quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Brasil profundo é de direita e o caminho para esquerda é árduo

A recente eleição municipal em São Paulo oferece um fascinante retrato do cenário político brasileiro, especialmente no que se refere à esquerda e seu aparente descompasso com as expectativas e necessidades de seu eleitorado.

Nas eleições da capital paulista, onde a lógica sugeriria um segundo turno entre Guilherme Boulos e o coach Pablo Marçal, foi o atual prefeito Ricardo Nunes quem surpreendeu ao avançar, apesar de uma gestão considerada medíocre.

A ironia do fracasso de Marçal, eliminado do segundo turno por suas próprias estratégias exageradas e arrogantes, marca uma reflexão profunda sobre como a extrema-direita também pode “errar a mão” e perder a chance de disputar uma eleição.

Durante praticamente toda a campanha, Marçal tentou minar a reputação de Boulos com acusações falsas, o que lhe custou não apenas a credibilidade mas, possivelmente, a própria vaga no segundo turno.

Para Boulos, o caminho para o segundo turno parece árduo. Seu desafio não se limita a captar os votos de outros candidatos como Tábata Amaral (PSB), mas também precisa convencer parte do eleitorado de Marçal e até mesmo usurpar votos de Nunes.

A ambiguidade e a generalidade de suas propostas no primeiro turno criaram uma campanha pouco inspiradora, o que enfatiza a necessidade de uma estratégia mais clara e mobilizadora para superar Nunes, que vai usar a máquina e toda sua coligação para jogar pesado contra o psolista.

O cenário nacional também traz lições importantes. A ascensão dos partidos da direita tradicional, como o PSD e o MDB, que ampliaram ferozmente suas prefeituras, contrasta com o desempenho modesto do PT, que, apesar de ter aumentado o número de prefeituras que governa, ainda parece perder terreno em áreas historicamente petistas.

Não há como ignorar que esse fenômeno sugere uma desconexão crescente entre as propostas da esquerda e as expectativas do eleitorado.

O PSOL, por exemplo, não conseguiu eleger nenhum prefeito no primeiro turno das eleições, e apenas a vitória de Boulos poderia salvar o partido de um desempenho considerado desastroso.

Isso destaca um problema mais amplo enfrentado pelas esquerdas no Brasil: a falta de uma estratégia eficaz e a ausência de uma narrativa convincente que responda aos problemas do nosso tempo, como as mudanças tecnológicas e a transição ecológica.

As esquerdas brasileiras, historicamente portadoras de bandeiras de programas sociais, parecem ter perdido a exclusividade e, talvez, a competência em administrar esses programas de forma que ressoem com as bases mais necessitadas.

Não é à toa que, por exemplo, o candidato bolsonarista André Fernandes (PL) obteve sucesso ao capturar votos no eleitorado de baixa renda, tradicionalmente lulista, na disputa em Fortaleza contra o candidato do PT, Evandro Leitão.

A chamada teologia da prosperidade dos evangélicos e o discurso do empreendedorismo nas periferias são exemplos de narrativas que têm atraído esses eleitores, preenchendo um espaço outrora dominado pela esquerda e seus satélites.

Além disso, as esquerdas parecem não compreender plenamente o potencial das tecnologias digitais na transformação dos serviços públicos e na articulação das economias locais, especialmente na cadeia que gira na parte de baixo da pirâmide.

Sendo assim, a chamada tecnopolítica, uma abordagem que utiliza a tecnologia para repaginar o modo de fazer política, oferece oportunidades únicas para as esquerdas reinventarem sua interação com o eleitorado e formularem políticas que sejam relevantes para as novas realidades do trabalho e da vida nos grandes centros urbanos.

<><> Conclusão

As eleições municipais de 2024 não apenas refletem uma crise aguda para as esquerdas no Brasil, mas também oferecem uma oportunidade crítica para repensar e revitalizar suas abordagens.

A desconexão entre as políticas propostas e as necessidades do eleitorado não é apenas uma falha estratégica, mas também um chamado para uma profunda introspecção e possivelmente uma completa reformulação das estratégias e narrativas políticas. A capacidade de se adaptar e responder de maneira inovadora pode muito bem determinar o futuro da esquerda no Brasil.

