quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Israel tem capacidade de manter tantas frentes de guerra ao mesmo tempo no Oriente Médio?

Hamas na Faixa de Gaza, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen, as milícias xiitas no Iraque e na Síria e o Irã.

A lista de frentes em que Israel está envolvido em conflitos é extensa.

Só na última semana, as Forças de Defesa de Israel (IDF) lançaram uma invasão terrestre no Líbano, ao mesmo tempo em que bombardeavam várias posições no Iêmen e seguiam com a ofensiva em Gaza.

Em resposta, o Irã — aliado e principal patrocinador do Hamas, do Hezbollah, dos Houthis e de outras milícias xiitas — atacou as cidades de Jerusalém e Tel Aviv com mísseis, pelos quais o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu jurou vingança.

"O Irã pagará um preço elevado", alertou ele.

Desde 7 de outubro de 2023 — quando o Hamas lançou um ataque sem precedentes ao território israelense que deixou 1,2 mil mortos — Netanyahu insiste no objetivo de criar uma "nova ordem" no Oriente Médio e promove uma ofensiva com consequências devastadoras: mais de 41 mil pessoas morreram em Gaza, enquanto no Líbano o número já ultrapassa os 2 mil, segundo as autoridades desses locais.

Todos esses fatos criam um dos "momentos mais perigosos" da história recente no Oriente Médio, de acordo com o correspondente de segurança da BBC, Frank Gardner.

Mas há uma grande incógnita colocada diante dos conflitos: até que ponto é viável para Israel manter tantas frentes de guerra ao mesmo tempo? O país realmente tem capacidade militar para fazer isso?

"Os últimos ataques mostraram do que os serviços de inteligência e as forças militares israelenses são capazes. Mas há limitações e, quanto mais frentes abertas, mais difícil será cada operação", avalia Shaan Shaikh, especialista em defesa antimísseis e membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês).

·        Qual é a capacidade militar de Israel?

A força militar israelense é conhecida em todo o mundo pela alta tecnologia e sofisticação. No entanto, é importante analisar a verdadeira capacidade bélica do país.

Segundo informações do Banco Mundial — baseadas nos balanços do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês) — desde 2019 Israel alocou mais de 20 bilhões de dólares por ano para gastos militares.

Isto representa quase o triplo dos cerca de 7 bilhões de dólares que o Irã investiu em 2022 (segundo o último registo do Banco Mundial) para o mesmo fim.

Os gastos de Israel com defesa, em comparação com o produto interno bruto (PIB), uma medida da produção econômica do país, são o dobro do Irã.

Uma das vantagens militares mais importantes de Israel é a sua Força Aérea. — Foto: Getty Images via BBC

Ainda de acordo com as informações mais recentes do Banco Mundial, Israel aplica 4,5% do PIB em defesa, enquanto o Irã destina 2,6%. Outros países, como o Líbano ou a Síria, gastam 3,4% e 4,1%, respectivamente.

Os números do IISS também mostram que Israel tem 340 aeronaves militares prontas para o combate, o que, segundo Eitan Shamir, diretor do Centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos da Universidade Bar Ilan de Israel, confere ao país uma vantagem muito importante em ataques aéreos de precisão.

"Israel pode bombardear quase qualquer ponto do Oriente Médio graças à sua Força Aérea", disse ele à BBC Mundo.

Entre as aeronaves que Israel possui estão os F-15 com alcance de ataque de longa distância, os F-35 (aeronaves "furtivas" de alta tecnologia que podem escapar de radares) e helicópteros de ataque rápido.

Além disso, as IDF possuem uma ampla gama de veículos blindados, tanques, artilharia, navios de guerra e drones.

"Acredito que as IDF são uma das forças militares mais modernas e equipadas que existem e tem uma vasta experiência em batalhas, especialmente depois da luta contra o Hamas em Gaza", destaca Shamir.

São também relevantes neste contexto os serviços de inteligência, como a Mossad, que foi considerada responsável pelas explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano, em meados de setembro.

