Milton Pinheiro: As eleições e a miséria
brasileira
O Brasil no pós
segundo turno das eleições municipais de 2024 inspira uma profunda análise do
cenário político realmente existente. Algo que seja empiricamente consistente,
mas que encontre, no desvelamento da interpretação política, um sentido para
compreender o impacto eleitoral que ocorreu nos dois turnos destas eleições. No
entanto, ainda são jogadas ao vento da tempestade que deve ser medida como
termômetro político, aspectos que se apresentam combinados ou separados, mas
que apontam para algumas reflexões pobres, outras duvidosas em virtude do
epílogo que se manifesta como defesa antecipada dos erros da “esquerda” que
está confortável no gabinete da ordem.
Leituras repetitivas
de alguns analistas do juízo final, que tem como lógica explicativa uma eterna
crise de direção na esquerda, simpáticos profetas que conseguem encontrar
malabarismos esquemáticos para explicar que temos uma esquerda frentista, outra
radical/esquerdista e no entre luz, o Psol, mesmo sem aprofundar que dentro
desse partido também existem essas duas versões.
Ainda temos aqueles
que creditam a derrota ao papel impactante e moralmente abjeto do bolsonarismo
e suas ações à margem da lei. Surgem outros, em geral arquitetos das redes
virtuais que, com odor populista, aventuram-se em afirmar um discurso da janela
indiscreta da lógica pequena burguesa de que a esquerda não consegue dialogar
com as diversas periferias e favelas, vulgarmente entendidas, por essas
entidades da noite reluzente (onde refletem seus notebooks), como algo compacto
e universal, sem conseguir entender a enorme diversidade e pluralidade dessa
geografia humana do ponto de vista de gênero, político, ideológico, racial,
etário e dos desejos de pertencimento desses sujeitos sociais expostos ao
massacre da ordem das opressões e da exploração capitalistas.
Ocorrem, também,
explicações que já antecipadamente afirmam alguns fatores da derrota. Desde à
falta de iniciativas empreendedoras para a juventude pobre; falta de
interlocução que possa chegar à periferia – nem que ela seja platônica – e, a
cereja do bolo, inexistência de qualquer ação para abrir um diálogo entre a
esquerda e o neopetencostalismo. Sem falar, por outro lado, que existem
críticas estéreis e inconsequentes à manifestação, em campo aberto da política,
dos discursos que afirmam as identidades conflitivas.
Contudo, no varejo das
avaliações, existem ainda afirmações oficiais que tentam comprovar a vitória do
PT a partir dos números de 2020, recorrendo ao pequeno aumento de prefeitos e
vereadores, mas fingindo desconhecer que esse mesmo partido governa a República.
Os áulicos que desposam esses argumentos se aproveitam da cansada informação de
que, desde 2016 o petismo é atacado pelo lavajatismo, pela mídia corporativa e
pela institucionalidade do Estado burguês.
Portanto, nada de novo
no front como justificativa para explicar a pequena “vitória”. Nesse mesmo
campo, alguns mais embevecidos pela defesa do petismo, qualificam que o
bolsonarismo foi derrotado, inclusive porque os partidos de direita, que foram
amplamente vitoriosos, fazem parte da coalizam de União Nacional do governo
burgo-petista. Mesmo com esse abuso que desqualifica a análise, ainda tem
aqueles que, no ambiente do fato consumado, consideram que não se pode fazer
nada diante da composição do Congresso que temos e diante disso o PT e Lula
foram vitoriosos.
No canto da margem de
erro, sem maior capacidade explicativa neste vasto cenário, um conjunto pequeno
tenta explicar o processo eleitoral pela lógica da abstenção e do voto nulo.
Especulando que essa forma/manifestação política denotaria uma imensa insatisfação
das massas populares e que esse “sentimento” pode ser capturado pela esquerda.
Essa interpretação do processo eleitoral não apresenta o diverso e amplíssimo
campo de motivações para o não comparecimento, que pode inclusive ser marcado
desde o feriado prolongado, a outros fatores que justificaria indisposição
política ou crítica ao processo, que pode ter conotação ideológica de diversas
matizes, inclusive de direita, mas que, por enquanto, não temos como comprovar
sem uma profunda investigação.
Pode-se examinar assim
que existe um conjunto diverso, confuso, plural e rico de análises. O que por
si só já denota a importância do último processo eleitoral e sinaliza, com
essas preocupações, para a possibilidade de entender novos caminhos que possam
melhorar o posicionamento dos competidores da política no espaço da democracia
formal, gerando exames antecipados de trilhas para a intervenção política.
Em uma leitura mais
precisa dos números que conformaram perdedores e ganhadores, podemos comprovar
que os partidos de direita, vulgarmente chamados de “Centrão”, saíram
vitoriosos do processo eleitoral, com forte avanço da extrema-direita de
caráter neofascista. Nesse mapa político os partidos que mais elegeram
prefeitos no ranking dos maiores competidores, foram: PSD (885), MDB (853), PP
(746), União Brasil (583), PL (509), Republicanos (433), PSB (309), PSDB (273),
PT (252), PDT (151), Avante (135) e Podemos (122), entre outros. É importante
salientar que a esquerda representada pelo PCB, PSOL, PSTU, PCO e UP não elegeu
nenhum prefeito e o PC do B elegeu 19.
No vasto território da
disputa política no espaço municipal é inadequado dizer que a disputa não é
ideológica. Sabemos que esse espaço de confrontação é marcado pelo
fisiologismo, pela influência do poder local, pelos imediatos interesses da
população, pela subordinação religiosa, mas tudo isso se reveste do componente
ideológico.
Foi nesse território
de disputa, também ideológica, que foram eleitos os vereadores/as que conformam
uma imensa maioria da direita: MDB (8.113), PP (6.953), PSD (6.624), União
Brasil (5.490), PL (4.961), Republicanos (4.649), PSB (3.593), PT (3.130), PSDB
(3.002), PDT (2.503), Podemos (2.329) e Avante (1.525), entre outros. No campo
da esquerda o PCB, PSTU, PCO e UP não elegeram nenhum vereador, já o PC do B
elegeu 354 e o PSOL elegeu 80.
As eleições nas
capitais apontam uma forte presença da direita e da extrema direita com a
vitória do PSD (5), MDB (5), União Brasil (4), PL (4), Podemos (2), PP (2),
Avante (1), PSB (1), PT (1) e Republicanos (1). Esse quadro praticamente se
repete nas grandes cidades do país. A avaliação consequente desse processo é
que Gilberto Kassab, Tarcísio de Freitas, a Igreja Universal do Reino de Deus,
Bolsonaro, família Barbalho, cúpula do União Brasil e forças de direita e
extrema direita saíram vitoriosas. Assim como podemos identificar que o PT,
Lula, PSOL e a esquerda perderam nessa disputa eleitoral.
O mapa eleitoral deve
acender a luz da interrogação no governo Lula, no PT e no PSOL, e chamar à
reflexão o conjunto da esquerda revolucionária. O consórcio do gabinete da
ordem governista composto pelo PT, PC do B, setores majoritários do PSOL,
segmentos sociais, organizações populares e centrais sindicais precisam
examinar a forma política pela qual o governo que apoiam está se consolidando
enquanto um governo de centro, configurado numa coalizão de União Nacional e
operado pela lógica indissociável da relação burgo-petista.
O governo Lula tem se
submetido com resignação ao controle burguês, sem nenhuma capacidade ou
interesse de reagir. A direita representada pelo Centrão tem obtido benesses, a
exemplo das emendas parlamentares quase secretas, que em grande medida também
impactaram fortemente na vitória da direita e na derrota da esquerda.
Para além dessa
infâmia institucional, o governo age para retirar direitos (corte no BPC, no
seguro-desemprego), age contra o serviço público e os agentes públicos a partir
da reforma administrativa que está em debate, faz cortes orçamentários em áreas
essenciais para a vida do povo como saúde, educação básica e superior,
desastres ambientais, etc. Sem falar na obstinação do ministro da fazenda em
destruir a vida social para operar o déficit zero como forma de subserviência
ao “mercado”.
Existe uma crescente
frustração com o governo Lula e a condução do PT, fato que só faz fortalecer a
direita e a extrema direita, podendo fortalecer ressentimentos políticos que
podem operar um deslocamento de segmentos populares para a direita. Lula e o governo
e o PT não dialogam com as massas trabalhadoras, Lula e o PT não dialogam com a
esquerda, Lula repete a fórmula ultrapassada e derrotada que ele resolverá os
problemas localizados do povo sem politização dessas questões.
