quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Recuperar a vegetação nativa não pode só compensar o desmatado, pedem ongs na COP16

A legislação florestal pede o restauro de 12 milhões de ha de florestas e outros ambientes até 2030, no país todo. São áreas públicas e privadas. Os principais alvos são áreas de preservação permanente e reservas legais, unidades de conservação e áreas rurais de baixa produtividade.

A roupa nova do plano também inclui contribuições de populações indígenas e tradicionais, bem como outras pastas e agências, como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

“É um plano de dimensões continentais que auxiliará na conectividade ecológica, a termos paisagens sustentáveis que aliam conservação e produção”, avaliou Rita Mesquita, secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do MMA.

A primeira versão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Planaveg, é de 2017. De lá para cá, pouco saiu do papel. O país recuperou até agora estimados 80 mil ha, mostra o Observatório da Restauração e do Reflorestamento (ORR). Isso significa que menos de 1% da meta foi atingida.

“Essa agenda estava parada”, disse Marcelo Elvira, secretário-executivo do Observatório do Código Florestal (OCF). “O Planaveg pode impulsionar a validação de cadastros ambientais rurais, hoje em cerca de 2% no país”, contou. Os cadastros são exigidos em para regularizar e restaurar a vegetação em fazendas.

Uma nova versão do plano apresentada na COP16, a conferência de países ligados à Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), quer mudar isso. Mas, fontes apontam que a iniciativa deve evitar algumas cascas de banana.

Líder Global de Restauração da Rede WWF, Anita Diederichsen lembra que o replantio da vegetação natural não pode apenas compensar o que foi degradado nos biomas. “Não faria sentido, restaurar tem que ir além”, disse. “Isso deve ser associado ao desmatamento zero”, pediu.

Um desafio e tanto. Só entre 2019 e 2022, o Brasil perdeu uma porção similar aos limites de Santa Catarina (9,6 milhões de ha) de vegetação nativa, estimou o MapBiomas. Já a degradação da Amazônia foi a maior dos últimos 15 anos, chegando a 26 mil km² do início a agosto de 2024, ou uma Alagoas.

“É um momento para unir esforços e de uma orquestração nacional mais sólida para implantar efetivamente a agenda de restauração”, ressaltou Marcelo Elvira (OCF).

Já o gerente de Restauração Florestal da Fundação SOS Mata Atlântica, Rafael Bitante Fernandes comentou que avaliações técnicas devem ampliar os números da restauração, para além do indicado na lei florestal. “Há um potencial muito maior de áreas”, descreveu.

Algo bem vindo para amarrar soluções às crises mundiais da perda de biodiversidade e da alteração do clima, para que propriedades rurais se ajustem à legislação e ao equilíbrio ecológico geral. “É uma questão mundial”, destacou Ruth Davis, representante especial para Natureza do Reino Unido.

Contudo, há pedras no caminho das intenções do governo brasileiro, lembra Fernandes (SOS Mata Atlântica). “Um desafio é manter tudo isso em pé nos próximos governos, em especial na alternância da presidência”, disse. “Mas com sociedade e setor privado podemos ir além das promessas”, avaliou.

Buscar dinheiro para tirar o Planaveg do papel não será fácil. “Ficamos muito tempo pegando dinheiro da exploração da natureza, chegou a hora de pegar dinheiro para restaurar e preservar”, comentou a ministra Marina Silva.

Governo e entidades civis apostam em pagamentos por serviços ambientais, investimentos privados e até no TFFF, sigla em inglês do Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais. Como mostramos, a conta espera restaurar e manter de pé florestas tropicais com parte dos lucros de US$ 125 bilhões investidos por países ricos e instituições financeiras.

“O Planaveg precisa sair da lógica de custos por hectare e ser mais inteligente, atraindo capital de fontes variadas”, avaliou Fabíola Zerbini, diretora do Departamento de Florestas do MMA.

Representando o Secretariado da CDB, Matheus Couto contou que há 1 bilhão de ha prometidos para restauração no mundo todo, o que poderia ser melhor encaminhado quando os países associarem as crises de biodiversidade, clima e desertificação. “Há um chamado global para financiar essas agendas”, disse.

“A restauração no Brasil vai gerar muitos empregos, com viveiros, mudas e coleta de sementes, aumentará o PIB com maior arrecadação de impostos”, destacou Marcelo Elvira (OCF).

Enquanto grandes quantias não vêm, estados brasileiros apostam algumas fichas próprias na restauração do verde, em vários biomas, especialmente para trazer de volta animais selvagens que foram expulsos por ações humanas.

Um dos poucos estados onde o reflorestamento avanço nas últimas quatro décadas, apontou o MapBiomas, o Rio de Janeiro tem atualmente 32% de áreas verdes. Seria possível restaurar 500 mil ha, a grande maioria em zonas que fornecem água. “Isso ajudará toda a população”, avaliou Marie Ikemoto, subsecretária Estadual de Mudanças do Clima e Conservação da Biodiversidade do Rio de Janeiro.

No Ceará, o replantio da Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica é focado onde animais sofrem com desmate e caça. A restauração ampliou de menos de uma centena para 863 os números do periquito-da-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) e pode salvar o soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni).

