Anvisa proíbe implantes hormonais manipulados
no Brasil; medida ganhou repercussão sobre uso indevido
Em 18 de outubro, a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma medida
preventiva que, por tempo indeterminado, proíbe a manipulação, comercialização,
propaganda, prescrição e aplicação dos implantes hormonais manipulados,
conhecidos como “chips da beleza”. O anúncio gerou repercussão entre
profissionais da saúde, pacientes, farmácias magistrais e clínicas que
realizavam o procedimento. Essa ação foi tomada após 34 sociedades médicas,
incluindo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia (SBEM), a Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica
(ABESO) relatarem à agência um aumento no número de pacientes atendidos com
complicações relacionadas ao uso de implantes que combinam diferentes
hormônios.
“Entendemos que essa é
uma decisão muito acertada da Anvisa”, declarou Lia Damasio, ginecologista e
Diretora de Defesa e Valorização profissional da Febrasgo. “Nós estávamos
vivendo um problema muito grande com o uso indiscriminado de hormônios com
formas que não foram testadas”, alertou. Conforme Lia, nos últimos anos
observou-se uma proliferação de farmácias magistrais produzindo implantes sem
regulamentação e com forte viés comercial.
Desde 2023, o Conselho
Federal de Medicina (CFM) estabeleceu, por meio da Resolução CFM 2.333, a
proibição da prescrição de terapias hormonais com fins estéticos, como o
aumento da massa muscular e a melhora do desempenho atlético. Em dezembro de
2023, sete entidades enviaram uma carta à Anvisa solicitando medidas contra a
comercialização e o uso desses implantes, que vem resultando em um aumento no
número de pacientes atendidos por complicações de saúde. O movimento ganhou
destaque nos últimos meses e, em outubro, a medida preventiva foi anunciada
pela Anvisa, na qual consta que “o uso de hormônios é seguro quando são
utilizados produtos devidamente regularizados e que possuem estudos que
comprovem qualidade, segurança e eficácia para os fins a que se destinam”.
Estevam Rivello Alves,
2º Secretário do CFM, explica que, embora a ginecologia e obstetrícia utilizem
esses hormônios há cerca de 50 anos, os médicos estão agora proibidos de
aplicar essa modalidade de tratamento, impedindo que os pacientes a recebam. “Temos
outras modalidades para contornar o problema. Muitas vezes, elas não geram
tantos efeitos assim, e esse pode ser o ponto central do debate em torno da
utilização ou não de compostos hormonais manipulados”, afirmou.
Ainda conforme
Estevam, embora o conselho tenha adotado a resolução no ano passado, a emissão
da proibição pela Anvisa, abrangendo todos os casos, também os ‘pegou de
surpresa’. “Neste momento todos os médicos brasileiros estão impedidos de
prescrever compostos hormônios manipulados em farmácias magistrais, porque
agora torna-se impeditivo de acordo com as leis brasileiras”.
Em nota, a Anvisa
afirma que “a decisão foi adotada a partir da indicação de entidades médicas
sobre o crescimento de eventos relacionados ao uso deste tipo de produto. O
caso segue em avaliação”.
• Uso indevido motivou proibição
O ‘chip da beleza’ é
um implante subdérmico bioabsorvível, com dimensões que variam entre 3 e 5
centímetros, podendo conter um ou mais hormônios. Ele é colocado sob a pele,
geralmente na região dos glúteos e do abdômen. Produzidos em farmácias de
manipulação, esses implantes são inseridos em clínicas médicas com o uso de
anestesia local, em um procedimento que leva apenas alguns minutos.
A medida ganhou
repercussão pois, de acordo com diversos profissionais, algumas terapias
hormonais auxiliavam mulheres no tratamento da endometriose e da menopausa.
Estudos anteriores sobre o uso oral de gestrinona indicavam benefícios para o
tratamento da menopausa. Muitos médicos têm expressado preocupações de que, com
a proibição, essas mulheres possam agora enfrentar uma falta de assistência
imediata.
“Há falta de evidência
ética e científica para seu uso”, explica Clayton Macedo, presidente do
Departamento de Endocrinologia do Exercício da SBEM (Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia) e diretor da ABESO (Associação Brasileira para o
Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica). Segundo ele, o manifesto das
sociedades médicas destaca que os hormônios estão sendo utilizados para
diversas finalidades, como estética, rejuvenescimento, aumento de massa
muscular, libido e controle da obesidade, o que representa riscos à saúde. Ele
acrescentou que, nos últimos anos, tornou-se comum atender pacientes com
efeitos adversos decorrentes do uso inadequado de hormônios.
“A questão desses
implantes é que eles não têm estudo de segurança, nem de eficácia e de
desfechos a longo prazo também”, disse. “Não sabemos a dose que está presente,
a velocidade com que o hormônio é liberado ou por quanto tempo ele é
utilizado”.
