quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Comunidades indígenas ficam isoladas por seca no rio Pacaás, em Rondônia, um ano após cheia histórica

O rio Pacaás em Rondônia secou e deixou pelo menos 10 comunidades indígenas isoladas em Guajará-Mirim (RO), já que a único meio de acesso - o rio - se tornou inavegável. A seca extrema tem afetado diretamente a chegada de mantimentos e atendimento à saúde.

“Não temos combustível, remédios, nem alimentos. Vivemos no isolamento e isso tem se tornado insustentável”, relata Adriano Cabixi, liderança de Pedreira, uma das comunidades afetadas.

Por causa da seca, o trajeto que antes durava 7 dias (ida e volta) de barco até a cidade de Guajará-Mirim (RO) passa a ser feito em 18 dias. Isso porque em boa parte do caminho eles precisam ir a pé, arrastando a embarcação.

O cenário crítico fez com que os moradores de Pedreira viajassem por seis dias até chegar na zona eleitoral mais próxima. No entanto, muitos não possuem embarcações e recursos suficientes para fazer a viagem. Mais de 20 pessoas ficaram sem votar.

As quatro comunidades já enfrentaram desafios relacionados a eventos extremos em anos anteriores. Em 2023, elas foram atingidas por uma enchente histórica que destruiu plantações e forçou muitas famílias a deixarem suas casas. Em 2024 eles passam pela maior seca de Rondônia.

“A gente perdeu tudo com a cheia no ano passado e agora passamos pela maior seca. Não sabemos o que está acontecendo” , comenta.

No dia 26 de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) de Guajará-Mirim que fizesse a entrega ao corpo de bombeiros, de forma imediata, das cestas básicas destinadas às quatro comunidades indígenas isoladas.

A medida foi necessária porque a entrega das cestas geralmente são feitas na presença de assistente social da secretaria. No entanto, o mesmo helicóptero que faz a entrega está empenhado em auxiliar nos incêndios florestais que destroem o Parque Estadual Guajará-Mirim há mais de dois meses e é necessário otimizar o serviço e a quantidade de pessoas dentro da aeronave.

Pedreira, São Luís, Laranjal e Cristo Rei são algumas das comunidades afetadas. Adriano vive em Pedreira, a mais distante do município de Guajará-Mirim.

"Hoje não temos como sair nem para comprar comida. O último barco levou 11 dias para chegar à aldeia São Luís. Agora precisamos arrastar os barcos pelas partes onde o rio secou e onde tem pouca água a hélice do motor funciona”, relatou ao g1.

Além da dificuldade de transporte de mantimentos, Cabixi destaca a preocupação com emergências de saúde. Se alguém precisa ser levado para atendimento médico, de helicóptero, pode levar mais de um dia para que o pedido seja atendido.

“Isso pode levar a pessoa a óbito por tanta demora. Mesmo assim, a gente tenta tirar o paciente do barco, puxando o barco, fazendo o possível para não ficar com pacientes dentro da comunidade”.

O transporte de pacientes só é possível com o apoio da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), que em casos graves utiliza helicópteros para retirar os doentes.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a secretaria informou que atende 175 pessoas de 38 famílias indígenas das quatro aldeias cercadas pelo rio Pacaás.

Após a recomendação do MPF, 106 cestas básicas foram entregues nas comunidades com o auxílio de um helicóptero do Governo do Estado.

<><> Esquecidos na seca

Outras 7 Comunidades aguardam por assistência enquanto enfrentam o isolamento por causa da seca no rio Pacaás. As aldeias de Ocaia 3, Castanheira, Rio Negro Ocaia, Palhal, Komí Wawan, Pantirop e Piranha, que abrigam 100 famílias indígenas, denunciam falta de auxílio da prefeitura de Guajará-Mirim.

“A nossa situação está péssima, por causa da grande seca que afetou a região. Estamos muito longe da cidade e agora está cada vez mais difícil sair daqui. Não temos condições de usar barco e por estrada também é complicado, pois não temos veículo e a estrada é praticamente inacessível”, relata Izaura Kabixi, moradora da comunidade do Rio Negro Ocaia.

