Por que brasileiros que emigram preferem
EUA, Portugal e Canadá, segundo LinkedIn
A brasileira e
programadora Karoline Harumi, de 32 anos, escolheu o Canadá para se desenvolver
na carreira de tecnologia.
Ela e o marido se
mudaram para Montreal, na província de Quebec, em dezembro de 2021, com o
objetivo de obter uma certificação na área. "Começamos a pesquisar os
países que ofereciam boas oportunidades para nossa profissão. No final,
decidimos pelo Canadá", relata.
Para sua surpresa,
três meses após a mudança, Karoline conseguiu emprego em uma companhia
canadense. Como estudante, podia trabalhar apenas 20 horas semanais, mas, mesmo
assim, foi contratada em regime de meio período. O processo, segundo ela, foi
bem rápido.
A história de Karoline
reflete a crescente busca de brasileiros por oportunidades no exterior.
Uma pesquisa inédita
do LinkedIn, divulgada com exclusividade para a BBC News Brasil, revelou que o
Canadá é o terceiro destino mais escolhido por brasileiros que procuram
trabalho fora do país, sendo superado apenas pelos Estados Unidos, o primeiro,
e Portugal, o segundo.
O levantamento,
realizado pelo Workforce Report, empresa de dados da própria plataforma,
contabiliza migrações quando um usuário brasileiro atualiza sua localização na
rede social.
Além disso, o estudo
revelou que o idioma é a principal barreira para 50% dos brasileiros que
desejam trabalhar no exterior, enquanto 32% mencionaram a dificuldade de ficar
longe de familiares e amigos.
• O que impulsiona brasileiros aos EUA e
Canadá
O fluxo de brasileiros
migrando para os Estados Unidos e Canadá tem crescido, especialmente em busca
de melhores oportunidades de emprego e um ambiente profissional mais dinâmico,
segundo os especialistas ouvidos pela reportagem.
De acordo com os
últimos dados do Itamaraty, as maiores concentrações de brasileiros estão nos
Estados Unidos (2,085 milhões), Portugal (513 mil), Paraguai (263 mil), Reino
Unido (230 mil) e Japão (210 mil). O Canadá aparece em nono lugar no ranking,
com 143 mil.
A maioria desses
países se destaca por oferecer uma economia robusta e setores que estão em
expansão, atraindo desde jovens profissionais até expatriados mais experientes.
Entre os principais
fatores que impulsionam essa migração estão as ofertas de trabalho em
multinacionais e a busca por uma vida profissional estável.
Rafael Kato, gerente
do time editorial do LinkedIn na América Latina, destaca que o mercado de
trabalho dos Estados Unidos, em particular, atrai brasileiros pela facilidade
de conseguir emprego e pela presença de grandes corporações.
"O mercado de
trabalho americano é imenso, e a migração para lá é facilitada e menos
burocrática em comparação com o Brasil", afirma.
Ele também observa que
muitas multinacionais americanas têm filiais aqui no país, o que muitas vezes
abre portas para que os profissionais brasileiros sejam transferidos para os
Estados Unidos em fases mais avançadas de suas carreiras.
Além disso, Kato
ressalta que o dinamismo da economia americana, aliado à alta demanda por mão
de obra qualificada, torna o país um destino preferido.
"Há sempre um
grande interesse dos brasileiros em trabalhar nos Estados Unidos, tanto pela
estabilidade quanto pela quantidade de vagas em setores como tecnologia, saúde,
engenharia e serviços", explica.
A abertura para
talentos estrangeiros, especialmente nas áreas de inovação e tecnologia,
reforça essa atração, criando uma busca contínua por profissionais
qualificados.
No Canadá, embora o
cenário econômico seja diferente, o país tem atraído cada vez mais brasileiros,
especialmente estudantes e jovens profissionais.
Kato lembra que o país
já é um destino tradicional para intercambistas brasileiros, e muitos acabam
ficando para trabalhar.
