quarta-feira, 9 de outubro de 2024

César Fonseca: Neoliberalismo semipresidencialista derrota esquerda e consagra centro-direita na eleição municipal

O semipresidencialismo neoliberal, que a centro-direita apoiada pela ultradireita e o mercado financeiro articularam no parlamento, para montar arcabouço fiscal antidesenvolvimentista, foi o principal responsável pela ampla derrota eleitoral do governo lulista nas eleições municipais.

A articulação implica negociação política que garantiu os conservadores antilulistas as verbas parlamentares com as quais centro, direita e ultradireita compraram o apoio dos prefeitos e governadores aliados; ao mesmo tempo a política monetarista e fiscal restritiva, imposta pelo mercado financeiro, sustentou taxa de juro Selic que não deixou a economia deslanchar-se, sustentavelmente, desgastando Lula e afetando sua popularidade.

De um lado, o mercado financeiro, com a Selic nas alturas dos 10,75% anuais, faz a farra da Faria Lima, transferindo ao mercado mais de R$ 800 bilhões, bloqueando o desenvolvimentismo lulista; de outro, os conservadores antilulistas, asseguraram mais de R$50 bilhões, em emendas parlamentares, acima das necessidades fiscais do governo, da ordem de R$ 40 bilhões, para tocar seus projetos sociais, em 2024.

A combinação das duas providências, econômico-financeira e política, foram mais do que suficientes para organizar a vitória eleitoral; a política econômica, dominada pelas regras neoliberais, deixou juros proibitivos aos investimentos dos setores produtivos.

Os empresários, diante da política fiscal e monetária restritivas, descolaram da produção para a especulação e os investimentos não foram realizados para sustentar o desenvolvimentismo lulista na escala capaz de ganhar politicamente os aliados com os quais Lula contou para triunfar em 2022, façanha impossível, agora, de ser repetida sob regras neoliberais.

A economia patinou de 2023 até agora, avançando para final de 2024, porque se estacionou perante a especulação da Faria Lima, aliada ao Congresso de maioria liberal, empenhada em impedir o sucesso desenvolvimentista lulista.

Tal aliança política ultraconservadora montou a armadilha do mercado com a direita, ultra direita e centro, para manter o governo em compasso de espera relativamente aos projetos de desenvolvimento.

Era o que os adversários queriam para evitar Lula de alcançar popularidade com política desenvolvimentista.

Os conservadores, de um lado, garantiram para si os recursos das emendas parlamentares para conquistar o apoio dos prefeitos ideologicamente aliados; de outro, se sentiram confortáveis em ver o governo enfrentar as dificuldades para que não alcançasse o triunfo eleitoral em 2024.

GOVERNABILIDADE INSEGURA

O governo Lula foi para as eleições inseguro de sua performance ao se sentir amordaçado pela política econômica de direita e ultradireita tocada pelo Banco Central sob pressão do mercado financeiro.

O semipresidencialismo neoliberal consagrou a aliança conservadora que garantiu a vitória da direita, ultradireita e centro-direita, fixando a correlação de forças que continuará mandando no Congresso, pelo menos, nos próximos dois anos.

É tal correlação que garantirá o fluxo financeiro das emendas parlamentares para as bases aliadas conservadoras que acabam de garantir ampla vitória eleitoral.

Se a receita deu certo nos dois primeiros anos de governo, a partir da maioria anti-governo no parlamento, porque não daria, depois da vitória eleitoral, para os dois anos restantes que separam o país da eleição presidencial de 2026.

A oposição colocou o governo em situação de ingovernabilidade.

REFORMA MINISTERIAL À VISTA

Para sair dessa armadilha, o presidente Lula precisará fazer reforma ministerial, de modo a dividir o governo com os vencedores das eleições municipais.

Não basta ao governo, pelo que demonstram os resultados eleitorais, buscar simples acomodação com os conservadores, que acabam de derrotá-lo.

A direita, ultradireita e centro se mostrarão, com o triunfo eleitoral, insaciáveis; exigirão mais para apoiar qualquer pleito governamental no parlamento.

Se essa tendência de subordinar o governo ao ajuste fiscal, exigido pelo mercado com apoio do legislativo, tornou-o restrito em suas ações ao longo de 2023 e 2024, agora, quando a oposição se consagra nas urnas, com vitória acachapante, é certo que a real-politik opositora aprofundará exigência em favor de benesses para si como preço para aprovar os pleitos governamentais.

