Ilton Temer: ‘PSOL - vale a pena se adaptar
à ordem?’
O PSOL entrou de vez
no balaio do "todos são a mesma coisa" e perde protagonismo, que
vinha crescente, até ser colado na aba do chapéu do neoPT, por sua atual
maioria na direção?
Sim, vale a dúvida e a
discussão de como reverter a tendência declinante. Porque, a despeito da ida de
Boulos para o segundo turno, esse salto se dá por um beiço de pulga na frente
de Marçal. E reduzindo o que já havia sido conquistado com Erundina na vice em
2020. Com um detalhe importante: naquela ocasião, com campanha de esquerda, PT
disputando via Jilmar Tato e, por baixo, R$ 50 milhões a menos de recursos
financeiros.
Enquanto isso, na
única prefeitura de capital, Belém, em que o partido havia saído vitorioso,
Edmilson Rodrigues é defenestrado do segundo turno de forma acachapante.
Destino previsível para quem faz governo nos limites do que a direita fazia e
até repele greve de professores.
Ouso afirmar que essa
regressão de representatividade política tem várias razões externas. Mas,
principalmente, vejo nas próprias opções tomadas pela nova maioria na direção
muito da responsabilidade sobre isso.
Responsabilidades que
se afirmam a partir da ruptura com a tradição de candidatura própria no
primeiro turno, na disputa Lula x Inominável, em 2022. O partido entrou por uma
lógica de despolitização de sua identidade própria - a de alternativa
rupturista pela esquerda, com a tática fincada na luta anticapitalista - para
mergulhar num oportunismo eleitoralista suicida.
Começou a descida de
uma ladeira que nos leva a uma perspectiva nefasta para o conjunto da esquerda:
se não houver mudança política imediata e radical imediatamente, o PSOL pode se
transformar numa nova edição de PC do B, que a cada disputa eleitoral vê sua
dimensão se esfarelar por ser impossível identificar sua real ideologia.
Tarcísio, no Rio, é
exemplo disso, assim como a redução da bancada de eleitos - de 7 para 4.
Tarcísio Motta fez uma excelente campanha. Desempenhou-se de forma
irrepreensível nos debates, e só por milagre não foi apagado pela campanha
ignóbil do voto útil em Eduardo Paes. Sim, como se houvesse diferença
politicamente estruturada entre ele e a extrema direita, a não ser pela forma
"malandra" de aplicar políticas privatistas e antissociais, eleitores
naturais da esquerda se viram arrastados a "reprimir" o perigo de um
inexpressivo Ramagem no segundo turno.
Tarcísio pagou o preço
da estupidez do setor hegemônico da direção regional, na linha da direção
nacional, de apagar, em 2022, pela primeira vez desde a sua fundação, a legenda
dos debates televisivos, por conta de uma ignóbil submissão a candidaturas de
Lula e Freixo já no primeiro turno. Sumimos do mapa, com redução do voto de
legenda.
Táticas que levaram o
PSOL a desprezar o protagonismo anterior, crescente, sem nenhum peso concreto
nos resultados eleitorais. Freixo perdeu na esteira de uma deserção
desqualificante e nada pode ser creditado ao apoio do PSOL nos votos de Lula no
primeiro turno. Pelo contrário. Tivéssemos disputado o primeiro turno com
candidatura própria, teríamos muito mais peso na busca de apoio para que a
derrota do Inominável no segundo se desse de forma menos desconfortável.
Enfim, só espero que
se abra, após o segundo turno, discussão interna quanto a uma antecipação do
próximo Congresso partidário. E que novas e importantes lideranças da Esquerda
Combativa, como Glauber Braga, passem a ocupar espaço bem maior na condução dos
destinos do Partido.
Luta que Segue! pois
"ralar no áspero é nossa sina", com a campanha #Glauber Fica!
• Boulos precisa dar voz à indignação da
periferia para virar o jogo em São Paulo. Por Hugo Albuquerque
Nicolau Maquiavel, pai
da moderna teoria política, escreveu que a “fortuna” premia os corajosos, mas o
que ele ignorou é que ela não perdoa os temerários e os brutos – cedo ou tarde,
o excesso ou abuso de energia na violência leva à desgraça. Esse parece ser o
caso de Pablo Marçal, para o bem e para mal, o protagonista das eleições
paulistanas, que de surpresa meteórica passou a maior derrotado da disputa no
intervalo de um vídeo de TikTok.
Após levar a
antológica cadeirada de José Luiz Datena – o que antecedeu após uma provocação
desnecessária contra o quase septuagenário apresentador –, Marçal recorreu a
uma vitimização infantil e, assim, virou a última coisa que uma celebridade de
internet pode se tornar: um meme – ou melhor, infinitos memes. Dali em diante,
Marçal deveria ser expulso dos debates, mas sua manutenção lhe garantiu uma
sobrevida para errar de novo.
O laudo falso tentando
sugerir que Guilherme Boulos foi internado por uso de drogas é um jogo de dez
mil erros: o número do RG e do CPF de Boulos estão errados, ele tinha como
provar onde estava na data, o médico que teria assinado o laudo já tinha morrido
e sua assinatura estava falsificada e etc.. O derradeiro Datafolha captou um
recuo dos votos de Marçal na espontânea, e aquilo foi o início do fim.
Isso não mudou o
placar, no entanto, apertado, onde Boulos perdeu para Marçal em inúmeros
distritos eleitorais populares e que votavam sempre mais à esquerda, como na
Zona Leste – assim como perdeu em muitas áreas da Zona Sul, em redutos
historicamente da esquerda. Nunes passou em primeiro por muito pouco e agora
Boulos tem uma missão muito difícil, mas não impossível.
A periferia precisa
embalar o centro
Mao Zedong tem uma
frase estratégica que ficou conhecida como “o campo cercar a cidade”. O tema
aparece na questão da política estratégica para o campo – e depois se torna
onipresente na questão estratégica militar. A dualidade campo e cidade na China
do século XX, sua contradição antagônica, exigiam uma resposta do movimento
comunista. A dualidade brasileira passa principalmente pelas cidades, ou as
duas cidades que coexistem.
Ironicamente, em
mandarim, Mao usou bāo wéi 包围 com a função verbal para o que diríamos
“cercar”. Mas a tradução desse termo é, literalmente, “embalar a muralha
defensiva” – um equivalente, na ciência da guerra chinesa, ao cerco, muito
embora bāo 包 seja,
também, o verbo “embalar”, “empacotar” e também serve, como substantivo,
para nomear os tradicionais pãezinhos
chineses.
Convenhamos que bāo
wéi 包围, ainda que tenha sentido bélico em mandarim, também possui uma
ambivalência que é digna de nota – e cabe neste nosso exemplo eleitoral.
Inclusive, em razão de uma grande sincronicidade, embalar em chinês carrega as
ambivalência do verbo embalar, que talvez sejam dois, pois é tanto empacotar
algo quanto balançar um bebê – há nas origens etimológicas de 包 algo sobre os auspícios da gravidez.
“A
grande questão para Boulos é transformar o desejo de mudança confuso, o
desânimo que levou à segunda maior abstenção da história e como mobilizar esses
afetos.”
Ainda que haja
importantes questões rurais e indígenas na capital de São Paulo, a maior
contradição nesta gigantesca metrópole é a que existe entre “centro” e
“periferia”, o que sempre foi expressado eleitoralmente. Não que Boulos não
tenha vencido em regiões periféricas, mas é curioso que ele tenha perdido ou
recuado em votos em distritos periféricos – nos quais a esquerda, mesmo nos
seus piores momentos, teve resultado. Agora, é preciso que a periferia embale o
centro.
Essa é, sem dúvida, a
grande possibilidade de virada da campanha de Boulos. Uma campanha que
funcionou bem com os setores esclarecidos da classe média no primeiro turno,
mas certamente não passou sua mensagem para os setores que mais precisam da
prefeitura. Nem mapeou as regiões em que a direita poderia disputar esse voto
precioso, como sugerimos ainda no primeiro turno.
O sujeito
transformador de São Paulo, por excelência, é o periférico, pois é ele quem
transita por todo o município, da sua casa ao trabalho – e, dialéticamente,
está nessa condição por ser oprimido, mas dessa opressão apreende experiências
únicas, assim como desenvolve saberes para a sobrevivência, que são essenciais
para repensar o modelo de metrópole que temos. A periferia, portanto, precisa
vir primeiro.
<><> O
eleitorado de São Paulo deseja a mudança
O fato do atual
prefeito ter tido menos de um terço dos votos válidos, mostra que o eleitorado
paulistano quer mudanças. E isso permitiu, inclusive, que uma figura como
Marçal pudesse ser ouvida no primeiro turno. A razão pela qual uma grande parte
do eleitorado deu ouvidos a Marçal é algo que precisa ser urgentemente
entendido, mas de antemão se vê nele um voto antissistema e de oposição a
Nunes, ainda que pela direita.
A gestão de Ricardo
Nunes é uma tragédia, não empolga e tem um eleitorado muito pouco convicto –
tanto que variou bastante nas pesquisas do primeiro turno e poderia até ter
ficado fora do segundo turno. Guilherme Boulos, ao contrário, na maior parte do
tempo era cotado para ir ao segundo turno, tendo um eleitorado muito fiel e
convicto no voto. Isso é importante de se dizer, porque Nunes é a própria
antimatéria em termos eleitorais.
Ainda que Nunes tenha
uma reserva de voto que Boulos não tem, também é precipitado dizer que todo
voto em Marçal seja ideológico ou incapaz de ser disputado. Ainda mais quando
falamos das regiões periféricas. O maior problema é o tempo, não a possibilidade
política disso – mas não é sem tempo iniciar um processo político que deixe um
legado, independentemente do resultado eleitoral.
“Temos
um mapa de áreas históricas onde Lula derrotou Bolsonaro – por que os eleitores
desejariam, então, manter um prefeito que é apoiado pelo funesto
ex-presidente?”
A grande questão para
Boulos é transformar o desejo de mudança confuso, o desânimo que levou à
segunda maior abstenção da história e como mobilizar esses afetos. Temos um
mapa de áreas históricas onde Lula derrotou Bolsonaro – por que os eleitores
desejariam, então, manter um prefeito que é apoiado pelo funesto ex-presidente?
Por sinal, Bolsonaro tem uma rejeição monstruosa na capital paulista.
Como dizíamos há mais
de um mês, era preciso foco em regiões que estavam em disputa, mas o campo
progressista tem uma uma margem de cerca de, pelo menos, 30%, o que veio a se
confirmar. Embora haja preocupação e tensão nas hostes progressistas, o desafio
atual coloca em jogo a possibilidade das esquerdas assumirem seu papel de
verdade, que é confrontar o jogo de contentes da Nova República, não gerindo
ela.
O discurso de “defesa
da democracia” é sempre falho e pouco mobilizador, uma vez que as multidões de
eleitores que não foram às urnas ou buscam uma alternativa fora da normalidade
eleitoral, expressão do déficit de direitos do regime. Antes tarde do que nunca,
que o primeiro turno de São Paulo sirva de lição e nos permita pensar e agir
além dos limites limitantes da Frente Ampla, acordando enquanto há tempo.
Fonte: Correio da
Cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário