A importância da Ciência Cidadã no
enfrentamento das mudanças climáticas
As mudanças climáticas
representam um dos maiores desafios globais deste século, com impactos severos
já evidentes em ecossistemas, economias e comunidades humanas. A intensificação
de eventos climáticos extremos, o aumento do nível dos oceanos e a perda de
biodiversidade são apenas algumas das consequências alarmantes desse fenômeno.
A necessidade urgente
de respostas eficazes e coordenadas coloca a ciência no centro das soluções,
mas os esforços científicos tradicionais, por si só, são insuficientes para
lidar com a complexidade e a escala dessas mudanças. Nesse contexto, a Ciência Cidadã
emerge como uma ferramenta fundamental.
Ao envolver cidadãos
comuns no processo científico, essa prática amplia a capacidade de coleta de
dados, monitoramento ambiental e desenvolvimento de políticas, conectando a
sociedade diretamente à luta contra as mudanças climáticas.
O papel da Ciência
Cidadã não se limita à geração de conhecimento; ela também promove
conscientização pública e engajamento social, elementos essenciais para
enfrentar a crise climática de forma colaborativa e inclusiva.
1. Definição e conceitos fundamentais da
Ciência Cidadã
A Ciência Cidadã,
embora tenha se popularizado recentemente, tem raízes que remontam a séculos.
Vohland et al. (2021) descrevem-na como a participação ativa do público em
projetos científicos. Ainda que o termo tenha sido cunhado na década de 1990, o
conceito de envolvimento do cidadão em pesquisa científica já existia muito
antes. Como observa Haklay et al. (2021), as definições de Ciência Cidadã podem
ser amplas e variadas, dependendo do contexto, o que reflete a diversidade das
suas aplicações, desde iniciativas comunitárias até campanhas ambientais
globais. Hadjichambis (2023) enfatiza que a Ciência Cidadã promove uma troca
benéfica entre cientistas e participantes amadores, com resultados
significativos em campos como ecologia e ciências ambientais, onde o
monitoramento contínuo de ecossistemas é essencial.
As Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) facilitaram significativamente a participação
cidadã em projetos científicos. Exemplos como o CoastSnap, que envolve cidadãos
no monitoramento de mudanças costeiras por meio de fotografias, demonstram como
a Ciência Cidadã pode integrar o público em atividades de monitoramento de
longo prazo. Hadjichambis (2023) sugere que, além de promover o engajamento, a
Ciência Cidadã pode transformar cidadãos em agentes ativos, capacitados para
enfrentar desafios socioambientais, numa abordagem participativa que pode ser
chamada de “democracia científica”.
A Ciência Cidadã está
intrinsecamente ligada ao movimento de ciência aberta, que busca tornar a
ciência mais eficiente, transparente e interdisciplinar. Silva e Hanai (2024)
apontam que a Ciência Cidadã é parte integrante da ciência aberta, tendo como
objetivo principal ampliar seu impacto social e promover inovação. A
participação pública ativa na produção e uso do conhecimento científico é
essencial para promover a cidadania ativa e a deliberação política. Os esforços
globais para abrir a ciência, como a Recomendação de Ciência Aberta da UNESCO
(UNESCO,2021), tem resultado num maior crescimento da pesquisa científica,
especialmente nas ciências ambientais e ecológicas, com a coleta de dados sobre
a biodiversidade e a ocorrência de espécies sendo uma das formas mais comuns de
participação.
2. Educação e inclusão de jovens na Ciência
Cidadã para o enfrentamento das mudanças climáticas
A Ciência Cidadã
desempenha um papel fundamental na educação e no engajamento dos jovens para a
conscientização e ação em torno das mudanças climáticas. De acordo com Neves,
Boaventura e Galvão (2024), ao participar de projetos de Ciência Cidadã,
estudantes e cidadãos têm a chance de contribuir diretamente para pesquisas
científicas, desenvolvendo habilidades importantes, como observação e coleta de
dados. Esse aprendizado prático, associado ao conhecimento sobre fenômenos
climáticos, promove uma compreensão mais profunda e reforça a conscientização
ambiental.
