A dor causada por uma perda gestacional
"É muito difícil
se despedir de quem a gente nunca viu." Talvez essa seja a frase que
melhor define a sensação que uma mulher sente quando passa por um aborto
espontâneo. Além da dor física que todo o processo causa, há uma série de
emoções e sentimentos que não nos deixam respirar: culpa, raiva, angústia,
vontade de desistir. Mas enquanto há tudo isso tomando conta da gente, é
preciso levantar a cabeça e seguir em frente. É assim que as pessoas esperam, é
assim que a sociedade cobra, mas saiba, não é assim que deve ser. Respeito ao
momento e à recuperação física devem vir de familiares, amigos e do ambiente
profissional. "Muitas mulheres podem se sentir isoladas, acreditando que
outras pessoas não compreendem sua dor ou sentem que a sociedade espera que
elas superem rapidamente a perda, mas cada um tem seu tempo", explica a
psicóloga Larissa Fonseca.
• A perda gestacional é comum, mas nunca
normal
Por mais doloroso que
possa ser a perda gestacional, ela é bastante comum. "As estimativas não
são consenso entre os médicos, mas acredita-se que uma gestação pode terminar
em aborto espotâneo de 15 a 25% das vezes", explica Fernando Prado, médico
ginecologista, obstetra e especialista em reprodução humana.
Segundo ele, é mais
preocupante quando acontecem abortos de repetição, que são duas ou mais perdas
gestacionais em sequência. "Nesses casos, deve haver uma investigação,
pois pode ser algo mais sério", destaca.
Mas o que será que
pode causar um aborto? "Inúmeras são as causas, desde problemas genéticos,
imunológicos, hormonais até doenças estruturais ou malformações do útero. Tudo
deve ser estudado e detalhado, para determinar exato motivo do aborto",
reforça Prado.
De todas as causas, as
mais comuns são as cromossômicas ou genéticas, normalmente não herdadas dos
pais. O médico ginecologista esclarece que elas surgem pela primeira vez quando
o embrião se forma e não tem capacidade de prosseguir a gravidez, levando ao
aborto.
• As dores emocionais
O caminho até
encontrar a causa da perda pode ser longo, e talvez nem se encontre, já que
existe a chamada Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA), quando os exames não
conseguem diagnosticar os problemas que levaram ao aborto.
Mas além dessa busca
incessante e cruel, o casal ainda precisa lutar contra as dores emocionais
desse episódio. Larissa explica que o aborto pode levar a mulher a desenvolver
quadros de estresse crônico, depressão, ansiedade, crises de angústia, de ansiedade
e síndrome do pânico, TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), problemas
com o sono, e sentimentos ambivalentes (alívio e culpa).
O homem também sofre
com a perda gestacional da parceira. "Ele sente tanto quanto a mulher,
apenas depende do quanto há essa vivência da paternidade e da expectativa antes
mesmo do bebê nascer. A maior diferença está no sentimento de culpa que a mulher
sente por acreditar que possa ter feito algo errado fisicamente em seu
organismo para perder o bebê."
O psicoterapeuta
Thiago Guimarães aponta queessas experiências podem perturbar o equilíbrio
psicológico do casal. "É fundamental reconhecer o impacto emocional que
essa perda tem sobre ambos os parceiros", complementa.
• O luto deve ser vivido
Enfrentar a dor de um
aborto é um processo profundamente individual. "Conversar com alguém, como
uma psicóloga, é fundamental para tal compreensão. A maioria dos abortos
acontece por razões além do controle da mulher, e evitar a autoculpa é crucial para
a recuperação emocional", afirma Larissa.
É vital permitir-se
sentir e expressar todas as emoções, e reconhecer que cada pessoa lida com o
luto à sua maneira.
• Quando tudo isso vai passar?
O tempo necessário
para a recuperação de uma perda gestacional varia de pessoa para pessoa.
"A dor da perda de uma gestação não deve ser ignorada. Ignorar essa dor
pode resultar em complicações emocionais a longo prazo. O importante é permitir
a si mesma o tempo necessário para passar pelo processo de luto e cura",
define Thiago.
E quando há dor, o
tempo parece correr em câmera lenta, e ainda faz questão de mostrar que o mundo
segue colorido quando dentro do peito parece tudo estar se desfazendo. A
frustração e a raiva caminham juntas com a sensação de aperto que sufoca,
especialmente se a causa da perda não é clara. Tudo fica ainda mais complicado
quando os episódios de aborto se enumeram na história da mulher. "Muitas
experimentam ansiedade sobre futuras gestações e temem enfrentar outra
perda", diz Larissa.
