Seca
excepcional se espalha pelo Brasil
Localizado
na fronteira com o Peru, o município de Jordão, no estado do Acre, sofreu com
inundações históricas em fevereiro e março deste ano. Em maio, no entanto, o
cenário mudou radicalmente, com o início de uma forte estiagem. Os rios, a
principal forma de acesso ao município, começaram a secar, dificultando a
chegada de itens básicos, como gás de cozinha. "Os moradores estão
cozinhando com carvão”, contou a coordenadora da Defesa Civil municipal Maria
José Feitosa Araújo. "Nunca tinha visto uma situação tão precária.”
Jordão,
que tem 9,2 mil habitantes, está entre os municípios brasileiros que possuem
parte do território classificado como afetado por seca excepcional, a categoria
mais crítica segundo análise do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden). Dados obtidos com exclusividade pela DW Brasil
revelam que, em setembro, essas áreas somavam 125,3 mil km² – uma extensão
maior que o estado de Pernambuco.
É
algo inédito, pelo menos desde 2003, quando teve início a série histórica para
esses dados. "A classe extrema já não era tão comum. A excepcional, muito
menos. São eventos que quase não são vistos. Em 2020, haviam pouquíssimos
pontinhos no mapa próximo ao Pantanal, mas quase desprezíveis. De uma forma
extensiva, em que é possível visualizar em um mapa, a seca excepcional nunca
tinha aparecido como neste ano", explicou a especialista em secas do
Cemaden, Ana Paula Cunha.
A
classificação do Cemaden é dividida em cinco categorias: fraca, moderada,
severa, extrema e excepcional. Para definir a condição de uma área, são
analisados dados obtidos principalmente por sensores de satélite, que
consideram o déficit de chuvas, a umidade do solo e a secura da vegetação. Na
seca excepcional, essas variáveis atingem os níveis mais críticos.
Até
hoje nenhum município foi classificado na categoria seca excepcional em toda
sua extensão. Porque mesmo que ele possua parte do território no nível mais
crítico, como no caso de Jordão, a média das áreas suaviza a classificação.
Os
dados sobre a seca excepcional são mais um capítulo da dimensão da seca que
assola o Brasil. No mês passado, o Cemaden já havia divulgado que o país vive a
seca mais extensiva, a mais intensiva e a mais duradoura desde 1950.
• Água
escassa
Em
Jordão, um dos principais problemas enfrentados é a falta de mercadorias, como
gás de cozinha e combustível, por exemplo. Para chegar até o município, a
partir da cidade vizinha Tarauacá, os pequenos barcos podem transportar apenas
450 kg, em uma viagem que pode levar 22 dias. A outra opção é avião, mas o
custo do transporte encarece muito os produtos.
Ainda
não falta água, mas ela está escassa. De acordo com a coordenadora da Defesa
Civil de Jordão, os moradores preferem beber a água retirada de um poço
artesiano, por considerá-la mais limpa que a disponibilizada pelo Departamento
Estadual de Água e Saneamento do Acre (Depasa). "A seca está fazendo com
que falte água no poço. Algumas pessoas vão buscar, mas não encontram. Então
têm que esperar até o dia seguinte, às vezes até dois dias."
Em
agosto, o governo federal reconheceu a situação de calamidade do município. O
problema, segundo Araújo, é que os recursos ainda não chegaram. Além disso,
Jordão solicitou R$ 2,8 milhões, mas serão disponibilizados R$ 342 mil. Em vez
das 2,3 mil cestas básicas pedidas, o município receberá 442. "Isso
considerando que 45% da população é de indígenas, que já perderam os alimentos
da agricultura de subsistência na inundação."
Quando
conversou com a DW, na última sexta-feira (04/10), Araújo estava aliviada.
Começou a chover no município. Mas disse que ainda é cedo para saber o quanto a
situação irá melhorar.