Conforme os
especialistas, há uma percepção generalizada de que os efeitos adversos do uso
de hormônios são subestimados. Entre os problemas mais comuns destacam-se
complicações cardiovasculares, alterações no colesterol, trombose, infarto, AVC
e toxicidade hepática, além de efeitos psicológicos, como agressividade e
ansiedade.
A sociedade de
hepatologia tem observado um aumento no número de biópsias hepáticas devido a
lesões relacionadas ao uso crescente de hormônios. Cardiologistas também
reportam um aumento de casos de problemas cardíacos e remodelamento cardíaco.
Nos consultórios de ginecologia, mulheres têm chegado com alterações como voz
modificada, aumento do clitóris, mudanças comportamentais e sangramentos.
• Mais estudos que comprovem eficácia
“Não se trata de ser
contra ou a favor dos hormônios”, defende a ginecologista Lia. Para ela,
ginecologistas, endocrinologistas e urologistas são prescritores de terapia
hormonal e sabem da sua importância: “Mas não dá para usar de forma
indiscriminada e com doses e vias não adequadamente testadas”, alerta.
Na prática, a inserção
de hormônios como gestrinona, testosterona e oxandrolona está sendo feita de
forma inadequada, alertam as sociedades médicas. A metformina, um medicamento
disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento
de diabetes, é manipulada em implantes e vendida a preços exorbitantes. Além
disso, a ocitocina, normalmente utilizada na indução do parto, passou a ser
comercializada em forma de implantes como uma solução para melhorar o humor e
fortalecer vínculos afetivos. Atualmente, o único implante hormonal
industrializado aprovado pela Anvisa é o Implanon, um anticoncepcional que
contém etonogestrel.
Por isso, os novos
medicamentos devem passar por um protocolo nacional de liberação, que inclui
testes in vitro, em animais e fases de pesquisa clínica (fase 1, 2 e 3) para
garantir segurança e eficácia. Sociedades médicas alertaram que devido à
fabricação de implantes em farmácias magistrais, surgiram ‘indústrias’ que
criam medicamentos sem seguir as etapas de aprovação necessárias, o que pode
levar a complicações.
“As pacientes muitas
vezes não estão cientes dos riscos associados ao uso desses implantes e têm a
falsa impressão de que são tratamentos naturais e seguros”, afirma Lia, da
Febrasgo. Ela ainda disse que as sociedades médicas estão unidas em defesa de
uma terapia hormonal segura e eficaz, pedindo que todas as substâncias sejam
devidamente comprovadas antes de serem liberadas para uso.
• Tamanho do mercado de implantes
hormonais manipulados
Não existem números
oficiais sobre o tamanho do mercado dos chips de beleza. Segundo Lia, da
Febrasgo, são medicações heterogêneas, para usos heterogêneos, o que dificulta
precisar o número de pessoas que já os utilizaram. De acordo com informações da
SanarMed, o custo do procedimento varia entre R$ 3.000 e R$ 8.000.
Os implantes hormonais
são conhecidos há décadas e vêm sendo utilizados desde a década de 1980. No
entanto, nos últimos anos, sua popularidade aumentou significativamente,
impulsionada pelo influência das redes sociais que promoveu tratamentos
prometendo bem-estar e longevidade. No Brasil, o médico Elsimar Coutinho (que
morreu em 2020) é um dos nomes mais associados a essa prática. Segundo
informações da clínica do próprio Coutinho, o implante hormonal foi
desenvolvido para controlar doenças relacionadas ao ciclo menstrual e também
para auxiliar na contracepção.
A afirmação de que os
implantes hormonais são amplamente disponibilizados pelo governo em outros
países também é contestada pelas sociedades médicas. Conforme a Febrasgo,
enquanto o uso indiscriminado é comum no Brasil, nos Estados Unidos apenas o
implante de testosterona recebeu aprovação do FDA. No Reino Unido, não há
produção local e todos os implantes autorizados são importados. Na Austrália, a
inserção desses dispositivos intradérmicos é uma exceção, sujeita a rigorosa
fiscalização e autorização.
De acordo com Clayton
Macedo, da SBEM, no Brasil as farmácias de manipulação estão fabricando
hormônios em escala industrial, em vez de seguir as prescrições médicas
personalizadas, recrutando médicos e pacientes para esse comércio e o problema
do mau uso de hormônios é considerado uma questão de saúde pública, evidenciada
por relatos de efeitos adversos, o que acabou se tornando uma ‘indústria
lucrativa’.
Em agosto, com a
implementação da Vigicon, foram registrados 260 casos de complicações
relacionadas ao uso dos chips da beleza. Contudo, pode haver subnotificação
desses problemas, já que muitos incidentes permanecem sem registro. A
orientação da Anvisa é que pacientes que apresentarem reações adversas em
decorrência do uso dos chips da beleza devem registrar suas ocorrências através
de site do órgão para este fim.
Fonte: Futuro da Saúde
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