A presença de
indústrias em crescimento, como a tecnologia e mineração, é um dos fatores que
favorece essa permanência.
O setor de inovação,
em particular, é um dos principais motores da economia canadense, atraindo
brasileiros que buscam oportunidades em áreas como inteligência artificial e
desenvolvimento de games.
"O Canadá é um
polo de inovação tecnológica, com grande demanda por profissionais
qualificados, o que faz com que muitos brasileiros optem por construir uma
carreira lá", acrescenta Kato.
Karoline confirma essa
constatação e destaca que a facilidade de visto, que se estende muitas vezes
até para o cônjuge, beneficia a ida dos brasileiros para o país.
“Aqui tem bastante
startups, eles dão bastante incentivo, cada província fornece dinheiro para as
empresas poderem se manter, a minha é uma delas, inclusive”, diz.
Já o setor de
mineração, uma das bases da economia canadense, também oferece oportunidades
para expatriados brasileiros, especialmente aqueles com experiência nesta
indústria, segundo Kato.
• Qualidade de vida aproxima brasileiros
de Portugal e Canadá
Nos últimos anos, a
busca por uma rotina mais equilibrada, com segurança e estabilidade, tem levado
muitos brasileiros a escolherem destinos como Portugal e Canadá.
Esses países se
destacam não apenas pelas oportunidades profissionais, mas também por
oferecerem uma estrutura de vida mais segura e estável, além de fatores
culturais e linguísticos que tornam o processo de adaptação mais simples, como
no caso de Portugal.
O país tem sido um dos
destinos preferidos pelos brasileiros, principalmente pela proximidade
histórica e pelo idioma. Paul Ferreira, professor de liderança da Fundação
Getúlio Vargas (FGV São Paulo), explica que essa conexão facilita o acolhimento
de brasileiros.
"Portugal oferece
uma transição mais tranquila para os brasileiros, não só pelas oportunidades de
trabalho, mas também pelo idioma e pelos laços culturais que
compartilham", comenta. Isso faz com que o país seja uma escolha comum
para famílias e profissionais que buscam uma nova etapa na vida.
Segundo o primeiro
relatório anual de migrações e asilo, divulgado em setembro deste ano pela
Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), a nacionalidade brasileira
mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente no país,
representando 35,3% do total.
Em relação ao mercado
de trabalho, o professor da FGV ressalta que o país se destaca nas áreas de
turismo e hospitalidade, sendo uma indústria chave, especialmente em lugares
como Algarve e a capital portuguesa. Já no mercado de tecnologia, cidades como Lisboa
e Porto têm se tornado centros tecnológicos, com startups e empresas europeias
de TI em expansão.
Além disso, o custo de
vida no país é relativamente mais acessível em comparação a outras nações da
Europa, o que atrai pessoas que desejam equilibrar a carreira com um estilo de
vida mais calmo.
A administradora
Helaine Ramalho, de 47 anos, foi uma das brasileiras que escolheram Portugal
para uma nova vida. Morando anteriormente em Dublin, na Irlanda, ela viu uma
oportunidade de continuar na Europa se mudando para o território português em
2017.
"A gente acaba
pegando por esse lado mesmo com a qualidade de vida, porque é um contraste. Em
relação ao salário é muito ruim, em relação à qualidade de vida é bom",
diz.
Atualmente, ela
trabalha em uma empresa de tecnologia e diz que o único problema no país são os
salários que não acompanham o aumento do custo de vida.
Mesmo diante desse
impasse, Helaine não pensa em retornar ao Brasil, ressaltando que os pontos
positivos superam os negativos.
Como já mora em
Portugal há mais de cinco anos, a brasileira tem direito à cidadania
portuguesa. Segundo ela, o processo para obter o documento já está em
andamento. "Eu penso em morar em outro país da Europa, ainda não decidi
qual, mas é isso, um plano por enquanto."
Ferreira observa que
muitos brasileiros, principalmente em fases de transição de carreira ou
aposentadoria, encontram em Portugal um ambiente ideal para esse recomeço.