Além disso, o "domo de ferro" e a "Funda de David" são estruturas fundamentais para o sistema militar israelense. Falamos aqui de sofisticados mecanismos de defesa aérea com os quais o país tem sido capaz de repelir vários ataques de mísseis, como o último lançado pelo Irã no início de outubro.

Esses sistemas são capazes de interceptar e destruir foguetes destinados a uma área urbana ou a uma localização estratégica.

·        Força terrestre

Segundo especialistas consultados para esta reportagem, todo esse aparato posiciona Israel como uma força mais poderosa quando comparada com milícias como o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis no Iêmen.

"Os israelenses são mais capazes do que qualquer uma dessas forças", compara Shaan Shaikh, do CSIS.

No entanto, o especialista acrescenta que o problema "é quando Israel precisa combater o Irã e, ao mesmo tempo, lidar com outros inimigos na região".

"Isso é muito difícil. E uma das coisas que pode falhar é justamente o famoso 'domo de ferro', porque será impossível para eles se defenderem de muitos mísseis lançados juntos ao mesmo tempo."

"Isso ocorre porque alguns sensores só podem ser direcionados a determinadas direções. Se você tiver um sensor voltado para o norte, em direção ao Líbano, ele pode não ser capaz de ser usado para focar no leste, em direção ao Irã, ou para o sul, em direção ao Iêmen", detalha ele.

O 'domo de ferro' é um sistema de defesa capaz de interceptar e destruir foguetes lançados contra Israel. — Foto: Getty Images via BBC

Outra dificuldade que Israel poderá enfrentar na manutenção de conflitos em diferentes áreas do Oriente Médio tem a ver com as forças terrestres, explica Shamir.

Segundo o IISS, Israel tem cerca de 178 mil soldados em serviço, além de cerca de 460 mil soldados da reserva —vale lembrar que o serviço militar é obrigatório no país para maiores de 18 anos, com algumas exceções.

No entanto, o Irã tem mais de 600 mil soldados em serviço e mais de 300 mil na reserva. Se somarmos os combatentes de algumas milícias —acredita-se, por exemplo, que o Hezbollah tenha entre 50 mil e 100 mil homens, e o Hamas entre 20 mil e 30 mil — a desvantagem de Israel torna-se evidente.

A grande proporção de reservistas no exército israelense também é um problema, aponta Shamir.

"Quase 70% dos militares israelenses são reservistas e não soldados profissionais. Então, depois de um tempo, você terá que mandá-los para casa porque eles são necessários nos empregos, para administrar a economia. Isso torna a conclusão de certas missões mais demorada e complexa", pontua ele.

·        Respaldo dos Estados Unidos

Outro ponto fundamental na análise da capacidade militar israelense é o apoio que o país recebe dos Estados Unidos.

Quase 70% das importações de armas israelenses vêm do país norte-americano, de acordo com o último relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri).

Segundo a organização, no final de 2023, os EUA entregaram milhares de bombas a Israel.

Antes da guerra, os Estados Unidos forneciam anualmente 3,3 bilhões de dólares em financiamento militar, além de mais 500 milhões de dólares em financiamento de defesa antimísseis, segundo o Departamento de Estado americano.

Em 2022, os EUA acrescentaram mais 1 bilhão de dólares em fundos adicionais para reabastecer o estoque de mísseis interceptadores para o "domo de ferro".

"Os israelenses dependem fortemente do apoio dos EUA. De lá vêm aviões, munições e diversos componentes tecnológicos", explica Shamir.

Dessa forma, os especialistas asseguram que o apoio americano é crucial para Israel continuar a ofensiva em múltiplas frentes.

"Além disso, há o guarda-chuva diplomático: sem o veto dos Estados Unidos poderia haver um cenário problemático, em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas diria que Israel tem de parar a ofensiva; caso contrário, imporia sanções internacionais", acrescenta Shamir.

Para Shaikh, o país liderado por Joe Biden deu sinais recentes de que continuará a apoiar a ofensiva israelense no Oriente Médio.

