Kohei Saito: “O decrescimento é o nosso
destino”
Doutor em filosofia
pela Universidade Humboldt, de Berlim, e professor associado da
Universidade de Tóquio, Kōhei Saitō, de 37 anos, é também o mais jovem vencedor
do Prêmio Deutscher Memorial, que premia os escritos marxistas mais
inovadores. Em Moins! La décroissance est une philosophie (Menos!
O decrescimento é uma filosofia), que vendeu 500 mil exemplares no Japão, o
acadêmico tenta uma associação ousada entre os escritos de Marx, a
ecologia e o decrescimento, que ele chama de “comunismo decrescimentista”.
Marcado pelo acidente nuclear de Fukushima em
2011, Kōhei Saitō acredita que o marxismo deve ir além da questão do
produtivismo e abraçar a questão própria do nosso tempo, a saber, os limites
planetários. A entrevista é de Matthieu Giroux, publicada por Usbek & Rica.
<><> Eis a
entrevista.
·
Como é visto o discurso decrescimentista
num país como o Japão, conhecido pelo seu poder industrial e pelo seu fascínio
pelas novas tecnologias?
Não é muito diferente
da França. As pessoas tendem a ter uma imagem negativa do decrescimento e do comunismo. O sucesso que meu livro obteve foi,
portanto, uma surpresa. Dito isto, foi publicado durante a pandemia, em um
momento em que as pessoas diziam que precisávamos mudar o nosso estilo de vida
e desacelerar. É claro que a pandemia causou muitos problemas, mas também
proporcionou tempo livre às pessoas, especialmente para estar com as suas famílias.
Isso permitiu que se concentrassem em coisas essenciais. Então talvez fosse um
bom momento para refletir sobre os excessos do capitalismo japonês. Além disso,
a economia japonesa está estagnada há décadas e os cidadãos abandonaram a ideia
de que ela iria se recuperar novamente. Sucessivos governos tentaram de tudo:
desregulamentação, privatização, flexibilização quantitativa… Mas não
funcionou! Talvez precisemos aceitar o fato de que o decrescimento é o nosso
destino.
·
Foram tomadas medidas políticas nos últimos
anos no Japão para promover a ecologia ou o decrescimento?
Os políticos japoneses
estão obcecados com o crescimento. O primeiro-ministro Fumio
Kishida renunciará na próxima semana e o Partido Liberal
Democrata (LDP) está em processo de escolha de um novo líder. Seu provável
sucessor, Shigeru Ishiba, com quem pude conversar em programas de
televisão, parece aceitar algumas ideias decrescimentistas. É uma pessoa que vem do interior, que gosta do transporte
público e que aceita o fato de podermos trabalhar menos. Mas, no geral, as
mudanças climáticas e o decrescimento não são temas importantes no Japão.
·
Você insiste no fato de que o decrescimento
autêntico não pode ocorrer num contexto capitalista. Por sua vez, o crítico
literário e teórico marxista estadunidense Fredric Jameson disse que era mais
fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Então, o que fazer?
Devemos superar esta
pobreza da nossa imaginação. Mesmo que seja verdade, e ainda mais hoje, que é
difícil prever uma saída do capitalismo. É por isso que é importante ler
filósofos como Karl Marx,
claro, mas também William Morris, David Graeber, Peter Kropotkin para desenvolver novas ideias. O objetivo não é reformar o
neoliberalismo para alcançar um capitalismo virtuoso. Devemos formular uma
crítica mais fundamental: a da propriedade privada, do mercado competitivo, do
funcionamento da moeda, etc.
·
Não é ainda mais difícil agora que a China
se tornou o novo coração do capitalismo?
A China não
é um fracasso do socialismo. É uma nova manifestação do capitalismo. É um fato:
o mundo é dominado pelos países capitalistas. Mas vemos que o capitalismo está
fracassando em todos os lugares, seja por causa das mudanças climáticas, da
inflação, do aumento das desigualdades econômicas, das guerras... É incapaz de
responder a estes problemas. Penso que as novas gerações são mais críticas em
relação ao capitalismo, mesmo nos Estados Unidos. Muitas vezes ouvimos que
as crises fazem parte do capitalismo e que é uma forma de ele se renovar. Mas
não creio que seja sempre assim e é um fenômeno que tem apenas 200 anos. Pode
entrar em colapso. Não devemos desistir.
