Carmem
Feijo: ‘Porque a indústria deve liderar o crescimento - reindustrializar é
preciso’
A
economia brasileira está estagnada há mais de quatro décadas, crescendo em
média abaixo da economia mundial. De 1981 a 2022, segundo os indicadores do
Banco Mundial (WDI), a economia brasileira cresceu 2,2% ao ano, e a economia
mundial 3,0% ao ano. Essa perda relativa de dinamismo está associada à perda de
importância da indústria manufatureira no PIB nacional, ou seja, está associada
ao processo de desindustrialização precoce e à especialização produtiva na
produção de bens de baixo valor adicionado e intensivos em recursos naturais.
No
contexto da transição climática, essa especialização expõe a economia a riscos
físicos, de perdas patrimoniais e de capacidades, devido aos efeitos de eventos
climáticos extremos. Nesse sentido, a característica atual da economia
brasileira, de ´celeiro do mundo´, implica, além de manter baixo ritmo de
crescimento, também elevada vulnerabilidade externa. A superação dessa situação
perversa depende, dentre outras iniciativas, de uma transformação produtiva
profunda.
Como
apontado pela literatura estruturalista e desenvolvimentista, o setor da
indústria de transformação é o com maior capacidade de alavancar o crescimento
dos demais setores da economia. Isso porque o setor industrial manufatureiro é
o que apresenta mais conexões diretas e indiretas na matriz produtiva e exibe
maiores economias de escala estáticas e dinâmicas, além de incorporar e
disseminar o progresso técnico mais rapidamente. Essas características permitem
que os ganhos de produtividade na indústria e nos serviços a ela associados se
espalhem por toda a economia, aumentando a produtividade agregada, e
consequentemente a capacidade da economia exibir taxas mais elevadas e
sustentáveis de crescimento a longo prazo. Um país que ainda não completou seu
processo de industrialização, internalizando a produção de progresso técnico
por meio da presença de setores e atividades tecnologicamente avançados, exibe
baixa produtividade agregada em comparação com países de fronteira e tende a
perder competitividade ao longo do tempo. O mesmo é observado no caso de um
país que recua prematuramente do processo de industrialização, como é o caso da
economia brasileira, que acentua sua desindustrialização nos anos 2000.
Mais
especificamente, a economia brasileira passou por uma transformação produtiva
acentuada a partir da década passada, quando o lento processo de
desindustrialização, observado desde meados dos anos 1980, reduz seu potencial
de alavancar o crescimento da economia. O Gráfico abaixo mostra a taxa de
crescimento da indústria de transformação e da agropecuária em relação à taxa
média de crescimento da economia desde 2000 (média 2000-2023). Observa-se que a
partir de 2010, a taxa de crescimento da indústria de transformação situa-se
sistematicamente abaixo da taxa média de 2000-2023 da economia. A taxa de
crescimento da agropecuária, por sua vez, a partir de 2013 apresenta momentos
em que cresce acima da média da economia (2013, 2017, 2023). Porém, como o setor
tem menos encadeamentos para frente e para trás, seu efeito sobre a taxa média
da economia é inferior ao da indústria manufatureira. Dito por outras palavras,
o setor de agropecuária não tem capacidade de sustentar taxas elevadas de
crescimento da economia para superar o longo período de estagnação relativa que
nos encontramos. A título de ilustração, no período 2000-2023, o crescimento
médio da agropecuária foi de 3,6 % ao ano, das indústrias extrativas de 3,5 %
ao ano, e da indústria de transformação de apenas 0,7% ao ano. O PIB no mesmo
período cresceu 2,3% ao ano.
Além
de limitado poder de alavancagem e sustenação do crescimento agregado, a
expansão do setor agropecuário, assim como do setor de indústrias extrativas,
apresenta desafios à preservação do meio ambiente. Vale mencionar que a
discussão sobre transição climática no cenário internacional dá ênfase,
acertadamente, na transição energética. O aquecimento global está em grande
medida associado à queima de energia de origem fóssil. Essa não é, contudo, a
realidade brasileira. Nossa matriz energética é considerada relativamente
limpa, e nossa principal contribuição ao aquecimento global se dá pelo
desmatamento e uso da terra. Ou seja, a expansão da fronteira de produção com
atividades de agropecuária e extrativistas é a maior ameaça à preservação
ambiental.
Nesse
sentido, a proposta de reindustrialização da economia brasileira, seguindo as
diretrizes do Plano de Transformação Ecológica e do programa da Nova Indústria
Brasil, além de definida com o compromisso de aumentar a eficiência energética
e o uso de recursos naturais não renováveis, se lograr recuperar o dinamismo da
economia brasileira, irá contribuir para uma expansão dos setores agropecuário
e extrativista mais comprometidos com a preservação ambiental.
