Roberto Malvezzi (Gogó): ‘As eleições a
partir do chão do Brasil’
A disputa
vista do sertão do São Francisco. A base social brasileira mudou. A “mística
transformadora” já não fervilha nas periferias. E pautas socioambientais são
diluídas na timidez do PT. Faltam movimentos, partidos e igrejas que soprem a
chama catalisadora dos anseios populares
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- ATÉ PARECIA QUE O BRASIL É UM PAÍS MENTALMENTE SADIO.
Cada ponto de vista é
a vista de um ponto, diz Leonardo Boff. Então, vai aqui essa visão a partir do
Brasil profundo. Foi bom não ver tanta gente de amarelo, cantando hino nacional
para pneus, batendo a cabeça em muros de quartéis, nem chamando os ETs pelo
celular. Até parecia que o Brasil, repentinamente, tornou-se um país de pessoas
mentalmente sadias, até mesmo em período eleitoral.
- MUDOU A BASE SOCIAL BRASILEIRA.
Quem vem das décadas
de 70 e 80, quando fervilhavam os movimentos sociais, a força fermentadora das
Comunidades Eclesiais de Base, a organização de partidos políticos como o PT,
sabe que o Brasil mudou a partir de seus porões. Ali havia gente tentando deixar
de ser rebanho para ser um povo organizado, em busca de justiça social, até
atrás das mudanças estruturais nesse país de senhores e escravos. Hoje não
mais. A base social do Brasil ficou esgarçada e dispersa, pelo combate feroz às
CEBs (dentro e fora da Igreja), pela entrada do mundo evangélico nas
periferias, trazendo uma espiritualidade de grupo (bolhas), que se alimentam
entre si, mas não tem nenhuma relação com as transformações socioambientais.
Claro que há honrosas exceções, tanto nos meios evangélicos como católicos, mas
não existe mais a mística transformadora que animava o povo da base. Essa
mudança é fatal e o Brasil se tornou um país mais reacionário do que era antes.
- O PT TAMBÉM NÃO É MAIS O MESMO.
Por uma série de
razões que não cabe aqui analisar, o Partido dos Trabalhadores não é mais o
mesmo e ele foi o catalizador dos anseios populares àquela época. As alianças
de todo tipo, a determinação dos candidatos municipais a partir das cúpulas
(não mais pela escolha dos grupos locais), o desaparecimento do trabalho de
base, a distância dos parlamentares das lutas populares, não motivam mais as
bases para um trabalho contínuo no chão do povo. Acontece ainda alguma
atividade em tempos eleitorais. Como sempre, há exceções honrosas que ainda
alimentam o trabalho de base, como alguns movimentos sociais, algumas
Comunidades de Base, a ASA no Semiárido, os grupos indígenas, o movimento quilombola,
muitas pastorais socioambientais da Igreja Católica (esses ainda balançam o
chão da praça).
- AS EMENDAS PARLAMENTARES E O ORÇAMENTO SECRETO NA BASE.
Quem vive em cidades
menores sabe o poder da grana nas eleições municipais. E esse ano rolou muito
dinheiro vivo. Muitos candidatos, aparentemente sem poder financeiro nenhum,
compravam votos a “100 reais” às vésperas das eleições sem nenhum pudor. O TSE
disse que o volume de dinheiro vivo apreendido é preocupante. Na verdade, se
essas emendas parlamentares continuarem livres como estão, o Centrão vai mesmo
fazer um caminhão de vereadores e prefeitos, talvez governadores, e poderá
intervir poderosamente nas eleições presidenciais. Essa grana desequilibra as
eleições.
- TUDO ESTÁ PERDIDO?
Não, nem tudo. Na
região que moro (Sertão do São Francisco), formada por 9 municípios, o PT
ganhou 3 prefeituras com sua legenda e mais 4 em coligações (PCdoB e MDB). Em
tese, perdeu só em duas. O problema é a qualidade dessas alianças. Quando há
pessoas pelo menos com sensibilidade socioambiental ainda é possível conseguir
algumas administrações municipais mais qualificadas. Entretanto, se o interesse
é apenas preparar terreno eleitoral para a eleição de deputados e governadores,
não temos muito que esperar.