"A vida em
Portugal, com um ritmo mais tranquilo e condições financeiras menos onerosas,
torna-se uma excelente opção para aqueles que buscam estabilidade, sem abrir
mão de conforto e facilidades do dia a dia", destaca o professor.
O Canadá, por sua vez,
se diferencia pela infraestrutura moderna e serviços de alta qualidade que
garantem um ambiente estável e funcional.
"Com um sistema
de saúde eficiente, transporte público bem desenvolvido e uma cultura voltada
para o bem-estar da população, o país tem sido cada vez mais procurado por
brasileiros que desejam segurança e um local favorável para criar suas famílias",
ressalta o especialista.
"O Canadá é um
dos países mais estruturados do mundo, oferecendo excelente educação pública e
um sistema de saúde acessível, o que atrai especialmente famílias em busca de
melhores condições para criar seus filhos", acrescenta Ferreira.
A questão da
segurança, um fator essencial para brasileiros que migram, também coloca
Portugal e Canadá como destinos preferidos. Ferreira enfatiza que ambos os
países apresentam baixos índices de criminalidade.
Outro aspecto
importante, especialmente no Canadá, é a presença de uma comunidade brasileira
consolidada, o que facilita o processo de adaptação dos novos imigrantes.
Ferreira destaca que essa rede de apoio é fundamental para quem chega ao país.
Por fim, o
especialista compara os perfis dos brasileiros que escolhem migrar para os EUA,
Canadá e Portugal.
"Enquanto os
Estados Unidos atraem quem busca crescimento rápido na carreira, especialmente
nas áreas de tecnologia e inovação, o Canadá é ideal para quem procura
segurança e tranquilidade. Já Portugal, com suas semelhanças culturais e um
custo de vida mais acessível, é a escolha de brasileiros que desejam um
ambiente acolhedor e menos agitado", diz o professor.
• Um passo atrás na carreira
O estudo do Linkedin
mostrou ainda que 75% dos brasileiros estariam dispostos a dar um passo atrás
na carreira se isso significasse uma oportunidade de viver em um país com boa
qualidade de vida.
Segundo os
especialistas, essa decisão, muitas vezes, envolve aceitar posições de menor
responsabilidade ou salários mais baixos, na expectativa de que a mudança traga
benefícios a longo prazo, tanto em termos pessoais quanto profissionais.
Helaine conta que
vivenciou isso por alguns anos quando esteve na Irlanda e ao chegar em
Portugal. No Brasil, ela já tinha uma carreira consolidada e atuava na área de
formação.
Em terras irlandesas
trabalhou como faxineira e, ao desembarcar em Lisboa, cidade onde mora,
precisou trabalhar como moderadora de conteúdo de redes sociais. O trabalho,
segundo ela, era bem estressante, mas Helaine sabia que era algo temporário.
"Nunca me
importei com isso. Eu sabia sim que eu ia ter que fazer isso, e obviamente
depois que eu tivesse o inglês, poderia arrumar uma coisa melhor", conta,
referindo-se à chegada na Irlanda. Atualmente, ela ocupa um cargo sênior em uma
empresa de tecnologia na capital portuguesa.
Kato destaca que esse
"passo atrás" deve ser encarado de forma estratégica. "O salário
pode ser uma consequência dessa escolha, mas 75% estariam dispostos a fazer
isso. Por exemplo, muitas vezes a pessoa é um gerente no Brasil, faz uma migração
e passa a ocupar uma posição em que não é gerente, não lidera um time. Isso
pode ser visto como um retrocesso, mas traz outros benefícios", diz.
"No final, mesmo
não sendo chefe, pode ganhar mais por causa da condição financeira do país e
pela qualidade de vida que ele oferece", explica.