No contexto escolar,
Tserej et al. (2024) ressaltam que a Ciência Cidadã pode melhorar a
alfabetização climática e capacitar professores, muitos dos quais ainda carecem
de treinamento adequado. Ao envolver-se em atividades científicas ativas,
professores e alunos aprofundam seus conhecimentos, permitindo uma abordagem
mais eficaz e confiante sobre mudanças climáticas na sala de aula. Projetos
extracurriculares também desempenham um papel importante, com iniciativas em
áreas como ciência, tecnologia, engenharia e matemática oferecendo
oportunidades para que os jovens apliquem teorias na prática, promovendo o
pensamento crítico e preparando futuros líderes para a sustentabilidade
(Batchelder et al., 2023).
Além de seu impacto
educacional, a Ciência Cidadã fortalece a participação social e a inclusão dos
jovens, promovendo a responsabilidade ambiental e capacitando-os a influenciar
políticas públicas. Aczel e Makuch (2023) destacam que o engajamento dos jovens
em projetos de coleta e análise de dados contribui para a formulação de
políticas ambientais inclusivas, aumentando o poder de decisão de comunidades
marginalizadas e incentivando a democracia participativa. Contudo, para
garantir acessibilidade, é fundamental que esses projetos considerem as
diversas necessidades dos jovens, incluindo acesso à tecnologia e diretrizes
éticas de inclusão.
3. Contribuições para a pesquisa científica
e monitoramento ambiental
A Ciência Cidadã
oferece uma solução promissora para a coleta de dados em larga escala, um
aspecto fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de mitigação
e adaptação às mudanças climáticas. Esses projetos não apenas aumentam o volume
de dados disponíveis para a pesquisa científica, mas também desempenham um
papel importante na conservação de ecossistemas. Monteiro et al. (2021)
destacam que, diante da contínua perda de biodiversidade, é crucial investir em
ferramentas que promovam a conscientização pública sobre a necessidade de
proteger os ecossistemas. Nesse sentido, a Ciência Cidadã é uma importante
aliada da conservação, pois, além do apoio à produção de conhecimento
científico, tem o potencial de ampliar a rede de pessoas comprometidas com a
sustentabilidade ambiental.
Os dados gerados pela
Ciência Cidadã também têm sido fundamentais para o desenvolvimento de
estratégias de conservação da biodiversidade. Iniciativas como o iNaturalist e
o Atlas of Living Australia permitem que cidadãos registrem suas observações de
espécies, contribuindo para a criação de um “big data” de biodiversidade. Esses
dados são validados por especialistas e utilizados em estudos científicos que
buscam entender as mudanças nas populações de espécies e seus habitats,
oferecendo informações valiosas para a formulação de políticas de conservação
(Roger, Slatyer & Dax Kellie, 2023).
Projetos como o
CoastSnap demonstram a aplicação prática da Ciência Cidadã no monitoramento
ambiental. Elrick-Barr et al. (2023) relatam uma abordagem para coletar dados
de longo prazo por meio da adaptação de um programa de monitoramento de Ciência
Cidadã existente. O CoastSnap é uma iniciativa global que permite aos usuários
da praia contribuírem para o monitoramento costeiro tirando e enviando fotos.
Com o tempo, o programa registra os ciclos de erosão e recuperação da praia,
ajudando pesquisadores a entender por que algumas praias são mais dinâmicas ou
resilientes do que outras.
No Brasil, o WikiAves
(https://www.wikiaves.com.br/), um site interativo que apoia a ciência cidadã,
permite que observadores de aves registrem fotos e sons, identifiquem espécies
e se comuniquem entre si. Como a maior base de dados de aves do país, de acordo
com Tubelis e Mendonça (2023), o WikiAves tem sido amplamente utilizado em
pesquisas científicas sobre distribuição geográfica, migrações e habitats de
aves, contribuindo para o avanço do conhecimento sobre a diversidade das aves
brasileiras.
Um outro exemplo
brasileiro, o programa Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica,
demonstra como o monitoramento colaborativo pode fomentar a conscientização e a
ação ambiental, ao mesmo tempo que fornece dados valiosos para políticas de
conservação (SiBBr, 2024).
Além disso, a Ciência
Cidadã tem se mostrado eficaz na compreensão das interações entre humanos e o
ambiente, além de contribuir para a gestão de ecossistemas. Pereira et al.