Todavia, há tarefas caseiras atrasadas, disse Hugo Fernandes-Ferreira, do Programa Cientista Chefe em Meio Ambiente e pós-doutor em Ecologia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Menos da metade dos estados brasileiros têm listas vermelhas”, destacou. Um dos devedores é o Rio Grande do Sul, onde as listas de fauna e flora em risco estão desatualizadas desde 2014. Sem elas, é mais complicado proteger essas espécies. “Sem saber das ameaças locais, não há como resolvê-las”, ressaltou Ferreira.

Enquanto isso, a restauração parece avançar em outras regiões como Amazônia e Mata Atlântica, um dos biomas mais devastados e fragmentados do país, contaram representantes de governos estaduais na COP16.

Em Minas Gerais, 3,56 milhões de ha podem ser restaurados, incluindo corredores para o ameaçado muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). “Isso inclui melhorias ambientais nas áreas produtivas”, disse Breno Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

No Pará, os planos incluem recuperar 7,41 milhões de ha até 2035. Enquanto que o governo paranaense enfileira a doação de 9,5 milhões de mudas de Mata Atlântica. “A urgência da restauração está aí”, resumiu o diretor de Patrimônio Natural no Instituto Água e Terra, Rafael Andreguetto.

Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), Clóvis Borges avaliou que as promessas estaduais parecem não priorizar realmente a conservação da biodiversidade no longo prazo. “O número de mudas plantadas não se traduz em restauração efetiva”, avisou.

Ele contou que os últimos remanescentes de Mata Atlântica estão sumindo muito rapidamente no Paraná, onde restam menos de 1% das florestas mais íntegras do bioma no estado. “Em média, são eliminados 5 mil ha por ano. Se os perdemos, não terá como restaurar”, contou Borges.

 

•        Não adianta fazer restauração florestal e não proteger mata nativa

Meta voluntária que o Brasil apresentou como parte dos esforços nacionais para cumprir o Acordo de Paris, a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030 não é só possível, como pode ser um estímulo para a geração de empregos. O trabalho de coleta de sementes, produção de mudas, plantio e manutenção pode gerar a criação de 200 empregos diretos para cada mil hectares em restauração com interferência humana, segundo relatório produzido em conjunto pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS).

São 191 mil empregos diretos por ano no setor de restauração florestal: “Se o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) fosse implementado até 2030, a gente espera a criação de mais de 2 milhões de empregos até 2030 só pela restauração”, informa o ecólogo Renato Crouzeilles, que lidera o estudo. O Sumário para Tomadores de decisão sobre Restauração de Paisagens e Ecossistemas foi elaborada por 45 pesquisadores de 25 instituições.

Esse é o impacto econômico direto e mensurável. O que é mais difícil de precificar, embora a ciência econômica consiga fazer estimativas, são os serviços ecossistêmicos gerados pela recuperação de áreas degradadas. O retorno de polinizadores, por exemplo, que fornecem um serviço essencial para a agricultura. A proteção de nascentes de água, oferta de produtos florestais não madeireiros, como frutas e sementes.

“Com uma gestão integrada da paisagem, a gente busca que cada commodities seja colocada na área de sua maior aptidão, a pecuária fica na área de maior aptidão, isso permite que a restauração entre nas áreas marginais, sem competir com agricultura e pecuária e gere diversos benefícios ambientais e econômicos e o país tenha uma paisagem diversificada”, explica Crouzeilles.

<><> Plantar florestas e frear o desmatamento

O sumário do relatório sobre restauração foi apresentado pelos três principais autores do estudo – Renato Crouzeilles, Ricardo Ribeiro Rodrigues e Bernardo Strassburg – no Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, há um mês.

Os autores foram unânimes em apontar que a prioridade é manter preservados os remanescentes florestais nativos que sobraram em pé e reflorestar as áreas apontadas como prioritárias para a restauração. Mas se tiver que escolher entre uma e outra, frear o desmatamento faz mais sentido.

“Eu gosto sempre de frisar que a gente não pode usar a restauração para desviar a atenção da importância da conservação. Um hectare conservado é imensamente mais importante para as questões que a gente tem falado de clima, biodiversidade, etc, do que um hectare restaurado – no mesmo bioma e nas mesmas condições”, explica Bernardo Strassburg, diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e um dos autores do sumário.

Desde 1985 o país perdeu 89 milhões de hectares de vegetação natural, uma média de 2,3 milhões de hectares por ano.

Parte importante dos fragmentos de floresta nativa se encontram em áreas privadas. A recuperação do passivo de reserva legal na Mata Atlântica, de aproximadamente 5 milhões de hectares, pode evitar até 26% de extinção de espécies (2.864 espécies de plantas e animais) e sequestrar 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, segundo o relatório.

Para o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq/USP, é importante lutar pela preservação de floresta nativa, mesmo que o fragmento seja pequeno e cercado de área produtiva.

“A restauração é complementar à questão da conservação (…). Nós não podemos nunca usar a restauração como perspectiva de desmatamento, de retirada de fragmentos. Nenhuma restauração chega perto de um fragmento remanescente, nem dos mais degradados que nós temos. Ela é melhor que a área degradada, mas certamente é muito pior do que qualquer fragmento”, disse.

 

Fonte: ((O))eco

 

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