·
O decrescimento implica em comprar menos,
ter menos, viajar menos… Como podemos tornar um programa como este atrativo e
invejável?
Trabalhar menos, por
exemplo, é muito atrativo! Com um bom sistema de saúde, educação, transporte
público, acesso à internet, talvez as pessoas trabalhassem menos. A minha
concepção de decrescimento não se resume a uma simples redução da atividade.
Está ligada à ideia do comunismo, no sentido de que precisamos de mais comuns
nas nossas sociedades. Um melhor desenvolvimento dos comuns tornar-nos-ia menos
preocupados economicamente e mais felizes.
·
Algumas tradições espirituais japonesas,
como o zen, incentivam uma forma de simplicidade e frugalidade. Você acha que
elas podem nos ajudar a mudar o nosso estilo de vida?
Serge Latouche, com quem me encontrei, perguntou-me por que não utilizei esta
dimensão para desenvolver o conceito de decrescimento no meu livro. Na minha
opinião, se o zen e o xintoísmo fossem tão importantes na sociedade japonesa,
não teríamos este capitalismo do excesso. Tomemos como exemplo Tóquio: é
uma cidade muito mais capitalista que Paris! Quase tudo está aberto aos
domingos, os Konbini estão abertos 24 horas por dia sete dias da semana, os
centros comerciais estão por todo lado... Sinceramente, tenho dificuldade em
perceber o espírito zen na cultura japonesa. É também por isso que aceitamos
tão facilmente a americanização.
Penso que é muito
difícil mobilizar estas tradições para promover o decrescimento. No entanto,
embora seja marxista, não sou um materialista puro. Penso que a espiritualidade
é importante e estou aberto ao diálogo com o budismo e o zen. Mas são práticas que
não podem ser aplicadas pela maioria das pessoas.
·
À primeira vista, por que o marxismo
(especialmente o jovem Marx) e o decrescimento são incompatíveis?
Os ambientalistas têm
razão em designar o marxismo do século XX como uma ideologia produtivista,
demasiado otimista na questão do desenvolvimento das forças produtivas e
defendendo uma forma de modernização. Por exemplo, os partidos comunistas
francês e japonês apoiam a criação de centrais nucleares porque isso promoveria
o poder da classe trabalhadora. Nesta perspectiva, não há espaço real para as
questões ecológicas, porque a tecnologia pode sempre dominar a natureza. Em
contraste, o decrescimento realmente se preocupa com a questão dos limites do
planeta. No entanto, este é um debate negado pela maioria dos marxistas.
·
Em que momento você acha que Marx passou a
se interessar pelas questões ecológicas?
O jovem Marx, o
do Manifesto do Partido Comunista (1848), é demasiado otimista
na questão tecnológica. Mas, quando se lê O Capital, ele faz
algumas observações críticas que têm a ver com a questão ecológica e menciona
desvios metabólicos irreparáveis ligados ao capitalismo. Ao estudar suas notas
preparatórias para o volume III de O Capital, percebi que ele lia
muitas obras de ciências naturais. Ele estava interessado na erosão do solo, no
desmatamento, na extinção de espécies... Está claro
que Marx identificou o problema da destruição ambiental como uma das
contradições do capitalismo. Os marxistas ortodoxos não insistem nisto porque Marx teve dificuldades
para integrar todas estas novas ideias no projeto geral de O Capital.
Os marxistas-leninistas e os estalinistas ignoraram estas ideias porque não
conduziam ao desenvolvimento do comunismo com base científica do jeito que foi
implementado na União Soviética.
