Trabalhador resgatado em fazenda de
Leonardo diz que formigas e cupins andavam por cima dele durante a noite
Um dos seis
trabalhadores resgatados em condições análogas às de escravidão em uma fazenda
arrendada do cantor Leonardo, em Jussara, disse aos fiscais do Ministério do
Trabalho e Emprego que formigas e cupins andavam por cima dele durante as
noites que passou em um alojamento.
“A casa é muito ruim e
está cheirando muito mal. Há muito morcego no alojamento, as formigas e cupins
andam por cima dos empregados enquanto estão deitados. Também já vi escorpião e
lacraia dentro do alojamento e tenho medo de sair à noite, devido a existência
de muitos animais”, relatou o funcionário à época.
O depoimento do
funcionário foi dado em novembro de 2023, quando uma fiscalização resgatou ele
e outros cinco trabalhadores na Fazenda Lakanka, no noroeste goiano. Entre os
resgatados havia um adolescente de 17 anos de idade. Eles catavam raízes e
dormiam em uma casa abandonada descrita pelos fiscais como “precária”, pois não
tinha camas, banheiro e estava infestada de morcegos e fezes.
A situação dos
trabalhadores resgatados só veio à tona na segunda-feira (7), depois que o
ministério incluiu o cantor Leonardo na "lista suja" de empregadores
que já submeteram funcionários a trabalho escravo. O artista pagou R$ 94 mil em
multas e R$ 225 mil de indenização aos resgatados e, em abril deste ano, o
processo foi arquivado.
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Leonardo diz que não sabia das condições em que os funcionários viviam, pois a
fazenda estava arrendada para outra pessoa. Ele lamentou a situação nas redes
sociais, dizendo que estava muito surpreso e triste.
Além da Fazenda
Lakanka, a fiscalização também foi feita na Fazenda Talismã, que é avaliada em
R$ 60 milhões. Ela é citada no relatório do Ministério Público do Trabalho e
Emprego (MTE), ao qual o g1 teve acesso, porque fica em área contígua à Lakanka
e faz parte do mesmo conjunto de operações agrícolas.
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Responsabilidades
O documento diz que o
cantor tinha como obrigação contratual entregar a área arrendada pronta para o
plantio, garantindo que o solo estivesse limpo e preparado. Já o arrendatário
era responsável por executar o plantio e o manejo das atividades agrícolas, uma
vez que a área estivesse adequada para isso.
Por isso, embora o
arrendatário tivesse responsabilidades sobre o plantio, as etapas de preparação
do solo, como a catação de raízes e plantação de grama - trabalho feito pelos
trabalhadores resgatados -, era de responsabilidade de Leonardo, tanto em termos
de execução quanto de pagamento aos trabalhadores envolvidos.
O g1 não encontrou o
arrendatário da Fazenda Lakanka para se manifestar sobre o caso até a última
atualização da reportagem.
Segundo o funcionário,
ele e os outros trabalhadores foram recebidos pelo gerente da Fazenda Lakanka,
que trabalha para o arrendatário. Esse gerente teria informado que o trabalho
teria duração de 40 dias e que a diária seria de R$ 150. Durante o tempo em que
ficou no local, ele afirma que apresentou sintomas como dor no corpo e na
cabeça, tosse, olhos inchados e foi medicado pelo gerente.
<><> Como
era rotina a dos trabalhadores resgatados?
Segundo descrito pelos
funcionários no relatório, o trabalho deles consistia em catar raízes para
limpar uma área do terreno. A atividade envolvia a remoção de restos de
árvores, raízes e outros materiais do solo para prepará-lo para o cultivo.
Em depoimento, eles
disseram que cumpriam uma jornada diária que começava às 7h e terminava às 17h,
com uma pausa de 1 hora para o almoço. Eles recebiam um pagamento fixo de R$
150,00 por dia trabalhado. Mas, o documento não especifica se a hora de almoço
era remunerada ou não.
>>> A rotina
funcionava da seguinte forma:
• Acordavam às 5h40, deixavam o alojamento
às 6h10;
• Tomavam café perto da sede da fazenda, a
cerca de 2km do alojamento;
• O deslocamento até a área de trabalho
era feito em um trator, onde os trabalhadores iam em pé na carreta;
• Começavam a trabalhar às 7h da manhã;
• O trabalho era realizado até às 11h30 ou
meio-dia, quando faziam uma pausa para o almoço;
• Depois de 1 hora de descanso, retornavam
ao trabalho e trabalhavam até 17h, quando voltavam ao alojamento.
Os funcionários não
recebiam pagamento nos dias em que não trabalhassem, fossem dias de folga ou em
que não houvesse trabalho por algum outro motivo, inclusive se estivessem
doentes.
Além disso, o
documento diz que os catadores de raízes reportaram que, da última vez em que
foram chamados a trabalhar, tinham sido informados que o trabalho aos domingos,
quando paravam de trabalhar ao meio-dia, seria remunerado com meia diária, ou
seja, R$ 75,00.
