O vereador eleito com mais de 30 mil votos
sem usar papel na campanha
Quem saiu às ruas no
domingo de eleições não pôde deixar de reparar no rastro de lixo jogado por
candidatos e candidatas nas esquinas de todas as cidades brasileiras. Pelo
menos um candidato não contribuiu para tanta sujeira. Foi o vereador reeleito
pelo PSOL, Gabriel Aguiar, o Gabriel Biologia, de 29 anos, que fez jus ao
apelido da urna e mostrou que é possível, sim, fazer uma campanha sem resíduos.
Com santinhos feitos com folhas de árvores secas, diálogo nas ruas e a
movimentação nas redes sociais, o ambientalista conquistou mais 30.682 votos,
ficando como o segundo vereador mais votado de Fortaleza, capital do Ceará.
“Esse mandato vai ser
nosso, um mandato de luta que não vai parar um segundo nesse trabalho em defesa
dessa Fortaleza, da natureza, da biodiversidade, dos Direitos Humanos, das
comunidades e populações tradicionais, da periferia de Fortaleza e pela redução
das desigualdades. A gente não vai descansar enquanto não transformar essa
cidade”, reforçou o parlamentar no vídeo de agradecimento no Instagram.
Biólogo, mestre em
Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Gabriel
Aguiar vai exercer o segundo mandato com o compromisso de tentar fazer da
capital cearense a cidade mais verde do Brasil, como ele afirma em suas redes
sociais. A atuação do ambientalista chegou à Câmara de Vereadores há quatro
anos, com o mandato chamado Fortaleza Verde, quando foi eleito com 9.888 votos,
o mais votado do PSOL.
Entre as ações do seu
mandado, Gabriel costuma citar a mobilização para tentar impedir a construção
de um loteamento que promoveria a ocupação de mais de 500 mil m2 de área de
floresta próxima ao Parque Natural Dunas da Sabiaguaba. Seu engajamento também
impediu a aprovação de projetos que retiravam áreas de Proteção Ambiental do
plano diretor da cidade, além de barrar a aprovação de projetos que autorizam
tráfego de veículos em unidades de conservação, área de preservação e nas dunas
de Fortaleza.
Em maio deste ano,
biólogo foi fonte de uma reportagem da Marco Zero Conteúdo sobre a tentativa de
desmatamento de 20 hectares de mata atlântica mo terreno do aeroporto Pinto
Martins, em Fortaleza, para realizar o Fortal, tradicional micareta fora de época
que dura quatro dias.
Em suas redes sociais,
o vereador elenca as propostas para garantir a justiça social e ambiental da
cidade, entre elas estão: cuidar das águas da cidade, garantir o transporte
público gratuito, levar cultura para os equipamentos públicos, a proteção da fauna
silvestre nativa e animais domésticos, além de proteger a população em
vulnerabilidade aos extremos climáticos, em especial nas periferias.
De acordo com a
prestação de contas no site do TSE, Gabriel gastou R$ 141 mil reais na
campanha, dos quais R$ 100 mil (70,7% do total) saíram do fundo partidário do
seu partido, pouco mais de R$ 20 mil (14,2%) foram arrecadados com
financiamento coletivo e o restante veio de doações de pessoas físicas.
Para efeitos de
comparação, Priscila Costa (PL) a vereadora mais votada teve 5.800 votos a mais
e gastou R$ 329 mil. Na terceira posição entre os eleitos, logo abaixo de
Gabriel, Bella Carmelo (PL), com 2.500 votos a menos que ele, gastou mais de R$
682 mil na campanha. A outra vereadora eleita pelo PSOL, Adriana Gerônimo
recebeu R$ 270 mil do fundo partidário para alcançar pouco mais de 9 mil votos.
• Esquerda será representada só por
mulheres na Câmara Municipal do Recife
O Recife elegeu a
maior bancada de mulheres da história da Câmara Municipal, com oito vereadoras
— uma a mais que na legislatura atual. Como a partir de 2025 a Casa José
Mariano perderá duas cadeiras, passando dos atuais 39 para 37 assentos, a
proporção feminina cresceu percentualmente de 18% para 21%, uma
representatividade historicamente ainda muito baixa.
