quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Roberto Malvezzi (Gogó): ‘As eleições a partir do chão do Brasil’

A disputa vista do sertão do São Francisco. A base social brasileira mudou. A “mística transformadora” já não fervilha nas periferias. E pautas socioambientais são diluídas na timidez do PT. Faltam movimentos, partidos e igrejas que soprem a chama catalisadora dos anseios populares

##

    1. ATÉ PARECIA QUE O BRASIL É UM PAÍS MENTALMENTE SADIO.

Cada ponto de vista é a vista de um ponto, diz Leonardo Boff. Então, vai aqui essa visão a partir do Brasil profundo. Foi bom não ver tanta gente de amarelo, cantando hino nacional para pneus, batendo a cabeça em muros de quartéis, nem chamando os ETs pelo celular. Até parecia que o Brasil, repentinamente, tornou-se um país de pessoas mentalmente sadias, até mesmo em período eleitoral.

    1. MUDOU A BASE SOCIAL BRASILEIRA.

Quem vem das décadas de 70 e 80, quando fervilhavam os movimentos sociais, a força fermentadora das Comunidades Eclesiais de Base, a organização de partidos políticos como o PT, sabe que o Brasil mudou a partir de seus porões. Ali havia gente tentando deixar de ser rebanho para ser um povo organizado, em busca de justiça social, até atrás das mudanças estruturais nesse país de senhores e escravos. Hoje não mais. A base social do Brasil ficou esgarçada e dispersa, pelo combate feroz às CEBs (dentro e fora da Igreja), pela entrada do mundo evangélico nas periferias, trazendo uma espiritualidade de grupo (bolhas), que se alimentam entre si, mas não tem nenhuma relação com as transformações socioambientais. Claro que há honrosas exceções, tanto nos meios evangélicos como católicos, mas não existe mais a mística transformadora que animava o povo da base. Essa mudança é fatal e o Brasil se tornou um país mais reacionário do que era antes.

    1. O PT TAMBÉM NÃO É MAIS O MESMO.

Por uma série de razões que não cabe aqui analisar, o Partido dos Trabalhadores não é mais o mesmo e ele foi o catalizador dos anseios populares àquela época. As alianças de todo tipo, a determinação dos candidatos municipais a partir das cúpulas (não mais pela escolha dos grupos locais), o desaparecimento do trabalho de base, a distância dos parlamentares das lutas populares, não motivam mais as bases para um trabalho contínuo no chão do povo. Acontece ainda alguma atividade em tempos eleitorais. Como sempre, há exceções honrosas que ainda alimentam o trabalho de base, como alguns movimentos sociais, algumas Comunidades de Base, a ASA no Semiárido, os grupos indígenas, o movimento quilombola, muitas pastorais socioambientais da Igreja Católica (esses ainda balançam o chão da praça).

    1. AS EMENDAS PARLAMENTARES E O ORÇAMENTO SECRETO NA BASE.

Quem vive em cidades menores sabe o poder da grana nas eleições municipais. E esse ano rolou muito dinheiro vivo. Muitos candidatos, aparentemente sem poder financeiro nenhum, compravam votos a “100 reais” às vésperas das eleições sem nenhum pudor. O TSE disse que o volume de dinheiro vivo apreendido é preocupante. Na verdade, se essas emendas parlamentares continuarem livres como estão, o Centrão vai mesmo fazer um caminhão de vereadores e prefeitos, talvez governadores, e poderá intervir poderosamente nas eleições presidenciais. Essa grana desequilibra as eleições.

    1. TUDO ESTÁ PERDIDO?

Não, nem tudo. Na região que moro (Sertão do São Francisco), formada por 9 municípios, o PT ganhou 3 prefeituras com sua legenda e mais 4 em coligações (PCdoB e MDB). Em tese, perdeu só em duas. O problema é a qualidade dessas alianças. Quando há pessoas pelo menos com sensibilidade socioambiental ainda é possível conseguir algumas administrações municipais mais qualificadas. Entretanto, se o interesse é apenas preparar terreno eleitoral para a eleição de deputados e governadores, não temos muito que esperar.

    1. O IMPONDERÁVEL DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.

Se tomarmos Porto Alegre como referência, os desastres climáticos jamais vão interferir nas decisões eleitorais. Parece que a mudança climática é obra de Deus ou do acaso, não produzida por quem derruba as florestas, mete fogo na mata, ou insiste em queimar petróleo para aumentar o efeito estufa. Então, se fala no “pobre de direita”. Não existe “pobre de direita”. Esse é um preconceito das elites acadêmicas da esquerda. Existem pessoas com dificuldade de entender o jogo bruto da sociedade e consequente disputa mortal pelo poder. Mas aí, também já é falta do trabalho de base.

    1. A INTERNET PODE TUDO, MAS SEMPRE HÁ O REDUTO ÚLTIMO DA INTELIGÊNCIA HUMANA.

Finalmente, o mundo de hoje passa pelo mundo digital, com seus gurus, seus algoritmos, seus computadores, por aqueles que jogam com nossas inexperiências nesse mundo digital. Porém, há a vida, com crueza, com contas para pagar, na pobreza, na fome, na sede, na violência, na necessidade de saúde, de educação, assim por diante. Mesmo com a Inteligência Artificial, o mundo digital pode muito, mas a inteligência humana ainda pode muito mais. Duvida? Com todo aparato dessas mídias, Bolsonaro perdeu para Lula e Marçal perdeu para Nunes e Boulos.

