Sem clima: o domingo em que a direita tomou
o poder em Sinop por 4 anos
Em menos de 24 horas
entre a véspera e o domingo de eleição, quatro cenas em diferentes pontos de
Sinop (MT), a 500 km da capital Cuiabá, ajudam a explicar o resultado da
corrida eleitoral e a correlação de forças na “capital do Nortão” de Mato
Grosso, mais antigo polo do agronegócio na rota da BR-163.
Na véspera do pleito,
Marcos Vinicius Borges, um jovem advogado condenado por estelionato e tráfico
de influência, famoso nas redes sociais por sua vida de ostentação, percorre as
ruas da cidade num veículo conversível de luxo avaliado em R$ 450 mil, escoltado
por 14 membros de um motoclube, pedindo votos para sua própria candidatura a
vereador pelo PSDB.
Na tarde quente do
domingo de eleição, um armador de vigas na construção civil da cidade faz, em
sua folga, uma porção de concreto sob um sol escaldante diante de sua casa,
numa favela que nem nome possui, próxima ao Jardim Araguaia. Ele vai erguer um
batente para proteger os bens de sua família antes de as chuvas começarem, pois
sua casa fica em um leve desnível por onde a água verte com força no período
chuvoso. À Agência Pública, ele sorriu ao contar que não iria votar – “Eu
tô ocupado”, disse.
Próximo ao aeroporto
da cidade, dois idosos e um homem na casa dos 30 anos usam dois baldes de água,
galhos umedecidos e um rastelo de metal para combater, de improviso e sem
apoio, um incêndio criminoso no loteamento rural São Lucas – repleto de chácaras
e casas de madeira, vizinho a uma fazenda com 4,2 mil hectares voltados ao
plantio de milho e soja. O incêndio só foi controlado graças à chegada
providencial de uma chuva por 20 minutos no local, evitando o alastramento das
chamas.
Enquanto isso, com a
apuração praticamente encerrada, pouco mais de 50 militantes do PT consolam a
mulher mais bem votada na disputa por uma vaga na Câmara Municipal. Mesmo com
seu bom desempenho nas urnas, Graciele Marques dos Santos, a única vereadora de
esquerda em Sinop, não se reelegeu.
A vaga deixada pela
vereadora do PT se soma a outras sete que terão novos titulares a partir de 1º
de janeiro de 2025. A Câmara será inteiramente composta por políticos de
direita e acolherá o “advogado ostentação” do PSDB, que pedia votos na véspera
da eleição a bordo de um carro esportivo de luxo.
O resultado das urnas
no último domingo (6) representou a posição de pouco mais de dois terços da
população da cidade. Tal como o armador de vigas que trabalhava em melhorias
para sua casa, mais de 37 mil eleitores – 31,5% do total – não foram votar.
Um dos dilemas para
Sinop é a prevenção e o combate aos incêndios criminosos. A cidade tem uma
série de terrenos baldios e lavouras em seu perímetro urbano, como o loteamento
rural São Lucas, que são alvos constantes de queimadas ilegais como a observada
pela Pública no domingo de eleição.
“Aqui tem gente que
parece que não se importa com o outro, que taca fogo por maldade mesmo, porque
todo mundo sabe do risco disso pras famílias daqui – minha mãe mora aqui do
lado, por isso vim correndo assim que vi a fumaça subindo”, disse à reportagem um
dos homens que combatia o fogo no loteamento, que se apresentou apenas como
Felipe.
<><> Por
que isso importa?
- A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os
estados de Mato Grosso e Pará, e o município de Sinop é um dos locais
dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas
e meio ambiente vem sendo discutido nas eleições municipais. A região é
extremamente marcada por fogo, conflitos e desmatamento, com cidades que
registram grande adesão ao bolsonarismo.
<><>
Mulher mais votada, vereadora não se reelege pelo estigma contra a esquerda
Única mulher na atual legislatura, a vereadora Graciele Marques dos Santos, a Professora Graciele (PT), está entre os oito vereadores que não se reelegeram. Pedagoga
e representante dos profissionais da educação na Câmara, ela ficou conhecida na
cidade como uma defensora de pautas ambientais, feministas, LGBTQIA+ e da
agricultura familiar em meio ao fenômeno do bolsonarismo na política sinopense.
Não à toa, Graciele
sofreu uma série de ataques e intimidações nos últimos quatro anos. “Divulgaram
uma fake news que eu ia protocolar um projeto para impedir o bloqueio da BR[163], e a Câmara foi tomada, houve um monte de ofensas, havia
mensagens em grupos de WhatsApp, e os manifestantes vieram, xingaram, tentaram
impedir minha fala, atacaram minha assessoria e o então presidente [da Câmara,
Elbio Volkweis] não fazia nada… nesse dia, que a gente mais precisava, não
tinha um policial”, disse à Pública.
“Na eleição atual,
teve gente envolvida com toda a crise pós-eleições em 2022 aqui que tentou
capitalizar seu papel, tentando se eleger e atuando nas candidaturas de extrema
direita… contamos umas dez candidaturas, incluindo a do ex-presidente da Câmara
[Elbio Volkweis, reeleito em 2024], que teve envolvimento com muitas ações na época”, afirmou
também.
