quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Por que é tão difícil um furacão atingir o Brasil?

O furacão Milton, que avança sobre os Estados Unidos, foi classificado na noite de terça-feira (8/10) como de categoria 5 — a mais grave. Nessa categoria, os ventos ultrapassam os 252 km/h e há um risco elevado de danos a construções e bloqueios em rodovias.

Mas por que, diferentemente dos EUA e de outros países periodicamente atingidos por fenômenos climáticos similares, o Brasil não precisa se preocupar tanto com isso?

Segundo meteorologistas ouvidos pela BBC News Brasil, as chances de que furacões aconteçam por aqui são mínimas — a explicação é que a formação de um fenômeno desses depende de uma série de fatores que só foi registrada uma vez no país.

"Por enquanto, é quase impossível que um furacão atinja o Brasil, a não ser que as mudanças climáticas também tenham alguma influência", diz Michael Pantera, meteorologista do Centro de Gerenciamento de Emergência de São Paulo.

A meteorologista Bianca Lobo, do Climatempo, explicou que um dos principais "combustíveis" para a formação de um furacão são as águas quentes do mar — que precisam estar acima de 27°C.

"No Brasil, nós não temos isso. As maiores temperaturas são registradas no mar do Nordeste, onde não passam de 26°C", diz.

"A umidade e a água quente do oceano que dão força a um furacão. Quando ele chega ao solo, perde força", acrescenta Pantera.

Outro fator necessário para a formação de um furacão é o cisalhamento ou tesoura de vento — como são chamadas as mudanças de velocidade ou direção das correntes.

Os especialistas explicam que esse fenômeno é raro nos países localizados na linha do Equador, como o Brasil.

Meteorologistas afirmam que esse é um fator que também inviabiliza que uma tempestade formada no Caribe atinja o Brasil, já que ela perderia completamente a força ao se aproximar da linha do Equador.

•        Tufão, tornado, furacão?

A definição de tufão e furacão é a mesma. A única diferença entre eles é o ponto de formação.

Eles são um conjunto de tempestades com centenas de quilômetros de diâmetro: surgem nos oceanos sobre as águas quentes e podem durar alguns dias.

Segundo meteorologistas, ambos são ciclones tropicais formados em oceanos.

O que os diferencia é que os tufões se formam no oeste do oceano Pacífico, e os furacões, no oceano Atlântico e na região leste do Pacífico.

Já os tornados são núcleos de tempestades, muitas vezes formados a partir de furacões ou tufões.

Como sua formação só depende de uma tempestade muito forte, eles geralmente são pequenos quando comparados a furacões e duram por volta de uma hora.

Historicamente, só um furacão foi registrado na história do Brasil. Chamado de Catarina, ele atingiu o litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em março de 2004.

Na época, pelo menos 40 cidades foram atingidas. Segundo o Centro de Estudos em Engenharia e Defesa Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, os ventos atingiram a região a uma velocidade de cerca de 180 km/h.

Quatro pessoas morreram, 518 ficaram feridas e cerca de 33 mil, desabrigadas.

Mas os meteorologistas classificam o caso como raríssimo.

"Foi uma condição totalmente atípica. É muito difícil de acontecer, ao contrário dos tornados, que inclusive são filmados com frequência no Brasil", diz Bianca Lobo.

Segundo Pantera, ainda há divergências se o Catarina foi de fato um furacão.

"Ele era uma frente fria que, em determinado momento, se deslocou e fez um caminho contrário, na direção do oceano. Ainda há muitas discussões se o Catarina era de fato um furacão."

Mesmo com uma intensidade menor, a recomendação para quem avistar um tornado ou tromba d'água é fugir.

Se uma pessoa é atingida pelo fluxo de vento, dificilmente ela consegue escapar.

A maior probabilidade é que ela seja sacudida e arremessada onde estiver, inclusive de embarcações.

•        O que é um furacão — e como eles se formam?

Os furacões — às vezes, chamados de ciclones ou de tufões — são um tipo de tempestade tropical que se forma no Atlântico Norte. Eles trazem ventos fortes e chuvas intensas.

Quando o ar do oceano está quente e úmido, ele sobe e depois começa a esfriar — o que causa a formação de nuvens.

Às vezes, esse ar ascendente pode se deslocar no topo do furacão mais rápido do que pode ser substituído na superfície, fazendo com que a pressão na superfície caia.

