Cemig e
pecuaristas entram na nova ‘lista suja’ do trabalho escravo
UMA
DAS MAIORES DISTRIBUIDORAS e comercializadoras de energia elétrica no país, a
Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) passou a integrar o cadastro de
empregadores responsabilizados por mão de obra análoga à de escravo, conhecido
como “lista suja”.
O
cadastro foi atualizado nesta segunda-feira (7) pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) junto com outros 175 novos nomes de pessoas físicas e jurídicas
responsabilizadas por auditores do governo federal, incluindo o do cantor
sertanejo Leonardo. Atualmente, a “lista suja” tem ao todo 727 nomes (veja
todos aqui).
As
atividades econômicas com maior número de novos empregadores incluídos foram:
produção de carvão vegetal (22), serviços domésticos (20), criação de bovinos
(17), extração de minerais (14), cultivo de café (11) e construção civil (11).
Criada
em novembro de 2003, a “lista suja” é atualizada semestralmente pelo governo
federal. Os nomes dos empregadores são incluídos após os autuados exercerem o
direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa e lá permanecem
por dois anos.
O
cadastro é considerado pelas Nações Unidas um dos mais relevantes instrumentos
de combate ao trabalho escravo no mundo por garantir transparência.
O
caso envolvendo a Cemig aconteceu em 2013, quando 179 empregados foram
submetidos a condições análogas às de escravos em Belo Horizonte (MG). Os
trabalhadores foram contratados por uma empresa terceirizada, a CET Engenharia
Ltda, para realizar reparos e a construção da rede elétrica da companhia.
De
acordo com o relatório de fiscalização, os 179 trabalhadores foram submetidos a
jornadas exaustivas e sistemáticas. Era comum trabalharem por mais de 12 horas,
com intervalo para almoço e descanso abaixo do permitido pela legislação
brasileira. Além disso, segundo os fiscais, era comum os trabalhadores não
terem nenhum dia de descanso semanal e, quando a carga de trabalho excedia os
limites legais, era comum o pagamento de valores “por fora”.
A
Cemig também foi autuada por não oferecer treinamento aos funcionários, que
lidavam diariamente com instalações elétricas. Além de envolverem riscos de
acidentes devido à eletricidade, a manutenção da rede é feita a mais de 2
metros do solo, o que poderia resultar em quedas.
A
fiscalização também verificou que os trabalhadores não tinham água potável,
banheiros ou lugar para comer. “O almoço, geralmente, é feito dentro da cabine
do caminhão”, afirmou na época um dos supervisores da empresa terceirizada. Os
trabalhadores informaram que não havia local para esquentar e armazenar os seus
alimentos, que acabavam ficando azedos.
Dentre
os 179 trabalhadores, 82 eram migrantes e estavam alojados em condições
degradantes. As sete casas usadas como alojamentos estavam em estado precário
de higiene e limpeza. Havia locais que não eram limpos há mais de um mês, não
tinham sanitários desinfetados, nem os lixos eram retirados.
A
denúncia da situação chegou ao Ministério do Trabalho Emprego por meio do
Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas
Gerais (Sindieletro-MG). Em fevereiro daquele ano, um dos trabalhadores
suicidou-se em seu alojamento devido às dificuldades de trabalho e à
dificuldade de viajar para casa por conta da jornada, segundo apuração da
Repórter Brasil na época. A Cemig confirmou a ocorrência do suicídio, mas negou
relação com as condições de trabalho.
Um
auditor fiscal do trabalho afirmou à reportagem, em 2014, que a Cemig havia
dificultado o resgate dos trabalhadores e se negado a pagar as verbas
rescisórias devidas.
Em
2009, quatro anos antes da autuação que levou a inclusão da Cemig na “lista
suja”, a empresa terceirizada CET Engenharia já tinha assinado um termo de
ajustamento de conduta com o Ministério Público do Trabalho se comprometendo a
corrigir problemas e a cumprir a legislação trabalhista. A empresa segue em
funcionamento.
Procurada
novamente, a Cemig afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “recebeu
com surpresa e indignação” a informação
da inclusão da companhia na “lista suja”. A empresa informou que não possui
mais contrato com a CET Engenharia e destacou que “não há condenação que
permita a sua inclusão no cadastro e informa que tomará todas as medidas
judiciais cabíveis”. Confira o posicionamento completo.
A
Repórter Brasil entrou em contato com os advogados da CET Engenharia, mas não
obteve resposta até o momento.
A
inclusão na “lista suja” ocorre no momento em que a Cemig está no centro de uma
disputa política em Minas Gerais. Desde o início de seu primeiro mandato, o
governador Romeu Zema (Novo) defende a privatização da companhia, mas enfrenta
forte oposição, tanto na Assembleia Legislativa quanto por parte dos
trabalhadores.