¨
“Foi assim que cheguei à tese do comunismo
de decrescimento”. Entrevista com Kohei Saito
Kohei Saito, filósofo
marxista japonês que se voltou para a ecologia motivado pela catástrofe de Fukushima, ganhou grande notoriedade internacional com o seu trabalho
sobre o comunismo de decrescimento. Nesta entrevista ao Green
European Journal, Saito explica o que o socialismo e
o ambientalismo podem aprender um com o outro e o motivo pelo qual
o Japão, economicamente estagnado e devastado por uma pandemia, acabou
sendo um território fértil para as ideias decrescentistas. A entrevista foi publicada originalmente por Green
European Journal e reproduzida por El
Salto.
<><> Eis a
entrevista.
·
Como passou a se interessar por Marx e
depois pelo comunismo de decrescimento?
Descobri as obras
de Marx e Engels aos
18 anos, quando comecei meus estudos na Universidade de Tóquio, em grupos
de estudantes que lutavam para proteger os trabalhadores jovens.
Inicialmente, fiquei mais interessado na exploração da classe
trabalhadora e depois cada vez mais pela desigualdade em geral,
depois que a crise de 2008 agravou a situação
no Japão. Marx havia alertado justamente a respeito destes
problemas, que só ganhariam mais importância no futuro. Então, decidi me mudar
para a Alemanha para continuar estudando Marx. Em 2011, depois
do terremoto no Japão e da catástrofe nuclear de Fukushima,
percebi que o capitalismo não se limita apenas à exploração dos seres humanos, mas
também engloba essas tecnologias colossais que foram criadas em busca de lucros
e que, em última instância, trouxeram consigo um verdadeiro desastre para a
vida de muitas pessoas no Japão.
·
Então, você chegou ao mundo da ecologia
através da questão nuclear, em vez da climática?
Inicialmente, eu
estava mais otimista em relação ao desenvolvimento da tecnologia, mas
depois de Fukushima, comecei a refletir sobre a tecnologia e
o capitalismo e perdi parte desse otimismo. Também comecei a me
interessar mais pela questão da mudança climática em 2014, após ter lido Tudo pode mudar, de Naomi Klein. Apesar de tudo, continuava otimista. Pensava que
algumas medidas políticas socialistas, com um planejamento maior e
trabalho garantido, poderiam alcançar a igualdade e, ao mesmo tempo,
maior sustentabilidade. Foi quando comecei a ler mais e me deparei com as
obras de Jason Hickel, Giorgos Kallis e a abordagem do decrescimento em geral. Não
restava dúvida de que havia certa tensão entre Marx e o decrescimento
e em torno de Marx e a crise climática, sendo assim, comecei a
ler suas obras mais tardias. Passei a reinterpretar as suas ideias, em
particular os seus estudos sobre as sociedades pré-capitalistas. Percebi que Marx havia se interessado por
essas sociedades pré-capitalistas porque são Estados essencialmente
estáveis não orientados para o crescimento. E, apesar disso, conseguiram
garantir a sustentabilidade e a qualidade de vida para toda a
população. Foi assim que cheguei à tese do comunismo de decrescimento.
·
Como você relaciona o decrescimento com o
comunismo? O comunismo não quer mais e o decrescentismo menos?
Essa é a tensão que
existe na tradição marxista e ambientalista. A corrente
política socialista aposta no desenvolvimento tecnológico para
conseguir mais para todos: é necessário que haja mais desenvolvimento,
mais progresso, mais eficiência. O ambientalismo ressalta que há
um consumo excessivo e uma superprodução, por isso defende uma desaceleração para proteger a
natureza. Não obstante, acabei percebendo que Marx estava interessado
em ambas as questões: proteger a vida de todas as pessoas e proteger a
natureza. Não há necessidade de ter mais em um sentido capitalista.
