Comunidades indígenas ficam isoladas por
seca no rio Pacaás, em Rondônia, um ano após cheia histórica
O rio Pacaás em
Rondônia secou e deixou pelo menos 10 comunidades indígenas isoladas em
Guajará-Mirim (RO), já que a único meio de acesso - o rio - se tornou
inavegável. A seca extrema tem afetado diretamente a chegada de mantimentos e
atendimento à saúde.
“Não temos
combustível, remédios, nem alimentos. Vivemos no isolamento e isso tem se
tornado insustentável”, relata Adriano Cabixi, liderança de Pedreira, uma das
comunidades afetadas.
Por causa da seca, o
trajeto que antes durava 7 dias (ida e volta) de barco até a cidade de
Guajará-Mirim (RO) passa a ser feito em 18 dias. Isso porque em boa parte do
caminho eles precisam ir a pé, arrastando a embarcação.
O cenário crítico fez
com que os moradores de Pedreira viajassem por seis dias até chegar na zona
eleitoral mais próxima. No entanto, muitos não possuem embarcações e recursos
suficientes para fazer a viagem. Mais de 20 pessoas ficaram sem votar.
As quatro comunidades
já enfrentaram desafios relacionados a eventos extremos em anos anteriores. Em
2023, elas foram atingidas por uma enchente histórica que destruiu plantações e
forçou muitas famílias a deixarem suas casas. Em 2024 eles passam pela maior
seca de Rondônia.
“A gente perdeu tudo
com a cheia no ano passado e agora passamos pela maior seca. Não sabemos o que
está acontecendo” , comenta.
No dia 26 de setembro,
o Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Secretaria Municipal de
Trabalho e Assistência Social (Semtas) de Guajará-Mirim que fizesse a entrega
ao corpo de bombeiros, de forma imediata, das cestas básicas destinadas às
quatro comunidades indígenas isoladas.
A medida foi
necessária porque a entrega das cestas geralmente são feitas na presença de
assistente social da secretaria. No entanto, o mesmo helicóptero que faz a
entrega está empenhado em auxiliar nos incêndios florestais que destroem o
Parque Estadual Guajará-Mirim há mais de dois meses e é necessário otimizar o
serviço e a quantidade de pessoas dentro da aeronave.
Pedreira, São Luís,
Laranjal e Cristo Rei são algumas das comunidades afetadas. Adriano vive em
Pedreira, a mais distante do município de Guajará-Mirim.
"Hoje não temos
como sair nem para comprar comida. O último barco levou 11 dias para chegar à
aldeia São Luís. Agora precisamos arrastar os barcos pelas partes onde o rio
secou e onde tem pouca água a hélice do motor funciona”, relatou ao g1.
Além da dificuldade de
transporte de mantimentos, Cabixi destaca a preocupação com emergências de
saúde. Se alguém precisa ser levado para atendimento médico, de helicóptero,
pode levar mais de um dia para que o pedido seja atendido.
“Isso pode levar a
pessoa a óbito por tanta demora. Mesmo assim, a gente tenta tirar o paciente do
barco, puxando o barco, fazendo o possível para não ficar com pacientes dentro
da comunidade”.
O transporte de
pacientes só é possível com o apoio da Secretaria Municipal de Trabalho e
Assistência Social (Semtas), que em casos graves utiliza helicópteros para
retirar os doentes.
Segundo o Ministério
Público Federal (MPF), a secretaria informou que atende 175 pessoas de 38
famílias indígenas das quatro aldeias cercadas pelo rio Pacaás.
Após a recomendação do
MPF, 106 cestas básicas foram entregues nas comunidades com o auxílio de um
helicóptero do Governo do Estado.
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Esquecidos na seca
Outras 7 Comunidades
aguardam por assistência enquanto enfrentam o isolamento por causa da seca no
rio Pacaás. As aldeias de Ocaia 3, Castanheira, Rio Negro Ocaia, Palhal, Komí
Wawan, Pantirop e Piranha, que abrigam 100 famílias indígenas, denunciam falta
de auxílio da prefeitura de Guajará-Mirim.
“A nossa situação está
péssima, por causa da grande seca que afetou a região. Estamos muito longe da
cidade e agora está cada vez mais difícil sair daqui. Não temos condições de
usar barco e por estrada também é complicado, pois não temos veículo e a estrada
é praticamente inacessível”, relata Izaura Kabixi, moradora da comunidade do
Rio Negro Ocaia.