Em
maio de 2024, sindicatos de trabalhadores organizaram um plebiscito popular,
realizado de forma online e presencial, com urnas distribuídas em mais de 120
municípios mineiros. O resultado mostrou que 95% dos 300 mil votantes eram
contra a venda da empresa. Esses dados foram entregues ao presidente da Assembleia Legislativa, ao
presidente do Tribunal de Contas do Estado e ao próprio governador Zema.
Uma
alternativa que chegou a ser considerada foi a federalização da Cemig, como
meio de resolver a dívida bilionária de Minas Gerais com a União. No entanto, a
proposta perdeu fôlego após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT),
sugerir atrelar a redução da dívida a investimentos em educação.
Com
um valor de mercado de R$ 32,5 bilhões em maio de 2024, a Cemig tem 93% de sua
matriz energética baseada em fontes renováveis e emprega 4.918 funcionários. O
estado de Minas Gerais detém 50,97% das ações ordinárias da empresa, o que
representa 17,04% do total de ações, garantindo, assim, o controle acionário da
companhia.
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Criação de gado
Com
17 novos nomes, a criação de gado de corte é uma das atividades com mais
empregadores na “lista suja” do trabalho escravo. Um deles é Virgílio
Mettifogo.
Em
novembro de 2023, sete trabalhadores indígenas foram resgatados durante a
colheita de milho na Fazenda Marreta, em Dourados (MS), entre eles havia uma
criança de 11 anos e um adolescente de 17.
O
grupo resgatado estava alojado em um galpão sem janelas, onde dormiam e
cozinhavam, segundo a fiscalização. Não havia camas, nem colchões, substituídas
por tábuas, papelão ou palha. Para se proteger do frio, os indígenas usavam
sacos de embalagens de produtos da fazenda e algumas cobertas. Não havia
banheiros, e o grupo fazia suas necessidades no mato.
Entre
os resgatados estavam um jovem de 17 anos e uma uma criança de 11 anos – as
atividades que desempenhavam, em lavoura de milho, se enquadra na Lista de
Piores Formas de Trabalho Infantil publicada pelo governo brasileiro.
Mettifogo
afirmou à época à Repórter Brasil que os trabalhadores não quiseram ir para o
alojamento que havia sido disponibilizado inicialmente, que, segundo ele, era
uma boa casa. “Preferiram ir para outro lugar para ficarem sozinhos entre eles.
Eles falam outra língua”, disse. Sobre a presença do menino de 11 anos, disse
que não havia sido avisado sobre a idade. “Eu nem sabia que tinha esse menino
lá. Você olhava e ele era maior do que os outros”, explicou.
A
reportagem o procurou novamente por mensagem e telefone, mas ele e seu advogado
não deram retorno.
Na
ocasião, a Repórter Brasil revelou também que Virgílio Mettifogo havia firmado
um contrato de seguro agrícola com a multinacional espanhola Mapfre para
proteger o plantio da fazenda contra perdas provocadas por condições climáticas
adversas.
Este
ano, Mettifogo contratou o seguro agrícola de outra multinacional – a alemã
Allianz – para o plantio de milho na Fazenda Marreta. De acordo com informações
do Ministério da Agricultura, que subsidia uma parte do valor da apólice, o
contrato foi assinado em fevereiro e segue válido até o fim do ano.
A
Allianz informou que o contrato foi firmado antes da inclusão de Mettifogo na
“lista suja” do trabalho escravo. Disse ainda que “medidas cabíveis foram
adotadas”, sem, no entanto, especificá-las.
O
Ministério da Agricultura afirmou que não tinha conhecimento sobre as situações
relatadas pela reportagem. “Será solicitada uma manifestação formal da
seguradora responsável e, caso sejam comprovadas irregularidades, a operação
será cancelada e o valor correspondente à subvenção federal será restituído”.
Virgílio
Mettifogo é um dos fazendeiros réus que aguardam julgamento pelo que ficou
conhecido como o Massacre de Caarapó. Na ocasião, um indígena foi morto e
outros seis ficaram feridos em 2016 durante um ataque de fazendeiros com o
objetivo de retirar 40 indígenas Guarani-Kaiowá de uma propriedade ocupada.
Outro
pecuarista incluído na lista é Antônio Silvério dos Reis, conhecido como
“Antônio Rural”. Além de ter sido autuado por trabalho escravo, ele é apontado
também por invadir terras indígenas.
Em
outubro de 2023, Reis foi autuado por manter um trabalhador em regime análogo à
escravidão na fazenda Carga Pesada, dentro da Terra Indígena (TI) Apyterewa,
São Félix do Xingu (PA). A TI foi objeto de uma operação de expulsão de
invasores pelo governo federal no ano passado.
O
único trabalhador resgatado afirmou aos fiscais que toda a água disponível para
ele, a de um córrego próximo, era dividida com os bois da propriedade.
Segundo
uma reportagem da Agência Pública, Reis já foi preso suspeito de envolvimento
no assassinato do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais (STTR) de Rio Maria, no Pará, Carlos Cabral. Ele foi morto em junho de
2023. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Reis.