- O IMPONDERÁVEL DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
Se tomarmos Porto
Alegre como referência, os desastres climáticos jamais vão interferir nas
decisões eleitorais. Parece que a mudança climática é obra de Deus ou do acaso,
não produzida por quem derruba as florestas, mete fogo na mata, ou insiste em
queimar petróleo para aumentar o efeito estufa. Então, se fala no “pobre de
direita”. Não existe “pobre de direita”. Esse é um preconceito das elites
acadêmicas da esquerda. Existem pessoas com dificuldade de entender o jogo
bruto da sociedade e consequente disputa mortal pelo poder. Mas aí, também já é
falta do trabalho de base.
- A INTERNET PODE TUDO, MAS SEMPRE HÁ O REDUTO ÚLTIMO DA
INTELIGÊNCIA HUMANA.
Finalmente, o mundo de
hoje passa pelo mundo digital, com seus gurus, seus algoritmos, seus
computadores, por aqueles que jogam com nossas inexperiências nesse mundo
digital. Porém, há a vida, com crueza, com contas para pagar, na pobreza, na
fome, na sede, na violência, na necessidade de saúde, de educação, assim por
diante. Mesmo com a Inteligência Artificial, o mundo digital pode muito, mas a
inteligência humana ainda pode muito mais. Duvida? Com todo aparato dessas
mídias, Bolsonaro perdeu para Lula e Marçal perdeu para Nunes e Boulos.
¨ Quais seriam os recados das urnas do dia 6 de outubro? Por
Rodrigo Medeiros e Luiz H. Faria
Em entrevista ao
programa Roda Viva, de 7 de outubro, Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva,
trouxe informações de pesquisas e algumas reflexões relevantes. Logo no início
do programa, Meirelles afirmou que será preciso que o campo progressista volte
com as pautas reais do cotidiano, isto é, uma agenda que melhore efetivamente a
vida da população.
Um ajuste fiscal
regressivo e alguma melhora de nota em agência da avaliação de risco não
garantem o sucesso eleitoral e tampouco a prosperidade coletiva. A tendência
que veio para ficar, ressaltou Meirelles, é a da busca pela prosperidade. Essa
busca pode partir de ações de estímulos a empreendedorismos individuais ou
coletivos. Não convém descartar a hipótese citada por ele de que há um cansaço
com as modalidades tradicionais de emprego, por conta dos baixos salários de
mercado e das baixas perspectivas derivadas de construção de uma vida melhor.
As grandes expectativas de um ensino superior completo não se concretizaram
para muitos.
O Novo Caged (Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados) de agosto, do Ministério do Trabalho e
Emprego, revelou que, para o conjunto do território nacional, o salário médio
de admissão foi de R$ 2.156,86. No acumulado do ano, entre janeiro e agosto, o
saldo positivo foi de 1.726.489 empregos. O Sudeste liderou o saldo positivo de
empregos, com 96.241 postos em agosto. Em relação ao saldo geral de empregos em
agosto, apenas 10% demandaram o ensino superior completo. Ademais, o IBGE vem
revelando que a informalidade é crônica para 39% dos trabalhadores ocupados. Um
mercado de trabalho estruturalmente precário tem efeitos sociais e eleitorais,
principalmente quando se considera a difusão da teologia da prosperidade.
A desindustrialização,
o empobrecimento da estrutura produtiva, a reforma trabalhista regressiva e o
enfraquecimento dos sindicatos ajudam a explicar a queda das expectativas entre
os trabalhadores brasileiros. Enquanto a economia brasileira não for alavancada
por setores mais dinâmicos, a geração de empregos continuará concentrada em
atividades com menores remunerações, com alta ou baixa inflação.
