quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Forças de defesa ou de ataque? Paradoxo militar israelense mudou a história do Oriente Médio

Há um ano, as manchetes mundo afora expõem diariamente os efeitos da guerra promovida por Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza. Para além da destruição quase total do território, mais de 42 mil palestinos já foram mortos em meio à inércia internacional. Agora, os olhares se voltaram para o Líbano, onde Tel Aviv repete a mesma retórica.

Desde os primórdios de sua criação no Oriente Médio, Israel busca se colocar frente à comunidade internacional como um Estado que age militarmente só pela esfera defensiva. Prova disso é o nome do próprio Exército: as Forças de Defesa de Israel (FDI). Mas acontecimentos recentes colocam em xeque cada vez definição, principalmente pelo Sul Global: à beira de uma guerra total, Israel passou a atacar o Líbano, ao mesmo tempo que mantém as hostilidades em Gaza e ameaça o Irã.

Muito antes da atual guerra, as agressões contra os territórios palestinos sempre foram mais regra do que uma exceção. Em maio de 2021, após o Hamas exigir a desocupação israelense em Gaza, confrontos ao longo de 11 dias provocaram mortes de 260 palestinos e 11 israelenses. Já em 2018, um protesto levou as FDI a abrirem fogo contra a multidão, quando 170 pessoas morreram. Quatro anos antes, um conflito ainda mais sangrento: o sequestro de três jovens israelenses levou a ataques que duraram quase dois meses. O resultado foi a morte de 2,1 mil palestinos e 73 israelenses.

Os registros são tantos que ocupariam toda esta reportagem. Isso sem contar com os casos da Cisjordânia, outro território palestino que, apesar de não estar "oficialmente em guerra", foi alvo de quase 90 ataques aéreos e 697 mortes provocadas por agressões israelenses. O professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Bruno Huberman acrescenta à Sputnik Brasil que as FDI surgiram no contexto da expulsão de mais de 750 mil palestinos a partir de 1948, quando mais de 500 vilarejos também foram destruídos.

"Então, Israel, desde a sua fundação, busca se colocar como um Estado que age exclusivamente de forma defensiva, para proteger os judeus. Isso tem muito a ver com a proteção em relação ao antissemitismo, que era bastante genocida naquele contexto, logo após o Holocausto […]. Israel utiliza-se dos direitos de defesa como uma forma de justificar qualquer medida agressiva contra os seus inimigos, mesmo quando ela viola o direito internacional, como é o caso da resposta que a gente vê na Faixa de Gaza [desde outubro do ano passado]", pontuou.

E mesmo antes das tensões crescerem nas duas últimas semanas no Líbano, por conta das hostilidades entre Israel e Hezbollah, um levantamento do Projeto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED, na sigla em inglês) revelou que Tel Aviv já realizava cinco vezes mais ataques no país do que o contrário.

"Esses dados evidenciam a desproporcionalidade de poder. Além disso, grupos como o Hezbollah, que surgiram para resistir à ocupação israelense, por mais que possam iniciar determinada conflagração de violência, quando a gente olha para a perspectiva histórica de longo prazo, vemos Israel também como a força agressiva prioritária nos conflitos", declara.

·        O que está acontecendo em Gaza é genocídio?

Para entender o motivo das ações militares israelenses provocarem tantas mortes, principalmente nos territórios palestinos, é necessário voltar ao contexto histórico, aponta o especialista. Entre 2000 e 2005, durante uma revolta civil dos palestinos contra a política israelense na região, conhecida como a Segunda Intifada, a resistência guerrilheira, como Hamas e Hezbollah, passou a se esconder em ambientes urbanos, como prédios e túneis, segundo Huberman.

"Desde então, a estratégia israelense tem sido a destruição através de um urbicídio [destruição de uma cidade]. É o caso da destruição do campo de refugiados de Jenin em 2002, por exemplo. Isso se tornou uma doutrina militar em 2006, durante a guerra com o Líbano. Também passamos a ver isso ser usado por países como os Estados Unidos", diz.