Outro
autuado é o ex-vereador de São José do Vale do Rio Preto, município na região
serrana do Rio de Janeiro, Ivo da Gama Pires. A operação no Sítio São José
resgatou um trabalhador e gerou dez autuações ao proprietário.
O
empregado resgatado disse aos fiscais que limpava o curral dos bois e fazia
roçagem pela propriedade. Segundo o relatório da fiscalização, conduzida em
2023, o filho de Pires disse aos fiscais que considerava o empregado como “da
família”. Os fiscais escreveram que a vítima trabalhava “diariamente sem nada
receber como salário e outros direitos trabalhistas” e morava “em condições
indignas”.
A
Repórter Brasil também não conseguiu contato com os advogados de Gama Pires. O
espaço segue aberto para manifestações.
• Entenda
o que é a 'lista suja' do trabalho escravo que incluiu o cantor Leonardo
A
última atualização da "lista suja" do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) surpreendeu ao incluir o cantor Leonardo entre os empregadores
que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão.
Emival
Eterno da Costa, nome verdadeiro do artista, aparece na página 17 do documento,
que contém outros 726 nomes.
Leonardo
foi citado após uma fiscalização em novembro de 2023 na fazenda Talismã, em
Jussara (GO). Na ocasião, seis pessoas, incluindo um adolescente de 17 anos,
foram encontradas em condições degradantes, caracterizando escravidão
contemporânea.
A
assessora do cantor informou ao g1 que o caso foi julgado e se refere a uma
parte da fazenda arrendada para outra pessoa, responsável pelo plantio de soja.
Ela afirmou ainda que Leonardo desconhecia as práticas de trabalho escravo.
• ➡️ Mas, afinal, o que é a "lista
suja" e qual é a sua finalidade?
A
"lista suja" é um documento público divulgado semestralmente pelo
Ministério do Trabalho, em abril e outubro, com o objetivo de dar visibilidade
aos resultados das fiscalizações do governo de combate ao trabalho escravo.
Os
nomes dos empregadores só são adicionados ao cadastro após a conclusão do
processo administrativo que julgou o caso, com uma decisão sem possibilidade de
recurso. (entenda mais abaixo)
Criada
em 2004, a “lista suja” enfrentou impasses nos governos de Michel Temer (MDB) e
Jair Bolsonaro (PL), e sua divulgação chegou a ser suspensa de 2014 a 2016. Só
foi retomada quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a
constitucionalidade do documento.
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Como alguém vai parar na 'lista suja"?
1. Auditores-fiscais
do trabalho do MTE realizam constantemente ações fiscais de combate ao trabalho
análogo à escravidão, que podem contar com a participação de integrantes da
Defensoria Pública da União, dos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, da
Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, entre outras forças policiais.
2. Quando,
durante essas ações, são encontrados trabalhadores em condição análoga à
escravidão, um auto de infração é lavrado.
3. Cada
auto de infração gera um processo administrativo, no qual as irregularidades
são apuradas e os empregadores têm direito à ampla defesa em duas instâncias.
4. Pessoas
físicas ou jurídicas só são incluídas na “lista suja” quando o processo
administrativo que julgou o auto específico de trabalho análogo à escravidão é
concluído, com decisão sem possibilidade de recurso.
⚠️ Denúncias sobre trabalho análogo à escravidão podem ser feitas
pelo Sistema Ipê.
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É possível remover o nome da "lista suja"?
No
geral, cada nome permanece na lista por um período de dois anos, mas uma
portaria publicada em julho estabeleceu novas regras que permitem que os
empregadores sejam retirados do cadastro antes desse prazo, ou até mesmo evitem
entrar.
Isso
é possível se firmarem um termo de ajustamento de conduta, se comprometendo a
indenizar as vítimas no valor de 20 salários mínimos, no mínimo, e a investir
em programas de assistência a trabalhadores resgatados.
Nesse
caso, os empregadores passam a integrar outra lista, o Cadastro de Empregadores
em Ajustamento de Conduta, mas podem voltar à "lista suja" se
descumprirem os compromissos ou submeterem novamente funcionários a condições
análogas à escravidão.
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Lista de 2024
Na
última atualização, foram adicionadas na "lista suja" 176 novas
pessoas físicas (patrões) e jurídicas (empresas), sendo 20 deles por práticas
de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico.
A
atualização também promoveu a exclusão de 85 empregadores que completaram os
dois anos de inclusão no cadastro. Em abril, foram adicionados 248 novos
empregadores – a maior já realizada na história.
As
atividades com maior número de inclusões estão a produção de carvão vegetal (22
empregadores), sendo 12 de florestas plantadas e 10 de florestas nativas, a
criação de bovinos (17), a extração de minerais (14) e o cultivo de café e a
construção civil, com 11 empregadores cada.
Fonte:
Reporter Brasil/g1
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