Merece consideração,
para a análise dos recentes resultados eleitorais, a matéria assinada por Tiago
Mali para o jornal digital Poder 360, publicada no dia 7 de outubro. De acordo
com o levantamento exposto, “as cidades campeãs no recebimento de emendas parlamentares
de 2021 a 2024 também foram as campeãs no sucesso de prefeitos que tentaram a
reeleição”. O elevado valor atual das emendas parlamentares aumenta, por sua
vez, a vantagem competitiva para as eleições de 2026, quando os deputados
federais tentarem se reeleger. Segundo a matéria, “a taxa de reeleição para o
Brasil todo (excluindo-se as cidades que não tiveram 2º turno) foi de 82%”.
A tentação de fazer
uma reflexão maior em cima do clássico “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor
Nunes Leal (1948), foi evitada nestes breves comentários. No entanto, relendo
rapidamente o prefácio escrito por José Murilo de Carvalho, para a sétima edição
do livro, destacamos do clássico que o coronelismo “tem a ver com a conexão
entre município, Estado e União, entre coronéis, governadores e presidente, num
jogo de coerção e cooptação exercido nacionalmente”. O Brasil se tornou um país
urbano, porém a proliferação de coronelismos mais contemporâneos, milicianos ou
religiosos, por exemplo, aponta para um cenário mais complexo e muito
desafiador no século XXI.
José Paulo Kupfer, em
sua coluna no UOL, de 7 de outubro, seguiu a mesma linha de raciocínio do peso
das emendas parlamentares. Segundo o jornalista, essas emendas mostram força
como cabos eleitorais nas eleições. De acordo com os dados analisados, os partidos
conservadores do “Centrão” (PSD, MDB, PP e União Brasil) elegeram mais da
metade dos prefeitos vencedores no primeiro turno. Não foi apenas o
posicionamento ideológico que contou. Para o jornalista, “o peso das emendas
parlamentares destinadas aos municípios é um dos elementos que não pode ser
desprezado”.
As estatísticas
fiscais publicadas pelo Banco Central do Brasil revelam que, no acumulado em
doze meses até agosto, os juros nominais alcançaram R$ 855,0 bilhões, ou seja,
7,55% do Produto Interno Bruto (PIB). Um ajuste fiscal de cortes de gastos com
a população que busque compensar o elevado gasto público com juros, que
beneficia a tão poucos, não sinaliza para a promessa de reconstrução nacional
feita na campanha de 2022 pelo presidente Lula da Silva. Ele tampouco contribui
para alimentar os nossos sonhos de progresso e prosperidade social.
¨ Malafaia quis destruir Bolsonaro, afirma Cesar Calejon
Uma das principais
notícias da última terça-feira (8) foi a repercussão da entrevista de Silas
Malafaia à jornalista Mônica Bergamo, em que o pastor critica o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) pela postura omissa e covarde ao longo da eleição em São
Paulo.
A partir de tal
postura, Bolsonaro permitiu que o eleitorado se dividisse entre os candidatos
Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB), este último que foi desmascarado por
Silas após tentar se promover no já tradicional evento de 7 de Setembro.
Para o pastor, o
ex-presidente e expressão máxima do bolsonarismo evitou confrontos com o coach,
a fim de evitar uma derrota pessoal caso Marçal tivesse sucesso na campanha
pela Prefeitura de São Paulo.
A fim de entender os
efeitos do aparente racha entre Jair Bolsonaro e seu principal cabo eleitoral,
o programa TVGGN contou com a participação do jornalista Cesar Calejon, que
garantiu que o mal estar entre os envolvidos não foi “um jogo casado”.
“Quando você disse que
uma liderança covarde, que ficou chorando com você no telefone e usa esse tipo
de argumento, me parece que inequivocamente você está querendo destruir essa
liderança. Pode ser que isso seja reformulado daqui para frente, a gente sabe
muito bem que na política institucional os aliados de hoje são os inimigos de
amanhã e vice-versa, pode ser. Agora, me parece que membros da extrema-direita
neofascista nacional farejaram essa fragilidade do Jair Bolsonaro e isso começa
com a entrada do Pablo Marçal (5:39) como um ator relevante na própria
extrema-direita”, observa Calejon.