Mas alguns
trabalhadores disseram que não era incomum trabalharem sete dias por semana,
pois precisavam receber. Portanto, segundo o documento, eles não recebiam o
descanso semanal que é garantido por lei.
Segundo os fiscais, os
catadores de raízes estavam completamente informais, ou seja, não tinham
contratos de trabalho registrados e suas carteiras de trabalho não eram
assinadas, o que fazia com que eles não tivessem benefícios e proteção
trabalhista, como acesso a benefícios previdenciários.
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‘Condições precárias’
Segundo o documento,
um dormitório foi improvisado pelos trabalhadores na casa abandonada. Eles
usaram tábuas de madeira encontradas jogadas pelos arredores para usar como
suporte para os colchões.
A equipe de
fiscalização verificou que existia uma infestação de morcegos, com fezes dos
animais em todos os cômodos. Também havia muitas formigas no local e histórico
de presença de outros animais, como cobras e escorpiões. Inclusive, no dia da
inspeção, havia uma cobra morta perto do alojamento.
Os trabalhadores
usavam árvores próximas para urinar e defecar, pois o banheiro do alojamento
estava inoperante. Foi encontrado grande acúmulo de papel higiênico, além de
fezes concentradas, em dois locais: abaixo de uma árvore nos fundos da casa e
na área de bambuzal, um pouco mais longe da casa abandonada.
Como não havia
chuveiros ou qualquer local para tomar banho, os empregados improvisaram uma
mangueira preta amarrada à estrutura de madeira e foi ligada a uma bomba de
água dentro de um poço. Segundo o relatório, os empregados tomavam choques ao
acionarem o disjuntor após o banho para desligar a bomba, quando ainda estavam
molhados.
A única água
disponível era essa captada no poço, que também estava desprovido de qualquer
manutenção, segundo os fiscais. O poço tinha uma tampa quebrada, que permitia a
entrada de animais, como roedores e aves, que poderiam se afogar e ficar
apodrecendo no interior, gerando contaminação da água.
Para não passar sede,
os empregados se deslocavam até a sede da Fazenda Lakanka, situada a
aproximadamente 2 quilômetros de distância do alojamento, munidos de garrafas
de água emprestadas pelo arrendatário daquela fazenda.
Segundo o relatório, o
deslocamento era feito a pé, no trator ou no veículo de um dos empregados,
quando havia gasolina neste, onde enchiam as quatro garrafas térmicas de que
dispunham com capacidade de cinco litros cada.
Na sede da Fazenda
Lakanka, em cômodo do barracão onde funcionava uma oficina, havia um bebedouro
refrigerado com três torneiras, onde os empregados enchiam as garrafas.
Destaca-se que esta água também não recebia tratamento.
<><> Os
outros 12 trabalhadores
Ao todo, a
fiscalização identificou 18 trabalhadores nas fazendas Talismã e Lakanka. Seis
foram resgatados por condições semelhantes às de trabalho escravo, e os outros
12 estavam em atividades diversas, como preparo do solo para o plantio de soja
e manutenção de cercas.
Segundo o documento,
apesar de também trabalharem de maneira informal, sem registro e direitos
trabalhistas garantidos, as condições de vida e trabalho deles não foram
consideradas tão degradantes a ponto de configurar uma situação de trabalho
análogo ao de escravo.
<><> Por
que a Fazenda Talismã consta no relatório?
A Fazenda Talismã,
avaliada em R$ 60 milhões, é citada porque, apesar dos trabalhadores resgatados
estarem na Fazenda Lakanka, as duas fazendas estão fisicamente próximas e fazem
parte do mesmo conjunto de operações agrícolas.
Além disso, o
relatório explica que alguns dos trabalhadores encontrados na Fazenda Talismã
estavam alojados em melhores condições do que os que foram resgatados da
Fazenda Lakanka. Esse fato justifica a menção à Talismã, pois ela era parte da
operação e empregava trabalhadores.
Outra razão de ambas
as fazendas terem sido citadas pela fiscalização é que as duas estão sob o
controle de Emival Eterno da Costa - nome verdadeiro do cantor Leonardo. O nome
da fazenda Talismã homenageia um dos maiores sucessos da dupla Leandro e Leonardo,
de 1990.
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Defesa diz que cantor 'não era responsável' por trabalhadores
Paulo Vaz, advogado do
cantor Leonardo, falou ao g1 que a inclusão do nome do artista na "lista
suja" causou "estranheza". Isso porque, desde 22 de agosto de
2022, a área em questão está arrendada para outra pessoa realizar o cultivo de
soja, não sendo, portanto, de responsabilidade de Leonardo a gestão dos
funcionários envolvidos.
Segundo a defesa do
cantor, quando o Ministério Público do Trabalho se manifestou, um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado, e "todos os problemas foram
resolvidos", mesmo sem serem de responsabilidade direta de Leonardo, dado
o arrendamento da fazenda.