Não estará, portanto, afastada hipótese, cada vez mais plausível, de o semipresidencialismo neoliberal defender o discurso da Faria Lima em favor da privatização de ativos estatais, como faz o governador neoliberal de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas.

Será ou não a moeda de troca do acesso da oposição aos postos mais cobiçados do governo, tanto na área político-administrativa, como na área financeira, por exemplo, bancos estatais?

A pressão sobre Lula para acelerar sucateamento estatal, na linha de Bolsonaro e Paulo Guedes, bem como concessão de benefícios fiscais, especialmente, ao setor mais dinâmico da economia, na atualidade, nas explorações de matérias primas – agricultura, petróleo, gás etc – tende ser a tendência do neoliberalismo ancorado no ajuste fiscal antidesenvolvimentista.

O anti desenvolvimentismo conservador não deixa a economia crescer sustentavelmente, para garantir vitórias eleitorais da direita, ultradireita e centro, e o ajuste fiscal para assegurar tanto o pagamento dos juros da dívida como das emendas parlamentares.

O jogo semipresidencialista neoliberal, portanto, é a armadilha que continuará desgastando Lula e garantido o prestígio do centro-direita no plano federativo, de olho em 2026.

 

•        Vitória das direitas tem de levar em conta a ajuda das emendas Pix. Por Denise Assis

Essa eleição teve uma serventia além do seu papel fundamental de reafirmar a democracia e escolher, por voto livre e espontâneo, os prefeitos e vereadores. Serviu também para deixar patente o quanto a passagem de Jair Bolsonaro pela direção do país fez mal a todos nós, principalmente à política.

O que assistimos no dia de ontem, domingo (06/10), nada mais foi do que o transbordo dos desmandos do seu mandato para o pleito deste ano. Aos analistas que apontam para os telões, constatando o óbvio: as direitas venceram a eleição, eu diria: hãhã, venceram mesmo. O que falta perguntar é: como? E aí, eu usaria aquela expressão: “siga o dinheiro”.

Simples. A instituição do orçamento secreto — laboriosamente criado no gabinete do general Ramos, de quem não se ouve um pio —, e que, depois de muitas cambalhotas, transformou-se em “emendas Pix”, iniciou lá atrás, ainda quando eram transacionadas pelos deputados para os seus redutos. Ali começou-se a delinear a vitória dos vereadores e prefeitos que sairiam vitoriosos do pleito. A turma do Centrão. Quem apenas constata que as esquerdas perderam parte do seu capital eleitoral vê a árvore, mas não vislumbra a floresta.

Num plano encapetado e arquitetado lá atrás, naqueles gabinetes onde o que se fazia era só elaborar projetos para não perder o poder de jeito nenhum, foi-se estudando, tal como o traçado de uma rede de esgoto, por onde trafegariam os recursos tirados, na marra, dos cofres públicos, para irrigar os redutos das direitas. Aquele segmento que está em Brasília sempre disposto a trazer mais e mais dos seus para grandes negócios em troca do voto desprovido de ideologia. Um Pix para lá, um voto para cá, e cada deputado foi tendo o seu latifúndio, onde foram encaixando as candidaturas dos seus interesses. Rastreando as emendas Pix e que tais, chegar-se-á (meu sonho era executar uma mesóclise à moda Michel!) aos caminhos da vitória das direitas.

Tudo bem que, se ligarmos a TV, há teorias a mil. Há os que diagnosticam o envelhecimento do discurso petista. Há os que discorrem sobre números sem fim para chegar ao total inegável da larga diferença entre uma banda e outra. E há os que simplesmente constatam que será muito difícil o partido ampliar a vitória para cidades importantes, como São Paulo, por exemplo, porque já não conta com a militância das periferias. O que não há é quem tenha coragem para constatar alguns pontos que nos legaram tal resultado: sim, os recursos das emendas Pix irrigaram as campanhas da direita, como foi o plano original. Primeiro, para dar suporte à campanha de Jair em 2022, e aos deputados e governadores do seu partido. Depois, o presidente da Câmara, Arthur Lira, prosseguiu com o “fluxo” e elegeu com folga, por exemplo, o seu pupilo, em Alagoas, João Henrique Caldas, o JHC (PL).