Esse cenário reflete
uma realidade em que o crescimento profissional passa a ser visto de forma mais
ampla, levando em consideração aspectos como experiência internacional e
oportunidade de desenvolvimento. Para muitos, aceitar uma posição de menor
responsabilidade em outro país é um sacrifício necessário para acelerar a
carreira no futuro.
"Quando volto ao
Brasil, posso assumir uma posição acima, mais rápido do que se tivesse
permanecido aqui", ressalta Kato, apontando que as histórias de
brasileiros que passam por essa transição frequentemente mostram esse padrão.
Para o professor de
liderança da FGV São Paulo, a ideia de "passo atrás" reflete a
realidade enfrentada por muitos brasileiros que, ao migrarem, encontram
desafios econômicos e de adaptação no novo país.
"Alguns aceitam
cargos menores e salários mais baixos, principalmente em lugares como Portugal,
onde os salários de executivos são consideravelmente mais baixos que no Brasil.
Para uma classe B e A, já em uma fase intermediária da carreira, mudar-se pode
não ser vantajoso do ponto de vista econômico", observa Ferreira.
Além disso, Ferreira
pontua que as dificuldades de adaptação podem ir além da esfera profissional.
"Essa transição
muitas vezes envolve ajustes em outros aspectos da vida cotidiana. Apoio
doméstico, serviços de entrega, e até a flexibilidade de horários do comércio
são muito diferentes. Isso torna a mudança mais desafiadora, especialmente para
famílias com filhos", explica o professor, sugerindo que os benefícios de
se viver em um país com maior segurança e estabilidade acabam por compensar
essas dificuldades no longo prazo.
• Trabalhar no exterior requer preparo
Imigrar pode não ser
uma decisão fácil, e para ter sucesso no exterior, é preciso planejamento em
diversos aspectos, desde a preparação financeira até a construção de um perfil
profissional atrativo nas plataformas digitais de trabalho.
O professor da FGV
reforça que conhecer o mercado e fortalecer as habilidades técnicas e
interpessoais são passos essenciais para quem quer se destacar fora do Brasil.
"É preciso
investir no desenvolvimento de soft skills, como comunicação e trabalho em
equipe, que são altamente valorizadas em mercados como EUA e Canadá. Além
disso, é importante entender as diferenças culturais e como se comunicar
efetivamente em ambientes empresariais distintos."
Ele também sugere que
quem deseja imigrar pesquise a fundo os processos de imigração, como requisitos
de visto e autorizações de trabalho, e que considere contratar um advogado
especializado em caso de burocracias mais complexas.
Segundo o
especialista, em Portugal e Canadá, por exemplo, os processos de visto tendem a
ser mais acessíveis do que nos EUA, com opções como o visto D7 (autorização de
residência para estrangeiros) em Portugal ou o sistema de cotas no Canadá, que
facilitam a entrada de profissionais estrangeiros.
Além da preparação
técnica, o planejamento financeiro é um ponto crucial. "É essencial
avaliar o custo de vida nas cidades de interesse e compará-lo com a remuneração
oferecida. Isso inclui considerar impostos, seguros e outros gastos locais para
garantir que a mudança será viável economicamente."
Tanto Karoline quanto
Helaine também reforçam que o ponto financeiro é importante. As brasileiras não
recomendam emigrar sem planejamento e enfatizam a importância de uma pesquisa
completa antes de sair do país.
"Uma dica que eu
dou é procurar emprego desde o Brasil e trazer, pelo menos, uns sete mil euros
para os primeiros meses", sugere Helaine para quem deseja viver em
Portugal.
Já Karoline destaca a
importância de fazer entrevistas para se preparar e de se aproximar da
comunidade brasileira com o intuito de reforçar as conexões e, assim, melhorar
o networking tanto no Canadá, como em outros países.
"Sempre tem grupo
de WhatsApp, de Instagram, enfim, do que for, para pedir ajuda, pedir
indicação. Indicação aqui, pelo menos nas empresas que eu trabalhei, vale
muito, muito mesmo. Eles dão prioridade."
Fonte: BBC News Brasil
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