César Fonseca: Neoliberalismo
semipresidencialista derrota esquerda e consagra centro-direita na eleição
municipal
O semipresidencialismo
neoliberal, que a centro-direita apoiada pela ultradireita e o mercado
financeiro articularam no parlamento, para montar arcabouço fiscal
antidesenvolvimentista, foi o principal responsável pela ampla derrota
eleitoral do governo lulista nas eleições municipais.
A articulação implica
negociação política que garantiu os conservadores antilulistas as verbas
parlamentares com as quais centro, direita e ultradireita compraram o apoio dos
prefeitos e governadores aliados; ao mesmo tempo a política monetarista e fiscal
restritiva, imposta pelo mercado financeiro, sustentou taxa de juro Selic que
não deixou a economia deslanchar-se, sustentavelmente, desgastando Lula e
afetando sua popularidade.
De um lado, o mercado
financeiro, com a Selic nas alturas dos 10,75% anuais, faz a farra da Faria
Lima, transferindo ao mercado mais de R$ 800 bilhões, bloqueando o
desenvolvimentismo lulista; de outro, os conservadores antilulistas,
asseguraram mais de R$50 bilhões, em emendas parlamentares, acima das
necessidades fiscais do governo, da ordem de R$ 40 bilhões, para tocar seus
projetos sociais, em 2024.
A combinação das duas
providências, econômico-financeira e política, foram mais do que suficientes
para organizar a vitória eleitoral; a política econômica, dominada pelas regras
neoliberais, deixou juros proibitivos aos investimentos dos setores produtivos.
Os empresários, diante
da política fiscal e monetária restritivas, descolaram da produção para a
especulação e os investimentos não foram realizados para sustentar o
desenvolvimentismo lulista na escala capaz de ganhar politicamente os aliados
com os quais Lula contou para triunfar em 2022, façanha impossível, agora, de
ser repetida sob regras neoliberais.
A economia patinou de
2023 até agora, avançando para final de 2024, porque se estacionou perante a
especulação da Faria Lima, aliada ao Congresso de maioria liberal, empenhada em
impedir o sucesso desenvolvimentista lulista.
Tal aliança política
ultraconservadora montou a armadilha do mercado com a direita, ultra direita e
centro, para manter o governo em compasso de espera relativamente aos projetos
de desenvolvimento.
Era o que os
adversários queriam para evitar Lula de alcançar popularidade com política
desenvolvimentista.
Os conservadores, de
um lado, garantiram para si os recursos das emendas parlamentares para
conquistar o apoio dos prefeitos ideologicamente aliados; de outro, se sentiram
confortáveis em ver o governo enfrentar as dificuldades para que não alcançasse
o triunfo eleitoral em 2024.
GOVERNABILIDADE
INSEGURA
O governo Lula foi
para as eleições inseguro de sua performance ao se sentir amordaçado pela
política econômica de direita e ultradireita tocada pelo Banco Central sob
pressão do mercado financeiro.
O semipresidencialismo
neoliberal consagrou a aliança conservadora que garantiu a vitória da direita,
ultradireita e centro-direita, fixando a correlação de forças que continuará
mandando no Congresso, pelo menos, nos próximos dois anos.
É tal correlação que
garantirá o fluxo financeiro das emendas parlamentares para as bases aliadas
conservadoras que acabam de garantir ampla vitória eleitoral.
Se a receita deu certo
nos dois primeiros anos de governo, a partir da maioria anti-governo no
parlamento, porque não daria, depois da vitória eleitoral, para os dois anos
restantes que separam o país da eleição presidencial de 2026.
A oposição colocou o
governo em situação de ingovernabilidade.
REFORMA MINISTERIAL À
VISTA
Para sair dessa
armadilha, o presidente Lula precisará fazer reforma ministerial, de modo a
dividir o governo com os vencedores das eleições municipais.
Não basta ao governo,
pelo que demonstram os resultados eleitorais, buscar simples acomodação com os conservadores,
que acabam de derrotá-lo.
A direita,
ultradireita e centro se mostrarão, com o triunfo eleitoral, insaciáveis;
exigirão mais para apoiar qualquer pleito governamental no parlamento.
Se essa tendência de
subordinar o governo ao ajuste fiscal, exigido pelo mercado com apoio do
legislativo, tornou-o restrito em suas ações ao longo de 2023 e 2024, agora,
quando a oposição se consagra nas urnas, com vitória acachapante, é certo que a
real-politik opositora aprofundará exigência em favor de benesses para si como
preço para aprovar os pleitos governamentais.