 

¨      Quais seriam os recados das urnas do dia 6 de outubro? Por Rodrigo Medeiros e Luiz H. Faria

Em entrevista ao programa Roda Viva, de 7 de outubro, Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva, trouxe informações de pesquisas e algumas reflexões relevantes. Logo no início do programa, Meirelles afirmou que será preciso que o campo progressista volte com as pautas reais do cotidiano, isto é, uma agenda que melhore efetivamente a vida da população.

Um ajuste fiscal regressivo e alguma melhora de nota em agência da avaliação de risco não garantem o sucesso eleitoral e tampouco a prosperidade coletiva. A tendência que veio para ficar, ressaltou Meirelles, é a da busca pela prosperidade. Essa busca pode partir de ações de estímulos a empreendedorismos individuais ou coletivos. Não convém descartar a hipótese citada por ele de que há um cansaço com as modalidades tradicionais de emprego, por conta dos baixos salários de mercado e das baixas perspectivas derivadas de construção de uma vida melhor. As grandes expectativas de um ensino superior completo não se concretizaram para muitos.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

O Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de agosto, do Ministério do Trabalho e Emprego, revelou que, para o conjunto do território nacional, o salário médio de admissão foi de R$ 2.156,86. No acumulado do ano, entre janeiro e agosto, o saldo positivo foi de 1.726.489 empregos. O Sudeste liderou o saldo positivo de empregos, com 96.241 postos em agosto. Em relação ao saldo geral de empregos em agosto, apenas 10% demandaram o ensino superior completo. Ademais, o IBGE vem revelando que a informalidade é crônica para 39% dos trabalhadores ocupados. Um mercado de trabalho estruturalmente precário tem efeitos sociais e eleitorais, principalmente quando se considera a difusão da teologia da prosperidade.

A desindustrialização, o empobrecimento da estrutura produtiva, a reforma trabalhista regressiva e o enfraquecimento dos sindicatos ajudam a explicar a queda das expectativas entre os trabalhadores brasileiros. Enquanto a economia brasileira não for alavancada por setores mais dinâmicos, a geração de empregos continuará concentrada em atividades com menores remunerações, com alta ou baixa inflação.

Merece consideração, para a análise dos recentes resultados eleitorais, a matéria assinada por Tiago Mali para o jornal digital Poder 360, publicada no dia 7 de outubro. De acordo com o levantamento exposto, “as cidades campeãs no recebimento de emendas parlamentares de 2021 a 2024 também foram as campeãs no sucesso de prefeitos que tentaram a reeleição”. O elevado valor atual das emendas parlamentares aumenta, por sua vez, a vantagem competitiva para as eleições de 2026, quando os deputados federais tentarem se reeleger. Segundo a matéria, “a taxa de reeleição para o Brasil todo (excluindo-se as cidades que não tiveram 2º turno) foi de 82%”.

A tentação de fazer uma reflexão maior em cima do clássico “Coronelismo, enxada e voto”, de Victor Nunes Leal (1948), foi evitada nestes breves comentários. No entanto, relendo rapidamente o prefácio escrito por José Murilo de Carvalho, para a sétima edição do livro, destacamos do clássico que o coronelismo “tem a ver com a conexão entre município, Estado e União, entre coronéis, governadores e presidente, num jogo de coerção e cooptação exercido nacionalmente”. O Brasil se tornou um país urbano, porém a proliferação de coronelismos mais contemporâneos, milicianos ou religiosos, por exemplo, aponta para um cenário mais complexo e muito desafiador no século XXI.

José Paulo Kupfer, em sua coluna no UOL, de 7 de outubro, seguiu a mesma linha de raciocínio do peso das emendas parlamentares. Segundo o jornalista, essas emendas mostram força como cabos eleitorais nas eleições. De acordo com os dados analisados, os partidos conservadores do “Centrão” (PSD, MDB, PP e União Brasil) elegeram mais da metade dos prefeitos vencedores no primeiro turno. Não foi apenas o posicionamento ideológico que contou. Para o jornalista, “o peso das emendas parlamentares destinadas aos municípios é um dos elementos que não pode ser desprezado”.

As estatísticas fiscais publicadas pelo Banco Central do Brasil revelam que, no acumulado em doze meses até agosto, os juros nominais alcançaram R$ 855,0 bilhões, ou seja, 7,55% do Produto Interno Bruto (PIB). Um ajuste fiscal de cortes de gastos com a população que busque compensar o elevado gasto público com juros, que beneficia a tão poucos, não sinaliza para a promessa de reconstrução nacional feita na campanha de 2022 pelo presidente Lula da Silva. Ele tampouco contribui para alimentar os nossos sonhos de progresso e prosperidade social.

