quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Mauro Lopes: Extrema direita, direita e centro-direita foram as vitoriosas no coração político do país

Um olhar sereno para o resultados das eleições municipais não deixa margem a dúvidas: a extrema direita e a chamada direita tradicional (o Centrão) foram as grandes vencedoras. A esquerda e a centro-esquerda não foram bem; o PT sonhava com uma recuperação depois de um resultado quase desastroso em 6 de outubro, mas ela não veio; o PSOL apostou todas as fichas do partido na eleição de São Paulo e colheu uma derrota acachapante - não elegeu Guilherme Boulos e sequer um prefeito no resto do país.

As avaliações róseas sobre a performance especialmente do PT feitas por analistas políticos de segmentos progressistas não se sustentaram 24 horas: explodiu uma verdadeira guerra nuclear no comando do partido e do governo Lula com cada protagonista empurrando para o outro a responsabilidade pelo resultado. Se o cenário fosse de vitória, como apregoraram tais analistas, qual a razão para a guerra e acusações mútuas? Há vários protagonistas na guerra intestina, mas os dois mais destacados são a própria presidenta do partido, Gleisi Hoffmann, e o ministro da Articulação Institucional do governo Lula, Alexandre Padilha - leia aqui.

Ao fim do primeiro turno, escrevi um artigo-avaliação aqui na Fórum sob o título “PT e esquerda colhem derrota no primeiro turno; PL de Bolsonaro e Centrão saem vitoriosos”, iniciado com o seguinte parágrafo: “Há divergências entre os analistas de esquerda na leitura dos resultados do primeiro turno das eleições municipais. Alinho-me com aqueles e aquelas que apontam uma derrota dura do PT que poderá, entretanto, ser amenizada a depender dos resultados do segundo turno. É forçoso reconhecer que a direita e a extrema direita cresceram fortemente.”

O segundo turno aprofundou as tendências verificadas no primeiro. Os números são indesmentíveis.

Preparei alguns quadros com os quais busco apresentar um balanço das eleições e em particular do segundo turno para que cada leitor/leitora tenha dados para fazer sua avaliação.

Os números globais (quantitativos) sofreram poucas alterações, pois houve segundo turno apenas em 51 municípios, no total global de 5.570 do país -se quiser saber mais sobre esses números da massa dos municípios, leia o artigo sobre o primeiro turno (o link está logo acima).

Vou me concentrar nos números de qualidade, ou seja, os 51 municípios de médio/grande porte onde houve segundo turno e nas capitais. Além disso, um olhar para os 103 municípios e capitais com mais de 200 mil eleitores, independentemente de a definição ter ocorrido no primeiro ou segundo turno. É neles que se estabelecem as dinâmicas das correntes de opinião e polarização que dão as cores da política nacional.

•        As capitais

O primeiro olhar é para as capitais.

O recorte partidário das 26 eleições nas capitais anota: 5 eleitos pelo PSD e mais 5 pelo MDB; 4 pelo PL e outros 4 pelo União Brasil; PP e Podemos elegeram 2 cada; finalmente, PT, PSB, Republicanos e Avantes, 1 cada.

Entretanto, um olhar apenas para a filiação partidária de cada prefeito(a) é insuficiente para revelar 1) a orientação político-ideológica de cada um deles; 2) a relação deles com o governo Lula. Por isso, fiz dois outros recortes, buscando identificar neste grupo de 26 como são as afinidades político-ideológicas e a relação com o governo federal. Para exemplificar: foram 5 eleitos pelo MDB. Mas há uma diferença expressiva entre o prefeito eleito de Belém, Igor Normando, primo do governador Helder Barbalho, ambos de centro-direita e alinhados até a medula com Lula, e Ricardo Nunes e Sebastião Melo, ambos de extrema direita e que compõem a oposição ao governo federal. Assim acontece nas demais siglas de direita ou centro-direita. Foi o que fiz, examinando nome a nome dos  prefeitos eleitos ou reeleitos.

Uma análise capital a capital indica que, dos 26 eleitos(as), 13 são de extrema direita, 11 de direita/centro-direita e apenas dois do universo da centro-esquerda (não é possível dizer que Evandro Leitão ou João Campos sejam propriamente de esquerda). Quando o recorte é referido à relação com o governo Lula, um dos integrantes do bloco de direita/centro-direita (ou Centrão) pula a cerca para se compor com a extrema direita na oposição: o prefeito reeleito de Salvador, Bruno Reis, do grupo carlista. Importante registrar que o oposicionismo de um prefeito é de tom diferente do dos deputados federais e senadores. Aqueles dependem crucialmente de verbas federais e precisam matizar suas posições; estes têm a garantia das emendas e mantêm autonomia crítica quase total.