• "Tempestade
perfeita"
A
seca que atinge o Brasil é fruto de uma série de fatores, ou de uma
"tempestade perfeita", como descreveu Ana Paula Cunha, do Cemaden.
Como pano de fundo, o aquecimento global provocado pelos seres humanos gera as
mudanças climáticas, que intensificam os eventos extremos, como excesso ou
falta de chuvas.
Além
disso, no segundo semestre do ano passado teve início o El Niño, o aquecimento
de uma faixa do Oceano Pacífico que gera chuvas no sul do Brasil – como ocorreu
nas inundações que castigaram o Rio Grande do Sul – e secas na maior parte do
país. Mas, aliado a isso, ocorreu outro fenômeno que gera escassez hídrica: o
aquecimento na superfície do Atlântico Tropical Norte.
No
momento em que o El Niño acabou, em junho, o aquecimento do Atlântico Tropical
Norte aumentou, explicou a especialista do Cemaden. "Podemos dizer que, no
ano passado e início desse ano, a seca foi provocada pelo somatório dos dois
fenômenos. E agora, a manutenção da seca é por conta do Atlântico Tropical
Norte mais aquecido."
Para
piorar a situação, a La Niña, que costuma gerar chuvas do Centro ao Norte do
Brasil, prevista para iniciar em setembro, ainda não se confirmou. E tudo leva
a crer que será um fenômeno mais fraco do que o esperado.
Também
há fatores locais que explicam a seca, como o desmatamento da Amazônia.
"Quando você muda a estrutura da vegetação, você interfere no ciclo
hidrológico da região. No caso da Amazônia, ela também influencia outras
regiões", disse Cunha. Por meio dos chamados rios voadores, o bioma envia
água para regiões como Sul, Centro-Oeste e Sudeste.
• A seca,
o fogo e as terras indígenas
A
Terra Indígena Apiaká-Kayabi fica em Juara (MT), cidade que também apresentou
parte do território classificado como seca excepcional. Com a vegetação
desidratada, pequenos focos de incêndio cresceram muito. "Foram dois meses
de fogo, apagando quatro focos de incêndio. Em alguns momentos, era tanta
fumaça que não dava para enxergar nada", contou o indígena Joelison França
Poias.
Poias
é chefe da brigada da Terra Indígena Apiaká-Kayabi. Em junho, 24 moradores
passaram por uma formação para combater incêndios, cujos ensinamentos tiveram
que ser colocados em prática logo depois. "Nunca tinha trabalhado com
fogo. Foi difícil entendê-lo", analisou. A origem dos focos de incêndios
mostra como a forte seca influencia a propagação das queimadas.
"Em
um dos focos, uma árvore caiu em cima dos fios de energia, que atingiu a
vegetação seca e iniciou o fogo. No outro, o fogo da queima de lixo pulou para
a área seca e se alastrou. Em outro caso, uma criança colocou fogo em uma área,
os pais não viram, e também se alastrou", contou. A origem do quarto foco
é desconhecido, porque entrou na terra indígena por meio de uma fazenda
vizinha.
Além
da brigada da terra indígena, eles pediram ajuda à Brigada de Alter do Chão, de
Santarém (PA), que os auxiliou a apagar os incêndios. O Grupo de Resposta a
Animais em Desastres (Grad) também foi chamado, já que os indígenas viram
muitos animais mortos, como pacas, antas e cotias.
Os
dados do Cemaden mostram que, em setembro, 52 terras indígenas foram
classificadas com condição de seca extrema e 142, com seca severa – números
maiores que os de agosto. A maior parte delas localizadas nas regiões Norte e
Centro-Oeste.
Em
relação ao país inteiro, setembro teve aumento de 12% no número de municípios
com seca extrema em relação a agosto, totalizando 263 municípios. A previsão é
de que o número aumente ainda mais em outubro, chegando a 293 municípios.
