Jorge Luiz
Souto Maior: ‘Ultrapassando os limites constitucionais’
Levando
adiante a sua verdadeira Cruzada, destinada a atender a eterna demanda do setor
empresarial de eliminação do custo social da exploração do trabalho, o Ministro
Luís Roberto Barroso propôs, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a
formalização de uma Resolução (Ato Normativo) que estabelece um procedimento
judicial destinado à homologação de acordos extrajudiciais na Justiça do
Trabalho, validando a cláusula de “quitação ampla, geral e irrevogável”.
O
efeito da iniciativa, no entanto, acaba sendo promover “segurança” para as
empresas que cometem ilegalidades, já que os dados estatísticos, tão citados
ultimamente, revelam que em apenas 10% dos casos levados à Justiça do Trabalho
os pleitos formulados pelos trabalhadores e trabalhadoras são totalmente
rejeitados. De um modo geral, quem se situa na condição de reclamado na Justiça
do Trabalho é porque, segundo os números das pesquisas, cometeu alguma
ilegalidade.
Estas
mesas empresas há décadas demandam segurança para continuar cometendo
ilegalidades trabalhistas, sob os argumentos retóricos da dificuldade
econômica, da complexidade da legislação (mesmo depois de uma “reforma”
aprovada, em regime de Estado de exceção, para atender a todas as
reivindicações do setor) e da postura “paternalista” da Justiça do Trabalho.
As
lamúrias dessa parcela do setor empresarial foram expressamente incorporadas
aos fundamentos da Resolução, conforme se pode constatar nas passagens abaixo
transcritas, que não deixam qualquer margem a dúvidas:
“4.
A presente proposta busca enfrentar um dos problemas recorrentemente apontados
na área trabalhista: a excessiva litigiosidade torna incerto o custo da relação
de trabalho antes do seu término, o que é prejudicial a investimentos que podem
gerar mais postos formais de trabalho e vínculos de trabalho de maior
qualidade”.
“9.
Espera-se que a litigiosidade trabalhista possa ser reduzida com a instituição
de uma via segura para que as partes formalizem o consenso alcançado, com
efeito de quitação ampla, geral e irrevogável, prevenindo o ajuizamento de
reclamações. Diante do exposto, manifesto-me pela aprovação desta proposta de
Resolução.”
Pelos
“considerandos” trazidos na Resolução que aprovou o Ato Normativo, é possível
constatar que não há um fundamento jurídico sequer que justifique a iniciativa.
Trata-se, meramente, de uma tomada de posição a favor de uma ideológica que
reflete, unicamente, a visão de mundo do setor empresarial que contraria os
princípios do Direito do Trabalho e os valores sociais elegidos pela
Constituição Federal.
Além
de ser baseado em uma concepção ideológica, o Ato Normativo, para atingir seu
objetivo, é repleto de afrontas à ordem jurídica.
Mas,
falemos disso mais adiante, porque o mais relevante mesmo é destacar o quanto é
grave a simples existência dessa iniciativa regulatória no âmbito de um ente
administrativo, ainda mais quando se verifica que a aprovação foi por votação
unânime.
Cumpre,
a propósito, enunciar os nomes dos votantes, até porque, dentre eles, estão
profissionais oriundos da Justiça do Trabalho e estudiosos do Direito do
Trabalho. Na Resolução consta que: “O Conselho, por unanimidade, aprovou a
Resolução, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís
Roberto Barroso. Plenário Virtual, 30 de setembro de 2024. Votaram os
Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Mauro Campbell Marques,
Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil,
Daniela Madeira, Guilherme Feliciano, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo
Schoucair, Daiane Nogueira de Lira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não
votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes da
Ordem dos Advogados do Brasil.”
E
cumpre registrar, também, o quão reveladora foi a forma como o noticiário das
grandes empresas de comunicação em massa comemorou a publicação do Ato
Normativo – e, inclusive, divulgou informações que não refletiam o integral
conteúdo do documento, para, com isto, tentar reforçar o ambiente jurídico de
fragilização da posição das trabalhadoras e dos trabalhadores perante as
empresas.