Quando Marx fala em abundância, não se refere a termos jatos particulares ou mansões. Pretende
dizer que podemos viver de forma abundante, viver uma boa vida, tendo cuidado
médico e transporte universais, com moradia, água, eletricidade e recursos
básicos garantidos, sem a mediação do dinheiro. Esse tipo
de abundância pode constituir a nova base para
o socialismo e o comunismo porque se baseia
na igualdade. Contudo, se quisermos ter mais no sentido atual da palavra,
o resultado será uma catástrofe ecológica. O caminho intermediário passa pela redefinição de
abundância e, na linha de Hickel, eu a denomino abundância
radical. É um tipo de abundância muito diferente, na qual
compartilhamos coisas, ajudamos uns aos outros e temos uma sensação de
segurança.
·
Levando em consideração a situação do
planeta, o ecossocialismo produtivista é plausível? Ou é necessário assumir que
o velho sonho marxista chegou ao seu fim?
Sem
o ambientalismo, a política socialista gira em torno de alcançar
uma maior igualdade por meio do aumento da produção e do consumo.
Contudo, o mundo todo não pode viver como Bill Gates, nem como a classe média alta alemã. Não é sustentável. Os
socialistas criticam o capitalismo, mas, ao mesmo tempo, permanecem presos
aos valores capitalistas. Devemos também levar considerar que se
continuarmos consumindo mais energia e recursos, continuaremos explorando
recursos, energia e mão de obra dos países do sul global. Portanto, se
verdadeiramente queremos considerar a igualdade e a sustentabilidade em escala
planetária, não basta nos basearmos somente na tecnologia. Também
precisamos pensar na forma como vivemos, na maneira como produzimos as coisas. A política
socialista se torna novamente muito importante neste sentido, porque são
justamente as pessoas ricas as responsáveis por esta produção e consumo
excessivos. É preciso taxar a riqueza e proibir bens como os
jatos privados, os cruzeiros e as grandes mansões. Isto nos
permitirá reduzir a produção e o consumo, mas também ter mais tempo livre,
aumentar o nosso bem-estar e garantir certo espaço para o desenvolvimento
do sul global. Feito isto, devemos pensar em maneiras de reduzir o nosso
consumo material, sobretudo nos países do norte global. O excesso de confiança na tecnologia nos impede de ver que o nosso modo de vida não é
sustentável.
·
Há quem diga: “Eu quero um ambiente
saudável e um clima estável, mas não esta agenda ideológica”. De fato, é
necessário que o ambientalismo seja anticapitalista?
Sim, é.
Os ambientalistas devem estar conscientes de que é necessário
questionar o capitalismo. Hoje, acreditar que um imposto sobre o
carbono pode resolver o problema é ser otimista. Precisamos de medidas
mais agressivas, como proibir as indústrias poluentes e reduzir a
publicidade. Estas medidas são contrárias à lógica do capitalismo. Não
resta dúvida de que precisamos de grandes investimentos em novas tecnologias,
como as energias renováveis. Agora, no capitalismo, mesmo que desenvolvamos
tecnologias, continuaremos trabalhando jornadas muito longas e consumindo cada
vez mais. No capitalismo, embora a tecnologia nos permita aumentar a
eficiência, é utilizada com um único fim: produzir cada vez mais. E é
precisamente por esta mesma razão que também temos que trabalhar cada vez mais
para ganhar dinheiro e recomeçar. Quanto maior a eficiência, maior a produção
e, portanto, maior o consumo de recursos e energia.
Deste modo, não
poderemos resolver a crise climática. A única forma de alcançar uma nova
forma de entender a sociedade é juntando estes dois
conceitos: ambientalismo ou decrescimento e socialismo ou comunismo.
·
Por que o seu livro ‘O Capital no
Antropoceno’ se tornou tão popular no Japão?
Foi uma grande
surpresa. Marx e o decrescimento não costumam ser temas
muito populares no Japão, mas foram vendidos cerca de meio milhão de
exemplares. A tradução alemã já esteve entre os 10 livros mais vendidos
na Der Spiegel. Então, algo está acontecendo. O livro foi colocado à venda
no Japão em plena pandemia. Naquele momento, tivemos que desacelerar o nosso estilo de vida. Os restaurantes estavam fechados, as pessoas trabalhavam de
casa e não saíam. Dedicavam mais tempo à família e cozinhavam em casa. Reduzimos
o nosso ritmo de vida e, graças a isso, tivemos tempo para refletir sobre o
nosso estilo de vida anterior. Por que passávamos mais de uma hora por dia indo
para o trabalho? Por que compramos tantas roupas? Percebemos que esse estilo de
vida não nos trazia nenhum tipo de felicidade, simplesmente estávamos
acostumados a ele. Contudo, podíamos mudar.