Uma
melhora geral na situação da seca pode acontecer na virada do ano, época de
chuvas na maior parte do país. Isso vai depender, em parte, da força do La
Nina. "Se não acontecer, vamos entrar num abismo com impactos bem
profundos", alertou a especialista Ana Paula Cunha, do Cemaden.
• Famílias
se organizam para reconstruir assentamento do MST alvo de incêndio proposital
no Vale do Paraíba
“A
gente está se reconstruindo mesmo. E contando com alguns apoios, fazendo
contato com pessoas da cidade”, conta o agricultor André Santiago que viu, na
última quarta-feira (2), 128 hectares do Assentamento Egídio Brunetto, onde
vive, pegar fogo.
O
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denuncia que o incêndio na
comunidade, localizada na cidade de Lagoinha (SP), no Vale do Paraíba, foi
proposital. “Criminoso: teve sinal de fogo dos dois lados da rua. As pessoas
viram uma moto do lado dos focos, mas não deu para ver o rosto da pessoa”,
afirma Santiago.
Recentemente,
houve outra tentativa de incêndio no assentamento, que não foi bem-sucedida.
André viu de sua casa. “Escutamos um barulho de moto chegando, acendeu e
começou o fogo logo depois. Já estava escuro, então foi fácil de ver. Mas pegou
em uma área que não teve risco”, relata.
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O fogo
Eram
11h da última quarta-feira (2) quando as famílias perceberam o foco de incêndio
na beira da estrada. Com a seca e o vento, não demorou para que a chama
alcançasse três metros de altura e se alastrasse até o meio da noite.
Oito
lotes foram inteiramente destruídos, incluindo duas casas com todos os objetos
pessoais, plantações, caixas de abelha, caixa d’água, mangueiras e placa solar.
O fogo atingiu, ainda, porções de Área de Proteção Ambiental (APP) e de
reflorestamento, desenvolvido há anos pelas cerca de 55 famílias que ali vivem.
“Os
prejuízos só não foram maiores devido à rápida ação dos companheiros do
território” e à “imediata resposta da Defesa Civil da cidade de Lagoinha, com
bombas d’água”, informa o MST em nota. Os bombeiros, que ficam a cerca de 60 km
de distância, nas cidades de Guaratinguetá (SP) e Taubaté (SP), não chegaram.
O
Brasil de Fato questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo se há
investigação sobre o episódio, mas não teve resposta até o fechamento desta
matéria. O espaço segue aberto.
“Já
sofremos incêndios criminosos várias vezes, por isso temos uma brigada dentro
do assentamento. Eu mesma, em anos anteriores, já vi gente descendo de
caminhonete para atear fogo. Mas nunca é feito nenhum tipo de investigação”,
critica a assentada Rafaela Souza.
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As disputas pela terra
Foi
em 17 de abril de 2018, quando o movimento fazia sua jornada de lutas em
memória ao Massacre de Eldorado do Carajás (que naquele momento completava 22
anos), que veio a conquista da terra onde hoje está o Assentamento Egídio
Brunetto.
A
posse dos 1.650 hectares do que antes era a Fazenda Bela Vista, de Egerio Paulo
Diniz, veio depois de oito anos de ocupação. Em 2012, a área foi decretada para
fins de reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra) e, em 2014, foi arrecadada.
No
mesmo ano, no entanto, por conta de uma vitória judicial do antigo proprietário
da fazenda, sob o argumento de que o Incra não tinha a licença emitida pela
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), as famílias foram expulsas
do terreno.
Em
novembro de 2015, resistindo à decisão que protegia um latifúndio que, segundo
o MST, não cumpria sua função social, as famílias montaram um acampamento na
estrada, em frente à área. Assim permaneceram por dois anos, até que, em 2017,
ocuparam de novo a fazenda e deram início à produção agroecológica de
alimentos.
No
ano seguinte, a área foi desapropriada pelo Incra. Atualmente, a regularização
da comunidade como assentamento de reforma agrária está na etapa do edital de
seleção das famílias.
Fonte:
DW Brasil/Brasil de Fato
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