Por que é tão difícil um furacão atingir o
Brasil?
O furacão Milton, que
avança sobre os Estados Unidos, foi classificado na noite de terça-feira (8/10)
como de categoria 5 — a mais grave. Nessa categoria, os ventos ultrapassam os
252 km/h e há um risco elevado de danos a construções e bloqueios em rodovias.
Mas por que,
diferentemente dos EUA e de outros países periodicamente atingidos por
fenômenos climáticos similares, o Brasil não precisa se preocupar tanto com
isso?
Segundo
meteorologistas ouvidos pela BBC News Brasil, as chances de que furacões
aconteçam por aqui são mínimas — a explicação é que a formação de um fenômeno
desses depende de uma série de fatores que só foi registrada uma vez no país.
"Por enquanto, é
quase impossível que um furacão atinja o Brasil, a não ser que as mudanças
climáticas também tenham alguma influência", diz Michael Pantera,
meteorologista do Centro de Gerenciamento de Emergência de São Paulo.
A meteorologista
Bianca Lobo, do Climatempo, explicou que um dos principais
"combustíveis" para a formação de um furacão são as águas quentes do
mar — que precisam estar acima de 27°C.
"No Brasil, nós
não temos isso. As maiores temperaturas são registradas no mar do Nordeste,
onde não passam de 26°C", diz.
"A umidade e a
água quente do oceano que dão força a um furacão. Quando ele chega ao solo,
perde força", acrescenta Pantera.
Outro fator necessário
para a formação de um furacão é o cisalhamento ou tesoura de vento — como são
chamadas as mudanças de velocidade ou direção das correntes.
Os especialistas
explicam que esse fenômeno é raro nos países localizados na linha do Equador,
como o Brasil.
Meteorologistas
afirmam que esse é um fator que também inviabiliza que uma tempestade formada
no Caribe atinja o Brasil, já que ela perderia completamente a força ao se
aproximar da linha do Equador.
• Tufão, tornado, furacão?
A definição de tufão e
furacão é a mesma. A única diferença entre eles é o ponto de formação.
Eles são um conjunto
de tempestades com centenas de quilômetros de diâmetro: surgem nos oceanos
sobre as águas quentes e podem durar alguns dias.
Segundo
meteorologistas, ambos são ciclones tropicais formados em oceanos.
O que os diferencia é
que os tufões se formam no oeste do oceano Pacífico, e os furacões, no oceano
Atlântico e na região leste do Pacífico.
Já os tornados são
núcleos de tempestades, muitas vezes formados a partir de furacões ou tufões.
Como sua formação só
depende de uma tempestade muito forte, eles geralmente são pequenos quando
comparados a furacões e duram por volta de uma hora.
Historicamente, só um
furacão foi registrado na história do Brasil. Chamado de Catarina, ele atingiu
o litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em março de 2004.
Na época, pelo menos
40 cidades foram atingidas. Segundo o Centro de Estudos em Engenharia e Defesa
Civil da Universidade Federal de Santa Catarina, os ventos atingiram a região a
uma velocidade de cerca de 180 km/h.
Quatro pessoas
morreram, 518 ficaram feridas e cerca de 33 mil, desabrigadas.
Mas os meteorologistas
classificam o caso como raríssimo.
"Foi uma condição
totalmente atípica. É muito difícil de acontecer, ao contrário dos tornados,
que inclusive são filmados com frequência no Brasil", diz Bianca Lobo.
Segundo Pantera, ainda
há divergências se o Catarina foi de fato um furacão.
"Ele era uma
frente fria que, em determinado momento, se deslocou e fez um caminho
contrário, na direção do oceano. Ainda há muitas discussões se o Catarina era
de fato um furacão."
Mesmo com uma
intensidade menor, a recomendação para quem avistar um tornado ou tromba d'água
é fugir.
Se uma pessoa é
atingida pelo fluxo de vento, dificilmente ela consegue escapar.
A maior probabilidade
é que ela seja sacudida e arremessada onde estiver, inclusive de embarcações.
• O que é um furacão — e como eles se
formam?
Os furacões — às
vezes, chamados de ciclones ou de tufões — são um tipo de tempestade tropical
que se forma no Atlântico Norte. Eles trazem ventos fortes e chuvas intensas.
Quando o ar do oceano
está quente e úmido, ele sobe e depois começa a esfriar — o que causa a
formação de nuvens.
Às vezes, esse ar
ascendente pode se deslocar no topo do furacão mais rápido do que pode ser
substituído na superfície, fazendo com que a pressão na superfície caia.