Izaura informou ao g1 que até o momento nenhuma assistência chegou ao local. Ela falou que enquanto algumas comunidades, como São Luís e Pedreira, já receberam cestas básicas, as aldeias de Rio Negro Ocaia seguem sem qualquer suporte.

O trajeto até a cidade, que levava um dia, agora com a seca extrema do rio Pacaás, pode levar até quatro dias, com os moradores precisando arrastar os barcos pelas partes que secaram.

“É uma viagem muito difícil. Corremos o risco de ser ferrados por arraias, como aconteceu com meu filho. Ele foi ferrado no meio do rio e sem remédios não conseguimos tratar. Isso torna tudo mais perigoso e desesperador”.

O g1 entrou em contato com a Prefeitura de Guajará-Mirim e com a Funai, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

<><> Maior seca da história de Rondônia

Além do rio Pacaás, a seca extrema também afeta o rio Madeira um dos maiores do Brasil e do mundo, além do mais longo e importante afluente do rio Amazonas. No dia 23 de setembro, à 1h30 da madrugada, o rio Madeira chegou a um nível nunca observado em Porto Velho: 25 centímetros.

Montanhas de pedras e bancos de areia surgiram onde antes só existia água e o rio se tornou inavegável. As operações no Porto de Porto Velho foram temporariamente paralisadas pela 1ª vez na história por causa da seca.

Ribeirinhos que vivem às margens do rio agora enfrentam dificuldade para ter acesso à água. Sem água nos poços e isolados das outras comunidades por causa da seca, ribeirinhos dependem de carregamentos feitos pela Defesa Civil de Porto Velho.

<><> O que diz a Semtas

Em entrevista concedida ao g1, a Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas) de Guajará-Mirim respondeu que o município está tomando todas as providências cabíveis dentro das leis para garantir o suporte necessário às aldeias isoladas pela seca.

“A prefeitura tem sim atuado na aquisição e na distribuição de cestas básicas para atender as comunidades isoladas, nossa intenção nunca foi dificultar o envio de assistência, estamos apenas acatando a lei”, afirmou Solange Soares Lagasse, secretária da pasta.

De acordo com a Semtas, o município vem monitorando a situação da crise hídrica desde março, quando a comandante-geral do Corpo de Bombeiros de Rondônia relatou o problema durante uma reunião do Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social.

"Enviamos documentos e solicitamos apoio do Estado e do governo federal, mas enquanto o auxílio não chega, o município conseguiu, por meio de recursos próprios e com o apoio da Defesa Civil, adquirir as cestas básicas para atender as quatro aldeias mais afetadas".

Sobre a recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para que as cestas básicas fossem distribuídas pelo Corpo de Bombeiros, a secretária ressaltou a importância da presença de um assistente social durante as entregas, conforme a legislação de assistência social.

"A concessão de cestas básicas não é simplesmente uma entrega. A lei exige a presença de um profissional de assistência social para avaliar in loco a vulnerabilidade das famílias. Esse profissional faz um parecer técnico que é essencial tanto para a prestação de contas do município quanto para garantir que as famílias estão recebendo o suporte adequado".

Ela destacou ainda que, em reuniões com o Corpo de Bombeiros, foi solicitado que um assistente social acompanhasse as entregas. No entanto, seguindo a recomendação do MPF a Secretaria descartou a ida do profissional até as aldeias.

Além das quatro aldeias inicialmente atendidas, outras sete foram identificadas em situação de isolamento. A Secretaria afirmou que o município já adquiriu 555 cestas básicas que estão prontas para distribuição. Contudo, a entrega ainda depende do apoio de aeronaves, atualmente alocadas para o transporte de urnas eleitorais.

"Estamos aguardando o auxílio da Defesa Civil para poder fazer essas entregas. A situação dessas famílias é urgente, e temos feito tudo o que está ao nosso alcance. Pedimos apoio e estamos em constante contato com o Estado e o governo federal".