Não estará, portanto,
afastada hipótese, cada vez mais plausível, de o semipresidencialismo
neoliberal defender o discurso da Faria Lima em favor da privatização de ativos
estatais, como faz o governador neoliberal de São Paulo, o bolsonarista
Tarcísio de Freitas.
Será ou não a moeda de
troca do acesso da oposição aos postos mais cobiçados do governo, tanto na área
político-administrativa, como na área financeira, por exemplo, bancos estatais?
A pressão sobre Lula
para acelerar sucateamento estatal, na linha de Bolsonaro e Paulo Guedes, bem
como concessão de benefícios fiscais, especialmente, ao setor mais dinâmico da
economia, na atualidade, nas explorações de matérias primas – agricultura, petróleo,
gás etc – tende ser a tendência do neoliberalismo ancorado no ajuste fiscal
antidesenvolvimentista.
O anti
desenvolvimentismo conservador não deixa a economia crescer sustentavelmente,
para garantir vitórias eleitorais da direita, ultradireita e centro, e o ajuste
fiscal para assegurar tanto o pagamento dos juros da dívida como das emendas
parlamentares.
O jogo
semipresidencialista neoliberal, portanto, é a armadilha que continuará
desgastando Lula e garantido o prestígio do centro-direita no plano federativo,
de olho em 2026.
• Vitória das direitas tem de levar em
conta a ajuda das emendas Pix. Por Denise Assis
Essa eleição teve uma
serventia além do seu papel fundamental de reafirmar a democracia e escolher,
por voto livre e espontâneo, os prefeitos e vereadores. Serviu também para
deixar patente o quanto a passagem de Jair Bolsonaro pela direção do país fez mal
a todos nós, principalmente à política.
O que assistimos no
dia de ontem, domingo (06/10), nada mais foi do que o transbordo dos desmandos
do seu mandato para o pleito deste ano. Aos analistas que apontam para os
telões, constatando o óbvio: as direitas venceram a eleição, eu diria: hãhã,
venceram mesmo. O que falta perguntar é: como? E aí, eu usaria aquela
expressão: “siga o dinheiro”.
Simples. A instituição
do orçamento secreto — laboriosamente criado no gabinete do general Ramos, de
quem não se ouve um pio —, e que, depois de muitas cambalhotas, transformou-se
em “emendas Pix”, iniciou lá atrás, ainda quando eram transacionadas pelos
deputados para os seus redutos. Ali começou-se a delinear a vitória dos
vereadores e prefeitos que sairiam vitoriosos do pleito. A turma do Centrão.
Quem apenas constata que as esquerdas perderam parte do seu capital eleitoral
vê a árvore, mas não vislumbra a floresta.
Num plano encapetado e
arquitetado lá atrás, naqueles gabinetes onde o que se fazia era só elaborar
projetos para não perder o poder de jeito nenhum, foi-se estudando, tal como o
traçado de uma rede de esgoto, por onde trafegariam os recursos tirados, na
marra, dos cofres públicos, para irrigar os redutos das direitas. Aquele
segmento que está em Brasília sempre disposto a trazer mais e mais dos seus
para grandes negócios em troca do voto desprovido de ideologia. Um Pix para lá,
um voto para cá, e cada deputado foi tendo o seu latifúndio, onde foram
encaixando as candidaturas dos seus interesses. Rastreando as emendas Pix e que
tais, chegar-se-á (meu sonho era executar uma mesóclise à moda Michel!) aos
caminhos da vitória das direitas.
Tudo bem que, se
ligarmos a TV, há teorias a mil. Há os que diagnosticam o envelhecimento do
discurso petista. Há os que discorrem sobre números sem fim para chegar ao
total inegável da larga diferença entre uma banda e outra. E há os que
simplesmente constatam que será muito difícil o partido ampliar a vitória para
cidades importantes, como São Paulo, por exemplo, porque já não conta com a
militância das periferias. O que não há é quem tenha coragem para constatar
alguns pontos que nos legaram tal resultado: sim, os recursos das emendas Pix
irrigaram as campanhas da direita, como foi o plano original. Primeiro, para
dar suporte à campanha de Jair em 2022, e aos deputados e governadores do seu
partido. Depois, o presidente da Câmara, Arthur Lira, prosseguiu com o “fluxo”
e elegeu com folga, por exemplo, o seu pupilo, em Alagoas, João Henrique
Caldas, o JHC (PL).