Portanto, nas capitais, impossível negar a vitória expressiva da extrema direita, que conseguiu eleger mais prefeitos até que o poderoso Centrão.

•        As 51 cidades com 2°TURNO e as 103 maiores

No total, foram 51 municípios com mais de 200 mil eleitores em que houve segundo turno (incluídas as capitais). Agrupei, mais uma vez, os eleitos conforme suas filiações partidárias mas com olhar dedicado às afinidades ideológicas entre a extrema direita, a direita/centro-direita (Centrão) e a esquerda/centro-esquerda.

São 28 de direita/centro-direita (filiados ao PSD, Podemos, PP, PSDB, UB, MDB e Avante), 17 de extrema direita (espalhados pelo PL, UB, Republicanos, MDB e Novo) e apenas 6 de esquerda/centro esquerda (quatro do PT e dois do PDT).

Ampliando o olhar para os 103 maiores colégios eleitorais do país (em 51 houve segundo turno; em 52, não), o cenário é similar.

Não consegui examinar um a um (como fiz nas capitais e 51 municípios onde houve segundo turno) os 52 eleitos em primeiro turno e identificar afinidades político-ideológicas para além das siglas partidárias. Somando os eleitos pelas legendas de extrema direita, direita e centro direita, a hegemonia é impressionante. São 93, contra apenas 10 de esquerda e centro-esquerda (6 do PT, 2 do PSB e 2 do PDT). Sem conseguir analisar o recorte político-ideológico de todas as cidades, estimei, no universo global da direita, cerca de 30% de eleitos de extrema direita. Amenizei um pouco a presença da extrema direita nos 103 maiores municípios - deixando um pouco abaixo dos 40% presentes nos cenários dos 51 municípios onde houve segundo turno. Se a hipótese estiver próxima da realidade, a extrema direita terá 38 prefeitos nas 103 maiores cidades, contra 55 da direita + centro-direita.

Ou seja: nas 103 maiores cidades do país, capitais e principais centros urbanos, onde pulsa o coração político nacional, a direita + centro-direita (Centrão) terá 57% das prefeituras, a extrema direita governará 37%, restando à esquerda + centro-esquerda apenas 9%.

Creio que apresentei uma descrição honesta do cenário das eleições nas capitais e grandes cidades do país. Nos próximos dias escreverei outro artigo, sobre o embate direto entre a extrema direita e a esquerda/centro-esquerda. Além disso, pretendo apresentar a queda de braço entre o presidente Lula e Jair Bolsonaro, examinando suas vitórias e derrotas.

Uma nota final: não escrevi uma vez sequer as palavras bolsonarismo e lulismo no artigo acima. Esta eleição apresentou uma grande novidade no cenário político nacional: a expansão dos limites da extrema direita para muito além do que convencionamos denominar bolsonarismo. Quanto à esquerda/centro-esquerda, ainda reúne-se sob o grande guarda-chuva do lulismo

 

•        Seis recados que saíram das urnas nestas eleições municipais. Por Rodrigo Perez

Depois da divulgação dos resultados oficiais da eleição, tem início uma nova fase da disputa. Vencedores e perdedores começam a interpretar a realidade que foi representada pelo voto.

Autocrítica, depressão coletiva, cantos de vitória muitas vezes exagerados, lavagem pública de roupa suja. Estamos vendo de tudo, à direita e à esquerda.

Meu objetivo neste texto é destacar aqueles que me parecem ser os seis principais recados que os eleitores dos mais de 5.500 municípios brasileiros deram à classe política.

1°) Depois de ter sido praticamente varrido do mapa político do país em dois ciclos eleitorais (de 2016 a 2022), o centro político foi efetivamente reconstruído. O arquiteto da reconstrução tem nome e sobrenome: Gilberto Kassab, o principal estrategista em ação no tabuleiro do jogo político brasileiro. Kassab está apostando no cansaço da sociedade em relação à constante agitação ideológica que há anos movimenta as disputas políticas no país. A intuição me parece correta. Entre todas as capitais, somente Cuiabá e, principalmente, Fortaleza espelharam a polarização que pautou as eleições presidenciais de 2022. Nas outras capitais e nas cidades de pequeno e médio porte, a disputa esteve mais pautada em questões locais, cotidianas, do que exatamente em critérios ideológicos, apesar de a rejeição à Maria do Rosário, em Porto Alegre, e a Guilherme Boulos, em São Paulo, não ter outra explicação a não ser o veto ideológico.