Mesmo com o viés
conservador do eleitorado de Sinop, Graciele conseguiu uma das maiores votações
entre todos os candidatos a vereador, com 1.882 votos, tornando-se também a
mulher mais bem votada para a Câmara Municipal em 2024.
Mas os outros dez
candidatos da chapa não alcançaram o coeficiente eleitoral mínimo para fazer
valer seus votos. “É muito triste, sim, mas temos de celebrar o trabalho da
nossa campanha, que conseguiu um resultado histórico – que nos mantém na luta,
porque não podemos parar”, disse a vereadora à Pública.
“Aqui, financiadores
dos atos golpistas estão quietinhos, mas quem foi rezar para pneus na BR está à
solta, sem medo”, disse a vereadora em seu gabinete
Para Graciele, sua
votação expressiva renova o ímpeto de manter-se ativa, defendendo pautas
progressistas, mas o contexto ampliado de Sinop segue alinhado ao bolsonarismo.
“Tudo que ele [Jair Bolsonaro] representa ‘colou’ muito bem aqui: negacionismo
em relação à vacina, o trato horroroso com a imprensa, com as mulheres, com
pessoas negras, tudo isso ecoa muito aqui, na vida prática de muitas pessoas”,
afirmou.
“As lideranças do agro
aqui têm muito dessas práticas, inclusive com denúncias de trabalho análogo à
escravidão, uso de veneno [agrotóxico] dentro da cidade. Vemos um desrespeito
sistemático ao ser humano, à vida e aos direitos humanos no discurso e na prática
de grandes fazendeiros”, disse a vereadora.
·
Advogado se elege vereador à base de
ostentação e polêmicas
Se a esquerda perdeu
sua única representante na Câmara de Sinop, a direita avançou e dominou a
“renovação” na Casa. Entre os oito novos vereadores eleitos em 2024, aparece o
advogado Marcos Vinicius Borges, o Dr. Marcos Vinicius (PSDB) – mais conhecido como “advogado ostentação”, que desfilava
em um carro de luxo pedindo votos sob a escolta de um motoclube na véspera da
eleição. Ele se elegeu com menos votos que Graciele dos Santos: 1.261
votos, pois sua chapa majoritária alcançou o coeficiente eleitoral.
A ficha de Marcos
Vinicius Borges é cheia de polêmicas, incluindo uma tentativa de assassinato sofrida dentro do seu escritório em Sinop. Ele já foi
condenado por estelionato contra clientes, caso no qual alega inocência; teve sua licença da OAB suspensa
por um mês, graças à sua ostentação nas redes, e defendeu um homem envolvido
numa chacina de sete pessoas – incluindo uma garota de 12 anos – em um bar de
Sinop, um crime motivado por uma partida de sinuca, retirando-se da defesa do
acusado pouco antes do julgamento do caso.
Na campanha para
vereador, Vinicius Borges usou lemas típicos da direita, como a cruzada
“anticorrupção”, e focou no eleitorado jovem da cidade, como observado in
loco pela Pública. Ele percorreu bares frequentados pela
juventude universitária de classe média e alta, fazendo panfletagem nos locais
atulhados de jovens.
“Eu não uso um centavo
de dinheiro público na minha campanha! Vou trabalhar contra a corrupção, já
denunciei os ‘esquemas’ na saúde do município – tá tudo na rede”, disse o
candidato à Pública, durante uma de suas panfletagens em Sinop.
A prestação de contas
de Borges ao TSE, porém, mostra que ele usou verba do fundo eleitoral em sua
módica campanha. Ao todo, o candidato arrecadou R$ 3,2 mil para concorrer a uma
vaga na Câmara, incluindo recursos do diretório municipal do PSDB. Indagado
pela reportagem sobre quais seriam os “esquemas na saúde” de Sinop, Borges não
se aprofundou – “Tá tudo lá no meu ‘insta’, me segue lá!”, disse.
Como um típico
influenciador digital, ele se aproveitou das redes, integrando a chapa
derrotada para a prefeitura de Sinop de Mirtes Eni Leitzke Grotta, a Mirtes da Transterra (Novo), cujo marido e filha foram denunciados por participação da tentativa de golpe no
dia 8 de janeiro em Brasília (DF).
Um dos principais
apoiadores da candidata é o ruralista Antônio Galvan, ex-diretor da Aprosoja na mira do STF por envolvimento em atos
antidemocráticos durante o governo Bolsonaro.
A Pública perguntou
a Mirtes e Galvan, que estavam lado a lado durante uma carreata na véspera da
eleição, sobre quais eram os planos ambientais da chapa, considerando-se o
avanço da destruição ligada ao agronegócio na região. Tanto ela quanto Galvan
disseram apenas que era “um dia de celebrar a candidatura”.
Já outros apoiadores
de Mirtes aderiram ao sinal do M, tanto pelo nome da candidata quanto por
referência ao candidato derrotado em São Paulo Pablo Marçal (PRTB), outro que
usou e abusou das redes sociais para conquistar votos.