Paralelamente, durante
a pandemia, houve pessoas que passaram a ser chamadas de “trabalhadores essenciais”, pessoas que estavam expostas aos riscos da Covid 19, mas
que tinham salários muito baixos e jornadas exaustivas. Enquanto isso, as
pessoas que ganham um bom salário trabalhavam de casa, com muito mais
segurança. E durante a pandemia ganhavam ainda mais dinheiro. Essa desigualdade
econômica significou um escândalo social no Japão. Eu fiz uma crítica à
questão de uma posição de esquerda e a população aceitou que
o capitalismo é um problema.
·
Parece que a economia japonesa está
voltando aos níveis anteriores à pandemia, mas há décadas se sabe que o país
enfrenta um crescimento lento e uma estagnação do crescimento populacional.
Isso também é um fator de atração pelo seu trabalho?
A recessão e
o decrescimento são duas coisas muito diferentes. O que
o Japão viveu nas últimas décadas não é o decrescimento, e a
falta de crescimento sustentado em uma sociedade capitalista gera
enormes problemas. Precisamos de uma transição consciente para uma sociedade pós-crescimento. Os millenials e a geração Z não se lembram
dos dias de glória dos anos 1980 e não são tão otimistas em relação ao
progresso futuro do Japão. Portanto, reivindicamos uma nova sociedade que
não assuma o crescimento. Isto é o que proponho com o comunismo
decrescentista.
·
Como podemos avançar em direção a esse
objetivo? É necessário que haja uma revolução para alcançar o comunismo de
decrescimento, como ocorre com o comunismo clássico?
Eu não faço um chamado
a uma revolução como a russa. Não acredito que possamos acabar com este sistema
por meio da tomada do poder. Mesmo que tomássemos o poder no parlamento
nacional, isso não mudaria o sistema econômico. O mais realista é a ideia de Rosa Luxemburgo de uma realpolitik revolucionária por
meio de reformas; taxando a riqueza para introduzir uma renda máxima, por
exemplo.
As reformas e as
medidas políticas podem gerar muitas mudanças em nossa forma de perceber as
coisas e de agir em nosso dia a dia, mesmo que não consigam acabar com
o capitalismo de modo imediato. Contudo, uma transformação de nossa
consciência e de nossos comportamentos cotidianos nos permite ampliar o espaço
para exigir mudanças mais radicais. Em minha opinião, é assim que avançaremos
gradualmente para uma sociedade baseada no decrescimento. Há pessoas
(sobretudo jovens) na Alemanha, na França e até nos Estados
Unidos que estão exigindo esse tipo de transformação. É um processo
progressivo, mas penso que nos anos 2030 veremos esse tipo de mudança
transformadora que provocará uma mudança sistêmica em todo o mundo.
·
Os países capitalistas avançados, como
Japão e Alemanha, estão mais preparados para o comunismo de decrescimento?
Algumas cidades
como Amsterdã, Barcelona, Paris e Nova York têm
um potencial extraordinário. Em nível local, estão sendo introduzidas novas
ideias, como a economia da rosquinha. Não espero que ocorra uma mudança de cima para baixo, como
na Revolução Russa, mas de baixo para cima; e as cidades oferecem mais
oportunidades para intervir na esfera política e fomentar a mudança. As cidades
são alguns dos lugares onde devemos lutar mais e tomara que isso se estenda à
esfera nacional.
·
“Comunismo decrescentista” não é um termo
desnecessariamente assustador? Para algumas pessoas, o decrescimento já é algo
alarmante e você acrescenta a ele o comunismo e toda a bagagem que carrega.
