Recuperar a vegetação nativa não pode só
compensar o desmatado, pedem ongs na COP16
A legislação florestal
pede o restauro de 12 milhões de ha de florestas e outros ambientes até 2030,
no país todo. São áreas públicas e privadas. Os principais alvos são áreas de
preservação permanente e reservas legais, unidades de conservação e áreas
rurais de baixa produtividade.
A roupa nova do plano
também inclui contribuições de populações indígenas e tradicionais, bem como
outras pastas e agências, como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai),
Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra).
“É um plano de
dimensões continentais que auxiliará na conectividade ecológica, a termos
paisagens sustentáveis que aliam conservação e produção”, avaliou Rita
Mesquita, secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do MMA.
A primeira versão do
Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Planaveg, é de 2017. De lá
para cá, pouco saiu do papel. O país recuperou até agora estimados 80 mil ha,
mostra o Observatório da Restauração e do Reflorestamento (ORR). Isso significa
que menos de 1% da meta foi atingida.
“Essa agenda estava
parada”, disse Marcelo Elvira, secretário-executivo do Observatório do Código
Florestal (OCF). “O Planaveg pode impulsionar a validação de cadastros
ambientais rurais, hoje em cerca de 2% no país”, contou. Os cadastros são
exigidos em para regularizar e restaurar a vegetação em fazendas.
Uma nova versão do
plano apresentada na COP16, a conferência de países ligados à Convenção das
Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), quer mudar isso. Mas, fontes
apontam que a iniciativa deve evitar algumas cascas de banana.
Líder Global de
Restauração da Rede WWF, Anita Diederichsen lembra que o replantio da vegetação
natural não pode apenas compensar o que foi degradado nos biomas. “Não faria
sentido, restaurar tem que ir além”, disse. “Isso deve ser associado ao
desmatamento zero”, pediu.
Um desafio e tanto. Só
entre 2019 e 2022, o Brasil perdeu uma porção similar aos limites de Santa
Catarina (9,6 milhões de ha) de vegetação nativa, estimou o MapBiomas. Já a
degradação da Amazônia foi a maior dos últimos 15 anos, chegando a 26 mil km²
do início a agosto de 2024, ou uma Alagoas.
“É um momento para
unir esforços e de uma orquestração nacional mais sólida para implantar
efetivamente a agenda de restauração”, ressaltou Marcelo Elvira (OCF).
Já o gerente de
Restauração Florestal da Fundação SOS Mata Atlântica, Rafael Bitante Fernandes
comentou que avaliações técnicas devem ampliar os números da restauração, para
além do indicado na lei florestal. “Há um potencial muito maior de áreas”,
descreveu.
Algo bem vindo para
amarrar soluções às crises mundiais da perda de biodiversidade e da alteração
do clima, para que propriedades rurais se ajustem à legislação e ao equilíbrio
ecológico geral. “É uma questão mundial”, destacou Ruth Davis, representante especial
para Natureza do Reino Unido.
Contudo, há pedras no
caminho das intenções do governo brasileiro, lembra Fernandes (SOS Mata
Atlântica). “Um desafio é manter tudo isso em pé nos próximos governos, em
especial na alternância da presidência”, disse. “Mas com sociedade e setor
privado podemos ir além das promessas”, avaliou.
Buscar dinheiro para
tirar o Planaveg do papel não será fácil. “Ficamos muito tempo pegando dinheiro
da exploração da natureza, chegou a hora de pegar dinheiro para restaurar e
preservar”, comentou a ministra Marina Silva.
Governo e entidades
civis apostam em pagamentos por serviços ambientais, investimentos privados e
até no TFFF, sigla em inglês do Fundo de Financiamento para Florestas
Tropicais. Como mostramos, a conta espera restaurar e manter de pé florestas
tropicais com parte dos lucros de US$ 125 bilhões investidos por países ricos e
instituições financeiras.
“O Planaveg precisa
sair da lógica de custos por hectare e ser mais inteligente, atraindo capital
de fontes variadas”, avaliou Fabíola Zerbini, diretora do Departamento de
Florestas do MMA.
Representando o
Secretariado da CDB, Matheus Couto contou que há 1 bilhão de ha prometidos para
restauração no mundo todo, o que poderia ser melhor encaminhado quando os
países associarem as crises de biodiversidade, clima e desertificação. “Há um
chamado global para financiar essas agendas”, disse.
“A restauração no
Brasil vai gerar muitos empregos, com viveiros, mudas e coleta de sementes,
aumentará o PIB com maior arrecadação de impostos”, destacou Marcelo Elvira
(OCF).
Enquanto grandes
quantias não vêm, estados brasileiros apostam algumas fichas próprias na
restauração do verde, em vários biomas, especialmente para trazer de volta
animais selvagens que foram expulsos por ações humanas.
Um dos poucos estados
onde o reflorestamento avanço nas últimas quatro décadas, apontou o MapBiomas,
o Rio de Janeiro tem atualmente 32% de áreas verdes. Seria possível restaurar
500 mil ha, a grande maioria em zonas que fornecem água. “Isso ajudará toda a
população”, avaliou Marie Ikemoto, subsecretária Estadual de Mudanças do Clima
e Conservação da Biodiversidade do Rio de Janeiro.
No Ceará, o replantio
da Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica é focado onde animais sofrem com desmate
e caça. A restauração ampliou de menos de uma centena para 863 os números do
periquito-da-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) e pode salvar o soldadinho-do-araripe
(Antilophia bokermanni).