Em
conclusão, combinar crescimento econômico e preservação ambiental, no caso da
economia brasileira, não é incompatível, desde que se observe a composição dos
setores que lideram o crescimento econômico. A reindustrialização da economia
brasileira, se bem-sucedida, deve contribuir para recuperar nossa capacidade de
crescer, gerar empregos de qualidade e zelar pela transição justa e inclusiva.
• “Financismo”:
necessário e (in)suficiente. Por
Fernando Nogueira da Costa
A
mente humana abomina complexidade quando não a compreende. É necessário
entender um sistema complexo como emergente de interações entre diversos
componentes, por exemplo, todos os agentes econômicos.
“Não
adianta abraçar o mundo com as pernas se suas mãos estão ocupadas”. Este
provérbio popular, no caso, sugere não tentar entender o complexo sistema
econômico-financeiro se sua mente está preocupada em denunciar a
“financeirização” do capitalismo!
A
crítica moralista-religiosa (ou ideológica) abomina o dito “financismo” por não
compreender sua complexidade. Não é tão difícil se não tiver só preconceitos.
Sugiro a quem desejar, partir de uma visão holista, isto é, do todo (holos em
grego).
Top-down
e bottom-up são dois modos de abordar problemas, projetos ou processos com a
intenção de obter um resultado desejado. “De cima para baixo” é uma abordagem
hierárquica iniciada de ideias gerais antes de chegar às mais específicas,
enquanto “de baixo para cima” parte dos detalhes até chegar à visão geral.
A
primeira ideia geral é todos os agentes econômicos participarem do sistema
financeiro, ou seja, não tem sentido lógico apresentar como antagônicos o
“setor produtivo” e o “setor financeiro”. Tem intelectual inconformado a ponto
de afirmar esse “conflito de interesses” – não à toa, juros é interest em
inglês e intérêt em francês – ter substituído a luta de classes entre os
trabalhadores e os capitalistas!
Para
facilitar o entendimento das interconexões entre esses clientes e/ou agentes do
sistema financeiro, é conveniente agrupá-los em cinco setores institucionais:
famílias, empresas não-financeiras, governos, bancos e resto mundo. Cada qual
tem suas finanças particulares, as quais se interrelacionam.
As
interrelações entre finanças pessoais, corporativas, públicas, bancárias e
internacionais devem ser entendidas do modo como configuram um sistema complexo
de fluxos e estoques financeiros interativos de maneira dinâmica. Essas áreas
financeiras, embora distintas à primeira vista, estão profundamente
interligadas através de vários canais econômicos, regulatórios e
comportamentais.
É
didático detalhar essas interrelações com foco em fluxos e estoques
financeiros. Em Finanças Pessoais, os fluxos são ou os de rendimentos recebidos
(entradas) como salários (renda do trabalho), juros sobre investimentos
financeiros, aluguéis de imóveis, dividendos de empresas e outros fluxos de
receita ou os de gastos (saídas), como consumo, pagamentos de dívidas e
impostos ou outros compromissos contratuais. O estoque refere-se à riqueza
individual ou familiar acumulada, como poupança, investimentos (em ações,
títulos, imóveis), patrimônio líquido (diferença entre ativos e passivos) ou
saldos financeiros.
Como
as finanças pessoais têm interações com as demais finanças? No caso das
corporativas, as pessoas investem em ações ou títulos de dívida direta,
financiando as empresas e, em contrapartida, recebem dividendos ou juros. No
caso das públicas, pagam impostos para financiar o governo, influenciando o
orçamento público, e recebem benefícios sociais ou subsídios. No caso das
bancárias, poupam ou tomam empréstimos em bancos, efetivando a oferta de
crédito. Finalmente, no caso das internacionais, podem consumir produtos
estrangeiros ou investir em mercados externos impactando, respectivamente, o
comércio internacional e os fluxos de capital entre países.
Nas
Finanças Corporativas, os fluxos de entrada são gerados por receitas de vendas,
despesas operacionais, investimentos, emissões de ações ou títulos, e os de
saída por pagamento de juros e dividendos. O estoque inclui ativos (formas de
manter riqueza) como instalações, equipamentos, estoques, capital intelectual,
e passivos (todas as obrigações financeiras de uma empresa) como as dívidas.