Enquanto isso, a
direita e a extrema direita exercem uma densa e vulgar politização das questões
que eles consideram importantes para movimentar as massas populares e deixar
ativo seu núcleo de confrontação militante.
O governo Lula, o PT,
e sua forma de governar, estão confortavelmente estabelecidos na lógica do
controle estabelecido pelo PP, União Brasil, Republicanos, MDB e PSD. Não se
percebe nenhum sinal tático que sinalize para mudança de rumo nessa relação. O
povo continua sem ser chamado ao centro da luta que poderia mudar a correlação
de forças e que terminasse por impactar no Congresso Nacional. O governo
burgo-petista age na lógica do Estado como estimulador do mercado e o mercado
como gerente do governo.
A frente ampla
articulada por Lula e pelo PT tornou o atual governo refém do Centrão e
derrotou o campo da social democracia tardia no processo eleitoral deste ano,
assim como permitiu a vitória das forças de direita e o avanço da extrema
direita. Para além dessa nítida questão, a incapacidade política desse campo
(Lula-PT) se somou a uma total ausência de projeto de caráter popular para
dialogar com a juventude, massas populares, mulheres e segmentos de “classe
média”, abrindo um imenso corredor para o surgimento de lideranças populistas,
a exemplo do coach Pablo Marçal, um quadro da extrema direita
que teve força para polarizar as eleições em São Paulo e gerar engajamento em
outras partes do Brasil.
A esquerda da ordem se
apresentou para uma grande disputa nas eleições da capital paulista. Foi
articulado um amplo espectro de forças de esquerda para enfrentar o candidato
de Jair Bolsonaro e principalmente do Tarcísio de Freitas, o prefeito Ricardo
Nunes. Todavia, a campanha de Guilherme Boulos se mostrou incapaz de mostrar um
perfil de oposição, foi mais uma campanha ao estilo Lula da Carta aos
Brasileiros do que alguém que queria mostrar o contraponto ao sistema
de poder na capital paulista. O candidato mostrou-se rendido (o Guilherme
Boulos atual derrotou o Guilherme Boulos das lutas históricas), exorbitou da
indefinição ideológica, não entrou nas principais pautas que colocavam na
berlinda o controle da prefeitura pelos empresários e fugiu em questões gerais,
a exemplo da venda da SABESP, aborto, drogas, etc.
Foi uma campanha rica
(80 milhões) que apenas conseguiu ser um instrumento dos marqueteiros, com um
tom burocrático que não empolgou a militância de esquerda, muito menos a
juventude, como em 2020. Optou pela despolitização do discurso, perdeu
combatividade e, ao final, apelou para a lógica do empreendedorismo
individualista e para o fortalecimento do armamento da Guarda Municipal. Isso
explica o quanto a campanha estava sem rumo político e ideológico.
Para coroar o sentido
da tragédia, no segundo turno Guilherme Boulos aceitou ser convidado do Pablo
Marçal para uma conversa política. O que vimos foi o exercício do bom mocismo
do representante da esquerda que não conseguiu confrontar o populista de extrema
direita.
É uma lástima o
sentido dos “comentários” que surgiram no PSOL sobre a derrota. O próprio
candidato disse que a campanha dele representou “a dignidade da esquerda
brasileira”, uma corrente interna do partido soltou um card, dizendo: “Parabéns
pela força e pela coragem, Boulos!” Apesar do sentido de solidariedade, essa
explicação moral não dá conta da derrota e nem deve.
A direita e a extrema
direita neofascista conseguiram uma vitória e um avanço expressivo na atual
conjuntura política. Essa vitória eleitoral impacta na vida social, alimenta
forças conservadoras e reacionárias, ganha espaço popular e fomenta pautas racistas,
machistas, LGBTs fóbicas, irracionalistas e xenófobas. E o ovo da serpente
entrou em fermentação.
No Brasil atual não
existem projetos em disputa. A miséria brasileira é manifestada por um lado
pela social-democracia tardia liderando um governo de centro, essa lógica foi
explicada pelo ministro Paulo Pimenta ao afirmar que Lula e o governo são de
centro e por isso saíram vitoriosos do processo eleitoral.
