Paulo Cesar Arantes: ‘Esquerda precisa de
um novo marketing’
Christopher Wylie é o
nome do jovem que denunciou ao mundo o que faziam no escurinho Cambridge
Analytica e Facebook, que resultou no escândalo envolvendo as duas companhias
em 2018. Wylie era funcionário da SCL, grupo controlador da Cambridge, e a
justificativa para rebelar-se foi uma profunda indignação ética. Eis um breve
apanhado de suas declarações: “O Facebook tem tanto poder, que está fazendo um
clone digital da nossa sociedade. (...) O que é que vai acontecer quando os
sistemas de inteligência artificial começarem a se comunicar entre si? Isto é
uma história de colonialismo. (...) Os nossos governos não estão preparados
para lidar com isso”.
Hoje sabe-se que a
Cambridge não “roubou” dados de ninguém, as informações estavam lá para quem
soubesse utilizá-las – e a companhia britânica sabia, foi o que Wylie tentou
explicar. Na prática, a Cambridge Analytica praticava algo denominado
“narrativa cultural”.
Quando se leem dados,
a priori, não se sabe o que fazer com eles. O que fazer, em termos de
marketing, quando se têm em mãos os dados dos torcedores do Corinthians e do
São Paulo, para ficarmos em dois exemplos populares?
Os torcedores do
Corinthians constituem um arquétipo social diferente daquele dos torcedores do
São Paulo – isso é visível, portanto corintianos não podem ser submetidos à
mesma forma de abordagem que são-paulinos, não se sensibilizam com os mesmos
temas e apelos. Na mesma linha, a Cambridge descobriu que os seguidores de
Madona são muito distintos dos seguidores de Lady Gaga, possuem preferências e
atitudes diferentes.
Fala-se muito - ao meu
ver de modo superficial e cheio de “chutes” - da necessidade de os partidos de
esquerda se “reinventarem”. Na verdade, os poucos avanços sociais no Brasil são
fruto de ideais da esquerda. Talvez a esfera progressista precise apenas de um
impulso tecnológico no marketing que exerce.
A partir dos bancos de
dados, hoje, chega-se a interpretações das narrativas culturais de grupos
específicos e, então, “conversa-se” com eles. Christopher Wylie ficou assustado
com isso. Note-se o potencial de direcionamento específico dos discursos: de posse
do banco de dados do Poupatempo, pode-se desenvolver uma narrativa cultural.
Com o do Itaú, outra.
O principal dilema
atual do marketing político é justamente a interpretação de dados (os
legalmente disponíveis, claro está), para o que ainda não existe consenso
científico. Uma novidade chamada microtargeting, criada pelo grande
publicitário e figura humana André Torreta, que morreu de Covid, falava de algo
semelhante à narrativa cultural, mas com uma diferença seminal: o
microtargeting restringe-se a delimitações geográficas, já a narrativa cultural
abraça quaisquer aspectos de grupos específicos, sejam eles econômicos, sociais
ou comportamentais.
A complexidade da
narrativa cultural reside em tecer uma teia e montar uma radiografia do
imaginário de um grupo de pessoas em determinado momento. As campanhas
eleitorais no Brasil, em regra, passam longe isso. Ninguém está fazendo nada de
novo por aqui. O candidato está empenhado em disparar mensagens de Whatsapp,
algo extremamente primário.
• O poder da máquina pública e o
entendimento do cotidiano do povo. Por Alberto Cantalice
Reduzir os resultados
das disputas municipais de 2024 a uma polarização tal qual a ocorrida nas
eleições de 2022, além de demonstrar um descolamento do dia a dia da população,
remete a uma espécie de sociologismo de botequim. Onde tudo se fala e se discute
sem maiores consequências.
Para começar, temos
que reconhecer que o voto para vereador ou vereadora fora dos grandes centros é
um voto “pessoalizado”.
Nos grandes
conglomerados urbanos, a questão do bairro e das comunidades pesam
efetivamente: as pequenas melhorias, o empreguismo e o peso do dinheiro para a
contratação de milhares de cabos eleitorais ao arrepio da legislação. O voto de
opinião existe. Cada vez mais motivados por pautas de identidade e pela
rejeição delas – vide a eleição de influencers da esquerda e da direita.
Para as prefeituras
não foi muito diferente: apesar do voto não ser pessoalizado ou partidarizado
(em sua imensa maioria), pesou a realização de feitos administrativos, muitos
deles levados pelas Emendas PIX do Orçamento Secreto.
Apostar na polarização
não deu o resultado esperado, dado que os grandes vencedores do pleito são
partidos vinculados ao Centro: uns mais próximos da base de sustentação de Lula
e outros, na oposição.
É ilusório e
irresponsável avaliar esse pleito como vitória ou derrota para o PT e os
partidos da esquerda e centro esquerda. A musculatura da disputa de 2026 passa
por uma série de outras variáveis.
Existe a possibilidade
de se consolidar um bloco político democrático, que ao passo que garanta o
funcionamento das instituições, atue no sentido do crescimento econômico, da
melhoria das políticas públicas e da distribuição de renda?
No meu entendimento,
sim.
Além disso, precisamos
estar conectados ao cotidiano das pessoas. Medir o pulso das necessidades e
anseios da população. E isso não é novo. No início da década, o filósofo e
crítico marxista Georg Lukács, avaliava que um dos grandes erros da
burocratização do socialismo real, era a não investigação do que ele chamou de
cotidianidade das pessoas.