¨      O Centrão segue na liderança das prefeituras no Brasil, como sempre foi

Enquanto muitos falam em ascensão do Centrão, dados mostram que o bloco político mantém a força de sempre; destaque verdadeiro é o crescimento do PSD.

<><> O crescimento do PSD em 2024

Desde as primeiras análises dos resultados das eleições municipais de 2024, tem-se falado muito sobre uma “ascensão” do Centrão, como se houvesse uma mudança abrupta no cenário político brasileiro. No entanto, essa visão ignora uma constatação fundamental: o Centrão sempre ocupou uma posição de liderança na administração municipal ao longo das últimas décadas. A manutenção dessa força política, presente em partidos como PP, Republicanos, PL, União Brasil e MDB, reforça o que tem ocorrido de forma consistente nos últimos 20 anos.

Os números das eleições de 2024 são claros. O PSD consolidou-se como o partido com o maior número de prefeitos eleitos, saltando de 657 prefeituras em 2020 para 882 em 2024 — um acréscimo de 225 prefeituras. Este crescimento posiciona o PSD como a maior força política em nível municipal no Brasil, ultrapassando inclusive o tradicional MDB, que, embora tenha recuperado parte de suas perdas, ainda não alcança os patamares do passado. O MDB passou de 793 prefeituras em 2020 para 856 em 2024, um aumento de 63 prefeituras que mostra a resiliência, mas não um crescimento exponencial.

<><> Republicanos e PL: o fortalecimento do Centrão

Já o Republicanos foi outro destaque, mais que dobrando sua quantidade de prefeituras: de 213 em 2020 para 436 em 2024, um crescimento expressivo de 223 prefeituras, consolidando-se como uma das forças emergentes do Centrão. O PL também apresentou um desempenho notável, passando de 344 para 512 prefeituras — um aumento de 168 prefeituras. Isso mostra o fortalecimento da base municipal do partido associado a Jair Bolsonaro.

Por outro lado, partidos como o União Brasil, formado pela fusão de DEM e PSL, teve um crescimento mais modesto. Passou de 560 prefeituras em 2020 para 585 em 2024, um acréscimo de 25 prefeituras. Embora não tenha tido uma expansão tão impressionante quanto Republicanos e PL, o partido mantém sua presença forte nos municípios.

<><> A queda do PSDB e o novo papel do PSD

Um ponto que merece destaque é a perda significativa do PSDB, que já foi a principal força municipal do país. O partido sofreu uma redução de 523 prefeitos em 2020 para 273 em 2024, uma queda de 250 prefeituras. Essa redução acentuada no número de prefeituras do PSDB reflete a mudança do cenário político, em que o PSD passou a ocupar um papel que antes pertencia ao PSDB, especialmente no que diz respeito à moderação e ao combate ao extremismo.

Ainda dentro do Centrão, partidos como Solidariedade e Cidadania enfrentaram quedas substanciais. O Solidariedade passou de 135 para 63 prefeituras, enquanto o Cidadania caiu de 141 para 33. Essas perdas indicam que a força do Centrão se reconfigura, concentrando-se cada vez mais em partidos como Republicanos, PL e PSD, enquanto outras siglas perdem relevância.

O Avante, por sua vez, apresentou crescimento, passando de 81 para 135 prefeituras — um aumento de 54 prefeituras. Embora seja um crescimento notável, ainda está longe dos grandes números apresentados por PSD, PL e Republicanos.

<><> O crescimento do Centrão

Para entender a posição do Centrão nas eleições de 2024, é essencial observar o crescimento desses partidos ao longo das últimas décadas. Em 2008, os partidos do Centrão, como MDB, PP, Republicanos, PL, União Brasil, PSD, Solidariedade, Avante, Cidadania, Mobiliza, Podemos e Patriota, controlavam juntos 3.328 prefeituras. Já em 2024, esse número saltou para 4.474 prefeituras, representando um aumento de 1.146 prefeituras — um crescimento de aproximadamente 34,4%.