Um governo composto
por uma coalizão burgo-petista, com caráter de União Nacional, quase sem
nenhuma conciliação de classes, aja vista que os interesses da classe
trabalhadora não encontram representação nas ações do governo e, por outro
lado, o movimento em bloco da extrema direita que consegue se apresentar para
as massas populares como uma força oposicionista, de caráter antissistêmico (o
que é ridículo) e com uma pauta nítida para o exercício da política.
Essa miséria
brasileira fica mais evidente no processo eleitoral, porque o sistema de
partidos no Brasil, com raras exceções à esquerda, é uma estrutura de negócios
(cf. Sofia Manzano). Portanto, essa nova polarização entre direita e extrema
direita representa uma particularidade manifestada pela necessidade de liderar
a estrutura de negócios.
Cabe, em última
análise, a autocrítica e a redefinição da esquerda. Sem ilusões com o campo da
ordem que já capitulou diante do projeto burguês, mas com força para retomar o
trabalho de base, capacidade para entender a nova configuração da classe
trabalhadora e, portanto agir para desvelar, sem lacrações, o sentido da luta
contra as opressões da sociabilidade capitalista, avançar na divulgação do seu
projeto estratégico, operar esse projeto no balizamento das mediações táticas,
construir um denso programa com força para articular a unidade de ação do campo
da esquerda socialista, agir com convicção e criatividade no diálogo com as
massas proletárias e populares. Afinal, a esquerda tem o que dizer (cf. Mauro
Iasi).
¨ Breves notas sobre a eleição. Por Diogo Fagundes
A eleição comprovou
que 2022, de fato, havia sido uma exceção. Lula só ganhou por ser o Lula e por
Jair Bolsonaro ter cometido muitas barbaridades em plena pandemia. No entanto,
ao apossar-se do governo, a esquerda não soube fazer muita coisa para melhorar
a correlação de forças. Dois anos se passaram e o governo federal não parece
ter virado um grande cabo eleitoral. Mesmo que partidos da base “aliada”
(ênfase nas aspas), como o PSD kassabista, tenham se fortalecido, isto não teve
nada a ver com a reivindicação do governo ou da figura de Lula, ao contrário do
passado.
Aquele Lula capaz de
transferir muitos votos e eleger até postes, visto entre 2008 e 2012, não
existe mais. As eleições possuem dinâmicas locais próprias, mas é cinismo
ignorar a correlação com a conjuntura nacional ao mesmo tempo em que se
justifica o fracasso de 2016 em São Paulo com o argumento de que o cenário
nacional havia inviabilizado Fernando Haddad.
Será que não deveria
ser feito um balanço a respeito destes dois últimos anos? Por que a esquerda
não conseguiu utilizar a máquina federal como trampolim político, a fim de
reverter o cenário reacionário em voga desde 2015? Isto não tem algo a ver com
a prioridade de uma agenda que pouco diz respeito às necessidades urgentes das
maiorias populares?
O fato é: a correlação
de forças institucional piorou. 2026 será um embate mais difícil a partir dos
resultados deste outubro.
O balanço duro não
deve jogar Guilherme Boulos aos leões. O problema não foi de candidato – havia
nome melhor? – mas de linha política.
Guilherme Boulos
repetiu o caminho de Marcelo Freixo: apostou numa diluição ideológica quase
liquidacionista (no começo da campanha até escondia sua biografia!), perdendo a
autenticidade que originalmente havia lhe rendido popularidade.
Trata-se de uma versão
ingênua de “realismo”, um senso comum de políticos quando querem ser espertos e
“amadurecer”: basta muito marketing, perda de nitidez política, adaptação ao
mais do mesmo enfadonho, com direito a muita fofurice e infantilidade. O resultado
é que, em vez de ampliar, perde suas qualidades que lhe diferenciavam da
pasmaceira. Como Lacan falava: “os não-tolos erram”.
A verdade é que a
campanha começou errada, ao se pautar pelo medo e pela passividade, na busca
desesperada por diminuir rejeição, em vez da elevação do moral e mobilização de
sua tropa – o único jeito de vencer seria através da criação de uma grande onda
de mobilização e esperança. Não teve êxito algum na tarefa e agora Guilherme
Boulos ficará com estigma de alguém incapaz de ampliar e vencer para cargos
majoritários.