Todavia, há tarefas
caseiras atrasadas, disse Hugo Fernandes-Ferreira, do Programa Cientista Chefe
em Meio Ambiente e pós-doutor em Ecologia pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE). “Menos da metade dos estados brasileiros têm listas vermelhas”,
destacou. Um dos devedores é o Rio Grande do Sul, onde as listas de fauna e
flora em risco estão desatualizadas desde 2014. Sem elas, é mais complicado
proteger essas espécies. “Sem saber das ameaças locais, não há como
resolvê-las”, ressaltou Ferreira.
Enquanto isso, a
restauração parece avançar em outras regiões como Amazônia e Mata Atlântica, um
dos biomas mais devastados e fragmentados do país, contaram representantes de
governos estaduais na COP16.
Em Minas Gerais, 3,56
milhões de ha podem ser restaurados, incluindo corredores para o ameaçado
muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). “Isso inclui melhorias ambientais
nas áreas produtivas”, disse Breno Lasmar, diretor-geral do Instituto Estadual
de Florestas (IEF).
No Pará, os planos
incluem recuperar 7,41 milhões de ha até 2035. Enquanto que o governo
paranaense enfileira a doação de 9,5 milhões de mudas de Mata Atlântica. “A
urgência da restauração está aí”, resumiu o diretor de Patrimônio Natural no
Instituto Água e Terra, Rafael Andreguetto.
Diretor-executivo da
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS), Clóvis Borges avaliou que as
promessas estaduais parecem não priorizar realmente a conservação da
biodiversidade no longo prazo. “O número de mudas plantadas não se traduz em
restauração efetiva”, avisou.
Ele contou que os
últimos remanescentes de Mata Atlântica estão sumindo muito rapidamente no
Paraná, onde restam menos de 1% das florestas mais íntegras do bioma no estado.
“Em média, são eliminados 5 mil ha por ano. Se os perdemos, não terá como
restaurar”, contou Borges.
• Não adianta fazer restauração florestal
e não proteger mata nativa
Meta voluntária que o
Brasil apresentou como parte dos esforços nacionais para cumprir o Acordo de
Paris, a restauração de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030 não
é só possível, como pode ser um estímulo para a geração de empregos. O trabalho
de coleta de sementes, produção de mudas, plantio e manutenção pode gerar a
criação de 200 empregos diretos para cada mil hectares em restauração com
interferência humana, segundo relatório produzido em conjunto pela Plataforma
Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) e pelo Instituto
Internacional para Sustentabilidade (IIS).
São 191 mil empregos
diretos por ano no setor de restauração florestal: “Se o Planaveg (Plano
Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa) fosse implementado até 2030, a
gente espera a criação de mais de 2 milhões de empregos até 2030 só pela
restauração”, informa o ecólogo Renato Crouzeilles, que lidera o estudo. O
Sumário para Tomadores de decisão sobre Restauração de Paisagens e Ecossistemas
foi elaborada por 45 pesquisadores de 25 instituições.
Esse é o impacto
econômico direto e mensurável. O que é mais difícil de precificar, embora a
ciência econômica consiga fazer estimativas, são os serviços ecossistêmicos
gerados pela recuperação de áreas degradadas. O retorno de polinizadores, por
exemplo, que fornecem um serviço essencial para a agricultura. A proteção de
nascentes de água, oferta de produtos florestais não madeireiros, como frutas e
sementes.
“Com uma gestão
integrada da paisagem, a gente busca que cada commodities seja colocada na área
de sua maior aptidão, a pecuária fica na área de maior aptidão, isso permite
que a restauração entre nas áreas marginais, sem competir com agricultura e
pecuária e gere diversos benefícios ambientais e econômicos e o país tenha uma
paisagem diversificada”, explica Crouzeilles.
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Plantar florestas e frear o desmatamento
O sumário do relatório
sobre restauração foi apresentado pelos três principais autores do estudo –
Renato Crouzeilles, Ricardo Ribeiro Rodrigues e Bernardo Strassburg – no Museu
do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, há um mês.
Os autores foram
unânimes em apontar que a prioridade é manter preservados os remanescentes
florestais nativos que sobraram em pé e reflorestar as áreas apontadas como
prioritárias para a restauração. Mas se tiver que escolher entre uma e outra,
frear o desmatamento faz mais sentido.
“Eu gosto sempre de
frisar que a gente não pode usar a restauração para desviar a atenção da
importância da conservação. Um hectare conservado é imensamente mais importante
para as questões que a gente tem falado de clima, biodiversidade, etc, do que
um hectare restaurado – no mesmo bioma e nas mesmas condições”, explica
Bernardo Strassburg, diretor executivo do Instituto Internacional para
Sustentabilidade (IIS) e um dos autores do sumário.
Desde 1985 o país
perdeu 89 milhões de hectares de vegetação natural, uma média de 2,3 milhões de
hectares por ano.
Parte importante dos
fragmentos de floresta nativa se encontram em áreas privadas. A recuperação do
passivo de reserva legal na Mata Atlântica, de aproximadamente 5 milhões de
hectares, pode evitar até 26% de extinção de espécies (2.864 espécies de plantas
e animais) e sequestrar 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, segundo o
relatório.
Para o professor
Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq/USP, é importante lutar pela preservação de
floresta nativa, mesmo que o fragmento seja pequeno e cercado de área
produtiva.
“A restauração é
complementar à questão da conservação (…). Nós não podemos nunca usar a
restauração como perspectiva de desmatamento, de retirada de fragmentos.
Nenhuma restauração chega perto de um fragmento remanescente, nem dos mais
degradados que nós temos. Ela é melhor que a área degradada, mas certamente é
muito pior do que qualquer fragmento”, disse.
Fonte: ((O))eco
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