A queda da pressão faz
com que os ventos acelerem, com mais ar sendo puxado para dentro à medida que o
furacão se fortalece.
A Agência Nacional
Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa, na sigla em inglês) previu que a
temporada de furacões de 2024 seria mais ativa do que o normal.
O aumento da
temperatura média do nível do mar devido às mudanças climáticas causadas pelo
ser humano foi parcialmente responsável, segundo eles.
>>>> O que
é um furacão de categoria 5?
Os furacões de
categoria 5 são considerados "catastróficos" pela Noaa.
Eles têm ventos com
velocidades superiores a 249 km/h — e podem causar "danos muito graves e
extensos".
A agência
governamental dos EUA pede que sejam realizadas "evacuações em massa"
em áreas residenciais perto da costa, uma vez que um furacão de categoria 5
também pode provocar marés de tempestade com ondas de mais de 5 metros e
destruir muitas casas.
Árvores e linhas de
transmissão de energia elétrica também podem ser derrubadas, causando o
isolamento de áreas residenciais e longos cortes de energia. O Noaa adverte que
as áreas afetadas podem ficar inabitáveis por semanas ou meses.
>>>> Quais
foram as piores tempestades de categoria 5 dos EUA?
Um banco de dados da
Noaa mostra que pelo menos 40 tempestades no Atlântico alcançaram o status de
categoria 5 desde 1924, embora apenas quatro tenham realmente chegado em terra
com essa intensidade. A seguir, estão algumas das mais devastadoras:
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Furacão Camille
O furacão Camille
atingiu o Estado do Mississippi em 1969, provocando uma maré de tempestade com
ondas de até 7 metros, causando grande destruição ao longo da costa.
Ele matou 259 pessoas,
a maioria delas na Virgínia, e causou cerca de US$ 1,4 bilhão (R$ 7,75 bilhões)
em prejuízos.
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Furacão Andrew
O furacão Andrew
dizimou o sul da Flórida em 1992, com ventos sustentados de até 265 km/h — e
rajadas de até 280 km/h.
Ele causou 26 mortes
diretas e foi responsabilizado por dezenas de outras mortes.
Depois de provocar
danos da ordem de US$ 30 bilhões (R$ 166 bilhões), foi considerado o desastre
natural mais caro da história dos EUA na época.
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Furacão Michael
O furacão Michael
atingiu a Flórida, em 2018, com ventos de 257 km/h — e foi a tempestade mais
forte a atingir o Estado.
Pelo menos 74 mortes
foram atribuídas à tempestade — sendo 59 nos EUA, e 15 na América Central.
Michael causou um
prejuízo estimado de cerca de US$ 25,1 bilhões (R$ 138 bilhões).
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Tempestades de categoria inferior
Milton surge menos de
duas semanas depois de o furacão Helene ter atingido os EUA como uma tempestade
de categoria 4, matando mais de 200 pessoas — e se tornando o furacão mais
mortal a atingir o país desde o Katrina em 2005.
• Por que furacões estão ficando mais
fortes e perigosos
O Estado da Flórida,
nos Estados Unidos, está recebendo o furacão Milton duas semanas depois que
outro furacão de categoria 4, o Helene, atingiu o litoral oeste do Estado,
causando 255 mortes na Flórida, Geórgia, Carolina do Sul, Tennessee, Virgínia e
Carolina do Norte — este último o Estado mais atingido.
"Condições
atmosféricas e oceânicas prepararam o cenário para uma temporada de furacões
extremamente ativa, que pode ser uma das mais movimentadas que temos
registro", afirmou a agência meteorológica americana National Oceanic and
Atmospheric Administration (NOAA) em seu alerta mais recente, de agosto.
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Quando uma tempestade vira furacão?
Tempestades tropicais
viram furacões quando atingem picos contínuos de ventos de 119 km/h.
Grandes furacões — de
categoria 3 e acima — são os que atingem velocidade de 178 km/h.
Há cinco categorias no
total — e a última delas tem ventos de no mínimo 252 km/h.
A Noaa prevê que
haverá entre 17 e 24 tempestades tropicais até o final desta temporada de
furacões — sendo que de 8 a 13 deles poderão se tornar furacões. Destes, de 4 a
7 poderão virar grandes furacões.
O maior número de
grandes furacões em uma única temporada no Atlântico é sete — o que aconteceu
em 2005 e 2020. As previsões da Noaa sugerem que 2024 pode se aproximar dessa
marca.