Além dessa prática, a
do trânsito de recursos por dutos muito bem camuflados, por onde escoaram as
emendas Pix, outro ponto de importante contribuição para a ampliação das
direitas, que não se pode deixar de anotar, foi a liberdade de Jair no ir e vir
das campanhas.
Inegavelmente, sua
ajuda influiu em várias regiões, bem ao contrário do argumento do PGR, Paulo
Gonet. Para não o indiciar, alegou evitar “influenciar no processo eleitoral”,
quando todos sabiam que o efeito desejado era exatamente o desfecho obtido.
Quem tiver dúvida
sobre o sucesso dessas manobras pode recorrer aos números trazidos em artigo
pelo integrante da executiva nacional do PT, Valter Pomar, ao falar dos votos
obtidos, na eleição de prefeituras, por todos os partidos que vão do centro até
a extrema-direita. “O resultado é superior a 91 milhões e 200 mil votos.
Fazendo a mesma conta, mas considerando todos os partidos que vão do centro até
a esquerda, o resultado é pouco maior do que 22 milhões e 300 mil votos”.
Agora o prazo de Gonet
é o final do segundo turno. Seu zelo pela lisura das eleições chega a ser
comovente. Daqui a pouco, já é Natal na Líder Magazine e Gonet não vai agir
para não azedar o clima das famílias na ceia de confraternização. E, pensando
bem, o espaço entre Natal e réveillon é tão pequeno, que é bem possível que ele
avalie se não é melhor esperar 2025 chegar...
• O feitiço virou contra o feiticeiro. Por
Elisabeth Lopes
Num dia em que
deveríamos comemorar os 36 anos da Constituição Brasileira cidadã, nos
deparamos com mais um crime eleitoral. O que esperar de um candidato tão
deplorável? Pablo Marçal (PRTB) mais uma vez degenerou o devido processo
eleitoral ao publicar nas redes sociais um falso e criminoso laudo médico sobre
o candidato Guilherme Boulos (PSOL), à véspera das eleições para prefeitura de
São Paulo.
Desta vez, o feitiço
virou contra o feiticeiro que foi longe demais com sua poção venenosa para
acabar com o adversário. Marçal está fora do segundo turno, apesar do número
assustador de votos que conseguiu amealhar. No entanto, nem sempre o desfecho
ocorre desse modo.
Ainda está presente na
memória indignada de alguns eleitores a mentira divulgada à véspera da eleição
presidencial em 1989, em que Lula concorria à presidência do país com o
deprimente caçador de marajás, Fernando Collor de Melo. O sequestro do
empresário Abilio Diniz foi usado para acabar com a imagem do Partido dos
Trabalhadores (PT). A mídia corporativa, patrocinada pela elite econômica que
não aceitava ter um torneiro mecânico no executivo federal, divulgou a mentira
de que teriam membros do PT envolvidos no sequestro do dono do grupo Pão de
Açúcar.
Após Collor ter
vencido as eleições, veio à tona a verdade. Ficou comprovado que não havia
nenhum indício do envolvimento de filiados do PT no sequestro do empresário. A
fake news usada para retirar Lula do páreo eleitoral contra Collor foi
registrada pelo Jornalista Mario Sergio Conti, em sua obra Notícias do
Planalto: a imprensa e o poder nos anos Collor ao referir que: “as
investigações posteriores provaram que nenhum militante do PT estivera
envolvido no sequestro de Abílio Diniz, realizado por aventureiros ligados a
grupos esquerdistas da América Central. Os sequestradores disseram em juízo que
policiais civis os torturaram e, antes de os apresentarem à imprensa, os
forçaram a vestir camisetas do PT”.
Como consequência
dessa mentira, o destino do país, em 1989, foi mudado por uma infame fake News.
Do mesmo modo, em 2024 a futura administração da cidade de São Paulo poderá ser
maculada pelas artimanhas ilegais de um candidato comprovadamente à margem de
qualquer princípio moral e ético. Este marginal que ambiciona administrar o
erário da mais rica e exuberante cidade da América Latina tem que ser parado,
senão pela justiça eleitoral tardia, pelo povo cansado de políticos sem
escrúpulos, que enriquecem inexplicavelmente da noite para o dia.
