Incertezas sobre revisão da política de
preços e reajustes preocupam beneficiários e planos de saúde
A proposta de revisão
da política de preços e reajustes de planos de saúde, iniciada pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tem sido acompanhada por entidades,
operadoras e beneficiários. Isso porque ela pode trazer impactos considerados
positivos e negativos para todos os envolvidos, o que tem feito os interessados
estarem atentos às movimentações. Mudanças nas regras sobre coparticipação e
franquias, reajuste em agrupamento de contratos até 29 vidas, obrigatoriedade
de vendas online de planos de saúde e revisão técnica sobre carteiras de planos
individuais, possibilitando reajuste excepcionais, estão entre os temas
debatidos pela ANS.
Após a primeira
audiência pública sobre essa revisão, ocorrida na segunda-feira (7), a
sociedade aguarda a abertura da tomada de subsídios por parte da ANS, ainda sem
previsão para sua publicação, para que haja a contribuição técnica sobre cada
um dos itens. Posteriormente, a minuta da Agência com o texto revisado deve ir
à consulta pública.
No entanto, até o
momento, existe certa incerteza sobre como será feita essa atualização da
política de preços e reajustes. Tanto operadoras quanto beneficiários (e suas
organizações representativas) temem os impactos que mudanças podem trazer.
Apesar de haver uma aprovação sobre a iniciativa da Agência, existe cautela
sobre os riscos e melhorias que podem surgir.
O reajuste excepcional
sobre os planos individuais, por exemplo, é um tema que divide opiniões. As
operadoras veem com bons olhos a iniciativa, já que pode contribuir para
recompor custos assistenciais de carteiras deficitárias. Já para os
consumidores, teme-se que haja um aumento de custos maior, podendo inviabilizar
a contratação dos serviços.
“Entendo a preocupação
do consumidor, mas como está não vai funcionar. Se continuarmos nessa fase,
migraremos para um modelo em que no futuro todos só teremos cartão de desconto.
E não queremos isso, queremos um cuidado por tempo indeterminado e assistência
contínua”, observa Lidiane Mazzoni, advogada atuante no setor de saúde
suplementar e mestre em saúde coletiva pela Faculdade de Medicina da
Universidade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Por outro lado, a
proposta de ampliar o chamado “pool de risco”, contratos até 29 vidas que têm
reajuste único dentro de cada operadora, é visto com preocupação pelo setor.
“Pode ter um pouco mais de diversificação, porque quando tem um volume muito
pequeno de vidas há uma tendência maior de anti-seleção, que é quando quem está
contratando precisa de algum tipo de atendimento de saúde. Mas essa ampliação
vai trazer os reajustes para índices mais baixos? Não necessariamente, porque o
reajuste é um reflexo da variação do custo médico-hospitalar”, observa Marcos
Novais, diretor executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde
(Abramge).
A Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde), em nota, afirma que a revisão da Política de Preços e Reajustes
dos Planos de Saúde Privados é um processo necessário em razão das
transformações científicas e tecnológicas, do aumento da longevidade da
população e da crescente demanda por cuidados de saúde. Contudo, reforça que o
debate “precisa ser amplo e transparente, com a participação de todos os
setores envolvidos, a fim de garantir que as mudanças sejam feitas de forma
responsável e com base em estudos técnicos robustos. O foco deve ser o
equilíbrio entre a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar e a
garantia de acesso de qualidade à população.”
• Regras vigentes dos planos individuais e
coparticipação
A ANS adotou em 2019
uma metodologia de cálculo para planos individuais para dar mais transparência
à sociedade. Calculando a variação de despesas, a frequência de utilização e a
incorporação de novas tecnologias, a Agência chega a um índice único para todo
o setor, calculando a média das operadoras. Em 2024, esse índice foi de 6,91%.
Contudo, são
recorrentes as reclamações de operadoras sobre esse modelo, que segundo elas
não leva em consideração o porte, composição da carteira e região, já que
possuem sinistralidades distintas. Por isso, a proposta da ANS de alterar as
regras sobre esse reajuste tem sido vista com otimismo.
“A proposta, com a
criação do modelo vigente, foi de olhar uma variação de despesa média geral,
sem olhar as características dos produtos. Olhar para o Brasil inteiro e ter um
único índice. Hoje centenas de operadoras têm carteiras desequilibradas e esse
desequilíbrio está sendo lançado ano a ano”, explica Novais, da Abramge.
A nova proposta da ANS
é que seja possível as operadoras pedirem revisão técnica sobre o reajuste,
apresentando números que comprovem o déficit da carteira. Caberia a Agência
aprovar um novo reajuste acima do índice médio liberado, em troca de a operadora
voltar a vender planos de saúde individuais, em escassez no mercado. Para o
diretor executivo da Abramge, cabe entender agora como isso será feito.
Lucas Andrietta,
coordenador do Programa de Saúde do Instituto de Defesa dos Consumidores
(Idec), lembra que o tema não é novo e esporadicamente retorna à discussão. “Na
prática, isso significa retroceder na proteção conferida para os planos
individuais. Isso acaba premiando e estimulando a própria má gestão
econômica-financeira das carteiras. Se a gente acha que o teto dos planos
individual-familiares é uma política sólida da Agência, não há razão para criar
um mecanismo que permita que as empresas escapem dessa regulação”, observa ele.
O tema da revisão
sobre as regras de coparticipação e franquia também gera preocupação. Apesar de
haver uma importância sobre o tema, já que a regulação é de 1998 e deixa margem
para interpretações, sem definições claras sobre alguns aspectos, como índice
máximo e serviços que serão contemplados, Lucas explica que a falta de
informação sobre como a revisão será feita é o ponto chave da discussão.
“Como essa questão não
está bem formulada ainda e essas relações de causa e efeito não estão bem
amadurecidas, há riscos também. Se a gente assume como um pressuposto que só
porque tem coparticipação esse contrato é mais barato, por exemplo, e isso por
si só é melhor, o que fazemos é simplesmente estimular que esse mercado todo
seja disseminada a prática de coparticipação”, afirma o coordenador.
A advogada Lidiane
Mazzoni aponta que é preciso se atentar como serão feitas essas regras,
principalmente frente às novas realidades do mercado de saúde, já que existem
novos modelos de pagamento sendo utilizados para remunerar prestadores de
serviço. Por isso, afirma que é preciso chamar outros atores para essa
discussão.
“Essa discussão não
pode ser só dos mecanismos financeiros de regulação, deveria ser dos
assistenciais também, como direcionamento e porta de entrada. São instrumentos
que temos feito nos contratos de forma a tentar resolver os problemas do setor,
para fazer uma gestão de cuidado adequada e o beneficiário não ficar passando
por todos os prestadores”, aponta ela.
• Aumento do pool de risco e vendas online
Em suas apresentações,
a ANS tem mostrado que os reajustes de planos com menos de 29 vidas e acima
desse valor permaneceram com uma flutuação similar ao longo dos anos. Contudo,
começou a apresentar um desvio que acendeu um alerta na Agência. A ideia proposta
é ampliar o número de vidas dentro desse grupo, para evitar reajustes abusivos
e não transparentes por parte das operadoras.
No entanto, existem
algumas preocupações do setor quanto a essa mudança, já que reajustes fora do
pool de risco são negociados diretamente com as empresas, contrato a contrato.
Isso é visto como a melhor forma de recompor a sinistralidade, com base nos gastos
assistenciais de cada um deles.
“Se colocar um limite
de até 50 vidas vai prejudicar as operadoras menores que hoje tem a maioria dos
contratos muito pequenos, não conseguem atender um contrato de mil vidas. Elas
sobrevivem de contratos pequenos. Vai perder a competitividade dessas operadoras
menores e isso parece muito prejudicial, estamos cada dia mais concentrados em
grandes operadoras que não possuem um atendimento local”, explica a advogada
Lidiane Mazzoni.
Marcos Novais, da
Abramge, explica que pode ocorrer uma maior diversificação de custos e
recomposições se ampliar o número de vidas dentro desse reajuste único das
operadoras, já que existe uma tendência de anti-seleção em contratos de poucas
vidas. Ele explica que isso ocorre quando uma pessoa contrata um plano já com
uma doença pré-existente e necessidade de uso. Entretanto, afirma que não há
garantias que aumentar o pool de risco traga ganhos financeiros e reduza o
reajuste.
Também existe uma
preocupação sobre a obrigatoriedade da venda online. De acordo com a ANS, a
iniciativa seria para reduzir a seleção de risco feita por operadoras, prática
proibida que acaba por dificultar ou impedir que pessoas idosas ou com
histórico clínico adquiram o produto. No entanto, planos de saúde menores
teriam que ter estrutura para atender esse requisito, o que pode gerar custos,
mesmo para aqueles que não tenham uma demanda nesse sentido.
Para o diretor
executivo da Abramge, isso impacta diretamente no modelo de negócio das
empresas: “Não tem uma premissa em uma economia de mercado que a gente vai
obrigar o modelo de venda. A venda online é muito importante e precisa ser
estimulada. Vamos trazer, eventualmente, algumas questões que atrapalham a
venda online à tona para a gente solucionar? Ótimo. Mas a venda online
obrigatória não é o melhor caminho”, afirma Marcos Novais, da Abramge.
Fonte: Futuro da Saúde
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