Toda essa desproporcionalidade de força tem o objetivo principal de tirar a capacidade de resistência dos palestinos à ocupação israelense. "Tel Aviv busca manter isso de forma eterna ou até encontrar uma solução provisória que lhe traga segurança enquanto mantém a colonização da região. Em Gaza, essa medida era o bloqueio iniciado em 2005, que chega ao seu limite em outubro do ano passado. Até então, o controle principal era remoto, com bloqueio econômico, além do uso de drones e bombardeios esporádicos para minar a capacidade de resistir. E diante da limitação desse modelo anterior, provocaram a destruição completa. Não tem nada de defesa, porque Israel é força ocupante, agressora, e não existe direito de defesa em território ocupado, segundo o direito internacional", justifica.

·        Qual é a situação atual da Palestina?

Desde a década de 1940, os conflitos entre israelenses e palestinos nunca cessaram. Cada vez mais, a população que não faz parte do Estado judeu esteve confinada nos limites do seu antigo território, que corresponde a Gaza e Cisjordânia.

Ao longo do tempo, veio a Autoridade Palestina, que funciona como uma prefeitura na prestação de serviços públicos, enquanto Israel mantém há décadas o controle das fronteiras e da economia. Nesse contexto de dominação israelense crescente no Oriente Médio, surgiu o eixo da resistência, que tem como ator mais forte o Irã, enfatiza o especialista.

"Então, quando Israel escalona a violência contra palestinos, tende a haver solidariedade desses grupos políticos e militares [como o Hezbollah e os houthis do Iêmen]. Se antigamente eram os Estados árabes, hoje, particularmente, são as forças guerrilheiras e o Irã. Então isso sempre afetou a dinâmica de segurança na região […]. A permanência da guerra e ausência de um acordo de paz é o que traz instabilidade. E Israel persegue essa instabilidade que, em certo sentido, traz também uma aliança muito próxima com os Estados Unidos. Permite ainda ao país agir de forma violenta contra inimigos comuns aos norte-americanos", resume.

Já a doutora em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas Isabela Agostinelli pontua que as provocações israelenses, principalmente contra o Irã, têm justamente o objetivo de provocar uma guerra total no Oriente Médio. Tudo isso sob os olhares da Organização das Nações Unidas (ONU) que, segundo a especialista, tem uma atuação limitada, principalmente por conta dos vetos dos membros permanentes do Conselho de Segurança.

"Embora o próprio nome diga Forças de Defesa de Israel, o país não só se defende, como acaba extrapolando diversos limites éticos, morais e do próprio direito internacional de guerra. São ataques sistemáticos contra infraestruturas, a população civil, e não só em relação a alvos que diz querer alvejar", conclui.

¨      Um ano de guerra em Gaza: milhares de manifestantes pró-Palestina marcham em Nova York

Milhares de pessoas se reuniram na cidade de Nova York segunda-feira (7) para uma manifestação pró-Palestina, quando se assinala um ano do ataque do Hamas a Israel, que levou a uma violenta escalada do conflito em Gaza, relata um correspondente da Sputnik.

Aproximadamente às 17h10 em Nova York (18h10 no horário de Brasília), os manifestantes chegaram à Estação Grand Central, depois de terem marchado por vários outros locais da cidade. A polícia monitorou o protesto e conduziu operações para controlar o tráfego.

Não foram registradas prisões em massa ou grandes confrontos entre os manifestantes e policiais, de acordo com o correspondente. No entanto, pelo menos algumas prisões foram vistas em vídeos postados nas redes sociais.

Os ataques ao território palestino começaram há um ano, depois de um ataque, em 7 de outubro de 2023, coordenado pelo Hamas a mais de 20 comunidades israelenses, que deixou aproximadamente 1,1 mil mortos e cerca de 5,5 mil feridos, além de mais de 200 reféns.

Em retaliação, Israel iniciou uma série de bombardeios contra a Faixa de Gaza, governada pelo Hamas, que resultaram até agora na morte de mais de 42 mil palestinos.

¨      EUA propôs 'pacote de compensação' para Israel não atacar certas instalações do Irã, diz mídia

A rádio israelense Kan informou, citando suas fontes, que Israel teria recebido em 6 de outubro uma proposta dos EUA de não atingir certas instalações iranianas em suas ações de retaliação ao ataque do Irã contra Israel de 1º de outubro.

Em troca, a Casa Branca ofereceu a Israel o chamado "pacote de compensação" que inclui ajuda militar adicional e apoio diplomático.

Conforme a rádio, as conversas duraram vários dias, mas as partes não conseguiram chegar a um acordo.

Por sua vez, o jornal The New York Times cita antigos e atuais oficiais israelenses de alto escalão dizendo que Israel provavelmente não vai atacar as instalações nucleares do Irã, concentrando-se em estruturas militares.

O artigo lembra que o presidente dos EUA Joe Biden e o secretário de Defesa Lloyd Austin se manifestaram contra o apoio a possíveis ataques israelenses contra instalações nucleares do Irã, temendo um agravamento da situação no Oriente Médio.

Além disso, o jornal diz que "anteriores e atuais altos funcionários israelenses colocaram dúvidas sobre se o país tem capacidade de causar danos significativos" a essas instalações.

"É provável que a primeira retaliação de Israel contra o Irã pelos ataques de mísseis de terça-feira [1º] se concentre em bases militares e, talvez, em alguns locais de inteligência ou liderança", afirmam as fontes citadas no artigo.

Como observa a publicação, as instalações nucleares como alvos foram aparentemente decididas para serem guardadas para mais tarde, apenas no caso de o Irã tentar agravar ainda mais o conflito.

Segundo o The New York Times, Israel pediu repetidamente a Washington para ter acesso a tecnologias que lhe permitissem atacar com eficácia o território iraniano, mas recebeu sempre recusa.

Por isso, as autoridades israelenses recorreram a operações de sabotagem como matar cientistas iranianos, implantar bombas nas instalações e atacá-las com drones, ressalta o jornal.

"Um alvo nuclear é um alvo muito difícil. Há muitas outras alternativas para além desse alvo", disse o general Frank McKenzie, responsável pelos planos de guerra contra o Irã quando dirigia o Comando Central dos Estados Unidos, citado pelo artigo.

Em 1º de outubro, o Irã submeteu Israel a um ataque maciço de foguetes, chamando-o de ato de autodefesa.

Os militares israelenses afirmam que cerca de 180 mísseis balísticos foram disparados, a maioria dos quais foi interceptada.

Vários meios de comunicação relataram a morte de uma pessoa, presumivelmente um palestino da Faixa de Gaza, na Cisjordânia.

O Irã afirma que os mísseis atingiram alvos militares israelenses, mas Israel diz que os danos foram "mínimos", prometendo retaliar com a ajuda dos EUA.

A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, disse, após o ataque, que a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, fracassou no Oriente Médio, demonstrando total impotência na resolução de crises.

¨      Trump promete relacionamento EUA-Israel 'mais forte do que nunca' se vencer a eleição

O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, disse que, se ele se tornasse presidente novamente, o relacionamento entre Israel e os Estados Unidos seria ainda mais forte do que nunca.

"Se e quando eu for presidente dos Estados Unidos, será, mais uma vez, mais forte e próximo do que nunca", disse Trump na noite de segunda-feira (7) durante um evento na Flórida.

Trump acrescentou que estava comprometido em proteger o Estado judeu e as comunidades judaicas norte-americanas, prometendo evitar ameaças contra Israel e apoiar sua luta contra o terrorismo.

Durante o debate presidencial entre Trump e a vice-presidente Kamala Harris, ambos os candidatos tentaram se posicionar como o candidato mais pró-Israel.

"Ela odeia Israel. Se ela for presidente, acredito que Israel não existirá dentro de dois anos a partir de agora", disse Trump sobre sua oponente.

"Isso não é verdade", respondeu Harris, que é casada com um judeu. "Em toda a minha carreira e vida apoiei Israel e o povo israelense", rebateu.

Em 7 de outubro de 2023, Israel foi submetido a um ataque de foguetes sem precedentes da Faixa de Gaza. Além disso, combatentes do movimento palestino Hamas se infiltraram nas áreas de fronteira, abriram fogo contra militares e civis e fizeram reféns.

As autoridades israelenses dizem que cerca de 1.200 pessoas foram mortas durante o ataque. As Forças de Defesa de Israel (FDI) lançaram a Operação Espadas de Ferro na Faixa de Gaza e anunciaram um bloqueio completo do enclave. O número de mortos pelos ataques israelenses na Faixa de Gaza desde 7 de outubro ultrapassa 41.900, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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