Além dessa prática, a do trânsito de recursos por dutos muito bem camuflados, por onde escoaram as emendas Pix, outro ponto de importante contribuição para a ampliação das direitas, que não se pode deixar de anotar, foi a liberdade de Jair no ir e vir das campanhas.

Inegavelmente, sua ajuda influiu em várias regiões, bem ao contrário do argumento do PGR, Paulo Gonet. Para não o indiciar, alegou evitar “influenciar no processo eleitoral”, quando todos sabiam que o efeito desejado era exatamente o desfecho obtido.

Quem tiver dúvida sobre o sucesso dessas manobras pode recorrer aos números trazidos em artigo pelo integrante da executiva nacional do PT, Valter Pomar, ao falar dos votos obtidos, na eleição de prefeituras, por todos os partidos que vão do centro até a extrema-direita. “O resultado é superior a 91 milhões e 200 mil votos. Fazendo a mesma conta, mas considerando todos os partidos que vão do centro até a esquerda, o resultado é pouco maior do que 22 milhões e 300 mil votos”.

Agora o prazo de Gonet é o final do segundo turno. Seu zelo pela lisura das eleições chega a ser comovente. Daqui a pouco, já é Natal na Líder Magazine e Gonet não vai agir para não azedar o clima das famílias na ceia de confraternização. E, pensando bem, o espaço entre Natal e réveillon é tão pequeno, que é bem possível que ele avalie se não é melhor esperar 2025 chegar...

 

•        O feitiço virou contra o feiticeiro. Por Elisabeth Lopes

Num dia em que deveríamos comemorar os 36 anos da Constituição Brasileira cidadã, nos deparamos com mais um crime eleitoral. O que esperar de um candidato tão deplorável? Pablo Marçal (PRTB) mais uma vez degenerou o devido processo eleitoral ao publicar nas redes sociais um falso e criminoso laudo médico sobre o candidato Guilherme Boulos (PSOL), à véspera das eleições para prefeitura de São Paulo.

Desta vez, o feitiço virou contra o feiticeiro que foi longe demais com sua poção venenosa para acabar com o adversário. Marçal está fora do segundo turno, apesar do número assustador de votos que conseguiu amealhar. No entanto, nem sempre o desfecho ocorre desse modo.

Ainda está presente na memória indignada de alguns eleitores a mentira divulgada à véspera da eleição presidencial em 1989, em que Lula concorria à presidência do país com o deprimente caçador de marajás, Fernando Collor de Melo. O sequestro do empresário Abilio Diniz foi usado para acabar com a imagem do Partido dos Trabalhadores (PT). A mídia corporativa, patrocinada pela elite econômica que não aceitava ter um torneiro mecânico no executivo federal, divulgou a mentira de que teriam membros do PT envolvidos no sequestro do dono do grupo Pão de Açúcar.

Após Collor ter vencido as eleições, veio à tona a verdade. Ficou comprovado que não havia nenhum indício do envolvimento de filiados do PT no sequestro do empresário. A fake news usada para retirar Lula do páreo eleitoral contra Collor foi registrada pelo Jornalista Mario Sergio Conti, em sua obra Notícias do Planalto: a imprensa e o poder nos anos Collor ao referir que: “as investigações posteriores provaram que nenhum militante do PT estivera envolvido no sequestro de Abílio Diniz, realizado por aventureiros ligados a grupos esquerdistas da América Central. Os sequestradores disseram em juízo que policiais civis os torturaram e, antes de os apresentarem à imprensa, os forçaram a vestir camisetas do PT”.

Como consequência dessa mentira, o destino do país, em 1989, foi mudado por uma infame fake News. Do mesmo modo, em 2024 a futura administração da cidade de São Paulo poderá ser maculada pelas artimanhas ilegais de um candidato comprovadamente à margem de qualquer princípio moral e ético. Este marginal que ambiciona administrar o erário da mais rica e exuberante cidade da América Latina tem que ser parado, senão pela justiça eleitoral tardia, pelo povo cansado de políticos sem escrúpulos, que enriquecem inexplicavelmente da noite para o dia.