Os únicos quatro nomes
da esquerda serão de mulheres: Liana Cirne (PT), Cida Pedrosa (PCdoB), Kari
Santos (PT) e Jô Cavalcanti (PSOL) — esta a única negra e a única de oposição.
Liana e Cida irão para o segundo mandato, enquanto Kari e Jô são estreantes na
Câmara. Até 2024, apenas 21 mulheres ocuparam um assento como vereadoras na
capital. Tanto PT quanto PSOL perderam uma cadeira nestas eleições.
A legislatura 2025 –
2028 terá novos nomes de homens da extrema-direita que serão um desafio para as
pautas feministas: Gilson Machado Filho (PL) — o segundo parlamentar mais
votado, com 16.095 votos —, Thiago Medina (PL), com 10.540 votos, e Alef Collins
(PP), 7.131 votos. Clique aqui para saber mais sobre a nova composição da Casa.
A Marco Zero ouviu as
quatro mulheres de esquerda eleitas para saber como estão as expectativas e o
cenário que estão traçando para o exercício do mandato. Confira mais abaixo,
com uma minibio de cada uma delas.
Nacionalmente, segundo
dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre as candidaturas nas eleições
de 2024, 15% foram de mulheres e 85% de homens, somando a corrida para
prefeituras e casas legislativas municipais. Porém, entre os eleitos, esse
índice cai, sendo apenas 13% de mulheres eleitas e 87% de homens.
Em entrevista coletiva
realizada após as eleições de domingo (6), a presidente do TSE, a ministra
Cármem Lúcia, lamentou o fato de nenhuma mulher ter sido eleita nas capitais
brasileiras em primeiro turno. “Eu acho uma pena”, destacou a ministra, que completou
dizendo reconhecer os esforços e o aumento da participação feminina na
política.
<<<< Quem
são as oito mulheres eleitas:
1. Andreza Romero
(PSB) – 15.785 votos
2. Natália de Menudo
(PSB) – 15.198 votos
3. Liana Cirne (PT) –
14.810 votos
4. Cida Pedrosa
(PCdoB) – 11.364 votos
5. Flávia de Nadegi
(PV) – 11.278 votos
6. Kari Santos (PT) –
9.321 votos
7. Professora Ana
Lúcia (Republicanos) – 8.592 votos
8. Jô Cavalcanti
(Psol) – 7.619 votos
<><> As
quatro mulheres de esquerda
¬¬¬¬ Liana Cirne (PT)
Em seu segundo
mandato, Liana disse que pretende manter a coerência com os princípios petistas
e seguir com as propostas na área de combate a violência contra mulheres,
valorização dos servidores públicos, em especial os profissionais da educação,
cultura popular e inclusão. Com a bancada expressiva da direita e da direita
radical, a expectativa dela é que a próxima legislatura seja “um período de
embates muito duros”.
Ela teve a terceira
maior votação de uma liderança de esquerda no Recife e a maior entre mulheres.
Atrás apenas de Humberto nas eleições de 2000, com 27.815 votos, e de Dilson
Peixoto, com 15.200 votos, em 2014.
“Teremos um duplo
atravessamento, porque nós vamos ter um embate ideológico e um embate de
gênero. Porque os de extrema direita que usam técnicas semelhantes ao do
Nikolas Ferreira, por exemplo, bem alinhadas ao bolsonarismo e muito agressivos
na retórica, são todos homens. E nós que compomos a bancada de esquerda somos
mulheres e somos feministas. Então, eu acho que serão quatro anos marcados por
embates muito contundentes, em que os vieses ideológicos vão ficar muito
evidenciados”, avalia.
Liana, porém, disse
que não irá se furtar: “Eu com certeza não vou fugir de nenhuma pauta
ideológica. Eu tenho feito a defesa do presidente Lula e do projeto político
que o presidente Lula representa e vou continuar fazendo”.
“Quando a gente é
vereadora, temos que travar os grandes debates e não podemos fugir deles,
porque os grandes debates repercutem diretamente no nosso dia a dia. Mas, ao
mesmo tempo, a gente tem que ficar muito atento à realidade do povo, que é a
realidade de quem sofre com a falta de um poste de luz, que estuda à noite e
que, para chegar em casa à noite, sofre não só o risco de ser assaltado ou
sofrer assédio ou violência sexual, mas sofre com medo de cair num buraco que
não está enxergando”, exemplifica.