Fato
é que tão logo o Conselho Nacional de Justiça, usurpando o Poder Legislativo e,
desviando-se completamente de suas atribuições constitucionalmente fixadas,
divulgou um Ato Normativo em que fixou direitos e obrigações para as relações
de trabalho, a grande mídia, porta-voz histórica do setor empresarial, aplaudiu
efusivamente a “iniciativa” do Conselho Nacional de Justiça, pouco importando
se, efetivamente, o CNJ detinha o poder para agir da forma como agiu.
Não
é de hoje que o setor empresarial no Brasil joga um jogo do vale tudo, quando o
objetivo é reduzir o custo da força de trabalho.
De
todo modo, que o setor empresarial pense e aja desse modo, ainda que seja
deplorável e se constitua, a bem da verdade, um estímulo a práticas de atos
ilícitos, é até possível compreender, porque, afinal, está na lógica da conduta
matematicamente calculada e sem limites do capitalismo.
Agora,
que as instituições da República se coloquem a serviço da satisfação e gozo
desses interesses exploratórios é algo que não se pode admitir, ainda mais
quando, para atingir esse objetivo, afrontem a legalidade e ultrapassam os
limites constitucionais.
O
Ato Normativo representa um desprezo pleno à ordem jurídica, cometido por uma
instituição cujo papel, constitucionalmente fixado, é o de promover uma atuação
“administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres
funcionais dos juízes” (§ 4º do art. 103-B, da Constituição Federal).
No
rol de atribuições que a norma constitucional conferiu ao Conselho Nacional de
Justiça não se encontra o poder de regular as relações sociais.
Desse
modo, sem sofismas possíveis, é obrigatório concluir que o Ato Normativo
0005870-16.2024.2.00.0000 é um atentado contra o Estado democrático de direito
e, pior, uma afronta jurídica promovida por quem teria a incumbência de obstar
que o Poder Judiciário pudesse se apresentar como um instrumento da supressão
da ordem constitucional.
Só
por isso, todas as pessoas e instituições comprometidas com a democracia e com
o respeito à Constituição deveriam se posicionar contra a existência, em si, de
tal Ato Normativo e não, de forma oportuna, parabenizar o Conselho Nacional de
Justiça pela iniciativa ou mesmo, mais uma vez, assumindo a lógica do mal
menor, acolher a medida com o argumento de ter sido uma “vitória do possível”.
Nos
termos expressos da Resolução, verifica-se, ainda, uma tentativa de legitimação
da regulação, que estaria integrada ao conjunto dos objetivos e atividades de
um grupo formado pelo Ministro Barroso para estudos sobre “métodos consensuais
de solução de disputas na Justiça do Trabalho”.
Consta
da Resolução que “a minuta foi construída após amplo diálogo, incluindo reunião
ocorrida no Conselho Nacional de Justiça no dia 29.04.2024, com representantes
do Tribunal Superior do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, do
Ministério do Trabalho e Emprego, da Ordem dos Advogados do Brasil, da
academia, de centrais sindicais e de confederações patronais”.
Mas
não fica claro se a “minuta” referida foi do tal “grupo de estudos” ou do Ato
Normativo propriamente dito. De todo modo, o eventual aval dos referidos
“representantes” não teria o condão de conferir poderes ao CNJ. Este aval,
aliás, só tornaria mais grave e alarmante a situação.
Pois
que fique, então, aqui registrado o meu pleno repúdio à iniciativa do Conselho
Nacional de Justiça e a todas as manifestações de apoio à iniciativa ou de
naturalização do ocorrido, até porque se a moda pega o CNJ não verá qualquer
limite para, por exemplo, ditar normas que restrinjam a efetividade de Direitos
Fundamentais, como se já não bastassem, no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
as condenações (com cumprimento efetivo) sem processo judicial.
No
que se refere ao conteúdo propriamente dito, o Ato Normativo não se desalinha
do espírito autoritário e antijurídico de sua existência e promove uma série de
novas inconstitucionalidades.
Em
primeiro lugar, revela-se a contradição da iniciativa regulatória, que procura
privilegiar a vontade das partes, mas vincula a validade jurídica desta vontade
a uma chancela judicial. E, mais ainda, de forma arbitrária, autoriza esta
“vontade mitigada” apenas para as situações em que o valor do acordo não
ultrapassa o limite de 40 salários-mínimos. A Resolução não corrobora as
próprias premissas.
Em
segundo lugar, ainda de forma contraditória, busca tornar o ato judicial de
homologação em mero ato burocrático, chegando mesmo a interferir na
independência da magistratura ao estabelecer que “É vedada a homologação apenas
parcial de acordos celebrados” (§ 3º do art. 3º).