• O papel da terapia
A terapia oferece um
ambiente seguro e de apoio para mulheres e homens lidarem com a dor e o trauma
da perda gestacional. Permite que expressem suas emoções e sentimentos sem
julgamentos, ajudando-os a processar e entender a gama complexa de emoções que podem
surgir.
A psicoterapia fornece
estratégias para ajudar a lidar com o luto e a superar desafios emocionais.
Também pode ajudar os casais a reconhecer que, embora possam estar de luto pela
mesma perda, seus modos de processar e expressar essa dor podem ser diferentes
e, isso pode fortalecer o relacionamento ao promover a compreensão e a
comunicação. Para aqueles que desejam tentar conceber novamente, a terapia pode
também auxiliar no enfrentamento de medos e ansiedades relacionados a futuras
gestações.
• O que investigar?
A investigação é
ampla. Primeiramente investigam-se questões genéticas do casal, como alterações
nos cromossomos. Isso também pode ser feito no material do aborto, em um exame
chamado citogenético. Depois pode-se analisar se o útero da mulher tem algum problema
estrutural na anatomia, como malformações, miomas ou pólipos. Doenças hormonais
também são importantes, como diabetes, tireoide e outras. Trombofilias são
igualmente causas de aborto de repetição e podem ser solicitados exames para
excluir está questão. Infecções podem levar a aborto, embora sejam perdas mais
tardias, como no caso da sífilis, por exemplo. "Também existem fatores
imunológicos, algo que a ciência tem pouco conhecimento. Em teoria, a mãe
poderia 'rejeitar' a gravidez por não reconhecer o sistema imune do seu
parceiro, pai da criança", explica o médico Fernando Prato.
• Gravidez tardia e os episódios de aborto
recorrentes
Um dos motivos que
podem levar à perda gestacional é a idade do casal, especialmente da mulher. O
ginecologista explica que, com o passar da idade, o material genético dos
óvulos vai envelhecendo e se deteriorando, o que reduz as chances de gravidez e
aumenta o risco de aborto. No homem esse processo acontece também, mas é bem
lento e ocorre em idades mais tardias.
Um grande problema é
que isso nunca é dito para as mulheres nas consultas de rotina. Será que você
ouviu de seu ginecologista aos 20, 30 anos, que estava na sua melhor idade para
engravidar? Será que após os 35, além dos exames anuais que é preciso fazer, o
médico explicou que seus óvulos envelhecem? Provavelmente a grande maioria das
mulheres nunca ouviu nada disso, mas é fato que cada vez mais, o desejo por
engravidar tem despertado mais tarde. Dados do IBGE também mostram que a
gravidez entre 40 e 44 anos aumentou cerca de 20% na última década. Segurança
profissional, questões financeiras, a certeza de estar com o parceiro ideal são
alguns dos motivos por essa escolha.
Quando o cenário
parece ideal, a vida mostra que talvez seja tarde demais para uma gestação
natural, e aí entram os tratamentos de inseminação e fertilização in vitro. Se
o casal está tentando engravidar há um ano sem sucesso, Prado afirma que é hora
de buscar tratamento com o especialista em reprodução humana.
"Se a mulher tem
mais de 35 anos, esse tempo de espera não deve ultrapassar os seis meses de
tentativas frustradas. A idade da mulher é o principal motivo de sucesso dos
tratamentos para engravidar."
• Perda gestacional pode ser genética ou
hereditária
Ambas situações são
possíveis. Se a mulher ou o parceiro possuem alguma doença genética ou
cromossômica, ela pode ser transmitida e ser causa de aborto. Também podem
acontecer novas mutações no embrião formado, que não foram herdadas dos pais, e
essas alterações causarem abortos.
• Após a perda gestacional: Qual a hora de
tentar de novo?
Essa é uma resposta
que só mesmo o casal pode responder (após a liberação médica), mas olhar para
dentro de si e se sentir fortalecido é o primeiro passo para buscar um novo
positivo. Se vai dar certo ou não, nem mesmo a medicina, com todo seu auxílio,
pode garantir. Mas nada gera mais felicidade do que ver aqueles dois tracinhos
no teste de farmácia. E eu, como uma mulher que já passou por quatro perdas,
garanto: a alegria por estar grávida é tão grande quanto a dor que vem quando a
ultrassom não mostra os batimentos cardíacos, e por isso, só nós podemos
resolver quais serão os próximos passos.
Fonte: Revista Malu
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