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Conheça Liana Cirne:
Liana Cirne tem 53
anos, é mestra em instituições jurídico-políticas, doutora em direito público,
advogada ativista, professora de direito da UFPE, especialista em autismo e
vereadora. Enquanto parlamentar, foi autora da Comissão de Defesa dos Direitos
da Pessoa com Deficiência e da Frente Parlamentar da Pessoa Idosa. Apresentou
mais de 2,6 mil ações legislativas (Projetos de Leis, requerimentos, reuniões e
audiências públicas) e 770 emendas orçamentárias.
É autora da ação
popular para o cumprimento do piso salarial dos professores do Recife e ação
popular para o cumprimento da lei dos ar-condicionado nos ônibus. Destinou suas
emendas para a construção da ciclovia da Av. Caxangá, o Camarim da Cultura
Popular, cursos profissionais de formação para mulheres trans e a construção de
Centro Integrado para Pessoas Autistas.
¬¬¬¬ Cida Pedrosa
(PCdoB)
Cida comemorou o
crescimento das mulheres na Câmara do Recife, embora ainda haja muita
subrepresentação. “Eu tenho uma boa expectativa de termos uma bancada de
mulheres de esquerda. A luta pelos direitos das mulheres é absolutamente
necessária e permanente e nós precisamos avançar nessa questão”, disse.
Cida também tem uma
trajetória ligada ao direito à cultura na cidade e disse que irá mantê-la como
prioridade na nova legislatura. Sobre pleitear comissões na Casa, antecipou ter
interesse nas comissões de Direitos Humanos e de Cultura.
A respeito do
fortalecimento da direita nestas eleições, ela comentou: “Eu sempre fiz a luta
com os pés em Recife e com a cabeça na construção nacional. Porque não há como
discutir política na cidade sem pensar na conjuntura nacional. Eu disse,
durante toda a campanha, em todos os lugares que eu fui, que nós estávamos
jogando 2024, mas, na verdade, o grande jogo posto era o de 2026, que cada
prefeito progressista que a gente fizesse, cada vereador ou vereadora do campo
progressista que a gente fizesse a gente estava fazendo o cordão de luta contra
o fascismo e contra a direita em 2026”.
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Conheça Cida Pedrosa:
Cida Pedrosa, 61 anos,
é poeta, escritora, feminista, advogada militante dos direitos humanos e
atualmente vereadora do Recife. Sua trajetória na luta pelos direitos humanos
começou como advogada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura em Pernambuco (Fetape). Também atuou no Centro Dom
Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) e foi coordenadora do
Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ganhou o Prêmio Jabuti de Livro do Ano,
em 2020, o mais importante da literatura brasileira com o poema Solo para
Vialejo. Dois anos depois, foi a primeira pernambucana premiada pela Associação
Paulista dos Críticos de Arte com Araras Vermelhas, outro livro-poema.
Em 2012, foi
secretária de Meio Ambiente do Recife e instituiu a Política Municipal de
Sustentabilidade e enfrentamento às mudanças climáticas. Em 2017, se tornou
secretária da Mulher do Recife, ajudando a tirar do papel a Brigada Maria da
Penha.
Como vereadora,
preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e é vice-presidenta da
Comissão de Educação, Cultura, Turismo e Esporte. Também é presidenta da Frente
Parlamentar Recife Pelo Clima e seu mandato esteve na presidência da Frente
Parlamentar pelo Centro do Recife.
¬¬¬¬ Kari Santos (PT)
À reportagem, Kari
lembrou que a ampliação do número de mulheres na Câmara do Recife não significa
necessariamente um comprometimento com as pautas feministas. “É lamentável
saber que a Câmara Municipal é composta por homens de sobrenome da política
tradicional. A expectativa é de fazer um enfrentamento diante de novos quadros
da extrema-direita que se elegeram. A gente precisa fazer uma bancada feminista
de combate ao conservadorismo e de combate à extrema-direita”, avaliou.
Para ela, é motivo de
orgulho ser a vereadora mais jovem já eleita pelo PT na cidade. Kari, que teve
apoio do deputado João Paulo, acredita que a vitória é resultado da necessidade
de renovação dos quadros políticos e de uma militância que reconhece que é
tempo de mulheres e tempo de renovação.