"A administração Biden disse repetidamente que quer um cessar-fogo em Gaza, mas o que realmente fez para atingir esse objetivo foi mínimo", observa ele.

"O presidente não está disposto a cessar o envio de armas e recursos financeiros aos israelenses. Portanto, se o conflito continuar, penso que os Estados Unidos seguirão apoiando Israel em grande medida", antevê ele.

Existem outros países que também são importantes para Israel.

A Alemanha, por exemplo, é a segunda nação que mais vende armas a Israel, com 30% do total, segundo dados do Sipri.

Em novembro do ano passado, as exportações de armas alemãs ao país totalizaram 326 milhões de dólares, o equivalente a 10 vezes os valores registados em 2022.

A Itália ocupa o terceiro lugar deste ranking, com 0,9% do total, de acordo com o Sipri.

Outros fornecedores de armas para Israel incluem a França, o Reino Unido, os Países Baixos, o Canadá e a Austrália.

·        Outras variáveis

Mas para além da quantidade de munições, aviões, tanques e soldados que Israel possui, os especialistas dizem que outros fatores também devem ser levados em conta nesta análise

"Israel é mais forte que os inimigos do pa[is e sabemos que pode aguentar durante muito tempo. Mas há aspectos que não têm apenas a ver com o poder de fogo, mas também por quanto tempo se consegue suportar uma guerra. E isso é muito mais complicado", diz Shamir.

"O preço que Israel tem que pagar é muito elevado em termos econômicos, sociais e de reputação internacional", acrescenta ele.

Para o diretor do Centro de Estudos Estratégicos Begin-Sadat, apesar da "superioridade militar" de Israel, o país está em desvantagem no Oriente Médio em termos de dimensão.

"Trata-se de um país pequeno numa região muito grande, onde há muita gente", afirma ele.

"Então, não importa se você derrota seus inimigos em uma, duas ou dez batalhas. No final das contas, você não conseguirá vencê-los completamente devido às diferenças de tamanho", acrescenta o especialista.

O Irã, por exemplo, é um país muito maior. A população (atualmente em cerca de 89 milhões) é quase dez vezes maior que a de Israel (10 milhões).

O especialista em defesa antimísseis Shaan Shaikh classifica como preocupante o fato de Israel agir em múltiplas frentes e perseguir "objetivos maximalistas em toda a política externa".

"Parece que se trata de um derramamento de sangue desnecessário, que poderia ser evitado por meio da diplomacia e de um cessar-fogo em Gaza, o que permitiria pelo menos ao Hezbollah e ao Irã recuar e reivindicar algum tipo de vitória diplomática", diz ele.

Em todo o caso, os especialistas concordam que os protagonistas do conflito não querem uma "guerra total" na região porque "todos sabem que a destruição pode ser enorme".

 

¨      Oriente Médio: o que fazer depois? Por Riccardo Cristiano

Em 2003, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, depois de ter reduzido em poucos dias a pó o exército e os serviços de inteligência de Saddam Hussein, o implacável tirano iraquiano, declarou com muitas razões “missão cumprida”. Ele estava certo e tinha muitos motivos para fazer isso. Mas, depois da missão, não havia uma ideia do que fazer e os fatos tomaram um rumo completamente diferente, até a retirada estadunidense do Iraque e do Oriente Médio ainda não completa, mas irreversível. Antes disso, houve a conquista do Afeganistão, em 2001, cuja a retirada foi concluída em 2021, devolvendo o país aos Talibãs. Novamente, isso não ocorreu porque a operação contra o mulá Omar e a Al Qaeda não fosse oportuna: acabou assim porque não havia uma ideia clara do que fazer depois.

É indiscutível que a derrota do eixo de resistência pró-iraniano e dos próprios aiatolás seja uma necessidade. Mas é preciso ter uma ideia do que fazer e de quem são os sujeitos de quem falamos. Para se ter uma ideia disso, acho importante voltar no tempo, mas só um pouco.

