As pessoas viciadas em buscar imóveis na
internet: 'É meu pornô'
A britânica Katie
Smith tem um vício. Algo que ela se sente compelida a fazer dezenas de vezes
por dia.
A mulher de 30 anos se
pega abrindo repetidamente o aplicativo de busca de imóveis Rightmove, apesar
de não ter intenção de se mudar de casa tão cedo.
"Rightmove é meu
pornô", diz Katie, rindo. "É como ser um voyeur moderno", ela
diz, referindo-se ao número de interiores de casas que ela olha, tudo do
conforto de seu smartphone.
Na semana passada,
depois de uma viagem de um dia para outro condado, ela passou a noite olhando
todas as casas à venda lá - independentemente do preço.
E durante um fim de
semana recente em Londres, ela adorou olhar "quão caras são as casas em
Richmond", região que ficava perto de seu hotel.
Portais imobiliários
como Rightmove, Zoopla e On the Market são minas de ouro de dados de usuários
sobre compradores e vendedores de imóveis. No Brasil, há aplicativos como
Zapimóveis, Quinto Andar e os sites das próprias imobiliárias.
A Zoopla disse à BBC
que 1.860 propriedades são visualizadas a cada minuto em seu site e aplicativo,
enquanto o número é ainda maior para a Rightmove — quase 10 mil propriedades
visualizadas por minuto.
A Rightmove rejeitou
recentemente uma quarta oferta de aquisição do REA Group, do bilionário Rupert
Murdoch, dizendo que a última oferta de 6,2 bilhões de libras (equivalente a R$
44,3 bi) subvalorizou a empresa e suas perspectivas futuras.
Os próprios sites
reconhecem que nem todos os seus usuários podem realmente estar procurando se
mudar de casa, então o que faz as pessoas continuarem olhando?
Katie, que trabalhou
anteriormente em design de interiores, diz que adora verificar a rapidez com
que as propriedades são vendidas e tem uma lista de casas favoritas que ela
olhou.
"Eu amo
propriedades com personalidade, como belas casas no estilo georgiano (casas
construídas entre 1714 e 1837)", ela diz.
Ela e seu parceiro
estão planejando se mudar de sua casa alugada em cerca de seis meses, mas não
há necessidade imediata ou urgente de procurar.
"Ele acha que
estou olhando mais casas por causa disso, mas não é - é só porque eu amo
isso!"
• 'Adoro olhar as plantas das casas'
Sam Kennedy Christian,
que mora em Herne Bay, em Kent, com seu marido e dois filhos, usa o Zoopla para
ver suas casas dos sonhos.
"Adoro imaginar o
que eu compraria se ganhássemos na loteria... especificamente na Ilha de Man,
onde cresci e minha família ainda vive", diz ela.
Eles se mudaram para
mais perto do litoral durante a pandemia, pois muitas pessoas buscavam mais
espaço ao ar livre.
Sam diz que gosta de
atualizar o aplicativo Zoopla como parte de sua rotina de antes de dormir ou
enquanto espera o bebê dormir.
Ela também fica de
olho em propriedades semelhantes no mercado local, embora não pretendam vender
a que possuem tão cedo.
"Eu adoro
especialmente uma planta baixa - dá pra ter uma ideia real de como é a casa e
como você pode usar o espaço."
• 'Forma de escapismo'
Quando navegamos em
sites de imóveis, estamos nos envolvendo em "uma forma de escapismo que
explora os sistemas de recompensa do cérebro", diz Louisa Dunbar,
fundadora da OrangeGrove, uma agência de pesquisa que usa ciência
comportamental para melhorar sites de negócios.
"Visualizar a nós
mesmos nessas casas desejáveis aciona o sistema de liberação de dopamina, nos
dando uma sensação de prazer, mesmo que não estejamos planejando comprar. É uma
chance de entrar mentalmente em uma vida melhor."
Ela diz que certos
recursos de portais de imóveis são desenvolvidos para isso.
Fotos de alta
qualidade podem encorajar os usuários a se imaginarem morando em um imóvel,
enquanto o uso de botões com termos como "destaque" ou "recém
adicionadas" alimentam o medo de deixar alguma coisa passar.
Esses gatilhos
psicológicos podem nos manter engajados enquanto bisbilhotamos a sala de estar
do vizinho ou imaginamos um futuro melhor, diz ela.
Os usuários podem
adorar esses sites de imóveis, mas eles valem a pena para os agentes
imobiliários, já que a maioria das visualizações não se transformará em uma
compra ou aluguel?
Alguns agentes
expressaram desconforto com o alto custo para anunciar, particularmente no
Rightmove. Eles dizem que fornecem todas as fotos e informações de listagens
sobre as casas à venda e ainda têm que pagar pelo serviço. Isso significa que
esses altos custos podem limitar sua capacidade de anunciar em jornais locais
ou outros lugares.
"Agora, não
conseguimos mais viver sem coisas como o Rightmove", disse um agente
imobiliário, que não quis ser identificado, à BBC.
"Os preços [para
agentes imobiliários] estão subindo mais rapidamente do que eu gostaria e me
preocupo com o domínio que eles têm no mercado. Mas, mesmo que muitos usuários
estejam apenas navegando sem nenhuma intenção real de se mudar, ainda vale a
pena ter propriedades lá."
A Rightmove respondeu,
dizendo que tem "uma variedade de pacotes diferentes para atender empresas
de diferentes tamanhos".
Tanto a Rightmove
quanto a Zoopla estão otimistas sobre o futuro, dizendo que a confiança no
mercado está se recuperando à medida que as taxas juros para financiamento
caem.
Na quinta-feira, a
Zoopla disse que o número de casas à venda em sua plataforma está crescendo.
E por enquanto elas
parecem estar atraindo a todos, sejam usuários ociosos apenas bisbilhotando,
fantasiando sobre castelos que nunca poderão pagar, ou um proprietário
verificando como o valor de sua casa se compara ao de seus vizinhos - ou de
fato um comprador genuíno.
• Crise imobiliária
Enquanto o mercado de
anúncios está em alta, o Reino Unido, assim como outros países do mundo, sofre
o que o relator especial da ONU sobre o direito à moradia adequada descreve
como uma "imensa crise" de escala global.
"Enquanto falamos
sobre inteligência artificial, colônias em Marte e outras ideias inalcançáveis,
esquecemos que grande parte da humanidade não tem acesso a coisas básicas como
moradia", diz Balakrishnan Rajagopal em entrevista à BBC News Mundo,
serviço de notícias em espanhol da BBC, em agosto deste ano.
De acordo com suas
estimativas, quase um em cada cinco habitantes do planeta vive sem moradia
adequada, apesar de ser um direito humano — e este número pode passar de 3
bilhões de pessoas em poucos anos.
Londres,
especialmente, sofre com problemas de falta de moradia cada vez mais graves.
Enquanto os imóveis na cidade ficam cada vez mais inacessíveis, as pessoas se
mudam para cada vez mais longe para dar conta dos alugueis.
Enquanto isso,
inúmeras casas e apartamentos nas regiões centrais - comprados como forma de
investimento - permanecem vazios.
Fonte: BBC News Brasil
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