Sobre a polarização
com os outros dois mais jovens da Casa, Thiago Medina, de 21 anos, e Alef
Collins, de 22 anos, ela lembra que já vem combatendo a extrema-direita e que
esses dois nomes já vêm tentando firmar embates desde que ela colocou seu nome
à disposição do processo eleitoral. Kari acredita que Medina e Alef vão seguir
polarizando dentro da Câmara. “Porque são quadros que não têm nenhum projeto
político voltado para a classe trabalhadora. Infelizmente a gente vai ver uma
‘bancada da lacração’ na Câmara Municipal”, acredita.
“Mas agora, com
mandato, eu consigo ter mais força para poder fazer esse tipo de enfrentamento.
Será um mandato direcionado para a defesa da classe trabalhadora, mas, para que
isso também aconteça, a gente tem que frear o avanço da extrema-direita e do fascismo
à moda brasileira, que nós conhecemos como bolsonarismo”, comentou.
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Conheça Kari Santos:
Kari Santos, 31 anos,
é estudante de pedagogia e vereadora eleita mais jovem da história do PT no
Recife. Nascida e criada na periferia, no bairro da Mangueira, foi militante do
movimento estudantil e da juventude petista. É comunicadora popular e destacou-se
nacionalmente pelo ativismo digital contra os bolsonaristas, alcançando quase 1
milhão de seguidores em todas as suas redes.
Teve apoio de figuras
nacionais do partido, como José Dirceu, Gleisi Hoffmann e até de Marília
Arraes, que nem é filiada à legenda. Fez campanha defendendo a volta do
Orçamento Participativo, punição aos que tentarem impedir gestantes de
acessarem o aborto legal no Recife, a criação de renda básica municipal e
reajuste do auxílio-moradia.
¬¬¬¬ Jô Cavalcanti
(PSOL)
“Sou cria da periferia
e conheço de perto as dificuldades que mulheres negras, trabalhadoras e mães
solo enfrentam todos os dias. A luta por dignidade e direitos não é nova para
mim, é minha história de vida”, anuncia Jô Cavalcanti.
“A partir de 2025, eu
serei a única parlamentar negra. Isso contrasta e mostra que não houve avanço,
muito menos para a esquerda progressista”, frisa Jô Cavalcanti logo de início,
lembrando a grande bancada do PSB e o aumento da presença dos bolsonaristas.
“A gente vai ter muito
desafio pela frente levando em conta que nós da esquerda defendemos a política
do governo Lula e que as políticas sejam, de fato, voltadas para a população
mais vulnerável. A Câmara Municipal será um instrumento que vamos usar como uma
ferramenta de disputa da cidade”, complementou.
Ela disse que seguirá
enfrentando a oposição, assim como fez quando compunha o mandato coletivo das
Juntas Codeputadas na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). “Temos um
projeto de sociedade e de consciência”, definiu, lembrando o apoio dos movimentos
sociais e de nomes importantes da esquerda durante a campanha este ano, como
Erika Hilton, Guilherme Boulos, pastor Henrique Vieira e João Paulo.
“A gente sabe que a
Casa do Povo deve fazer com que as pessoas possam ter acesso a ela e que nada
seja passado para beneficiar só o grupo A ou B, mas toda a população
recifense”, defende Jô, rememorando que, em 2016, o PSOL também fez apenas uma
cadeira na Câmara, com Ivan Moraes, “que fez um mandato altivo e responsável”.
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Conheça Jô Cavalcanti:
Aos 42 anos de idade,
Jô Cavalcanti é mulher negra, mãe de Gabriel e cria do Morro da Conceição. Sua
vida foi marcada pela luta por sobrevivência e pela busca por justiça social.
Deputada estadual eleita em 2018 pela mandata coletiva das Juntas, ela foi a
primeira camelô do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) a ocupar esse
cargo no Brasil.
Tem militância no
Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Informal (Sitraci), na Rede de Mulheres
Negras de Pernambuco e na Frente Povo Sem Medo e se articula com o Fórum de
Mulheres de Pernambuco, a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e
outros espaços de luta.
Fonte: Marco Zero
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