<><> O que
está por trás da temporada movimentada de furacões deste ano?
Especialistas dizem
que temperaturas recordes da superfície do mar são parte do problema, além de
uma mudança em padrões climáticos regionais.
O enfraquecimento dos
padrões do El Niño — e a provável mudança para condições da La Niña — criaram
condições atmosféricas mais favoráveis para a formação de tempestades no
Atlântico.
"O furacão Beryl
[de junho e julho de 2024] quebrou muitos recordes antigos na bacia do
Atlântico, e seguimos vendo sinais climatológicos de uma temporada ativa",
disse Matthew Rosencrans, meteorologista de furacões do Climate Prediction
Center da NOAA.
Em contraste com o
Atlântico, o NOAA já previu uma temporada "abaixo do normal" na
região do Pacífico Central.
<><> Por
que os furacões recebem nomes?
Há seis listas de
nomes de furacões, que são decididas pela Organização Meteorológica Mundial.
Esses nomes são reciclados a cada seis anos.
A entidade diz que dar
nomes aos furacões é a forma mais eficiente de comunicar alertas para a
população.
Os nomes usados em
2024 são: Alberto, Beryl, Chris, Debby, Ernesto, Francine, Gordon, Helene,
Isaac, Joyce, Kirk, Leslie, Milton, Nadine, Oscar, Patty, Rafael, Sara, Tony,
Valerie e William.
<><> Qual
é o efeito das mudanças climáticas nos furacões?
Não há indícios de que
mudanças climáticas estão produzindo mais furacões. Mas estão aumentando a
probabilidade de furacões mais poderosos, com mais chuva.
Por exemplo, estima-se
que as enchentes provocadas pelo furacão Katrina em 2005 foram 15% a 60%
maiores do que seriam, caso o mesmo fenômeno tivesse acontecido em 1900.
Furacões provocam
outros problemas, como chuva intensa e enchentes, que são fenômenos que estão
se intensificando com as mudanças climáticas.
Enquanto isso, o
aumento do nível do mar em curtos períodos de tempo, provocado por furacões,
está acontecendo em cima de uma base já maior.
Isso acontece porque o
nível do oceano já está maior, por causa do derretimento de camadas polares e
aquecimento do mar.
"O aumento do
nível do mar faz crescer a profundidade de enchentes, o que faz com que os
furacões sejam ainda mais devastadores do que em anos passados", diz
Andrew Dessler, professor de ciência atmosférica da Texas A&M University.
Pesquisadores alertam
que a população precisa se conscientizar sobre os perigos relacionados às
tempestades — em especial diante de tempestades em que velocidade dos ventos
cresce muito rapidamente.
"Já estamos vendo
um aumento em geral no ritmo de aceleração em que os furacões do Atlântico
estão se intensificando, "
"Já estamos vendo
aumentos generalizados nas taxas de aceleração em que os furacões do Atlântico
se intensificam - o que significa que provavelmente já estamos vendo um risco
maior de perigos para nossas comunidades litorâneas", explica Andra Garner,
professora da Rowan University nos EUA.
"Ainda é difícil
prever a rápida intensificação de tempestades, o que aumenta os desafios que
surgem ao tentar proteger nossas comunidades litorâneas."
<><> Pelo
mundo
O número de ciclones
tropicais não deve aumentar globalmente, de acordo com o órgão climático da
ONU, o IPCC.
Mas, à medida que o
mundo esquenta, o IPCC diz que é "muito provável" que os ciclones
tenham maiores taxas de precipitação e atinjam maiores velocidades máximas de
vento. Isso significa que uma proporção maior de ciclones atingiria as
categorias mais intensas — 4 e 5.
Quanto mais as
temperaturas globais aumentam, mais extremas essas mudanças tendem a ser.
A proporção de
ciclones tropicais atingindo as categorias 4 e 5 pode aumentar em cerca de 10%
se os aumentos da temperatura global forem limitados a 1,5 °C.
Mas essa proporção
poderia atingir 13% no caso de um aumento de 2 °C na temperatura global; e 20%
no caso de 4 °C, diz o IPCC — embora os números exatos sejam incertos.
No geral, o IPCC
conclui que há "alta confiança" de que os humanos contribuíram para
aumentos na precipitação associados a ciclones tropicais e "confiança
média" de que os humanos contribuíram para a maior probabilidade de um
ciclone tropical ser mais intenso.
Fonte: BBC News Brasil
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