2°) As contundentes derrotas de Rosário e Boulos reforçam a percepção de que, nesta quadra histórica, as portas do poder executivo parecem fechadas às lideranças muito identificadas com partidos políticos e movimentos sociais de esquerda, com a exceção de Lula, é claro. Penso que os nomes mais emblemáticos da esquerda deveriam se empenhar nas disputas legislativas, enquanto nas corridas pelo poder executivo, o campo progressista precisará caminhar um tantinho para o centro, e aqui têm destaque as figuras de João Campos e Eduardo Paes, que estão entre os principais vencedores destas eleições. Aquilo que Campos e Paes fizeram, respectivamente, no Recife e no Rio de Janeiro está na escala do impressionante e deveria ser cuidadosamente estudado.

3°) A “esquerda puro sangue” deveria se esforçar em apresentar um projeto disruptivo para a sociedade que consiga rivalizar com a ruptura proposta pela extrema direita, fundada no signo do combate à corrupção. O horizonte disruptivo hoje apresentado pela esquerda está baseado em performances escatológicas no campo do comportamento, o que acaba sendo um suicídio político pois confronta a moralidade hegemônica na sociedade. A radicalização deveria ser performada em temas de interesse coletivo, como jornada de trabalho 4 X 3, salário-mínimo de 4.000 reais, sem tributação, transporte público gratuito, como vem fazendo o vereador eleito Rick Azevedo, o mais votado do PSOL no Rio de Janeiro. Basear o discurso político nas teses identitárias só interessa à extrema direita, cujo identitarismo é socialmente dominante.

4°) A quantidade enorme de prefeitos reeleitos (80%) é explicada pelo oceano de dinheiro que foi derramado nos municípios através das emendas parlamentares. Instaura-se, assim, um ciclo que se retroalimenta: os parlamentares investem recursos para eleger seus aliados nos municípios e dois anos mais tarde esses aliados retribuem o favor, ajudando nas eleições legislativas. Em 2026, o resultado das eleições municipais, portanto, tende a interferir mais nas eleições legislativas do que propriamente nas eleições presidenciais. Durante a Primeira República, vimos a “política dos governadores”, com protagonismos dos executivos estaduais. Depois da redemocratização, vimos o “presidencialismo de coalizão”, com o executivo nacional dando as cartas do jogo político. Agora, estamos vendo o “parlamentarismo orçamentário paroquial”, com o Congresso Nacional sendo o mais forte entre os poderes da República. A constituição de 1988 não regula mais o contrato social e político brasileiro.

5°) No campo da direita radical, importantes movimentações podem ser observadas. Nem de longe, Jair Bolsonaro se mostrou o trunfo eleitoral que prometia ser. Os bolsonaristas estão comemorando os quase 20 milhões de votos que o PL conseguiu, mas cabe questionar qual o tamanho desse eleitorado é efetivamente ideológico e qual parte foi conquistada pela máquina municipal, tão influente nas cidades de pequeno e médio porte.  A resposta para o questionamento está sendo disputada dentro do PL, onde as relações entre Waldemar da Costa Neto e Jair Bolsonaro estão longe de serem harmônicas. Como se não bastassem os problemas internos ao seu partido, o ex-presidente viu sua autoridade ser desafiada nas eleições de São Paulo por dois aspirantes a herdeiros. Primeiro, Pablo Marçal tomou para si a semântica da ruptura, que cada vez mais colará menos em Jair Bolsonaro, conforme ele vai sendo identificado com as forças políticas tradicionais. Em seguida, Tarcísio de Freitas desobedeceu a orientação do suposto líder e manteve seu empenho na defesa da candidatura de Ricardo Nunes, o que mostrou ser uma aposta bem-sucedida. Bolsonaro sequer estava no palanque da vitória de Ricardo Nunes.

6) Já o presidente Lula arcou com o ônus da derrota de Boulos em São Paulo. Por mais que a esquerda tente dourar a pílula, esse revés foi impactante, quase humilhante. Com 58 milhões de reais investidos, Boulos manteve-se no patamar de 2020. Não conseguiu avançar nada, e ainda precisou lidar com dois episódios, no mínimo, desconfortáveis: a linguagem neutra no hino nacional e a "entrevista de emprego" com Pablo Marçal. Os eventos já estão registrados no anedotário político nacional e, certamente, provocarão desgaste à esquerda em geral e a Boulos em particular durante algum tempo. Para o governo, fica o desafio de aumentar sua margem de aprovação ao longo dos próximos dois anos, para que seja possível chegar em 2026 com alguma segurança.

 

•        Ex-ministro de Bolsonaro, Ciro entra na frente ampla da Globo por Tarcísio e quer ser o vice

Alçado ao ministério da Casa Civil, onde ganhou a alcunha de "presidente de fato", após classificar Jair Bolsonaro (PL) como "um fascista" em 2017, o presidente nacional do PP, Ciro Nogueira (PI), já trata o ex-presidente como parte do passado e aderiu à frente ampla articulada pela Globo e o sistema financeiro em torno de Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) para encabeçar a chapa anti-Lula em 2026.

Após Gilberto Kassab (PSD), Valdemar da Costa Neto (PL) e o próprio Tarcísio "beijarem a mão" da família Marinho, Ciro Nogueira se comprometeu a entrar na frente ampla em entrevista ao jornal O Globo - porta-voz político do clã - e sinalizou que quer ser o vice na chapa.

"Nogueira, que tenta se cacifar como vice de uma candidatura de direita, afirma que Tarcísio é, atualmente, o melhor nome no campo político para disputar as eleições de 2026, caso o ex-presidente Jair Bolsonaro siga inelegível até lá", diz O Globo na apresentação da entrevista.

Logo na primeira resposta, dizendo ser "um admirador do Tarcísio", Nogueira corrobora a afirmação do jornal ao afirmar que "a competência dele talvez seja o maior obstáculo" e se colocando como articulador na esfera política, para se "cacifar" como vice.

"Os governadores de São Paulo pensam, às vezes, que São Paulo é um país e que ele está acima do Brasil, e isso não pode acontecer com o Tarcísio. Ele está deixando a desejar muito na articulação política. Tem muita insatisfação no nosso partido, no União Brasil, no partido dele, no PL", diz o cacique piauiense, se colocando à disposição para articular com o Centrão.

Nogueira foi alçado à Casa Civil por Bolsonaro justamente para cooptar o Centrão e assumiu o comando - e o orçamento - de fato do governo federal, enquanto o ex-presidente fazia viagens e motociatas eleitoreiras pelo país afora. Com Arthur Lira (PP-AL) articulou o chamado "orçamento secreto" e transferiu o controle dos recursos da União para o relator do orçamento, escolhido por eles, implodindo qualquer projeto de governo e abrindo espaço para a corrupção nas bases eleitorais.

Na entrevista, o presidente do PP não descarta nem mesmo a adesão do xará, Ciro Gomes, que vice crise com o PDT e tem sido cortejado pela sua sigla no Ceará.

"Ciro é um grande amigo, sou admirador, mas isso é uma discussão do estado e eu não tratei isso com ele", disse, ao ser indagado se o pedetista pode "migrar" para o PP.

Ainda sobre 2026, Nogueira diz que chegou a fazer uma pesquisa à Presidência com o próprio nome, além de  Tereza Cristina (senadora do PP), do (Ronaldo) Caiado (governador de Goiás, do União), do Ratinho Jr. (governador do Paraná, do PSD). E concluiu que precisa costurar o apoio de Bolsonaro a Tarcísio para que a candidatura anti-Lula tenha êxito.

"O melhor candidato hoje, pelas pesquisas, é o Tarcísio, se ele for capaz de aglutinar esses partidos. Mas isso depende da articulação dele e também do apoio do presidente Bolsonaro", diz, baseando-se na pesquisa feita por ele.  "Todos ali têm um porcento e qualquer um vai para 30 pontos com o apoio do Bolsonaro. A força eleitoral dele é muito grande".

Indagado se comunga do mesmo sentimento que Costa Neto, de que o bolsonarismo precisa se aproximar do Centrão, Nogueira cita o "resultado das urnas" nas eleições municipais.

"O grande vencedor dessa eleição não foi o PL, foi o centro como um todo. Se houver união com a direita, será majoritário na vontade popular, haja visto essas eleições".

Sobre Bolsonaro aceitar - ou não - o movimento rumo ao Centrão, Nogueira mostra que o ex-presidente não tem escolha.

"Converso muito com ele, sou um grande aliado, mas ele não segue minhas orientações em tudo. Se tivesse seguido, ele estaria comemorando três mil prefeitos, em vez de 550", diz, em recado ao ex-presidente.

 

Fonte: Fórum

 

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