Em resposta às alegações de que os moradores das aldeias não estariam recebendo informações sobre as ações da prefeitura, o secretário de Povos Indígenas de Guajará-Mirim, que também participou da entrevista, negou essa versão. Segundo ele, há um contato constante com as lideranças das comunidades.

“Eu venho falando com as lideranças indígenas frequentemente. Eles estão cientes da situação e sabem que estamos aguardando a aeronave para fazer as entregas. Todas as documentações necessárias já foram enviadas pelas lideranças, e estamos prontos para agir assim que tivermos o transporte”.

A Semtas informou que Guajará-Mirim possui 47 aldeias e 25 comunidades ribeirinhas que recebem assistência social do município.

 

•        Madeira: o majestoso rio que abastece famílias, gera energia para o país e foi da cheia à seca extrema

Umas das cenas mais lindas de Porto Velho é o sol “abraçando” o rio Madeira ao se pôr, exibindo um festival de cores rosadas e alaranjadas. Quem contempla a cena se encanta com a grandiosidade do rio que é a fonte de vida para famílias que vivem às suas margens e para a biodiversidade da Amazônia, além de ser um dos braços da economia do país.

“Pros povos amazônicos ele significa tudo: parte da cultura, parte da economia, do cotidiano dessas pessoas, tanto para abastecimento, quanto para qualquer outro tipo de recurso. Ele apresenta esse valor histórico-cultural”, comenta o doutor em geografia Michel Watanabe.

Às margens do rio, em Porto Velho, vivem mais de 50 comunidades ribeirinhas que dependem das águas amarronzadas do Madeira para a subsistência. Quem vive na cidade e possui água encanada também recebe para si uma parte do rio.

Ao todo, o Rio Madeira possui mais de 3 mil km² de extensão: um dos maiores do país e o 17º maior do mundo. Quando o assunto é vazão, o madeira sobe para a 4ª posição, com um volume de 31,2 mil metros cúbicos por segundo.

Em sua grandiosidade, o Rio Madeira abriga 40% de todas as espécies de peixes da bacia amazônica — são mais de 1,2 mil.

<><> Por que “Madeira”?

Segundo Michel Watanabe, o rio recebe esse nome por conta do fenômeno de “terras caídas” na calha: a água causa erosão no solo e o rio acaba “transportando” troncos e galhos de madeira caídos.

No geral, o Madeira é um rio com muitos sedimentos. De acordo com Watanabe, 50% de toda a carga de sedimentos suspeitos transportados pelo rio Amazonas vem do Madeira. Os sedimentos são o que dão a cor característica do Madeira: amarronzada.

“Vai variando ao longo do tempo entre 250 e 600 milhões de toneladas de sedimentos por ano”, comenta o pesquisador.

<><> Economia

No Rio Madeira estão instaladas duas das maiores hidrelétricas do Brasil: Jirau e Santo Antônio. A energia gerada pelas turbinas abastece o país, através do Sistema Interligado Nacional (SIN)".

Além disso, através da água do Madeira se forma um corredor logístico. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a hidrovia do Madeira é uma das mais importantes vias de transporte da região Norte: são mais de 1 mil km² de extensão navegável.

Outras fontes de economia que dependem das águas do rio Madeira são a pesca e o garimpo legal.

“Para o país, o rio Madeira hoje tem um papel importantíssimo. Ele tem uma importância que vai desde o morador local até o reconhecimento econômico nacional”, comenta Michel Watanabe.

<><> Da cheia à seca extrema

Em um período de 10 anos, o rio Madeira passou por dois eventos opostos e extremos em Rondônia:

•        Em 2014, as águas do Madeira subiram gradativamente e rapidamente até atingir o recorte de 19,74 metros. Todas as comunidades ribeirinhas foram afetadas, assim como diversos bairros do municípios. Pontos históricos, cemitérios, plantações e residências ficaram cobertos por água.

•        Quase 10 anos depois, em 2023, o cenário foi outro: milhares de ribeirinhos ficaram sem água e “montanhas” de pedras e bancos de areia gigantes se formaram onde antes tudo era água. A seca histórica fez o nível descer para a menor medição já vista: 1,10 metros.

 

Fonte: g1

 

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