Izaura informou ao g1
que até o momento nenhuma assistência chegou ao local. Ela falou que enquanto
algumas comunidades, como São Luís e Pedreira, já receberam cestas básicas, as
aldeias de Rio Negro Ocaia seguem sem qualquer suporte.
O trajeto até a
cidade, que levava um dia, agora com a seca extrema do rio Pacaás, pode levar
até quatro dias, com os moradores precisando arrastar os barcos pelas partes
que secaram.
“É uma viagem muito
difícil. Corremos o risco de ser ferrados por arraias, como aconteceu com meu
filho. Ele foi ferrado no meio do rio e sem remédios não conseguimos tratar.
Isso torna tudo mais perigoso e desesperador”.
O g1 entrou em contato
com a Prefeitura de Guajará-Mirim e com a Funai, mas não obteve retorno até a
última atualização desta reportagem.
<><> Maior
seca da história de Rondônia
Além do rio Pacaás, a
seca extrema também afeta o rio Madeira um dos maiores do Brasil e do mundo,
além do mais longo e importante afluente do rio Amazonas. No dia 23 de
setembro, à 1h30 da madrugada, o rio Madeira chegou a um nível nunca observado
em Porto Velho: 25 centímetros.
Montanhas de pedras e
bancos de areia surgiram onde antes só existia água e o rio se tornou
inavegável. As operações no Porto de Porto Velho foram temporariamente
paralisadas pela 1ª vez na história por causa da seca.
Ribeirinhos que vivem
às margens do rio agora enfrentam dificuldade para ter acesso à água. Sem água
nos poços e isolados das outras comunidades por causa da seca, ribeirinhos
dependem de carregamentos feitos pela Defesa Civil de Porto Velho.
<><> O que
diz a Semtas
Em entrevista
concedida ao g1, a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social
(Semtas) de Guajará-Mirim respondeu que o município está tomando todas as
providências cabíveis dentro das leis para garantir o suporte necessário às
aldeias isoladas pela seca.
“A prefeitura tem sim
atuado na aquisição e na distribuição de cestas básicas para atender as
comunidades isoladas, nossa intenção nunca foi dificultar o envio de
assistência, estamos apenas acatando a lei”, afirmou Solange Soares Lagasse,
secretária da pasta.
De acordo com a
Semtas, o município vem monitorando a situação da crise hídrica desde março,
quando a comandante-geral do Corpo de Bombeiros de Rondônia relatou o problema
durante uma reunião do Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência
Social.
"Enviamos
documentos e solicitamos apoio do Estado e do governo federal, mas enquanto o
auxílio não chega, o município conseguiu, por meio de recursos próprios e com o
apoio da Defesa Civil, adquirir as cestas básicas para atender as quatro
aldeias mais afetadas".
Sobre a recomendação
do Ministério Público Federal (MPF) para que as cestas básicas fossem
distribuídas pelo Corpo de Bombeiros, a secretária ressaltou a importância da
presença de um assistente social durante as entregas, conforme a legislação de
assistência social.
"A concessão de
cestas básicas não é simplesmente uma entrega. A lei exige a presença de um
profissional de assistência social para avaliar in loco a vulnerabilidade das
famílias. Esse profissional faz um parecer técnico que é essencial tanto para a
prestação de contas do município quanto para garantir que as famílias estão
recebendo o suporte adequado".
Ela destacou ainda
que, em reuniões com o Corpo de Bombeiros, foi solicitado que um assistente
social acompanhasse as entregas. No entanto, seguindo a recomendação do MPF a
Secretaria descartou a ida do profissional até as aldeias.
Além das quatro
aldeias inicialmente atendidas, outras sete foram identificadas em situação de
isolamento. A Secretaria afirmou que o município já adquiriu 555 cestas básicas
que estão prontas para distribuição. Contudo, a entrega ainda depende do apoio de
aeronaves, atualmente alocadas para o transporte de urnas eleitorais.
"Estamos
aguardando o auxílio da Defesa Civil para poder fazer essas entregas. A
situação dessas famílias é urgente, e temos feito tudo o que está ao nosso
alcance. Pedimos apoio e estamos em constante contato com o Estado e o governo
federal".
