quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Desmatamento torna o Brasil mais vulnerável às mudanças climáticas

A coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Julia Shimbo, apontou que o Brasil já perdeu 33% da sua cobertura vegetal, o que deixou o país mais exposto às mudanças climáticas e que pode gerar como consequência, inclusive, a insegurança alimentar, além de comprometer o acesso a energia e ao abastecimento de água.

Em artigo publicado no The Conversation Brasil, a pesquisadora observa que ainda que o país vislumbre o fim do desmatamento até o final da década, tal esforço não seria suficiente. É preciso acelerar o fim do desmatamento e recuperar boa parte do que foi destruído.

Uma das alternativas para lograr tais desafios é definir estratégias de planejamento contando, inclusive, com terras indígenas e unidades de conservação para mitigar as mudanças climáticas.

É preciso ainda recuperar as áreas degradadas, porém, tal esforço só será possível a partir da efetividade de um novo Código Florestal Brasileiro e da regularização dos Cadastros Ambientais Rurais, assim como criar florestas públicas.

<><> Avanço

O MapBiomas constatou que, até 1985, o país acumulou a perda de 20% das áreas naturais. Porém, o desmatamento avança em ritmo tão rápido que, em menos de 40 anos, mais 13% de novas áreas de cobertura natural foram perdidas para a agropecuária.

Ainda assim, o país mantém 64,5% do território coberto por vegetação nativa. Mas não há o que comemorar, pois grande parte desta área está degradada e, segundo os cálculos do MapBiomas, entre 11% e 25% da vegetação segue suscetível à degradação.

•        Seca na Amazônia potencializa fenômeno das “terras caídas”

Com os rios amazônicos secando devido à estiagem extrema que atinge a região, vem aumentando a ocorrência do fenômeno conhecido como “terras caídas”, que se caracteriza pelo deslizamento de barrancos que surgem com a baixa da água. O caso mais recente foi registrado na 2ª feira (7/10) no Porto Terra Preta, em Manacapuru, a cerca de 100 km de Manaus.

Um vídeo divulgado em redes sociais e reproduzido pelo UOL mostra o momento em que a terra cede no leito do rio Solimões, atinge barcos próximos e abre uma cratera. Nove pessoas foram encaminhadas ao hospital do município, com escoriações. Outras duas, incluindo uma criança, seguem desaparecidas – Letícia Correia de Queiroz, de 6 anos, e Frank Lins Pinheiro de Souza, de 37, informa o Portal do Holanda. Há a suspeita de que mais pessoas podem estar soterradas.

As “terras caídas” são um fenômeno relativamente comum na Amazônia, mas a severidade da seca atual pode potencializá-lo, destaca a CNN. “A estiagem muda a condição de estabilidade das margens por reduzir o nível do lençol freático e aumentar o volume que pode deslizar”, explicou Renato Lima, diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres (CENACID) e especialista-consultor da ONU para desastres ambientais e naturais.

Além da estiagem, o desmatamento das margens dos rios e o aumento da potência das embarcações, gerando ondas mais fortes, conhecidas como “banzeiros”, que aumentam a erosão das margens, contribuem para o fenômeno. Esses fatores combinados transformam a paisagem ribeirinha, colocando em risco as moradias e os meios de subsistência das comunidades locais, explica a Agência Cenarium.

Quando ocorrem em regiões habitadas, as “terras caídas” podem desalojar pessoas. No final de setembro o fenômeno afetou a orla de São Paulo de Olivença, no extremo oeste do Amazonas, também às margens do Solimões. Os deslizamentos atingiram 30 casas e deixaram nove famílias desabrigadas. Não houve feridos, segundo o g1.

Dias antes, moradores de Alvarães, a 531 km de Manaus, testemunharam o fenômeno. O deslizamento gerou ondas de grande intensidade e assustou os ribeirinhos, informa o Portal Marcos Santos.

 

•        Indenizações por demarcação de terras indígenas: a exceção que não pode virar regra

A indenização a particulares ocupantes de terras reconhecidamente indígenas retornou ao debate público na última semana, após a celebração de acordo no Supremo Tribunal Federal (STF) entre integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério dos Povos Indígenas, do governo do estado de Mato Grosso do Sul, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), representantes de fazendeiros e lideranças indígenas.

A mesa de negociação foi instaurada a pedido da União em mandado de segurança, que tramita há 19 anos na Corte, impetrado por particulares contra o decreto de homologação da Terra Indígena (TI) Ñanderu Marangatu. No dia 28 de março de 2005, o decreto publicado pelo presidente da República declarou a terra de posse permanente do povo Guarani e Kaiowá.

Ao longo de quase duas décadas, os efeitos do decreto permaneceram suspensos por liminar proferida em julho de 2005 no mandado de segurança. Porém, somente com a homologação do acordo é que foram restabelecidos integralmente os efeitos do decreto presidencial que convalidou a demarcação da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu. Entre o pedido da União, formulado no dia 20 de setembro deste ano, e a decisão que referendou o acordo, transcorreram apenas oito dias.

Após o pagamento das benfeitorias, os proprietários se comprometeram a sair do local em até 15 dias corridos

O acordo prevê o pagamento da União aos não-indígenas o valor de R$ 27,8 milhões a título das benfeitorias, além de R$ 102 milhões pela terra nua. O estado de Mato Grosso do Sul deverá ainda efetuar depósito judicial no valor de R$ 16 milhões, também a serem pagos aos ocupantes da terra indígena.

Em contrapartida, após o pagamento das benfeitorias, os proprietários se comprometeram a sair do local em até 15 dias corridos. Após esse prazo, a comunidade indígena finalmente assumirá integralmente a posse de seu território tradicional, depois de décadas de espera.

A solução apresentada pelo poder público no caso concreto e acolhida pelo STF, sob escopo de pacificar conflitos na região entre indígenas e não-indígenas, desafia o estabelecido pela Constituição Federal em seu § 6º do artigo 231. Isso porque são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas. Segundo dispõe o texto constitucional, caberia ao particular tão somente a indenização relativa às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Por se tratar de patrimônio da União, não haveria de se admitir que o Estado pague por uma terra que já lhe pertence

Em outras palavras, a União e o Mato Grosso do Sul estão dispondo de mais de R$ 100 milhões em recursos públicos para indenizar aqueles que não teriam direito, pela leitura taxativa do artigo 231 da Constituição Federal, a receber indenização pela terra nua. Por se tratar de patrimônio da União, não haveria de se admitir que o Estado pague por uma terra que já lhe pertence.

A Corte Constitucional de nosso país avançou na interpretação do artigo 231, que define o estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de ocupação tradicional indígena. Emm setembro de 2023, noo julgamento de repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, conhecido também como Tema 1031, o STF fixou treze teses que delineiam/sintetizam a posição da Corte sobre o tópico. No entanto, o julgamento não foi concluído, pois restam embargos de declaração ainda não apreciados.

Isso não afasta, contudo, o dever de observância às teses fixadas, visto que foi expressamente rechaçada pela Corte a possibilidade de indenização no valor da terra nua de forma indiscriminada.

É urgente e necessário que a União possa estabelecer o procedimento, definido pelo STF, para aferir sobre as indenizações

Vale lembrar que houve um intenso debate após ponderações feitas pelo ministro Alexandre de Moraes quando da fixação das teses no Tema 1031. A Corte levou em conta a preocupação do ministro em resguardar pessoas de boa-fé que obtiveram títulos ou a posse de áreas que serão alcançadas pela demarcação de terras indígenas. Numa busca pela pacificação dessa questão, dentro dos preceitos e parâmetros constitucionais, o ministro Zanin apontou um caminho para a solução da questão: a indenização pelo evento danoso, previsto no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal, que deve ser analisada caso a caso.

O ministro Dias Toffoli, na ocasião, foi assertivo quanto ao tema, conforme consignado em trecho de seu voto: “considero que a indenização pelo valor da terra nua deve recair tão somente sobre títulos de propriedade dos imóveis que tenham sido indevidamente titulados, a fim de evitar a regularização (e, mais gravoso, a indenização) de situações precárias como as de posseiros”.

É urgente e necessário que a União possa estabelecer o procedimento, definido pelo STF, para aferir sobre as indenizações, no qual serão apurados os direitos e os valores de sua aplicação. Sem esse procedimento devidamente organizado, há grave risco de premiação financeira a grileiros, invasores e até mesmo de criminosos e severa insegurança jurídica e econômica.

O acordo que reacendeu a atenção para a indenização de não indígenas foi uma solução dada para um caso específico, de forma excepcional, que não deve gerar precedentes

A tese prevista no item V do Tema 1031, que conformou os debates travados sobre a matéria e calibrou o entendimento da Corte, foi acolhida por nove dos onze ministros do Supremo. Ali foram estabelecidos pela mais alta Corte do país critérios objetivos para verificar se o particular fará jus ao direito indenizatório por evento danoso. Porém, tais parâmetros não foram aplicados no acordo de Nhanderu Marangatu.

Como se vê, o acordo que reacendeu a atenção para a indenização de não indígenas foi uma solução dada para um caso específico, de forma excepcional, que não deve gerar precedentes, pois se afastou do que foi definido pelo STF no Tema 1031.

Todavia, o caso em questão lança luz sobre alguns aspectos que denotam a urgência da prestação jurisdicional pelo STF. É indiscutível a necessidade da Corte concluir o julgamento do Tema 1031, como também deliberar definitivamente sobre a inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, que trata da demarcação das terras indígenas e institui o marco temporal como critério de aferição da tradicionalidade da posse indígena.

Protelar os julgamentos que tratam da matéria fomenta o conflito possessório e as mortes de indígenas, impondo às partes o aceite de arranjos que passam ao largo de cumprir a Constituição Federal ou reparar a violência a que foram submetidos os povos indígenas, na perspectiva de finalmente obter algum pronunciamento da Corte.

Embora se reconheça a importância da solução dialogada, ela não deve se sobrepor à principal função atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela Carta da República, isto é, a guarda da Constituição Federal.

 

Fonte: Jornal GGN/ClimaInfo/Cimi

 

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