Lembremos que
Guilherme Boulos ficou rigorosamente na mesma: aumentou em apenas 200 mil
votos, o mesmo número de Ricardo Nunes em relação a Bruno Covas. A diferença é
que naquela eleição, Guilherme Boulos era um nome desconhecido e azarão, com
uma campanha sem dinheiro, estrutura e alianças, enquanto o prefeito era um
nome (ou melhor dizendo, um sobrenome) bem melhor e mais respeitável. Então,
mesmo perdendo, obteve uma vitória política – algo como Lula em 1989 em escala
bem menor e com menos importância histórica.
Desta vez, o prefeito
era um grande medíocre e desconhecido, cheio de esqueletos no armário, e
Guilherme Boulos teve uma campanha muito cara (mais de 80 milhões), com apoios
de nomes fortes (Lula, Marta Suplicy) desde o primeiro turno. Dez vezes mais
dinheiro para obter os mesmos resultados é a definição de fracasso.
Para ser honesto,
mesmo a ideia de “ficou na mesma” é enganosa, pois em 2020 Guilherme Boulos
havia ganhado em todo o fundão da zona sul, além de duas zonas no extremo
leste. Desta vez, perdeu em todo lugar da periferia, com duas exceções: Valo
Velho e Piraporinha. O “cinturão vermelho” já era.
Vale ainda sublinhar
os níveis europeus de descrença no processo eleitoral: as abstenções ganharam
de Guilherme Boulos (2,9 milhões contra 2,3 milhões). Se somarmos com brancos e
nulos, temos 42% de pessoas que não optaram por qualquer candidato.
Porto Alegre merecia
um bom estudo. Como que o prefeito do desastre vivido pela cidade pode ter
ganhado com tanta facilidade? Por que o PT escolheu Maria do Rosário, um nome
sabidamente com grande rejeição? A capital gaúcha tinha tudo para ter virado
algo análogo à Bolonha dominada pelo PCI, ao nos transportarmos para o final do
século passado: sede do Fórum Social Mundial, do orçamento participativo, do
“modo petista de governar”… Onde foi parar este legado?
Mesmo em capitais onde
a esquerda foi vitoriosa (Fortaleza), o resultado foi apertado e há um bom
saldo político para figuras desqualificadas da extrema direita. A real é que a
direita radical, pós-bolsonarista, passou por um processo de cissiparidade: há
uma ala “pragmática” e outra aloprada e psicodélica. Vimos esta disputa no
segundo turno em Goiânia e Curitiba, assim como no fenômeno Pablo Marçal contra
Tarcísio e Nunes. Longe de indicar fraqueza, esta divisão é sinal de um
movimento forte e consolidado o bastante a ponto de poder se dar ao luxo de
suas disputas internas passarem a dominar a paisagem política.
Fora isso, o que há de
promissor? O cirismo terminou de se afundar, o PCdoB encolheu ainda mais rumo à
insignificância, o PSOL também teve um saldo negativo (de cinco prefeituras
para nenhuma, com direito a um grande vexame em Belém) e há um vazio de lideranças
novas para o pós-Lula. Os nomes que poderiam ocupar esse papel (Guilherme
Boulos, Flávio Dino, Manuela d´Avila) foram todos tirados de campo, seja por
fracasso eleitoral, ida ao STF ou abandono da carreira política. Com exceção do
bom desempenho da jovem e combativa Natália Bonavides em Natal, a renovação é
muito ruim, se comparamos com a quantidade de jovens nomes da direita
alucinada.
A única coisa que
parece bem-sucedida no campo da “frente ampla” governista são nomes que não são
propriamente de esquerda: Eduardo Paes, João Campos, o desempenho razoável da
estreante Tabata Amaral. Mesmo o principal cabo eleitoral do PT nestas eleições
(o ministro cearense Camilo Santana) não é alguém exatamente conhecido por
posições de esquerda. Ou seja, pode ser que o legado do lulismo, em uma
situação pós-Lula, escorra para figuras de um “campo democrático” mais difuso e
com menos identidade histórica e ideológica com a esquerda brasileira. Alguns
balanços de figurões petistas – como Quaquá – já parecem apontar uma aposta
nesta direção.
Fonte: A Terra é
Redonda
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