Hoje em dia, há várias
formas de acompanhar os sentimentos e os anseios da população. Além das ruas,
dos bairros e das redes.
• Negacionismo eleitoral. Por Jeferson
Miola
O negacionismo
eleitoral é um mal que parece afligir variados segmentos ideológicos. Não
faltam aqueles de esquerda que resistem a encarar a dura realidade mostrada
pelas urnas na eleição municipal deste ano.
Atacam e questionam a
priori todas análises que não sejam pelo menos otimistas sobre os resultados
eleitorais para as esquerdas.
Pode ser uma escolha
cômoda –e ilusória– para apaziguar a alma, mas é uma postura que não resolve o
problema essencial, que é o revés estrondoso das esquerdas na eleição e o
avanço das direitas e do extremismo no país.
Os negacionistas
contestam especialmente três realidades.
A primeira delas, de
que o campo da direita e extrema-direita não foi o vitorioso na eleição. Para
isso, sustentam que a direita não é direita, porque, na visão deles, é centro
–ou centrão–, e, além disso, que tais forças “centristas” integram o governo Lula.
Logo, entendem que a base do governo teria sido a grande vitoriosa.
É fato que nos
partidos de direita que integram o governo, como PSD, MDB e Republicanos, para
citar alguns, existem políticos que apoiam Lula hoje e tendem a apoiá-lo na
reeleição em 2026. Não se pode desprezar, contudo, a heterogeneidade de tais
agremiações, que congregam nas suas fileiras tanto políticos democratas como
extremistas, quando não fascistas e, sobretudo, ultraliberais antipetistas.
Não seria ilusório,
neste sentido, contabilizar Ricardo Nunes e Sebastião Melo, do MDB; Topázio
Neto em Florianópolis e Eduardo Pimentel em Curitiba, todos com vices do PL e
atávicos antipetistas, como integrantes do campo de sustentação do governo Lula
e apoiadores da sua reeleição?
Mesmo Gilberto Kassab
assumindo que vai estar “alinhado com o projeto que seja compatível com o
projeto do Tarcísio, seja ele governador ou presidente” [8/10], há quem
acredite que esta direita seja confiável e esteja, de fato, com Lula.
Tarcísio, como se
sabe, é o bolsonarista e extremista com tintas artificiais de moderado que no
dia da votação criminosamente ligou o modo Pablo Marçal para atacar Boulos.
Os negacionistas
alegam que a extrema-direita foi grandemente derrotada, mesmo depois das
vitórias do Tarcísio no estado de São Paulo e de outras vitórias de extremistas
país afora. Justificam esta visão porque entendem que a extrema-direita se
restringe ao PL, partido de Bolsonaro, quando se sabe que outras siglas, como
União Brasil, Novo, Podemos, Republicanos, PP e até MDB e PSD, também albergam
extremistas e são movidas pelo ódio antipetista.
O negacionismo
contesta, também, que o PT tenha sido derrotado. Afinal, cresceu o número de
prefeituras que o Partido administrará a partir de 1º de janeiro de 2025, o que
de fato aconteceu.
Ocorre, no entanto,
que enquanto as direitas e os extremismos abocanharam os grandes centros
urbanos do país e governarão mais de 160 milhões de pessoas, a quase totalidade
das prefeituras conquistadas pelo PT [92%] são de municípios com até 20 mil
habitantes [75%] e entre 20 mil e 50 mil habitantes [17%].
Ou seja, enquanto o PT
e as esquerdas se localizam preponderantemente nas menores cidades, as direitas
e as extremas-direitas controlarão os centros urbanos mais densos e com maior
poder de propagação da disputa pela hegemonia política, cultural e ideológica.
O negacionismo
eleitoral sustenta, ainda, que as emendas do orçamento secreto, mais que outros
determinantes, foram o fator central para o crescimento do campo conservador e
reacionário. Por este raciocínio, as emendas parlamentares teriam vencido a
eleição, mas não foi o PT e as esquerdas que perderam.
É consenso o peso das
emendas parlamentares no clientelismo paroquial, mas este aspecto não é
suficiente para sustentar esta terceira realidade questionada pelo
negacionismo.
Considerando o valor
total das emendas individuais que irrigaram as paróquias eleitorais de 2021 a
outubro deste ano, os parlamentares do PT ficaram com o terceiro maior quinhão
de emendas, R$ 6,2 bilhões de reais, logo abaixo apenas do União Brasil, com R$
7 bilhões, e do PL, com R$ 6,5 bi, e acima das demais siglas, inclusive o PSD,
MDB e PP, que conquistaram muito mais prefeituras e elegeram muito mais
vereadores.
O reconhecimento da
derrota eleitoral não é nenhum demérito para as esquerdas e, menos ainda,
expressão de derrotismo ou catastrofismo, mas um ponto de partida essencial
para que o governo, os partidos de esquerda e progressistas possam encontrar
respostas adequadas à realidade complexa que se apresenta e que alerta para o
risco da reeleição do Lula em 2026.
Rechaçar a realidade
tal como se apresenta porque não se gosta dela ou simplesmente porque ela é
desfavorável não resolve os problemas, e só nos encaminha para novos reveses.
Há muito a ser feito
para se reverter este cenário adverso. E há tempo suficiente para isso, desde,
no entanto, que se tenha como ponto de partida a realidade concreta, nua e
crua, não nossos desejos ou nossas vontades idealizadas.
Fonte: Brasil 247
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