Na era da propagação veloz de infinitas informações é difícil não sermos afetados em nossa racionalidade analítica sobre o que é verdade e o que é mentira. Caso não sejamos cautelosos, a nossa sucumbência à inverdade poderá ser fatal. Quantas mensagens acessamos nas redes sociais, que nos confundem à primeira vista e pela pressa não as investigamos? As imagens e vozes produzidas pela inteligência artificial podem nos fazer crer que são autênticas.

A luta entre a mentira e a verdade esteve sempre presente na sociedade. Na eleição presidencial de 1945, o empresário Hugo Borghi, dono de estações de rádio e apoiador do candidato Eurico Gaspar Dutra, divulgou uma mentira contra o seu adversário, brigadeiro Eduardo Gomes, referindo que este havia declarado que não precisaria do voto de eleitores, que supostamente teria identificado como marmiteiros. Essa nota distorcida sobre a fala do brigadeiro caiu como uma luva na opinião pública.    

Há leis para frear as calúnias, as difamações, as mentiras indecorosas, no entanto, a rapidez no julgamento dos que mascaram a realidade não chega a tempo de evitar o estrago e a destruição produzida. Os escombros causados pela inverdade permanecem no ar por muito tempo.

Como evitar esse mal? Como barrar as “Mentiras que parecem verdades” tão bem analisadas na obra de Umberto Eco e Marisa Bonazzi. Um projeto semiótico que analisa os livros didáticos italianos, oferecendo pistas necessárias para romper com armadilhas ideológicas, habilmente engendradas em imagens e textos de livros escolares tendenciosos, com o objetivo de reforçar o conservadorismo, o papel patriarcal do homem em relação à figura da mulher na sociedade, a submissão a valores e costumes retrógados entre outras narrativas.

Ao transferirmos as análises de Umberto e Marisa para o contexto político, ficam visíveis os ilusionismos dos discursos da extrema direita, de suas propagandas eleitorais, de seu ideário reacionário do alcance de poder econômico a qualquer preço, do machismo, da misoginia, da meritocracia, da acumulação do capital, da absoluta idolatria ao neoliberalismo e do cultivo de mentiras que parecem verdades.

Nesse horizonte pérfido, o candidato mal intencionado deforma um fato a respeito da vida de seu adversário, convertendo a verdade em uma mentira no intuito de minar de vez sua reputação.

No ensaio de Hanna Arendt Verdade e Política, publicado em fevereiro de 1967 na revista The New Yorker e depois adicionado a seu livro Entre o passado e o futuro, Hanna refere que “as mentiras sempre foram instrumentos necessários e legítimos, não somente do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista”.

Ampliando o espectro das mentiras, que contadas tantas vezes viram verdades, ao modo do nazista Paul Joseph Goebbels, é imperativo referir que na democracia burguesa a metamorfose da verdade em fake é recorrente.

Segundo o professor Mauro Iasi: “como uma cobra que troca de pele, o poder burguês se desfaz das formas que lhes foram úteis para apresentar novas para que continuem sendo eficazes. Isto significa que estão preparando a próxima mentira e ela será apresentada como a mais nova e enfim revelada… verdade” (Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2017/04/11/a-mentira-e-a-pos-verdade/).

A democracia liberal renova seu acervo de inverdades aprimorando-o de tempos em tempos no sentido de perpetuar sua dominação. O Congresso brasileiro, por exemplo, formado majoritariamente por parlamentares da extrema direita e do centrão, sustentados pelo racionalismo capitalista e pela defesa de interesses corporativos, não produz as mudanças estruturais falsamente prometidas ao povo, durante as campanhas eleitorais mentirosas. A esquerda, em minoria, não reúne força suficiente para barrar a aprovação de projetos que ferem os interesses da classe trabalhadora. A prática de controle social pelo povo nem sempre é eficaz, por vezes grande parte dos eleitores nem lembra em quem votou.

Romper com essa realidade inóspita da mentira que parece verdade e as consequentes más escolhas de políticos oportunistas, que se valem da mentira para galgar o poder e enganar o povo não é tarefa fácil, mas não é impossível.

Essa demanda é urgente e necessária mediante uma sociedade com tanta desigualdade social, onde a fome e a miséria persistem com profundos abismos entre o que se locupletam da mentira e os que sucumbem enganados vilmente por ela. Assim, é imprescindível a criação de mecanismos institucionais céleres que protejam o povo contra a morte súbita da verdade.

 

Fonte: Brasil 247

 

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