Ou
seja, reconhece-se que as partes, sendo desiguais, não têm plena liberdade
para, no plano individual, solucionar os seus conflitos, competindo ao
Judiciário validar o eventual negócio jurídico formulado entre ambas. No
entanto, esta homologação se faria sem que se promova qualquer juízo de valor.
Assim, o ato de passar pelo Judiciário seria apenas uma burocracia a mais.
Ocorre
que a homologação é uma decisão judicial que, traduzindo, representa o
reconhecimento do Judiciário de que o negócio jurídico realizado está em
conformidade com o direito.
Para
dizer isto, em se tratando de direitos trabalhistas, que envolvem a
conformidade da norma com os fatos, dado o princípio da primazia da realidade
em que se funda o Direito do Trabalho, a juíza ou juiz precisa conhecer os
fatos que envolvem o conflito. Um acordo que apenas diz o quanto se paga por
tal ou qual “parcela” (que nem é referida como um direito) simplesmente não tem
como ser judicialmente homologado.
Se
for validado judicialmente, pode ser tudo, menos uma homologação. E o que se
efetivar neste ato de “homologação” não tem qualquer valor jurídico.
Lembre-se,
por oportuno, que o entendimento sumulado do TST, como não poderia ser
diferente, garante ao juiz e à juíza a liberdade de não homologar um acordo: “A
concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz,
inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”
(Súmula 418 do TST).
Fato
é que o juiz ou a juíza poderá decidir pela não homologação do acordo se os
seus termos ferirem direitos indisponíveis ou preceitos de ordem pública, ou
mesmo quando os elementos constantes do acordo não forem suficientes para que
essa análise seja feita.
O
preceito de que direitos indisponíveis e de ordem pública não podem ser
desprezados pelo acordo está, inclusive, expresso no art. 855-C da CLT, trazido
pela Lei nº 13.467/17: “O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo
estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da
multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação”.
Igual
preceito pode ser visualizado no inciso II do § 4º do art. 844, que diz, de
forma expressa, que um instituto processual (a revelia) não pode gerar efeito
sobre “direitos indisponíveis”.
De
todo modo, diante da Resolução do Conselho Nacional de Justiça, o que se pode
antever é que uma não homologação por parte do juiz ou da juíza gerará uma
insatisfação da empresa que se viu frustrada em sua expectativa de se “se ver
livre” daquele(a) trabalhador(a). Instrumentalizada pela Resolução, a empresa
se sentirá com o poder de promover uma reclamação disciplinar perante o CNJ, em
face da conduta adotada pela juíza ou o juiz. E, assim, a cada punição
administrativa de um juiz ou juíza que, cumprindo o seu dever funcional e
exercendo o seu poder jurisdicional, se recusarem a corroborar com esta
aberração toda, o Judiciário Trabalhista se verá de forma definitiva destituído
da esfera dos Poderes da República.
A
Resolução também fere a ordem jurídica, de forma muito séria, ao tentar impor
ao Judiciário a generalização da fórmula (aclamada pelo setor empresarial) de
que “acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho tenham efeito
de quitação ampla, geral e irrevogável”.
Mas
não há um fundamento jurídico sequer expresso na Resolução para adotar esta
fórmula. Os únicos pressupostos anunciados são os de conferir segurança para a
empresa que cometeu uma (ou várias) ilegalidade trabalhista e de impedir o
acesso à justiça, o que representa, em si, afronta direta ao incido XXXV do
art. 5º da CF (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito). E olha que não estamos falando de lei e sim de um ato cuja
melhor denominação é o “seja lá o que for isso”.
E a
tal “quitação”, ademais, ovacionda e acobertada pela Resolução do Conselho
Nacional de Justiça, sequer pode ser concebida como um instituto destinado à
vedação da efetividade de normas jurídicas.
O
dever do Estado, ademais, é garantir a efetividade do direito. Portanto,
contraria a este objetivo a criação e validação de mecanismos que coloquem em
segundo plano o cumprimento da norma jurídica. Lembre-se que, em termos
trabalhistas, o Estado é responsável, inclusive, pela fiscalização dos
empregadores visando a aplicação efetiva das leis do trabalho.