A queda da pressão faz com que os ventos acelerem, com mais ar sendo puxado para dentro à medida que o furacão se fortalece.

A Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa, na sigla em inglês) previu que a temporada de furacões de 2024 seria mais ativa do que o normal.

O aumento da temperatura média do nível do mar devido às mudanças climáticas causadas pelo ser humano foi parcialmente responsável, segundo eles.

>>>> O que é um furacão de categoria 5?

Os furacões de categoria 5 são considerados "catastróficos" pela Noaa.

Eles têm ventos com velocidades superiores a 249 km/h — e podem causar "danos muito graves e extensos".

A agência governamental dos EUA pede que sejam realizadas "evacuações em massa" em áreas residenciais perto da costa, uma vez que um furacão de categoria 5 também pode provocar marés de tempestade com ondas de mais de 5 metros e destruir muitas casas.

Árvores e linhas de transmissão de energia elétrica também podem ser derrubadas, causando o isolamento de áreas residenciais e longos cortes de energia. O Noaa adverte que as áreas afetadas podem ficar inabitáveis por semanas ou meses.

>>>> Quais foram as piores tempestades de categoria 5 dos EUA?

Um banco de dados da Noaa mostra que pelo menos 40 tempestades no Atlântico alcançaram o status de categoria 5 desde 1924, embora apenas quatro tenham realmente chegado em terra com essa intensidade. A seguir, estão algumas das mais devastadoras:

<><> Furacão Camille

O furacão Camille atingiu o Estado do Mississippi em 1969, provocando uma maré de tempestade com ondas de até 7 metros, causando grande destruição ao longo da costa.

Ele matou 259 pessoas, a maioria delas na Virgínia, e causou cerca de US$ 1,4 bilhão (R$ 7,75 bilhões) em prejuízos.

<><> Furacão Andrew

O furacão Andrew dizimou o sul da Flórida em 1992, com ventos sustentados de até 265 km/h — e rajadas de até 280 km/h.

Ele causou 26 mortes diretas e foi responsabilizado por dezenas de outras mortes.

Depois de provocar danos da ordem de US$ 30 bilhões (R$ 166 bilhões), foi considerado o desastre natural mais caro da história dos EUA na época.

<><> Furacão Michael

O furacão Michael atingiu a Flórida, em 2018, com ventos de 257 km/h — e foi a tempestade mais forte a atingir o Estado.

Pelo menos 74 mortes foram atribuídas à tempestade — sendo 59 nos EUA, e 15 na América Central.

Michael causou um prejuízo estimado de cerca de US$ 25,1 bilhões (R$ 138 bilhões).

<><> Tempestades de categoria inferior

Milton surge menos de duas semanas depois de o furacão Helene ter atingido os EUA como uma tempestade de categoria 4, matando mais de 200 pessoas — e se tornando o furacão mais mortal a atingir o país desde o Katrina em 2005.

 

•        Por que furacões estão ficando mais fortes e perigosos

O Estado da Flórida, nos Estados Unidos, está recebendo o furacão Milton duas semanas depois que outro furacão de categoria 4, o Helene, atingiu o litoral oeste do Estado, causando 255 mortes na Flórida, Geórgia, Carolina do Sul, Tennessee, Virgínia e Carolina do Norte — este último o Estado mais atingido.

"Condições atmosféricas e oceânicas prepararam o cenário para uma temporada de furacões extremamente ativa, que pode ser uma das mais movimentadas que temos registro", afirmou a agência meteorológica americana National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) em seu alerta mais recente, de agosto.

<><> Quando uma tempestade vira furacão?

Tempestades tropicais viram furacões quando atingem picos contínuos de ventos de 119 km/h.

Grandes furacões — de categoria 3 e acima — são os que atingem velocidade de 178 km/h.

Há cinco categorias no total — e a última delas tem ventos de no mínimo 252 km/h.

A Noaa prevê que haverá entre 17 e 24 tempestades tropicais até o final desta temporada de furacões — sendo que de 8 a 13 deles poderão se tornar furacões. Destes, de 4 a 7 poderão virar grandes furacões.

O maior número de grandes furacões em uma única temporada no Atlântico é sete — o que aconteceu em 2005 e 2020. As previsões da Noaa sugerem que 2024 pode se aproximar dessa marca.