O jornalista lembra
que, inicialmente, o bolsonarismo tentou se livrar do Marçal, mas quando
perceberam que estariam cortando no próprio cerne, recuaram e criaram uma
desavença interna em uma força, até então, muito coesa.
“Pessoas que são
bolsonaristas, mas que agora estão inclinadas a apoiar o Pablo Marçal dizendo
que não vão voltar no Nunes porque estão se sentindo traídas, porque o
Bolsonaro deveria ter apoiado o Pablo Marçal, tem tudo isso de um lado. Do
outro, você vê lideranças, por exemplo, como o Malafaia, o Tarcísio. Tarcísio,
por exemplo, participou do primeiro turno ao lado do Nunes e não citou o nome
do Bolsonaro nenhuma vez”, continua Calejon, que também é escritor.
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Equívocos
Apesar da votação
expressiva no último domingo (6), quando angariou pouco mais de 28% dos votos
válidos no maior colégio eleitoral do país, Marçal cometeu erros grosseiros na
análise do entrevistado, a exemplo da divulgação de um laudo médico falso na tentativa
de associar Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de drogas.
“Venho conversando com
juristas, uns cinco, seis juristas que conversei ao longo das últimas 48 horas
aí, que me disseram que é pouquíssimo provável que ele escape de um processo de
inelegibilidade. Existe uma chance gigante dele se tornar inelegível e, inclusive,
de ter que responder na seara criminal. Se ele vai ser preso ou não, eu
particularmente acho que é pouco provável que ele seja preso, por conta do
laudo falso”, afirma Calejon.
Mas os equívocos não
param por aí. Pablo Marçal também contrariou a fama de gênio do marketing
digital ao declarar guerra ao bolsonarismo, que ainda é o principal movimento
sociopolítico à direita no campo ideológico. Também se precipitou ao ter um
ataque de “síndrome do pequeno poder”, em que disse ser contra basicamente todo
mundo.
Ao provocar Datena
(PSDB), então quarto colocado na disputa eleitoral, recebeu uma cadeirada nas
costas. Mas, em vez de sustentar a pose de homem ‘machão’, nas palavras do
entrevistado, fez cena de quem estava lutando pela vida dentro de uma
ambulância.
“Seis dias antes da
eleição, ele ataca a maioria do eleitorado de São Paulo, que são as mulheres.
Ele diz que mulher não vota em mulher porque mulher é inteligente. Aí, como se
não bastasse, por fim, na sexta-feira, horas antes do pleito começar, esse cara
publica, deliberadamente, um laudo falso. Bom, esse cara é o grande gênio da
extrema-direita, hein, Nassif?”
Diante de todo este
contexto, Calejon acredita que Marçal ficará inelegível e dará ao bolsonarismo
a grande oportunidade de eliminá-lo politicamente.
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Mídia
Cesar Calejon falou
ainda sobre o elitismo histórico e cultural, o que descreve como força social
que organiza os arranjos da sociedade para criar a desigualdade e a hierarquia
moral que rege o funcionamento social, político e econômico da nação. Esta é,
também, a tema do seu novo livro Poder e Desigualdade, escrito junto com André
Roncaglia.
“Com base nisso, que é
o preceito elementar do meu livro anterior, o Esfarrapados, a gente extrapola
essa análise para dizer que o elitismo histórico e cultural cria uma
concentração, sobretudo, do poder midiático, econômico e político da nação. O
que isso faz é criar uma das nações mais violentas e desiguais do mundo. A
ideia é mostrar a concentração de poder midiático, demonstrando quais são os
principais atores da mídia hegemônica no país, quais são as famílias, quais são
os negócios correlatos”, resume.
Fonte: Outras
Palavras/Jornal GGN
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