É
também necessário não olvidar que a quitação é, na verdade, o efeito jurídico
do pagamento, tal como consta da própria definição do art. 477 da CLT. A
quitação, portanto, abrange, unicamente, as verbas pagas e devidamente
discriminadas no ajuste, mesmo quando se trate de acordo homologado
judicialmente.
Conforme
dispõe o artigo 320 do Código Civil: “A quitação, que sempre poderá ser dada
por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o
nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a
assinatura do credor, ou do seu representante”.
Aliás,
também o Código de Processo Civil possui disposição expressa referindo que a
homologação de acordo constitui decisão final de mérito (art. 487) e que deve
ser restrita aos limites da lide, conforme art. 503: “A decisão que julgar
total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão
principal expressamente decidida”.
Fato
é que um acordo, que versa sobre verbas trabalhistas, ainda mais realizado
extrajudicialmente sem a explicitação factual do conflito subjacente, não pode
implicar em renúncia prévia e genérica a direitos, ainda mais quando diz
respeito a crédito de natureza alimentar, sob pena de violação do art. 100 da
Constituição, do art. 1.707 do Código Civil e do art. 9º da CLT.
Uma
estipulação além desses limites é flagrantemente inconstitucional especialmente
quando tenha como propósito evitar o acesso à justiça, garantido pelo artigo
5º, XXXV, e pelo artigo 7o, XXIX, ambos da Constituição.
A
cláusula de “quitação ampla, geral e irrevogável” é ilegal e a atuação
jurisdicional não tem o poder de tornar legal o que é literalmente ilegal, sob
o falso argumento da segurança jurídica.
Não
é possível pensar em segurança jurídica em uma realidade na qual o Estado, que
detém o monopólio da jurisdição, busca, ele próprio, por meio da lei, negar o
acesso à justiça para pessoas que se veem submetidas a uma relação jurídica
marcada pela desigualdade, lógica que, ademais, se repete no atual art. 507-B
da CLT.
Fica
nítido da análise da alínea “f” (trazida pela Lei n. 13.467/17) do art. 652 da
CLT, que homologação é uma decisão, que requer, portanto, fundamentação e
respeito à ordem jurídica.
Mesmo
os acordos extrajudiciais, na esfera trabalhista, para que tenham validade
jurídica, dependem de homologação do juiz ou juíza da Vara do Trabalho e essa
homologação não é automática, pois este ou esta, como diz a lei, deve “decidir”
a respeito.
Não
se trata, pois, de um ato burocrático, de mero acatamento ou de submissão à
vontade das partes, vez que decidir é dizer o direito e homologar,
concretamente, representa dizer que a vontade expressa pelas partes está em
conformidade com a ordem jurídica.
Lembre-se,
ainda, do parâmetro estabelecido pelo parágrafo único do artigo 507-B, da CLT:
“O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele
constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das
parcelas nele especificadas.”
O
mesmo parâmetro também se extrai do art. 452-A, § 7º, da CLT: “O recibo de
pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma
das parcelas referidas no § 6o deste artigo.”
O
próprio CPC, que faz bastante propaganda da conciliação, não serve à panaceia
de que “todo acordo é legal”. O ato jurídico que no novo CPC é tratado com
maior rigor técnico é a transação, a qual exige, para sua validade, concessões
mútuas (art. 840, do CC) e respeito às questões de ordem pública, vez que “só
quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação” (art.
841, do CC).
Nos
termos do CPC, não se resolve um processo pela conciliação, mas pela transação.
Assim, mesmo se aplicados os dispositivos do CPC não se teria base legal para
homologação de conciliações que representam renúncias a direitos, ferem
direitos indisponíveis e desrespeitam questões de ordem pública.
O
artigo 487 do CPC, é verdade, acata a possibilidade de solução do processo por
meio da renúncia, mas ao menos o CPC tem o pudor de separar transação de
renúncia, e esta, a renúncia, dado o princípio característico do Direito do
Trabalho, não se aplica, por evidente, na Justiça do Trabalho. Ainda assim, a
renúncia teria que ser expressa e delimitada para ter alguma validade e seria,
como dito na letra “c” do inciso III, do art. 487, restrita “à pretensão
formulada na ação”.