Também de acordo com o
advogado, as indenizações devidas foram pagas, e o acordo proposto pelo
Ministério Público foi aceito, resultando no arquivamento dos processos.
“Como a matrícula
estava em nome do Leonardo, o Ministério Público do Trabalho propôs a ação. Na
audiência, a gente apresentou o contrato de arrendamento e aí tudo foi
esclarecido, mas pra que evitasse qualquer tipo de problema, nós pagamos todas
as verbas indenizatórias naquele momento mesmo e tudo ficou sanado”, explicou
Vaz.
A defesa de Leonardo
informou que "estão sendo tomadas as medidas necessárias para remover o
nome de Leonardo da lista mencionada".
O Ministério do
Trabalho e Emprego explicou que a ‘lista suja’ é atualizada semestralmente e
visa dar transparência aos atos administrativos decorrentes das ações fiscais
de combate ao trabalho análogo à escravidão. A inclusão de pessoas físicas ou
jurídicas na lista ocorre somente após a conclusão do processo administrativo
que julga o auto específico de trabalho análogo à escravidão. O nome de cada
empregador permanecerá publicado por um período de dois anos.
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'Jamais faria isso'
No mesmo dia em que a
lista foi atualizada com seu nome, Leonardo usou as redes sociais para se manifestar
sobre o assunto. O cantor lamentou a situação dizendo que não sabia do que
estava acontecendo, já que arrendou a terra. Ele também reforçou que 'jamais
faria isso'.
“Surgiu um funcionário
lá nessa fazenda que eu arrendei, que eu não conheço, nunca vi falar, nunca vi,
e de repente eu fui visitado pelo Ministério Público do Trabalho, e foi lavrada
uma multa pra mim, pra mim que sou o proprietário da fazenda”, afirmou.
“Gente, eu já plantei
tomate, eu sei como é que é. A vida é difícil lá. Eu, do meu coração, jamais,
jamais faria isso. Então, eu acho que há um equívoco muito grande sobre a minha
pessoa. Eu não me misturo, eu não me misturo nessa lista aí que eles fizeram aí
de trabalho escravo”, lamentou.
• Leonardo indenizou trabalhadores
resgatados em R$ 225 mil e pagou R$ 94 mil de multa, diz advogado
O cantor Leonardo
indenizou em R$ 225 mil os seis trabalhadores resgatados em condições
semelhantes à escravidão em uma fazenda dele, em Jussara, segundo o documento
do acordo feito pela Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público do
Trabalho (MPT) e o sertanejo. De acordo com a defesa do artista, além da
indenização, Leonardo pagou uma multa de R$ 94.063,24.
“Nós resolvemos todos
os problemas da fazenda, mesmo estando arrendada. Foram pagas todas as
indenizações a essas pessoas e nós aceitamos o acordo proposto pelo Ministério
Público", detalhou o advogado Paulo Vaz.
Após o caso
repercutir, o cantor afirmou que não tinha conhecimento da situação até ser
notificado pelas autoridades, pois a área fiscalizada está arrendada para outra
pessoa. Leonardo foi incluído na "lista suja" do ministério,
divulgada no dia 7 de outubro, após uma fiscalização resgatar os trabalhadores.
O g1 não encontrou o
arrendatário da Fazenda Lakanka para se manifestar sobre o caso até a última
atualização da reportagem.
De acordo com o
documento do acordo, que está no relatório produzido pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), ao qual o g1 teve acesso, Leonardo foi multado a
indenizar cinco dos trabalhadores em R$ 35 mil. Além disso, ficou acordada uma
indenização de R$ 50 mil ao adolescente de 17 anos que foi encontrado
realizando trabalho proibido no local. Ao todo, 18 pessoas trabalhavam na
propriedade.
Em nota ao g1, o
Ministério Público do Trabalho confirmou que Leonardo já pagou as indenizações
e o caso foi arquivado em abril deste ano.
<><> Área
arrendada
Os trabalhadores
resgatados catavam raízes na Fazenda Lakanka, que está arrendada para outra
pessoa. O arrendamento ocorre quando o proprietário de uma área - no caso
Leonardo - cede o local para uso por meio do pagamento de um valor acordado.
O documento descreve
que o cantor tinha como obrigação contratual entregar uma parte da Fazenda
Lakanka pronta para o plantio, garantindo que o solo estivesse limpo e
preparado. Já o arrendatário, segundo o documento, era responsável por executar
o plantio e o manejo das atividades agrícolas, uma vez que a área estivesse
adequada para isso.
Por isso, embora o
arrendatário tivesse responsabilidades sobre o plantio, as etapas de preparação
do solo, como a catação de raízes e plantação de grama, ainda eram de
responsabilidade de Leonardo, tanto em termos de execução quanto de pagamento
aos trabalhadores envolvidos.
Fonte: g1
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