GMGBA, disponível Anexo I e seus documentos anexos, em
resposta ao Ofício nº 6/2024/PF-GAB/PFE-IBGE/PGF/AGU da Procuradoria Federal
Especializada Junto ao IBGE, disponível no Anexo II, e corroboradas por
conclusão da Coordenação de Recursos Humanos do IBGE, conforme Nota Técnica Nº
45/2024/DE/CRH/IBGE, disponível no Anexo III, além da ação de órgãos de
controle interno do Instituto. Possivelmente, diante deste fato, a atual gestão
enfrenta fortes reações."
<><> Em resposta a esse
comunicado, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais
de Geografia e Estatística (Assibge) soltou outra nota afirmando que o
"presidência do IBGE prefere atacar servidores em vez de abrir diálogo e
buscar soluções".
"O IBGE atravessa uma
grave crise interna derivada majoritariamente pela criação da fundação de
direito privado IBGE+, instalada sem que fosse ouvido o quadro técnico da
instituição. A ASSIBGE – Sindicato Nacional tem se manifestado de forma
reiterada quanto aos riscos de que, posta em operação, o novo ente possa
comprometer a autonomia técnica do órgão oficial.
As recentes exonerações na
Diretoria de Pesquisas do órgão, somadas às insatisfações manifestadas por
outros membros da direção demonstram, de forma irrefutável, que não se trata de
uma corriqueira discordância entre gestão e sindicalistas, ou mesmo algum
descontentamento de parcela minoritária dos servidores. A insatisfação alcançou
a mesa do Conselho Diretor do IBGE, a qual o presidente divide com os
diretores.
Num contexto em que as redes
sociais são alimentadas e consumidas de forma frenética, a atual crise acaba
por fornecer o pano de fundo para graves e mentirosas alegações de que a
autonomia técnica do IBGE estaria comprometida, lançando dúvidas sobre a
credibilidade dos dados divulgados, algo que o sindicato tem desmentido com veemência
em todas as oportunidades.
A entidade sindical vê com
inaudito espanto a presidência do IBGE lançar combustível sobre uma crise que
resvala, quando menos no ambiente das redes, naquela que é o maior patrimônio
construído ao longo de quase 90 anos do IBGE, sua credibilidade, sempre
defendida pelo sindicato, que combate a nova fundação justamente por vê-la como
uma potencial ameaça a tal patrimônio imaterial e inalienável.
Em vez de esclarecer, a nota da
presidência repete a mesma litania de outras notas, afirmando que a criação da
fundação decorre do reconhecimento do IBGE como instituição de Ciência e
Tecnologia, argumento que já amplamente refutado, seja porque tal
reconhecimento não exige a criação de um novo ente, seja porque documentos
internos revelam que a direção buscava meios de instalar uma fundação de
direito privado desde muito antes do reconhecimento como instituição de Ciência
e Tecnologia.
Não podendo refutar tais
argumentos da ASSIBGE-Sindicato Nacional, a presidência do IBGE opta por empregar
um tom infantil, classificando, genericamente, toda a discordância como
mentira, e sugerindo que o sindicato estaria aliado com beneficiários de
eventuais situações de conflitos de interesses, que poderiam vir à tona com o
início dos trabalhos do IBGE+."
Fonte: g1
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