Ao
tratar da coisa julgada, o artigo 503 do CPC reforça o entendimento da
invalidade da cláusula de “quitação ampla”. Conforme deixa claro este
dispositivo, o mérito, que compõe a coisa julgada, será vislumbrado “nos
limites da questão principal expressamente decidida” (caput), sendo que mesmo
as questões prejudiciais somente integram a coisa julgada quando inseridas em
contraditório prévio e efetivo (§ 1º, inciso II).
Não
se pode falar, pois, em homologação de “acordo” como mera fórmula de redução de
processos, impondo-se avaliar se os termos da negociação representam transação
ou renúncia, com a consequência óbvia de que os limites da homologação são os
objetos expressamente transacionados – quando, de fato, transação haja.
Faz-se
necessário, portanto, explicitar que a Resolução em questão, aprovada “por
unanimidade” representa uma afronta direta à Constituição Federal e revelar que
esta iniciativa está, de fato, relacionada a uma preocupação de atender os
reclamos de setores patronais historicamente ligados à prática reiterada e
assumida de descumprimento da legislação do trabalho, sendo estes, inclusive,
os reais promotores da tal “conflituosidade”, que, a bem da verdade, não merece
este nome, já que se trata efetivamente de efeito do exercício regular do
direito constitucional de ação (que está integrado, inclusive, ao rol dos
Direitos Humanos).
A
busca da satisfação de um direito pelo uso da via processual é um direito e,
até mesmo, uma expressão concreta da cidadania. Se na realidade do mundo do
trabalho no Brasil muitos trabalhadores e trabalhadoras se veem coagidos a
promover reclamações trabalhistas isto é sintoma de convivemos (passivamente,
inclusive) com um desrespeito reiterado e generalizado das leis trabalhistas.
As
providências do Estado neste contexto deveriam ser a da fiscalização e da
punição dos infratores e não a criação de mecanismos que impeçam as pessoas,
lesadas em seus direitos, de os defender judicialmente.
Aliás,
se pensarmos bem, considerando a realidade das relações de trabalho no Brasil,
com um elevadíssimo número de trabalhadores e trabalhadoras submetidos à
“informalidade”, a contratos precários e a contratos de trabalho que não passam
de um ano, o que se, concretamente, é uma situação de litigiosidade contida,
sobretudo após a “reforma” trabalhista.
O
número de reclamações é, por conseguinte, infinitamente menor do que as
situações em que os direitos trabalhistas são desrespeitados. E este é, de
fato, o nosso maior problema, inclusive em termos de distribuição da riqueza e
das potencialidades orçamentárias para o cumprimento das promessas do Estado
social.
Além
disso, é sobre os trabalhadores e trabalhadoras que, de forma concreta, recai a
insegurança jurídica, já que dependem economicamente da preservação da relação
de trabalho para sobreviver e, nestas condições, sem uma norma jurídica que
lhes garanta o emprego, acabam aceitando trabalhar nas condições que lhes são
oferecidas, sem o respeito a seus direitos.
Dentro
desse contexto, a única arma que ainda resta aos trabalhadores e trabalhadoras
é a possibilidade de ingressarem na Justiça do Trabalho para reaverem os seus
direitos, sendo certo que só conseguem fazer isto após cessado o vínculo e,
portanto, depois de terem sido submetidos, durante bom tempo, a condições
adversas de trabalho. Mesmo o pagamento integral dos direitos, com juros e
correção monetária mitigados (por ação do próprio STF), após anos de tramitação
do processo, é incapaz de repor os danos e sofrimentos experimentados.
É,
portanto, um enorme desvio de perspectiva, além de uma extrema violência,
transformar a trabalhadora ou o trabalhador que procura fazer valer os seus
direitos em um personagem indesejável que gera problemas ao Judiciário e, a
partir desse pressuposto, criar um mecanismo para legitimar a renúncia de
direitos de pessoas premidas pela necessidade, sobretudo, quando almejam o
recebimento de verbas rescisórias de natureza alimentar, estrategicamente não
pagas pelo empregador.
E,
ao mesmo tempo, colocar na posição de vítima aqueles (empregadores) que
impulsionam essa realidade perversa e tomam proveito dela.
O
que se espera é que as revelações contidas na Resolução possam, ao menos,
estimular reflexões, autocríticas e mudanças de postura, para que, enfim, se
leve a efeito no Brasil o compromisso com a efetividade dos direitos sociais.
Fonte:
A Terra é Redonda
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