<><> O que está por trás da temporada movimentada de furacões deste ano?

Especialistas dizem que temperaturas recordes da superfície do mar são parte do problema, além de uma mudança em padrões climáticos regionais.

O enfraquecimento dos padrões do El Niño — e a provável mudança para condições da La Niña — criaram condições atmosféricas mais favoráveis para a formação de tempestades no Atlântico.

"O furacão Beryl [de junho e julho de 2024] quebrou muitos recordes antigos na bacia do Atlântico, e seguimos vendo sinais climatológicos de uma temporada ativa", disse Matthew Rosencrans, meteorologista de furacões do Climate Prediction Center da NOAA.

Em contraste com o Atlântico, o NOAA já previu uma temporada "abaixo do normal" na região do Pacífico Central.

<><> Por que os furacões recebem nomes?

Há seis listas de nomes de furacões, que são decididas pela Organização Meteorológica Mundial. Esses nomes são reciclados a cada seis anos.

A entidade diz que dar nomes aos furacões é a forma mais eficiente de comunicar alertas para a população.

Os nomes usados em 2024 são: Alberto, Beryl, Chris, Debby, Ernesto, Francine, Gordon, Helene, Isaac, Joyce, Kirk, Leslie, Milton, Nadine, Oscar, Patty, Rafael, Sara, Tony, Valerie e William.

<><> Qual é o efeito das mudanças climáticas nos furacões?

Não há indícios de que mudanças climáticas estão produzindo mais furacões. Mas estão aumentando a probabilidade de furacões mais poderosos, com mais chuva.

Por exemplo, estima-se que as enchentes provocadas pelo furacão Katrina em 2005 foram 15% a 60% maiores do que seriam, caso o mesmo fenômeno tivesse acontecido em 1900.

Furacões provocam outros problemas, como chuva intensa e enchentes, que são fenômenos que estão se intensificando com as mudanças climáticas.

Enquanto isso, o aumento do nível do mar em curtos períodos de tempo, provocado por furacões, está acontecendo em cima de uma base já maior.

Isso acontece porque o nível do oceano já está maior, por causa do derretimento de camadas polares e aquecimento do mar.

"O aumento do nível do mar faz crescer a profundidade de enchentes, o que faz com que os furacões sejam ainda mais devastadores do que em anos passados", diz Andrew Dessler, professor de ciência atmosférica da Texas A&M University.

Pesquisadores alertam que a população precisa se conscientizar sobre os perigos relacionados às tempestades — em especial diante de tempestades em que velocidade dos ventos cresce muito rapidamente.

"Já estamos vendo um aumento em geral no ritmo de aceleração em que os furacões do Atlântico estão se intensificando, "

"Já estamos vendo aumentos generalizados nas taxas de aceleração em que os furacões do Atlântico se intensificam - o que significa que provavelmente já estamos vendo um risco maior de perigos para nossas comunidades litorâneas", explica Andra Garner, professora da Rowan University nos EUA.

"Ainda é difícil prever a rápida intensificação de tempestades, o que aumenta os desafios que surgem ao tentar proteger nossas comunidades litorâneas."

<><> Pelo mundo

O número de ciclones tropicais não deve aumentar globalmente, de acordo com o órgão climático da ONU, o IPCC.

Mas, à medida que o mundo esquenta, o IPCC diz que é "muito provável" que os ciclones tenham maiores taxas de precipitação e atinjam maiores velocidades máximas de vento. Isso significa que uma proporção maior de ciclones atingiria as categorias mais intensas — 4 e 5.

Quanto mais as temperaturas globais aumentam, mais extremas essas mudanças tendem a ser.

A proporção de ciclones tropicais atingindo as categorias 4 e 5 pode aumentar em cerca de 10% se os aumentos da temperatura global forem limitados a 1,5 °C.

Mas essa proporção poderia atingir 13% no caso de um aumento de 2 °C na temperatura global; e 20% no caso de 4 °C, diz o IPCC — embora os números exatos sejam incertos.

No geral, o IPCC conclui que há "alta confiança" de que os humanos contribuíram para aumentos na precipitação associados a ciclones tropicais e "confiança média" de que os humanos contribuíram para a maior probabilidade de um ciclone tropical ser mais intenso.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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