Entre os partidos que mais contribuíram para esse crescimento estão o PSD, que, apesar de não existir em 2008, tornou-se o partido com o maior número de prefeituras em 2024, controlando 882 prefeituras. Outro destaque foi o Republicanos, que passou de 54 prefeituras em 2008 para 436 em 2024, um acréscimo de 382 prefeituras. O PL também teve um aumento significativo, crescendo de 380 para 512 prefeituras no período.

No entanto, alguns partidos, como o MDB, Patriota e Cidadania, viram uma redução no número de prefeituras ao longo dos anos. O MDB, por exemplo, que já foi o maior partido municipal do país, passou de 1.190 prefeituras em 2008 para 856 em 2024, uma redução de 334 prefeituras.

Esses números mostram que, apesar das perdas de alguns partidos, o bloco do Centrão como um todo não apenas manteve sua relevância, mas ampliou sua presença no cenário municipal. A força do Centrão é reforçada principalmente pela ascensão de novos partidos, como o PSD, e pela expansão de outros, como Republicanos e PL. Assim, o crescimento do Centrão reflete sua capacidade de se adaptar e expandir, mantendo a liderança no cenário político local.

<><> Centrão: força constante na política municipal

Portanto, se há algo a ser observado de maneira especial nas eleições municipais de 2024, não é a “tomada” pelo Centrão, mas sim o crescimento do PSD, que se estabeleceu como a principal força municipal do país, ocupando o espaço deixado pelo PSDB. Em pouco mais de uma década desde sua fundação, o PSD já lidera o número de prefeituras, reforçando sua relevância como um partido de centro, que se posiciona como alternativa aos extremos políticos e tem um papel moderador importante.

Assim, as eleições municipais de 2024 reafirmam a continuidade do Centrão, uma força política que há décadas mantém o controle de grande parte das prefeituras brasileiras. A “ascensão” do Centrão, mencionada em algumas análises, é, na verdade, uma manutenção da liderança, algo que sempre aconteceu no contexto municipal. O verdadeiro ponto fora da curva é a ascensão do PSD, que, ao ocupar o espaço deixado pelo PSDB, está remodelando a política local e se posicionando como uma alternativa sólida e moderada.

¨      PT cresce 40% em número de prefeituras, mas ainda é pouco

É cedo para as análises mais profundas e abrangentes sobre as consequências das eleições municipais para essa grande luta política e ideológica em curso no país, entre extrema-direita, de um lado, e a centro-esquerda, de outro.

Ainda precisamos aguardar o resultado do segundo turno em dezenas de cidades importantes, como São Paulo, Natal e Fortaleza.

Entretanto, podemos já arriscar alguns palpites – que terão de ser atualizados, naturalmente, após o eleitor se manifestar novamente ao fim do mês.

O que podemos dizer, em resumo, é que: as coisas permanecem difíceis, mas até aqui, tudo está sob controle. Não se realizou nenhuma catástrofe, e os resultados vieram dentro do previsto.

Com Marçal fora do segundo turno, o movimento mais perigoso da extrema direita foi detido em São Paulo. Isso é um alívio para a democracia, porque já se viu que é bem mais eficiente barrar o fascismo pelo voto do que por ações judiciais.

O resultado em São Paulo não mais ameaça a democracia. Podemos falar de outra coisa.

A contabilidade geral dos partidos ainda está incompleta, por que falta o segundo turno, mas já temos alguns números objetivos nos que permitem sair do universo da especulação e fazer análises mais científicas.

Por exemplo, vamos conferir os votos somados para prefeito por partido. Esse é o dado mais preocupante, porque o PL, partido de Bolsonaro, ficou em primeiro lugar, no país, com 15,7 milhões de votos, alta de 236% sobre 2020.

Por outro lado, isso era esperado, porque é uma característica do bolsonarismo, e reflete a estratégia da legenda, de lançar uma quantidade muito grande de candidatos a prefeito.

Esses dados, é importante destacar, refletem também os votos para prefeitos que foram derrotados já no primeiro turno. Ou seja, eles são vistosos, mas iludem um pouco.

De qualquer forma, ainda em número de votos, PT e PSB registraram um crescimento significativo de 28% e 25% respectivamente, em relação a 2020, e somados tiveram a mesma votação que o PL.

As votações do PSD, MDB, União, e PP, também cresceram, e essas legendas foram as grandes vencedoras em número de prefeitos e vereadores eleitos. Mas será preciso avaliar caso a caso para identificar que candidatos se inclinam mais à direita e quais mais ao centro.

Por exemplo, Eduardo Paes, eleito no primeiro turno com uma votação esmagadora – humilhando um candidato bolsonarista raíz, Alexandre Ramagem – é do PSD, e no imaginário político da cidade, ou pelo menos da sua parte mais politizada, é um quadro do campo progressista, aliado de Lula.

Aliás, o termo progressista foi cunhado exatamente com esse objetivo, para evitar uma certa restrição exagerada que o conceito de esquerda às vezes traz. É para ser usado exatamente nesses casos: Eduardo Paes pode não ser de esquerda (apesar do esforço de Ramagem e do bolsonarismo carioca, de pintá-lo como tal), mas certamente é um progressista. E certamente, da mesma forma, será um aliado de Lula e da esquerda em 2026. Quantos mais prefeitos do PSD, do MDB, do União Brasil, poderão ser aliados da esquerda nas próximas eleições nacionais? Não serão todos, seguramente, mas serão muitos.

Ou seja, as análises que olham exclusivamente para o PT não enxergam a conjuntura completa.

O PT interrompeu o movimento de declínio, iniciado em 2016 e acentuado em 2020, e cresceu quase 40% para 248 prefeituras, (eram 178 em 2020), ou 70 prefeituras a mais.

O PL de Bolsonaro, por sua vez, cresceu 49% e hoje tem 510 prefeituras.

Em relação ao número de vereadores, os movimentos foram parecidos. PT e PSB cresceram, mas o PL cresceu mais, e centrão, sobretudo, saiu como principal vencedor.

<><> Conclusão

O Brasil que emerge das eleições municipais parece um país conservador, de centro-direita, mas é o mesmo país que tínhamos antes, o mesmo país que deu cinco presidências da república ao PT, incluindo a atual, e sobretudo é o país que nós temos.

As eleições nos dão elementos objetivos para entender a cabeça do eleitor brasileiro, e para a esquerda avaliar seus desafios, fazer suas autocríticas e desenvolver planos para continuar avançando.

A performance desastrosa das legendas de ultra-esquerda, por sua vez, deve ser lida com muita humildade por todo o campo progressista. A esquerda que vence eleições é aquela com maior capacidade de diálogo, menos obcecada em demonstrar sua pureza ideológica e mais comprometida em construir, no curto prazo, estratégias concretas para melhorar a vida do povo.

¨      Moro fracassa na empreitada e elege apenas um apadrinhado nas eleições municipais

Nas eleições municipais realizadas neste domingo, 6, apenas dois dos dez candidatos apoiados por Sergio Moro (União) obtiveram destaque, enquanto outros oito foram derrotados nas principais disputas eleitorais no Paraná.

O ex-juiz e político enfrentou um revés significativo, com a maioria dos seus candidatos falhando em obter sucesso nas urnas.

Um dos poucos candidatos apoiados por Moro que conseguiu vencer foi Rodolfo Mota (União), eleito prefeito de Apucarana com 42 mil votos, representando 63% do total.

Outro nome que ainda tem chances na disputa é Tiago Amaral (PSD), que alcançou 113 mil votos e avançou para o segundo turno na eleição para a Prefeitura de Londrina. Amaral enfrentará Maria Tereza (PP) na fase final.

Por outro lado, a derrota mais notável para Moro ocorreu em Curitiba, onde sua esposa, Rosângela Moro (União), concorria como vice na chapa de Ney Leprevost (União).

A dupla obteve apenas 6,5% dos votos, ficando fora do segundo turno na capital paranaense. Além de Rosângela, outros candidatos apoiados por Moro também tiveram resultados desfavoráveis.

Entre os derrotados estão Marcio Pacheco (PP), que disputava a Prefeitura de Cascavel; Elizabeth Schimidt (União), candidata à Prefeitura de Ponta Grossa; e Zé Elias (União), que concorreu em Foz do Iguaçu. Zé Elias, em particular, obteve apenas 1,7 mil votos, um número inferior às expectativas.

 

Fonte: O Cafezinho

 

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