Suas
interações acontecem com os diversos
agentes econômicos. As empresas dependem do consumo dos indivíduos e, por sua
vez, pagam salários como entrada nas finanças pessoais. Empresas também recebem
investimentos de indivíduos e fundos de pensão de trabalhadores. Pagam impostos
e recebem incentivos fiscais. O governo pode ser cliente ou conceder contratos
públicos como os de concessões de serviços de utilidade pública. Empresas
não-financeiras dependem de financiamento bancário para expansão ou capital de
giro. Bancos também fornecem serviços financeiros às empresas. Elas importam e
exportam produtos, investem no exterior e se financiam em mercados
internacionais. Movimentos de capitais corporativos impactam os fluxos de
comércio e de capital entre países.
Fluxos
em Finanças Públicas envolvem receitas (impostos, tarifas, empréstimos) e
despesas (gastos sociais com educação, saúde, gastos em investimentos públicos
e encargos financeiros com pagamento de juros da dívida pública). O estoque
refere-se ao endividamento público (dívida interna e externa) e aos ativos
públicos (reservas, ações de estatais, infraestrutura etc.).
Os
cidadãos pagam impostos e recebem serviços públicos ou transferências. A dívida
pública também afeta a carga tributária futura e a oferta de crédito para o
setor privado. O governo fornece incentivos fiscais para corporações, faz
compras públicas e regula o ambiente de negócios. O nível de dívida pública
impacta a taxa de juros, afetando o custo de financiamento para as empresas. O
governo emite títulos da dívida, comprados por bancos, inclusive dealers em
nome de fundos de investimentos ou fundos de pensão. A política fiscal afeta as
taxas de juros e, portanto, o custo do crédito no sistema bancário. Tributações
sobre importação ou exportação afetam o balanço comercial e governos se
financiam no exterior, inflando os fluxos de capital internacionais. Além
disso, investimentos estrangeiros em dívida pública impactam os fluxos
financeiros globais.
Quanto
às Finanças Bancárias, seus fluxos envolvem os empréstimos concedidos,
pagamentos de juros, captação de depósitos e outras fontes de recursos com
emissões de títulos de dívida etc. Seu estoque inclui ativos bancários
(empréstimos, reservas, investimentos) e passivos (depósitos e saldos de
dívida).
Bancos
emprestam para indivíduos (financiamentos imobiliários, empréstimos pessoais) e
captam suas poupanças. Alterações nas taxas de juros afetam as decisões de
consumo e investimento dos indivíduos. Bancos concedem crédito para operações
de empresas e para projetos de expansão, além de gerirem suas operações
financeiras, como tesouraria e câmbio. Bancos compram títulos da dívida
pública, financiando o governo, e as políticas monetárias influenciam a
liquidez do sistema bancário. Bancos operam no mercado internacional,
movimentando capitais entre fronteiras, realizando operações de câmbio e
captando recursos no exterior. Interagem com todos os agentes econômicos!
Em
Finanças Internacionais, fluxos são compostos por movimentos de capital
(investimentos estrangeiros diretos e em portfólio), comércio internacional
(exportações e importações), remessas e fluxos de pagamento de serviços
financeiros. O estoque refere-se aos ativos e passivos de um país em relação ao
resto do mundo, incluindo reservas internacionais, dívidas externas e
investimentos estrangeiros.
As
interações são globais. Indivíduos podem enviar ou receber remessas do
exterior, investir em mercados estrangeiros e consumir produtos importados,
influenciando o fluxo de capitais e o comércio internacional. Empresas
participam ativamente do comércio internacional e recebem investimentos ou
financiam-se em mercados estrangeiros. Certos governos dependem de
financiamento externo e gerenciam sua posição externa, como o balanço de
pagamentos e as reservas internacionais. Déficits ou superávits comerciais afetam
a política fiscal e monetária. Bancos movimentam grandes volumes de capital
internacional e operam em diferentes jurisdições, facilitando fluxos de
investimento e o comércio.
Essas
cinco esferas formam um sistema interdependente de fluxos e estoques
financeiros, onde mudanças em uma área impactam diretamente as demais. Por
exemplo, um aumento nos gastos públicos (finanças públicas) pode elevar a
dívida do governo, levando a uma maior emissão de títulos. Esta afeta as taxas
de juros e a oferta de crédito (finanças bancárias). Isso, por sua vez, impacta
o financiamento de empresas (finanças corporativas) e o comportamento de
consumo e poupança dos indivíduos (finanças pessoais).
A
movimentação de capital internacional afeta o câmbio, alterando as condições de
comércio e financiamento para as empresas e bancos, enquanto também influencia
a política monetária e fiscal do governo. Na economia globalizada, todos os
agentes econômicos podem se interrelacionar – e há retroalimentação!
Portanto,
esses fluxos e estoques financeiros funcionam em um circuito dinâmico, no qual
decisões e eventos em uma esfera afetam todas as outras em múltiplas direções.
Em vez de denunciar o “financismo”, mais sábio é buscar o entender…
Fonte:
Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política/Jornal GGN
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