 

¨      Malafaia quis destruir Bolsonaro, afirma Cesar Calejon

Uma das principais notícias da última terça-feira (8) foi a repercussão da entrevista de Silas Malafaia à jornalista Mônica Bergamo, em que o pastor critica o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela postura omissa e covarde ao longo da eleição em São Paulo.

A partir de tal postura, Bolsonaro permitiu que o eleitorado se dividisse entre os candidatos Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB), este último que foi desmascarado por Silas após tentar se promover no já tradicional evento de 7 de Setembro.

Para o pastor, o ex-presidente e expressão máxima do bolsonarismo evitou confrontos com o coach, a fim de evitar uma derrota pessoal caso Marçal tivesse sucesso na campanha pela Prefeitura de São Paulo.

A fim de entender os efeitos do aparente racha entre Jair Bolsonaro e seu principal cabo eleitoral, o programa TVGGN contou com a participação do jornalista Cesar Calejon, que garantiu que o mal estar entre os envolvidos não foi “um jogo casado”.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

“Quando você disse que uma liderança covarde, que ficou chorando com você no telefone e usa esse tipo de argumento, me parece que inequivocamente você está querendo destruir essa liderança. Pode ser que isso seja reformulado daqui para frente, a gente sabe muito bem que na política institucional os aliados de hoje são os inimigos de amanhã e vice-versa, pode ser. Agora, me parece que membros da extrema-direita neofascista nacional farejaram essa fragilidade do Jair Bolsonaro e isso começa com a entrada do Pablo Marçal (5:39) como um ator relevante na própria extrema-direita”, observa Calejon.

O jornalista lembra que, inicialmente, o bolsonarismo tentou se livrar do Marçal, mas quando perceberam que estariam cortando no próprio cerne, recuaram e criaram uma desavença interna em uma força, até então, muito coesa.

“Pessoas que são bolsonaristas, mas que agora estão inclinadas a apoiar o Pablo Marçal dizendo que não vão voltar no Nunes porque estão se sentindo traídas, porque o Bolsonaro deveria ter apoiado o Pablo Marçal, tem tudo isso de um lado. Do outro, você vê lideranças, por exemplo, como o Malafaia, o Tarcísio. Tarcísio, por exemplo, participou do primeiro turno ao lado do Nunes e não citou o nome do Bolsonaro nenhuma vez”, continua Calejon, que também é escritor.

<><> Equívocos

Apesar da votação expressiva no último domingo (6), quando angariou pouco mais de 28% dos votos válidos no maior colégio eleitoral do país, Marçal cometeu erros grosseiros na análise do entrevistado, a exemplo da divulgação de um laudo médico falso na tentativa de associar Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de drogas.

“Venho conversando com juristas, uns cinco, seis juristas que conversei ao longo das últimas 48 horas aí, que me disseram que é pouquíssimo provável que ele escape de um processo de inelegibilidade. Existe uma chance gigante dele se tornar inelegível e, inclusive, de ter que responder na seara criminal. Se ele vai ser preso ou não, eu particularmente acho que é pouco provável que ele seja preso, por conta do laudo falso”, afirma Calejon.

Mas os equívocos não param por aí. Pablo Marçal também contrariou a fama de gênio do marketing digital ao declarar guerra ao bolsonarismo, que ainda é o principal movimento sociopolítico à direita no campo ideológico. Também se precipitou ao ter um ataque de “síndrome do pequeno poder”, em que disse ser contra basicamente todo mundo.

Ao provocar Datena (PSDB), então quarto colocado na disputa eleitoral, recebeu uma cadeirada nas costas. Mas, em vez de sustentar a pose de homem ‘machão’, nas palavras do entrevistado, fez cena de quem estava lutando pela vida dentro de uma ambulância.

“Seis dias antes da eleição, ele ataca a maioria do eleitorado de São Paulo, que são as mulheres. Ele diz que mulher não vota em mulher porque mulher é inteligente. Aí, como se não bastasse, por fim, na sexta-feira, horas antes do pleito começar, esse cara publica, deliberadamente, um laudo falso. Bom, esse cara é o grande gênio da extrema-direita, hein, Nassif?”

Diante de todo este contexto, Calejon acredita que Marçal ficará inelegível e dará ao bolsonarismo a grande oportunidade de eliminá-lo politicamente.

<><> Mídia

Cesar Calejon falou ainda sobre o elitismo histórico e cultural, o que descreve como força social que organiza os arranjos da sociedade para criar a desigualdade e a hierarquia moral que rege o funcionamento social, político e econômico da nação. Esta é, também, a tema do seu novo livro Poder e Desigualdade, escrito junto com André Roncaglia.

“Com base nisso, que é o preceito elementar do meu livro anterior, o Esfarrapados, a gente extrapola essa análise para dizer que o elitismo histórico e cultural cria uma concentração, sobretudo, do poder midiático, econômico e político da nação. O que isso faz é criar uma das nações mais violentas e desiguais do mundo. A ideia é mostrar a concentração de poder midiático, demonstrando quais são os principais atores da mídia hegemônica no país, quais são as famílias, quais são os negócios correlatos”, resume.

 

Fonte: Outras Palavras/Jornal GGN

 

Nenhum comentário: