sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Ilton Temer: ‘PSOL - vale a pena se adaptar à ordem?’

O PSOL entrou de vez no balaio do "todos são a mesma coisa" e perde protagonismo, que vinha crescente, até ser colado na aba do chapéu do neoPT, por sua atual maioria na direção?

Sim, vale a dúvida e a discussão de como reverter a tendência declinante. Porque, a despeito da ida de Boulos para o segundo turno, esse salto se dá por um beiço de pulga na frente de Marçal. E reduzindo o que já havia sido conquistado com Erundina na vice em 2020. Com um detalhe importante: naquela ocasião, com campanha de esquerda, PT disputando via Jilmar Tato e, por baixo, R$ 50 milhões a menos de recursos financeiros.

Enquanto isso, na única prefeitura de capital, Belém, em que o partido havia saído vitorioso, Edmilson Rodrigues é defenestrado do segundo turno de forma acachapante. Destino previsível para quem faz governo nos limites do que a direita fazia e até repele greve de professores.

Ouso afirmar que essa regressão de representatividade política tem várias razões externas. Mas, principalmente, vejo nas próprias opções tomadas pela nova maioria na direção muito da responsabilidade sobre isso.

Responsabilidades que se afirmam a partir da ruptura com a tradição de candidatura própria no primeiro turno, na disputa Lula x Inominável, em 2022. O partido entrou por uma lógica de despolitização de sua identidade própria - a de alternativa rupturista pela esquerda, com a tática fincada na luta anticapitalista - para mergulhar num oportunismo eleitoralista suicida.

Começou a descida de uma ladeira que nos leva a uma perspectiva nefasta para o conjunto da esquerda: se não houver mudança política imediata e radical imediatamente, o PSOL pode se transformar numa nova edição de PC do B, que a cada disputa eleitoral vê sua dimensão se esfarelar por ser impossível identificar sua real ideologia.

Tarcísio, no Rio, é exemplo disso, assim como a redução da bancada de eleitos - de 7 para 4. Tarcísio Motta fez uma excelente campanha. Desempenhou-se de forma irrepreensível nos debates, e só por milagre não foi apagado pela campanha ignóbil do voto útil em Eduardo Paes. Sim, como se houvesse diferença politicamente estruturada entre ele e a extrema direita, a não ser pela forma "malandra" de aplicar políticas privatistas e antissociais, eleitores naturais da esquerda se viram arrastados a "reprimir" o perigo de um inexpressivo Ramagem no segundo turno.

Tarcísio pagou o preço da estupidez do setor hegemônico da direção regional, na linha da direção nacional, de apagar, em 2022, pela primeira vez desde a sua fundação, a legenda dos debates televisivos, por conta de uma ignóbil submissão a candidaturas de Lula e Freixo já no primeiro turno. Sumimos do mapa, com redução do voto de legenda.

Táticas que levaram o PSOL a desprezar o protagonismo anterior, crescente, sem nenhum peso concreto nos resultados eleitorais. Freixo perdeu na esteira de uma deserção desqualificante e nada pode ser creditado ao apoio do PSOL nos votos de Lula no primeiro turno. Pelo contrário. Tivéssemos disputado o primeiro turno com candidatura própria, teríamos muito mais peso na busca de apoio para que a derrota do Inominável no segundo se desse de forma menos desconfortável.

Enfim, só espero que se abra, após o segundo turno, discussão interna quanto a uma antecipação do próximo Congresso partidário. E que novas e importantes lideranças da Esquerda Combativa, como Glauber Braga, passem a ocupar espaço bem maior na condução dos destinos do Partido.

Luta que Segue! pois "ralar no áspero é nossa sina", com a campanha #Glauber Fica!

 

•        Boulos precisa dar voz à indignação da periferia para virar o jogo em São Paulo. Por Hugo Albuquerque

Nicolau Maquiavel, pai da moderna teoria política, escreveu que a “fortuna” premia os corajosos, mas o que ele ignorou é que ela não perdoa os temerários e os brutos – cedo ou tarde, o excesso ou abuso de energia na violência leva à desgraça. Esse parece ser o caso de Pablo Marçal, para o bem e para mal, o protagonista das eleições paulistanas, que de surpresa meteórica passou a maior derrotado da disputa no intervalo de um vídeo de TikTok.

Após levar a antológica cadeirada de José Luiz Datena – o que antecedeu após uma provocação desnecessária contra o quase septuagenário apresentador –, Marçal recorreu a uma vitimização infantil e, assim, virou a última coisa que uma celebridade de internet pode se tornar: um meme – ou melhor, infinitos memes. Dali em diante, Marçal deveria ser expulso dos debates, mas sua manutenção lhe garantiu uma sobrevida para errar de novo.

O laudo falso tentando sugerir que Guilherme Boulos foi internado por uso de drogas é um jogo de dez mil erros: o número do RG e do CPF de Boulos estão errados, ele tinha como provar onde estava na data, o médico que teria assinado o laudo já tinha morrido e sua assinatura estava falsificada e etc.. O derradeiro Datafolha captou um recuo dos votos de Marçal na espontânea, e aquilo foi o início do fim.

Isso não mudou o placar, no entanto, apertado, onde Boulos perdeu para Marçal em inúmeros distritos eleitorais populares e que votavam sempre mais à esquerda, como na Zona Leste – assim como perdeu em muitas áreas da Zona Sul, em redutos historicamente da esquerda. Nunes passou em primeiro por muito pouco e agora Boulos tem uma missão muito difícil, mas não impossível.

A periferia precisa embalar o centro

Mao Zedong tem uma frase estratégica que ficou conhecida como “o campo cercar a cidade”. O tema aparece na questão da política estratégica para o campo – e depois se torna onipresente na questão estratégica militar. A dualidade campo e cidade na China do século XX, sua contradição antagônica, exigiam uma resposta do movimento comunista. A dualidade brasileira passa principalmente pelas cidades, ou as duas cidades que coexistem.

Ironicamente, em mandarim, Mao usou bāo wéi com a função verbal para o que diríamos “cercar”. Mas a tradução desse termo é, literalmente, “embalar a muralha defensiva” – um equivalente, na ciência da guerra chinesa, ao cerco, muito embora bāo seja, também, o verbo “embalar”, “empacotar” e também serve, como substantivo, para  nomear os tradicionais pãezinhos chineses.

Convenhamos que bāo wéi , ainda que tenha sentido bélico em mandarim, também possui uma ambivalência que é digna de nota – e cabe neste nosso exemplo eleitoral. Inclusive, em razão de uma grande sincronicidade, embalar em chinês carrega as ambivalência do verbo embalar, que talvez sejam dois, pois é tanto empacotar algo quanto balançar um bebê – há nas origens etimológicas de algo sobre os auspícios da gravidez.

A grande questão para Boulos é transformar o desejo de mudança confuso, o desânimo que levou à segunda maior abstenção da história e como mobilizar esses afetos.”

Ainda que haja importantes questões rurais e indígenas na capital de São Paulo, a maior contradição nesta gigantesca metrópole é a que existe entre “centro” e “periferia”, o que sempre foi expressado eleitoralmente. Não que Boulos não tenha vencido em regiões periféricas, mas é curioso que ele tenha perdido ou recuado em votos em distritos periféricos – nos quais a esquerda, mesmo nos seus piores momentos, teve resultado. Agora, é preciso que a periferia embale o centro.

Essa é, sem dúvida, a grande possibilidade de virada da campanha de Boulos. Uma campanha que funcionou bem com os setores esclarecidos da classe média no primeiro turno, mas certamente não passou sua mensagem para os setores que mais precisam da prefeitura. Nem mapeou as regiões em que a direita poderia disputar esse voto precioso, como sugerimos ainda no primeiro turno.

O sujeito transformador de São Paulo, por excelência, é o periférico, pois é ele quem transita por todo o município, da sua casa ao trabalho – e, dialéticamente, está nessa condição por ser oprimido, mas dessa opressão apreende experiências únicas, assim como desenvolve saberes para a sobrevivência, que são essenciais para repensar o modelo de metrópole que temos. A periferia, portanto, precisa vir primeiro.

<><> O eleitorado de São Paulo deseja a mudança

O fato do atual prefeito ter tido menos de um terço dos votos válidos, mostra que o eleitorado paulistano quer mudanças. E isso permitiu, inclusive, que uma figura como Marçal pudesse ser ouvida no primeiro turno. A razão pela qual uma grande parte do eleitorado deu ouvidos a Marçal é algo que precisa ser urgentemente entendido, mas de antemão se vê nele um voto antissistema e de oposição a Nunes, ainda que pela direita.

A gestão de Ricardo Nunes é uma tragédia, não empolga e tem um eleitorado muito pouco convicto – tanto que variou bastante nas pesquisas do primeiro turno e poderia até ter ficado fora do segundo turno. Guilherme Boulos, ao contrário, na maior parte do tempo era cotado para ir ao segundo turno, tendo um eleitorado muito fiel e convicto no voto. Isso é importante de se dizer, porque Nunes é a própria antimatéria em termos eleitorais.

Ainda que Nunes tenha uma reserva de voto que Boulos não tem, também é precipitado dizer que todo voto em Marçal seja ideológico ou incapaz de ser disputado. Ainda mais quando falamos das regiões periféricas. O maior problema é o tempo, não a possibilidade política disso – mas não é sem tempo iniciar um processo político que deixe um legado, independentemente do resultado eleitoral.

Temos um mapa de áreas históricas onde Lula derrotou Bolsonaro – por que os eleitores desejariam, então, manter um prefeito que é apoiado pelo funesto ex-presidente?”

A grande questão para Boulos é transformar o desejo de mudança confuso, o desânimo que levou à segunda maior abstenção da história e como mobilizar esses afetos. Temos um mapa de áreas históricas onde Lula derrotou Bolsonaro – por que os eleitores desejariam, então, manter um prefeito que é apoiado pelo funesto ex-presidente? Por sinal, Bolsonaro tem uma rejeição monstruosa na capital paulista.

Como dizíamos há mais de um mês, era preciso foco em regiões que estavam em disputa, mas o campo progressista tem uma uma margem de cerca de, pelo menos, 30%, o que veio a se confirmar. Embora haja preocupação e tensão nas hostes progressistas, o desafio atual coloca em jogo a possibilidade das esquerdas assumirem seu papel de verdade, que é confrontar o jogo de contentes da Nova República, não gerindo ela.

O discurso de “defesa da democracia” é sempre falho e pouco mobilizador, uma vez que as multidões de eleitores que não foram às urnas ou buscam uma alternativa fora da normalidade eleitoral, expressão do déficit de direitos do regime. Antes tarde do que nunca, que o primeiro turno de São Paulo sirva de lição e nos permita pensar e agir além dos limites limitantes da Frente Ampla, acordando enquanto há tempo.

 

Fonte: Correio da Cidadania

 

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