·
Por trás da riqueza do agro, uma ocupação
sem nome
Longe da ostentação e
da fama de riqueza de Sinop, existe uma pequena ocupação urbana ao lado do
Jardim Araguaia, nas margens da sede municipal, que passou discreta pelo
período eleitoral, esquecida pelos candidatos da cidade.
Sem nome, a favela de
três ruas de chão batido é o lar de famílias de trabalhadores subalternos no
comércio local, que não ganham o suficiente para alugar imóveis mais bem
estruturados em outros bairros de Sinop.
“Assim, nosso problema
aqui é a terra, né? Tudo é muito caro aqui, não tem condição de trabalhar só
para pagar um aluguel de R$ 1,5 mil. É a nossa alternativa, tentar conquistar
um pedacinho de terra”, disse à Pública o armador de vigas Jaílson
Severino dos Santos.
Baiano de Feira de
Santana, ele é mais um dos migrantes que se mudaram para Sinop em busca de
melhores oportunidades de emprego. Como em outros municípios na rota da BR-163,
a cidade atrai migrantes nordestinos devido à fama de local rico, com diversas
empresas do agronegócio e também da construção civil.
“Do que eu posso
dizer, não veio nenhum candidato pedir voto pra gente aqui, não. A gente sabe
que nessa época sempre eles andam pela cidade prometendo as coisas, mas aqui
ninguém veio me pedir voto… aqui a gente fortalece uns aos outros, sabe?”,
afirmou Santos.
Ele disse ainda que
não votaria porque estava “ocupado”, trabalhando em sua folga por melhorias em
sua casa. “Eu sempre justifico, melhor aproveitar o dia fazendo as minhas
coisas aqui, logo começam as chuvas… já perdi tudo aqui outras vezes, a água
invade mesmo, não é fácil. Mas a gente recomeça, não tem outro jeito. O bom
aqui da comunidade é que a gente é unido, do asfalto pra lá não dão muita
atenção pra gente… eu até entendo o lado deles, nós estamos free,
de graça, mas é o que a gente pode ter agora”, disse.
Na rua que divide a
ocupação do bairro Jardim Araguaia, Antônio Francisco, maranhense que vive em
Sinop há sete anos, tinha uma visão levemente diferente daquela de Santos.
“A gente foi votar,
sim, votei num vereador que esteve aqui, mais por consideração mesmo, porque
ele veio, não porque a gente imagina que vai fazer alguma coisa pela gente. Pra
prefeito, nós votamos no que já tava… só pra gente não votar em branco mesmo”,
disse, em referência ao candidato reeleito com 50,7 mil votos, pouco mais de
68% dos votos válidos naquele dia – o megaempresário e fazendeiro Roberto Dorner (PL).
Francisco trabalha há
quatro anos no ramo da construção civil em Sinop e vive sob a expectativa de
regularização fundiária da ocupação, inclusive por ter feito melhorias em sua
casa no local. “Muitos moram aqui não é porque quer, é porque não têm outra opção.
Já morei de aluguel, mas, com quatro crianças, medicação, a comida da família,
fica pesado”, disse ao lado de sua esposa, Cleide.
“Já teve oportunidade
de oferecerem coisa melhor pra gente, mas teve problema, não informaram direito
nossa opção, sabe? Mas a gente sabe o que pode acontecer – que nem as outras
ocupações mais ali pra cima, que o pessoal tirou um tempo atrás. Morar aqui é
que nem comprar um bilhete da Mega-Sena: se ganhar, tá bom, mas se não ganhar a
gente já sabe do risco”, afirmou ainda Francisco.
·
Sinop, terra grilada?
Porém, um caso em
andamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) sugere que a área
controlada pelo atual Grupo Sinop à beira da BR-163 seria, na verdade, “fruto de fraude”. O
caso veio à tona na região por meio do veículo local GC Notícias, em 2018, que teria tido
acesso a um relatório elaborado pela Polícia Federal, ainda nos anos 2000, para
checar a procedência de áreas na faixa da BR-163 disputadas pelo grupo com o
órgão predecessor do atual Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit).
Aberta em 1998, a ação
segue em curso até hoje, com movimentações recentes. Em fevereiro de 2023, o juiz federal da 1ª Vara Federal Cível e Agrária em Sinop,
Ciro José de Andrade Arapiraca, resumiu o caso como um “incidente de falsidade
de título dominial”, da parte do Grupo Sinop, que foi “acolhido em primeira
instância e confirmado em instâncias superiores”.
Porém, o Grupo Sinop
conseguiu uma vitória recente no caso, por meio de uma liminar que cancelou a
“nulidade da matrícula 1717”, o registro que deu origem à cidade e que mantém
parte do controle territorial do município com a empresa. A informação consta
na decisão mais recente da ação em andamento na Vara Federal de Sinop, assinada
pelo mesmo juiz federal Ciro José de Andrade Arapiraca em 25 de julho de 2024.
A Pública entrou
em contato com o Grupo Sinop, para saber sua posição diante da suspeita de
grilagem a partir do caso em curso na Justiça Federal, mas não teve retorno até
o fechamento. Caso haja, o texto será atualizado.
Fonte: Por Caio de
Freitas, da Agencia Pública
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