Era 25 de agosto, o dia seguinte à famosa “resposta demonstrativa” do Hezbollah contra Israel. Naquele dia, por volta das 12h40, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo da revolução iraniana, escreveu no X: “Sou paz para quem é paz contigo e guerra para quem te combate até o Dia da Ressurreição”. A batalha entre a Frente Husseini e a Frente Yazid continua e não tem fim”. A Frente Husseini são os muçulmanos xiitas, a Frente Yazid são os sunitas. Obviamente, as palavras não devem ser interpretadas literalmente, embora a letra conte, mas devem ser entendidas em seu espírito: há os fiéis a Deus (Alá) e os subservientes ao poder, perseguidores dos deserdados. A luta entre eles não tem fim.

É evidente que escrever nessas horas, sem saber quais serão as reações israelenses ao ataque de mísseis balísticos do Irã contra Israel, é temerário. Não seria difícil reconstituir como se chegou a esse ponto, depois que o Irã tinha demonstrado que não queria dar a Israel a chance de atacá-lo. Mas isso nos levaria para outro lugar que não o tema que queremos apresentar aqui: como lidar com um problema, que é tal.

Portanto, vale a pena partir de algumas imagens dos últimos dias, que se explicam de forma simples, mas que, no entanto, devem preocupar: sunitas se exaltando pela eliminação de seu assassino, o líder do Hezbollah, Hasan Nasrallah. E os 492 civis que morreram com ele na explosão desaparecem. Depois, imagens de júbilo nos bairros xiitas, onde tudo se perdeu pelos bombardeios israelenses, vendo os mísseis balísticos que chegavam dos lados de Tel Aviv. Mas não são jogos de videogame. E, enquanto isso, essa guerra devora as suas páginas: basta pensar em Gaza ou no Líbano. Muitos estão pensando, com razão, nas possíveis consequências. Veremos.

Mas há alguma ideia do que fazer com o Oriente Médio, dos povos que o compõem, de seus refugiados, dos deslocados? São marés humanas, com países inteiros reduzidos à fome. Talvez, para além da guerra em curso, para formar uma ideia e uma orientação, devêssemos voltar ao que não se conseguiu entender de 2011 - seria oportuno.

Alguns argumentam que a ideologia khomeinista pode ser derrotada por meio do desenvolvimento e do diálogo entre as religiões, exatamente o que os líderes milicianos nunca quiseram fazer. Eles podem continuar assim, mas começaram a perder consensos quando os povos, depois de ouvi-los gritar contra seus líderes corruptos - e realmente o são -, perceberam que só conseguiram escombros para si e devastação para seus irmãos. 

No entanto, nas últimas horas, o Irã optou por um tom conciliatório com o mundo e um jornal ultraconservador definiu o novo presidente, Masoud Pezeshkian, como o “Gorbachev iraniano”. Isso é muito significativo. Assim como é significativo o fato de que, justamente agora, são eles que querem deixar claro que exultam pela ação dos mísseis.

Mas é oportuno escrever um artigo em horas tão dramáticas para o mundo apenas com base na descoberta desse texto que apareceu no X, porque revela o coração de uma heresia: fazer da violência uma ideologia, prometendo vingança independentemente dos resultados. Hoje, dor e raiva não faltam no Líbano, na Síria, no Iraque, no Iêmen e no Irã: são a única coisa que não escasseia. Como direcionar a dor para o próprio bem-estar e não para a vingança? Derrotar o eixo de resistência pró-iraniano foi a prioridade das petromonarquias do Golfo por anos, sem sucesso. Recentemente, parecem ter escolhido, com o devido cuidado, um caminho de redução do contencioso em troca de escolhas semelhantes que permitam o desenvolvimento. Era, ou talvez seja, uma perspectiva na qual se deve investir com sabedoria. A ideologia khomeinista é dura de morrer, mas a urgência do regime de negociar para reduzir o impacto das sanções dos EUA sobre o Irã mostra que todo regime pode, por algum motivo, ter de chegar ao seu Gorbachev. E mesmo em tal caso, o importante teria sido ter uma ideia sobre o que fazer - depois.

 

Fonte: BBC News/Settimana News

 

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