Na era da propagação
veloz de infinitas informações é difícil não sermos afetados em nossa
racionalidade analítica sobre o que é verdade e o que é mentira. Caso não
sejamos cautelosos, a nossa sucumbência à inverdade poderá ser fatal. Quantas
mensagens acessamos nas redes sociais, que nos confundem à primeira vista e
pela pressa não as investigamos? As imagens e vozes produzidas pela
inteligência artificial podem nos fazer crer que são autênticas.
A luta entre a mentira
e a verdade esteve sempre presente na sociedade. Na eleição presidencial de
1945, o empresário Hugo Borghi, dono de estações de rádio e apoiador do
candidato Eurico Gaspar Dutra, divulgou uma mentira contra o seu adversário,
brigadeiro Eduardo Gomes, referindo que este havia declarado que não precisaria
do voto de eleitores, que supostamente teria identificado como marmiteiros.
Essa nota distorcida sobre a fala do brigadeiro caiu como uma luva na opinião
pública.
Há leis para frear as
calúnias, as difamações, as mentiras indecorosas, no entanto, a rapidez no
julgamento dos que mascaram a realidade não chega a tempo de evitar o estrago e
a destruição produzida. Os escombros causados pela inverdade permanecem no ar
por muito tempo.
Como evitar esse mal?
Como barrar as “Mentiras que parecem verdades” tão bem analisadas na obra de
Umberto Eco e Marisa Bonazzi. Um projeto semiótico que analisa os livros
didáticos italianos, oferecendo pistas necessárias para romper com armadilhas
ideológicas, habilmente engendradas em imagens e textos de livros escolares
tendenciosos, com o objetivo de reforçar o conservadorismo, o papel patriarcal
do homem em relação à figura da mulher na sociedade, a submissão a valores e
costumes retrógados entre outras narrativas.
Ao transferirmos as
análises de Umberto e Marisa para o contexto político, ficam visíveis os
ilusionismos dos discursos da extrema direita, de suas propagandas eleitorais,
de seu ideário reacionário do alcance de poder econômico a qualquer preço, do
machismo, da misoginia, da meritocracia, da acumulação do capital, da absoluta
idolatria ao neoliberalismo e do cultivo de mentiras que parecem verdades.
Nesse horizonte
pérfido, o candidato mal intencionado deforma um fato a respeito da vida de seu
adversário, convertendo a verdade em uma mentira no intuito de minar de vez sua
reputação.
No ensaio de Hanna
Arendt Verdade e Política, publicado em fevereiro de 1967 na revista The New
Yorker e depois adicionado a seu livro Entre o passado e o futuro, Hanna refere
que “as mentiras sempre foram instrumentos necessários e legítimos, não somente
do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista”.
Ampliando o espectro
das mentiras, que contadas tantas vezes viram verdades, ao modo do nazista Paul
Joseph Goebbels, é imperativo referir que na democracia burguesa a metamorfose
da verdade em fake é recorrente.
Segundo o professor
Mauro Iasi: “como uma cobra que troca de pele, o poder burguês se desfaz das
formas que lhes foram úteis para apresentar novas para que continuem sendo
eficazes. Isto significa que estão preparando a próxima mentira e ela será
apresentada como a mais nova e enfim revelada… verdade” (Disponível em:
https://blogdaboitempo.com.br/2017/04/11/a-mentira-e-a-pos-verdade/).
A democracia liberal
renova seu acervo de inverdades aprimorando-o de tempos em tempos no sentido de
perpetuar sua dominação. O Congresso brasileiro, por exemplo, formado
majoritariamente por parlamentares da extrema direita e do centrão, sustentados
pelo racionalismo capitalista e pela defesa de interesses corporativos, não
produz as mudanças estruturais falsamente prometidas ao povo, durante as
campanhas eleitorais mentirosas. A esquerda, em minoria, não reúne força
suficiente para barrar a aprovação de projetos que ferem os interesses da
classe trabalhadora. A prática de controle social pelo povo nem sempre é
eficaz, por vezes grande parte dos eleitores nem lembra em quem votou.
Romper com essa
realidade inóspita da mentira que parece verdade e as consequentes más escolhas
de políticos oportunistas, que se valem da mentira para galgar o poder e
enganar o povo não é tarefa fácil, mas não é impossível.
Essa demanda é urgente
e necessária mediante uma sociedade com tanta desigualdade social, onde a fome
e a miséria persistem com profundos abismos entre o que se locupletam da
mentira e os que sucumbem enganados vilmente por ela. Assim, é imprescindível a
criação de mecanismos institucionais céleres que protejam o povo contra a morte
súbita da verdade.
Fonte: Brasil 247
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