Pela mesma razão, não
esperava que O Capital no Antropoceno fosse um best-seller.
O Japão tem tradição marxista, mas fora das universidades não é
um termo muito positivo. O Japão é bastante capitalista e a população
não acredita no marxismo, nem no socialismo. No entanto, as pessoas
estão cansadas do capitalismo e, há muitos anos, a economia
japonesa está em crise. Há muito interesse em ideias mais radicais, mas o
livro recebeu muitas críticas e admito que o conceito de comunismo
decrescentista é muito incisivo. Não obstante, utilizo estes termos como
uma espécie de provocação. O que pretendo dizer é que
o capitalismo não funciona e que não basta consertá-lo. Precisamos de
ideias como o decrescimento e o comunismo para, pelo menos,
explorar novas possibilidades. Se as pessoas começarem a falar sobre novas
ideias fora do capitalismo, então, acredito que o meu livro já teve
sucesso.
·
Os Estados comunistas eram conhecidos pelo
seu planejamento central. É necessário recuperar a ideia de planejamento
econômico, ou seja, de que o Estado tenha mais peso nas decisões econômicas,
como a respeito do volume de produção de bens, por exemplo?
Sim, é necessário. Por
isso, o decrescimento deve aprender do comunismo ou, ao
menos, do socialismo. A corrente socialista tem uma longa
tradição de planejamento econômico. Existem planejamentos muito ruins,
como o planejamento burocrático extremamente centralizado da União
Soviética, mas não é o único. Poderíamos explorar formas de planejamento
diferentes e mais democráticas. Os que defendem o decrescimento não
costumam gostar de falar sobre isso porque associam qualquer tipo de
planejamento ao stalinismo e propõem a introdução de pequenas mudanças e reformas
pontuais. Parece-me que isto não é o suficiente: também é preciso falar e
planejar quais tipos de indústrias precisamos e quais não. O capitalismo não
investirá na proteção da natureza, nem na construção de grandes
projetos de infraestruturas. Simplesmente, não é rentável. Se quisermos
proteger o planeta, precisamos de um planejamento cuidadoso e
da intervenção do Estado. Talvez a inteligência
artificial desempenhe um papel neste processo, ou talvez recorramos
à democracia local. Ainda não temos a solução, mas temos de resolver a
questão sobre como planejaremos a transição para a sociedade que desejamos.
·
Descreva um dia normal para um cidadão
normal, em uma sociedade comunista decrescentista.
Já agora,
podemos reduzir a jornada de trabalho para quatro
dias e acredito que, com a ajuda
da tecnologia, no futuro poderíamos reduzi-la para três. Ou seja,
trabalhar 25 horas por semana. O que faremos com todo esse tempo livre?
Passaremos mais tempo com a família. Vamos nos dedicar à jardinagem, talvez praticar
esportes. Faremos algum voluntariado e participaremos, a nível político, do
planejamento de nossa produção e na atuação de nosso governo local. Não iremos
para o trabalho de carro, mas, sim, de ônibus e metrô, e a organização de nosso
local de trabalho será mais horizontal. Deveríamos ter maior rotatividade no
trabalho. As novas tecnologias nos permitem compartilhar mais e um
maior rodízio nas tarefas. Eu, por exemplo, que sou professor universitário,
também poderia lecionar em comunidades locais ou na prisão. Além disso, podemos
usar as nossas habilidades, capacidades e tempo não só para ganhar dinheiro,
mas também para formar comunidades e educar as novas gerações. No
mais, as coisas básicas são muito parecidas com as de agora. Quando você chega
em casa, pode tomar uma cerveja ou talvez ir à sauna. Não passaremos muito
tempo em centros comerciais, nem visitaremos a Coreia ou Taiwan,
no fim de semana. Passaremos mais tempo na natureza e em lugares onde possamos
relaxar, mas não voltaremos ao estilo de vida de 120 anos atrás. Continuaremos
utilizando a tecnologia e desfrutando boas refeições com amigos e
familiares.
Fonte: Usbek
& Rica - tradução
do Cepat, para IHU
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