Em resposta às
alegações de que os moradores das aldeias não estariam recebendo informações
sobre as ações da prefeitura, o secretário de Povos Indígenas de Guajará-Mirim,
que também participou da entrevista, negou essa versão. Segundo ele, há um
contato constante com as lideranças das comunidades.
“Eu venho falando com
as lideranças indígenas frequentemente. Eles estão cientes da situação e sabem
que estamos aguardando a aeronave para fazer as entregas. Todas as
documentações necessárias já foram enviadas pelas lideranças, e estamos prontos
para agir assim que tivermos o transporte”.
A Semtas informou que
Guajará-Mirim possui 47 aldeias e 25 comunidades ribeirinhas que recebem
assistência social do município.
• Madeira: o majestoso rio que abastece
famílias, gera energia para o país e foi da cheia à seca extrema
Umas das cenas mais
lindas de Porto Velho é o sol “abraçando” o rio Madeira ao se pôr, exibindo um
festival de cores rosadas e alaranjadas. Quem contempla a cena se encanta com a
grandiosidade do rio que é a fonte de vida para famílias que vivem às suas
margens e para a biodiversidade da Amazônia, além de ser um dos braços da
economia do país.
“Pros povos amazônicos
ele significa tudo: parte da cultura, parte da economia, do cotidiano dessas
pessoas, tanto para abastecimento, quanto para qualquer outro tipo de recurso.
Ele apresenta esse valor histórico-cultural”, comenta o doutor em geografia
Michel Watanabe.
Às margens do rio, em
Porto Velho, vivem mais de 50 comunidades ribeirinhas que dependem das águas
amarronzadas do Madeira para a subsistência. Quem vive na cidade e possui água
encanada também recebe para si uma parte do rio.
Ao todo, o Rio Madeira
possui mais de 3 mil km² de extensão: um dos maiores do país e o 17º maior do
mundo. Quando o assunto é vazão, o madeira sobe para a 4ª posição, com um
volume de 31,2 mil metros cúbicos por segundo.
Em sua grandiosidade,
o Rio Madeira abriga 40% de todas as espécies de peixes da bacia amazônica —
são mais de 1,2 mil.
<><> Por
que “Madeira”?
Segundo Michel
Watanabe, o rio recebe esse nome por conta do fenômeno de “terras caídas” na
calha: a água causa erosão no solo e o rio acaba “transportando” troncos e
galhos de madeira caídos.
No geral, o Madeira é
um rio com muitos sedimentos. De acordo com Watanabe, 50% de toda a carga de
sedimentos suspeitos transportados pelo rio Amazonas vem do Madeira. Os
sedimentos são o que dão a cor característica do Madeira: amarronzada.
“Vai variando ao longo
do tempo entre 250 e 600 milhões de toneladas de sedimentos por ano”, comenta o
pesquisador.
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Economia
No Rio Madeira estão
instaladas duas das maiores hidrelétricas do Brasil: Jirau e Santo Antônio. A
energia gerada pelas turbinas abastece o país, através do Sistema Interligado
Nacional (SIN)".
Além disso, através da
água do Madeira se forma um corredor logístico. De acordo com o Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a hidrovia do Madeira é uma
das mais importantes vias de transporte da região Norte: são mais de 1 mil km²
de extensão navegável.
Outras fontes de
economia que dependem das águas do rio Madeira são a pesca e o garimpo legal.
“Para o país, o rio
Madeira hoje tem um papel importantíssimo. Ele tem uma importância que vai
desde o morador local até o reconhecimento econômico nacional”, comenta Michel
Watanabe.
<><> Da
cheia à seca extrema
Em um período de 10
anos, o rio Madeira passou por dois eventos opostos e extremos em Rondônia:
• Em 2014, as águas do Madeira subiram
gradativamente e rapidamente até atingir o recorte de 19,74 metros. Todas as
comunidades ribeirinhas foram afetadas, assim como diversos bairros do
municípios. Pontos históricos, cemitérios, plantações e residências ficaram
cobertos por água.
• Quase 10 anos depois, em 2023, o cenário
foi outro: milhares de ribeirinhos ficaram sem água e “montanhas” de pedras e
bancos de areia gigantes se formaram onde antes tudo era água. A seca histórica
fez o nível descer para a menor medição já vista: 1,10 metros.
Fonte: g1
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