(2023) destacam que, em comunidades costeiras tradicionais no Sudeste do Brasil,
nos municípios de Ubatuba e Paraty, cientistas e pescadores e quilombolas
trabalham juntos para identificar impactos climáticos, desenvolver estratégias
de adaptação e implementar soluções. O estudo revelou que as percepções locais
sobre os impactos climáticos estão alinhadas com as descobertas científicas,
sugerindo que estratégias participativas e inclusivas, que combinam
conhecimentos locais e científicos, são eficazes.
Em artigo publicado
recentemente na revista internacional PeerJ, pesquisadores brasileiros
evidenciam as possibilidades de colaboração entre cientistas e a população.
Nesse estudo destacam o papel da Ciência Cidadã na pesquisa e conservação do
sapinho-de-chifre-paviotti (Proceratophrys paviotii), um anfíbio ameaçado. Dada
a vulnerabilidade dos anfíbios – com 41% das espécies em risco de extinção –,
abordagens como a Ciência Cidadã têm se mostrado valiosas para entender a
distribuição de espécies raras. Os autores do estudo, criaram O projeto
Cantoria de Quintal, em 2020 em Santa Teresa, com o objetivo de incentivar a
população a registrar vocalizações de anuros em seus arredores. Durante três
anos, 10 participantes contribuíram com 42 arquivos de áudio, fornecendo dados
cruciais sobre novas populações da espécie. ( Lacerda et al, 2024)
A Ciência Cidadã se
mostrou uma ferramenta poderosa na obtenção de dados sobre essa espécie pouco
conhecida, o sapinho-de-chifre-paviotti, uma espécie anteriormente considerada
rara e ameaçada. Estudos recentes destacam que esses projetos de envolvimento
de cidadãos em ciência não apenas aumentam o conhecimento sobre distribuição e
taxonomia, mas também envolvem o público na conservação, essencial para grupos
com repertórios vocais complexos e distintos em cada contexto social. No
projeto Cantoria de Quintal, moradores de Santa Teresa coletaram, registros
auditivos de anuros. Essa metodologia ampliou significativamente as informações
sobre a distribuição do sapinho-de-chifre-paviotti em regiões fora de áreas
protegidas, essenciais para avaliar ameaças urbanas e de desmatamento. A
identificação de novas populações da espécie reforçou a eficácia da Ciência
Cidadã, sobretudo em contextos onde dados tradicionais são insuficientes
(Christine, 2024).
A recente abordagem
dos pesquisadores destaca o potencial da Ciência Cidadã para ampliar o
conhecimento científico, envolvendo o público na coleta e análise de dados.
Iniciativas como o projeto Cantoria de Quintal mostram que o engajamento
comunitário contribui diretamente para a conservação de espécies raras,
preenchendo lacunas em dados científicos e fortalecendo avaliações de
conservação. Esse modelo de participação pública é estratégico, pois amplia o
alcance dos estudos e eleva a conscientização ambiental na sociedade,
reforçando a importância de sua continuidade.
Essas abordagens
promovem a construção de redes de confiança entre cientistas e comunidades,
fortalecendo a participação em todas as fases da pesquisa. Além disso, permite
que as comunidades tenham acesso à pesquisa como um direito fundamental,
capacitando-as a monitorar e coletar dados sobre mudanças climáticas e
adaptação.
4. Desafios e oportunidades na Ciência
Cidadã
Embora a Ciência
Cidadã tenha demonstrado um grande potencial para enfrentar os desafios das
mudanças climáticas, também enfrenta obstáculos. A qualidade dos dados
coletados pode variar, dependendo do nível de treinamento e da experiência dos
cientistas cidadãos (Aczel & Makuch, 2023). Além disso, a concentração de
observações em áreas urbanas, onde vive a maioria dos cidadãos, pode criar
vieses nos dados, limitando sua aplicabilidade em áreas remotas ou menos
povoadas (Roger, Slatyer & Dax Kellie, 2023).
Apesar dos avanços e
do potencial evidente, a Ciência Cidadã enfrenta desafios significativos.
Vohland et al. (2021) apontam que, no processo de reflexão sobre a Ciência
Cidadã e suas práticas, muitas questões surgem, especialmente sobre como medir
seu impacto e efetividade. Além disso, Hadjichambis (2023) ressalta que ainda
falta ênfase nas perspectivas dos cientistas amadores, o que pode limitar a
compreensão completa dos benefícios e desafios dessa abordagem.
Para superar esses
desafios, é necessário investir em treinamento e infraestrutura que garantam a
qualidade e a padronização dos dados. A criação de infraestruturas de pesquisa,
como o Global Biodiversity Information Facility (GBIF), tem sido essencial para
agregar e processar grandes volumes de dados da Ciência Cidadã (Roger et al.,
2023). O GBIF é uma rede internacional financiada por governos que oferece
acesso aberto a dados sobre todas as formas de vida na Terra. Essas plataformas
permitem que pequenos projetos de Ciência Cidadã tenham um impacto científico
significativo, ao integrar dados observacionais em análises mais amplas e
abrangentes.
Outro desafio
importante é garantir que os projetos de Ciência Cidadã sejam inclusivos e
acessíveis a todos. A falta de acesso à tecnologia em algumas regiões, bem como
a necessidade de garantir o consentimento ético e a proteção dos dados
pessoais, são questões que precisam ser abordadas para que a Ciência Cidadã
alcance todo o seu potencial (Aczel & Makuch, 2023).
5. Ciência Cidadã e políticas públicas
A Ciência Cidadã
também tem um impacto significativo na formulação de políticas públicas
voltadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Aczel & Makuch
(2023) destacam que a participação ativa de cidadãos na coleta de dados
ambientais oferece uma base sólida para o desenvolvimento de políticas
informadas por evidências. No Brasil, iniciativas como a colaboração entre
cientistas e comunidades tradicionais, documentada por Pereira et al. (2023),
demonstram o potencial da Ciência Cidadã para integrar conhecimentos locais às
decisões políticas sobre o enfrentamento das mudanças climáticas.
A Prefeitura de
Quatis, no estado do Rio de Janeiro, lançou o Projeto Ciência Cidadã,
estabelecido pelo Decreto nº 3.019/2021 (PMQ, 2022). Essa iniciativa visa
promover a interação entre sociedade e meio ambiente através da pesquisa
científica, incentivando o desenvolvimento de estudos científicos nas Unidades
de Conservação Municipais. O projeto tem como objetivos fomentar a pesquisa
científica, gerar informações e conhecimentos sobre a biodiversidade nas
Unidades de Conservação do município, proporcionar visibilidade do conhecimento
científico para a população e praticar a educação ambiental a partir da
construção do conhecimento coletivo, aproximando a população do conhecimento
acadêmico (PMQ, 2022).
Além de facilitar o
diálogo entre cidadãos e cientistas, a Ciência Cidadã também contribui
diretamente para o desenvolvimento de estratégias globais de sustentabilidade.
Geldard (2024) ressalta que os dados gerados por cientistas cidadãos são
fundamentais para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
ONU, especialmente o ODS 13, que trata da ação climática. Ao disponibilizar
dados em grande escala para uso em pesquisas científicas e políticas públicas,
a Ciência Cidadã se consolida como uma ferramenta indispensável para o
enfrentamento das mudanças climáticas.
6. Conclusão
A Ciência Cidadã
desempenha um importante papel na abordagem das mudanças climáticas, ao
envolver diretamente a população na coleta de dados, na educação ambiental e na
formulação de políticas. Ela fortalece a capacidade científica e a inclusão
social, além de melhorar a tomada de decisões locais e globais. Ao promover a
participação ativa dos cidadãos, especialmente dos jovens, a Ciência Cidadã não
apenas contribui para a mitigação das mudanças climáticas, mas também para a
construção de uma sociedade mais informada e engajada.
É imperativo que
governos, instituições de pesquisa e organizações não governamentais continuem
a apoiar e expandir as iniciativas de Ciência Cidadã. Somente através de
esforços colaborativos e integrados poderemos enfrentar eficazmente os desafios
climáticos que se apresentam. A Ciência Cidadã oferece uma ponte entre a
ciência e a sociedade, permitindo que cidadãos comuns contribuam para a
produção de conhecimento científico, influenciem políticas públicas e
participem ativamente na construção de um futuro sustentável.
Fonte: Por Reinaldo
Dias em EcoDebate
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