Fernando Nogueira da Costa: ‘Dinâmica de
fluxos de renda e estoques de riqueza’
Os fluxos de renda e
os estoques de riqueza dos cinco setores institucionais – famílias, empresas,
governos, bancos e estrangeiros – estão interrelacionados de maneira dinâmica,
variando ao longo do tempo com base em diversas condições econômicas,
políticas, sociais e internacionais. É possível compreender o sistema
econômico-financeiro como uma rede de fluxos reciprocamente influentes, com feedbacks (retroalimentação)
capazes de afetar o comportamento de cada setor e sua riqueza acumulada.
Em vez de fazer
“denúncia vazia” da “financeirização” é mais instrutivo analisar essas
interações em termos de fluxos de renda (variáveis de curto prazo) e estoques
de riqueza (variáveis acumuladas ao longo do tempo), considerando o circuito
dinâmico de como se modificam e interagem entre si. Entenderá o capitalismo
financeiro em lugar de pregar em vão sua “moralização”…
As famílias recebem
como fluxos de renda: salários, lucros, juros e dividendos pagos pelas
empresas, bancos e, em alguns casos, subsídios e transferências de governos.
Também podem receber rendimentos de investimentos, como dividendos de
participações acionárias, aluguéis de imóveis ou juros de títulos públicos e
privados.
O estoque de riqueza
acumulada por famílias inclui poupança, imóveis, ações e outros investimentos.
Esse estoque é modificado pelos fluxos de renda excedentes do consumo, assim
como por mudanças no valor dos ativos, devido à variação de preços imobiliários
e de ativos financeiros.
Interações dinâmicas
ocorrem dos seguintes modos. As famílias fornecem mão de obra para as empresas
e recebem renda em troca. A demanda das famílias por bens e serviços influencia
os lucros empresariais, afetando tanto o fluxo de receitas das empresas quanto
sua capacidade de distribuir dividendos.
As famílias pagam
impostos e recebem benefícios sociais do governo. Em situações de pobreza, o
governo costuma aumentar transferências, como assistência social e
seguro-desemprego, afetando os fluxos de renda.
Elas tomam crédito
(financiamento imobiliário, empréstimos pessoais) e fazem depósitos em bancos.
As condições de crédito afetam o consumo delas e o investimento em imóveis.
Famílias costumam
consumir bens importados e podem investir em ativos estrangeiros, receber
remessas do exterior, impactando os fluxos de comércio e capital. Portanto,
elas interagem com todos os demais setores institucionais.
As empresas recebem
como fluxos de renda as receitas de vendas de bens e serviços, que são
influenciadas pela demanda das famílias, governos e mercados internacionais.
Também captam recursos via emissão de ações ou títulos e podem obter crédito
bancário. Seus estoques de riqueza incluem capital físico (instalações,
máquinas), capital financeiro (reservas, ações) e estoques de produtos. O valor
das empresas também pode ser impactado por fatores externos, como mudanças nos
mercados financeiros ou políticas governamentais.
O consumo das famílias
é a principal fonte de receita para muitas empresas. A variação no consumo
afeta diretamente o fluxo de caixa e a capacidade de expandir ou contrair
investimentos.
As empresas pagam
impostos e podem receber incentivos fiscais ou subsídios. A regulação
governamental também influencia custos e a lucratividade. Em crise, as
políticas fiscais (como estímulos) afetam diretamente a atividade empresarial.
As empresas dependem
de crédito para financiar suas operações e expansão. Condições de liquidez e
taxas de juros impactam a capacidade de tomar empréstimos e investir.
Empresas envolvidas em
comércio internacional estão sujeitas a flutuações cambiais, políticas
comerciais e demanda externa, afetando seus fluxos de receitas e estoques de
riqueza. Logo, suas interações institucionais são dinâmicas.
Como fluxos de renda,
o governo coleta impostos de famílias e empresas, e capta recursos por meio da
emissão de títulos de dívida pública. Gasta em serviços públicos,
infraestrutura e transferências sociais. Seus estoques de riqueza incluem
ativos públicos (infraestrutura, reservas internacionais) e dívida pública.
Esta é interna ou externa, e seu nível afeta a política fiscal e monetária ao
longo do tempo.
O governo recolhe
impostos sobre a renda das famílias e oferece serviços e transferências, como
aposentadorias e seguros-desemprego. Crises econômicas forçam o governo a
aumentar gastos e déficits, impactando o estoque de dívida.
O governo fornece às
empresas infraestrutura e um ambiente regulatório. A tributação e os incentivos
fiscais influenciam a competitividade das empresas.
Bancos compram títulos
públicos, sendo financiadores importantes do governo. Políticas monetárias e
fiscais afetam as condições de liquidez e as taxas de juros, com impacto no
sistema bancário.
Governos, caso não
tenham parte do crédito interno ampliado, emitem dívida no exterior. As
políticas fiscais e monetárias afetam o balanço de pagamentos e os fluxos de
capitais internacionais. Dependem de reservas cambiais.
Os bancos obtêm fluxos
de renda ou receita por meio de juros sobre empréstimos, taxas de serviços
financeiros e investimentos. Eles emprestam para empresas e indivíduos,
influenciando o fluxo de capital na economia. Seus estoques de riqueza incluem
reservas bancárias, carteiras de crédito e investimentos financeiros. A saúde
financeira dos bancos depende da qualidade dos ativos (empréstimos concedidos)
e das condições do mercado financeiro.
O sistema bancário
facilita o consumo e o investimento das famílias, oferecendo crédito
(financiamento habitacional, pessoal) e produtos de poupança. Alterações nas
taxas de juros afetam o custo de financiamento e o nível de consumo.
Bancos financiam as
operações e os investimentos corporativos. O custo do crédito e a
disponibilidade de liquidez afetam diretamente a capacidade de expansão das
empresas.
Os bancos são
compradores de títulos públicos, financiando o governo. Além disso, as
políticas monetárias e regulatórias do governo afetam as condições de liquidez,
solvência e capitalização do setor bancário.
Bancos também operam
internacionalmente, captando recursos ou realizando empréstimos no exterior.
Movimentos cambiais e políticas monetárias internacionais influenciam os fluxos
de capital bancário.
O resto do mundo
interage com a economia doméstica por meio de fluxos de comércio internacional,
fluxos de capitais (investimentos diretos e em portfólio) e movimentos
cambiais. Os estrangeiros compram ativos financeiros, títulos públicos e
produtos das empresas domésticas. Seus estoques de riqueza, no país, incluem
investimentos estrangeiros diretos, participações acionárias em empresas
nacionais e reservas internacionais, afetadas por fluxos de comércio e capital.
As famílias podem
comprar produtos importados e investir em ativos estrangeiros. As mudanças nas
taxas de câmbio afetam os preços de bens importados, impactando o consumo.
As empresas dependem
dos mercados internacionais para exportações e importações. Além disso, podem
captar investimentos de estrangeiros ou realizar fusões e aquisições
internacionais.
O governo participa do
mercado internacional de capitais e se financia emitindo dívida externa.
Alterações nas taxas de câmbio e na política monetária global afetam o estoque
de dívida pública e a balança de pagamentos.
Bancos atuam como
intermediários no fluxo de capitais entre fronteiras, facilitando empréstimos e
investimentos internacionais. Dada a integração financeira global, choques
externos (como a GCF-2008) se espalham rapidamente pelos bancos.
Ao longo do tempo,
mudanças em qualquer um desses setores propagam efeitos sobre os outros,
criando ciclos econômicos de expansão e contração. Por exemplo, uma crise
bancária restringe o crédito, afetando o investimento empresarial e o consumo
das famílias. Um aumento no endividamento público eleva as taxas de juros,
encarecendo o crédito para empresas e famílias. Flutuações cambiais e crises
financeiras internacionais influenciam os fluxos de comércio e capital,
impactando tanto o setor empresarial quanto os governos.
Em resumo, os fluxos
de renda e os estoques de riqueza dos cinco setores institucionais estão
interligados de maneira sistêmica. Sua dinâmica temporal (variações ao longo do
tempo) criam um ciclo de feedback contínuo. Deve ser
inteligível para todos!
¨
Os desafios de
Galípolo no Banco Central. Por Luís Nassif
Não se espere atos
heróicos de Gabriel Galípolo, na presidência do Banco Central. Sua diferença de
Roberto Campos Neto é que ele irá explorar todas as possibilidades de redução
dos juros, sem afrontar as regras do mercado. Campos Neto boicotava. Deu declarações,
em Nova York, que reverteu o movimento de expectativa de queda na Selic.
Atropelou todas as normas de atuação do banco, por uma questão política.
Por outro lado, os
governos Lula sempre padeceram de desconfiança do mercado, levando a um grau de
radicalização maior do que nos períodos anteriores, de orientação liberal. Dia
desses publiquei artigo meu, de 2006, mostrando o espanto de Armínio Fraga com
uma meta inflacionária extremamente rígida da parte de Lula.
O mesmo se repetiu
agora, com a meta fixada em 3%. Qualquer suspiro acima de 3% já dispara as
pressões por aumento da Selic. Aliás, a quantidade de besteirol sobre a suposta
gastança – especialmente nos editoriais dos jornalões – lança dúvidas sobre a
inteligência da mídia corporaitva.
Ontem, o editorialista
da Folha celebrava o bom desempenho da balança comercial. Mas dizia que tudo
poderia ser comprometido pela gastança de Lula, que poderia estimular o aumento
das importações. As importações aumentam quando a economia está aquecida. Quando
se tem reservas cambiais da ordem de US$ 350 bilhões, o aumento das importações
deveria ser celebrado, especialmente de insumos para a indústria.
Para tentar supor a
lógica de Galipolo, é importante entender quais os principais vícios do mercado
atualmente:
- O relatório Focus.
O relatório abarca as
expectativas exclusivas do sistema financeiro em relação à inflação. Muitas
vezes ocorrem jogadas visando aumentar as expectativas. Provavelmente Galipolo
vai criar novas medidas de expectativas, captando o sentimento de outros setores
da economia.
- O método de estimar a inflação.
A tal planilha do Ilan
Goldfajn consiste em um conjunto de fórmulas que serve como corrida de galgo.
Se aponta em uma determinada direção, imediatamente todo o mercado se articula
todo na mesma direção. Ou seja, a planilha serve para homogeneizar a atuação
dos agentes financeiros, ampliando as possibilidades de cartelização.
Provavelmente,
Galípolo introduzirá novos métodos de estimar a inflação.
- O mercado de títulos públicos.
Hoje em dia, a Faria
Lima domina amplamente o mercado de Letras do Tesouro Nacional – que serve de
parâmetro para as taxas de juros longas. É onde se dá a especulação brava,
através de operações de arbitragem.
A idéia é melhorar o
grau de avaliação do país, pelas agências de risco, e convencer fundos
soberanos a adquirirem pacotes de LTNs, mas para levar até o vencimento. Isso
reduziria o poder de fogo do mercado para especular com o papel.
O grande desafio de
Galípolo será, pouco a pouco, cumprir a missão didática de convencer parte do
mercado que taxas de juros elevadas não serão a única maneira de reduzir
inflação.
Mas, antes, terá que
administrar a armadilha deixada por Campos Neto, quando radicalizou as
projeções sobre a Selic, amarrando seu sucessor a esse modelo, para não se
enfraquecer perante o mercado.
Fonte: A Terra é
Redonda
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