Por que rir nos torna humanos, segundo a
filosofia
Um dos grandes temas
da filosofia é o questionamento sobre nós mesmos. O que nos torna humanos?
Uma longa tradição
filosófica, que abrange toda a Antiguidade ocidental até o brilhante erudito
Isidoro de Sevilha (cerca de 560-636), responde a esta pergunta com a teoria
antropofilosófica do homo risu capax.
Segundo ela, a
característica própria e exclusiva do ser humano é a nossa capacidade de rir.
O filósofo espanhol
expõe a teoria na sua principal obra, Etimologias. Isidoro afirma que "o
homem é um animal racional, mortal, terrestre e bípede" – e conclui:
"Incorporamos,
por fim, algo que lhe é exclusivo: sua capacidade de rir, já que o riso só é
próprio do homem."
• A teoria na Antiguidade
A teoria do homo risu
capax tem sua origem filosófica em Pitágoras de Samos (570 a.C.-490 a.C.).
Segundo o filósofo
grego Jâmblico (245-325), o riso, para Pitágoras, "frente aos demais seres
vivos, é próprio do homem; alguns o definem como um ser propenso ao riso".
Isso porque a capacidade de rir é o que marca sua "distinção e
diferenciação".
No mesmo sentido,
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) afirma na sua obra Das Partes dos Animais que
"o motivo por que apenas o ser humano sente cócegas não é apenas a finura
da sua pele, mas também porque o homem é o único animal capaz de rir".
Já o teólogo Clemente
de Alexandria (cerca de 150-215), em sua obra O Pedagogo (Ed. Ecclesiae, 2014),
afirma que "não é porque o homem é um animal que ri que as pessoas devem
rir de tudo". Ele aceita o ser humano como risu capax.
E o filósofo sírio
Porfírio (cerca de 234-305) afirma em Isagoge (Ed. Attar, 2015) que "ser
capaz de rir é um predicado único do homem".
Segundo ele, o que é
característico "é aquilo em que se unem para formar uma única [espécie],
para todos e sempre, bem como, para o homem, ser capaz de rir; pois, embora não
ria sempre, afirma-se que ele tem esta capacidade (...) de forma inata."
Da mesma forma,
Agostinho de Hipona (354-430), em Sobre o Livre-Arbítrio (Ed. Ecclesiae, 2019),
defende que brincar e rir são "atos próprios do homem", embora sejam
duas das "suas mais ínfimas perfeições".
• Censura filosófica
A capacidade de rir
também foi analisada na Antiguidade do ponto de vista ético.
Entre seus detratores,
destacam-se os próprios pitagóricos, como defende o historiador Diógenes
Laércio (180-240) no livro Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres (Ed.
Camelot, 2024). Ele afirma que uma das prescrições pitagóricas era "não se
deixar dominar pelo riso".
Jâmblico, mencionado
acima, também afirma que um dos mandamentos pitagóricos mais secretos dizia
"não se entregue a um riso irresistível". Para Pitágoras, o riso
"representa todas as paixões".
Já Platão (428
a.C.-347 a.C.), em A República (Ed. Edipro, 2019), sentencia: "É
inaceitável que homens de valor se apresentem dominados pelo riso."
E Aristóteles, em
Problemas, defende que "o riso é uma espécie de transtorno e fraude".
A filosofia
desenvolvida pelos padres da Igreja Católica também se posicionou contrária ao
riso.
Autores como Basílio
de Cesareia (cerca de 330-379), Ambrósio de Milão (cerca de 340-397) e João
Crisóstomo (cerca de 347-407), além de Leandro de Sevilha (cerca de 534-600) e
Agostinho de Hipona, são alguns exemplos.
Este último, no livro
Contra os Acadêmicos (Ed. Vozes de Bolso, 2014), afirmou que "não há nada
mais humilhante do que o riso".
Já Leandro, no seu
tratado Da Instituição das Virgens e do Desprezo do Mundo, comenta o
"degradante espetáculo do riso".
Em um ponto
intermediário, encontramos o filósofo judeu Fílon de Alexandria (cerca de 15
a.C.-50 d.C.), que defende que "Deus, sem dúvida, é o criador do riso
virtuoso" e que "a finalidade da sabedoria é a diversão e o riso, não
o praticado de forma imprudente pelos néscios, mas o de quem tenha se tornado
sábio, não somente pela sua idade, mas também pelas suas boas reflexões".
• Em defesa da gargalhada
No terceiro grupo,
encontramos os filósofos que defendem o riso.
Epicuro (341 a.C.-270
a.C.), no livro Sentenças Vaticanas (Ed. Loyola, 2014), afirma que "é
preciso rir ao mesmo tempo em que é preciso filosofar".
Ou seja, o riso não
deve apenas deixar de ser censurado, mas também é tão necessário quanto a
racionalidade.
É possível escrever
filosofia de forma humorística, buscando o riso do leitor? Do ponto de vista
epicurista, sim. Eu também procurei fazer isso no meu livro El Filósofo
Hispalense: Biografía Hiperbólica de San Isidoro de Sevilla ("O filósofo
sevilhense: biografia hiperbólica de Santo Isidoro de Sevilha", em
tradução livre).
Já Cícero (106 a.C.-43
a.C.), em Do Orador, afirma que o riso propicia a boa disposição da plateia.
Por um lado, ele
provoca a admiração sobre a perspicácia do orador, fazendo ver que ele é uma
pessoa culta, educada e experiente. E, por outro, as brincadeiras e o riso
desfazem situações desagradáveis ou de difícil resolução com argumentos.
Mas, se existe um
defensor do riso na filosofia antiga, este é Sêneca (cerca de 4 a.C.-65 d.C.).
Em Cartas a Lucílio
(Ed. Fund. Calouste Gulbenkian, 2014), ele defende que é forte e capaz de
triunfar perante a dor aquele que "não deixou de rir, mesmo quando seus
algozes, irritados por este fato, lançaram contra ele todos os recursos da sua
crueldade".
Por isso, o riso é tão
eficaz quanto a razão para superar a dor. "Não será vencida pela razão a
dor derrotada pelo riso?", pergunta-se ele.
Em Da Tranquilidade da
Alma (Ed. L&PM, 2009), Sêneca recomenda seguir o exemplo de Demócrito
(cerca de 460 a.C.-370 a.C.) e não o de Heráclito (cerca de 500 a.C.-450 a.C.).
Este último era conhecido por chorar, mas o primeiro, por rir – pela sua atitude
risonha no fazer e no pensar.
Para Sêneca, é mais
humano rir da vida do que se lamentar – e merecem mais gratidão aqueles que
riem da vida do que os que choram por ela.
• Existem outros animais capazes de rir?
Nas últimas décadas,
foram realizadas pesquisas para demonstrar que o riso não é exclusivamente
humano, mas também próprio de outros animais. Mas, até o momento, só foram
evidenciados comportamentos semelhantes ao riso humano, sem que se possa
afirmar com certeza que eles têm a mesma natureza e implicações.
O riso pode ou não ser
a capacidade característica e exclusiva que define a nossa espécie. De qualquer
forma, a história da filosofia demonstra que o riso nos torna humanos. Humanos
até demais.
Fonte: Por Nolo Ruiz,
para The Conversation
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