Brasil vive risco real de captura do Estado
por organizações criminosas
Em entrevista à
Sputnik Brasil, analistas apontam a necessidade de fortalecimento da Lei da
Ficha Limpa para coibir a infiltração de integrantes de facções criminosas na
política e afirmam que o Brasil poderia seguir o exemplo da Colômbia e do
México, que criaram leis específicas mais rigorosas para coibir a prática.
As eleições municipais
do último domingo (6) trouxeram à tona uma grave ameaça para o Brasil: a
tentativa de organizações criminosas de se infiltrar no poder público. As
formas de atuação são diversas: doações a candidatos apoiados por facções
criminosas, coação de eleitores e ataques a comícios.
Há, ainda, a cooptação
de eleitores para alistamento ou mudança de domicílio eleitoral, a fim de
favorecer candidatos apoiados por facções. A três dias das eleições do último
domingo (6), por exemplo, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha que aliciava
pessoas para que se alistassem ou mudassem seu domicílio eleitoral para o
município de Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, oferecendo
comprovantes de residência falsos para fazer a troca. O objetivo era favorecer
um candidato que oferecia vantagens econômicas em troca de votos.
Em São Paulo, o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes identificou a
ligação do Primeiro Comando da Capital (PCC) com Luiz Teixeira da Silva Junior,
dono da clínica Mais Consultas, usada por Pablo Marçal (PRTB), candidato à
prefeitura da cidade derrotado, para emitir laudos falsos que acusavam de uso
de cocaína seu então adversário Guilherme Boulos (PSOL). Embora não haja
indícios de envolvimento da facção na trama, o caso é um exemplo de como essas
organizações estão cada vez mais próximas das disputas políticas e eleitorais.
No final de setembro,
a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
alertou que a tentativa do crime organizado de influenciar diretamente a
política brasileira é bastante grave e não pode ser subestimada. Em entrevista
à Sputnik Brasil, analistas vão além, alertam que há risco de captura do Estado
por organizações criminosas por meio da infiltração desses grupos na política e
apontam formas de coibir esse avanço.
Alberto Rollo,
advogado especialista em direito eleitoral e professor na Escola Paulista de
Direito (EPD), em São Paulo, ressalta que o crime organizado já atua "de
fora para dentro", de uma forma "disfarçada", em áreas críticas
para a sociedade, fundando empresas e abrindo CNPJs para vencer licitações
públicas e avançando sobre companhias de serviços, como linhas de ônibus.
Porém, ele afirma que
quando a facção passa a agir "de dentro para fora", com a eleição de
membros representantes, "a coisa fica muito pior".
"Quando tem
infiltração e atuação interna, significa elaboração de norma jurídica,
significa deixar de fiscalizar aquilo que tem que ser fiscalizado quando
interessa. Não que isso já não exista, mas pelo menos eu acho que as pessoas
hoje tentam disfarçar porque não são pessoas vinculadas ou ligadas ao crime. A
partir do momento que você está vinculado ou ligado ao crime, você vai fazer
isso com muito mais facilidade."
Marjorie Marona,
cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
enfatiza que a infiltração do crime organizado "compromete a integridade
do sistema democrático e, também, as instituições públicas". Ela alerta, inclusive,
para os riscos de captura do Estado por organizações criminosas, o que traria
consequências graves à população.
"Outro aspecto
que também merece destaque é a captura do Estado. Quer dizer, as organizações
criminosas passam a influenciar as legislações, a influenciar as políticas
públicas em função da sua própria lógica de produção e reprodução, de seus
próprios interesses, em benefício próprio", afirma a especialista.
De acordo com ela,
essa participação crescente do crime organizado pode também deslegitimar as
instituições democráticas, gerando "um descrédito generalizado nos
processos eleitorais, nos próprios governos, quer dizer, se erode a confiança
pública nas instituições democráticas de uma forma geral".
A professora
acrescenta que, uma vez infiltrados na política, grupos criminosos elevariam a
repressão a comunidades que já dominam, influenciando votos de uma maneira
ainda mais eficaz, pois "teriam à sua disposição uma série de instrumentos
institucionais".
Questionada se há
risco de as instituições brasileiras serem influenciadas pelo narcotráfico de
maneira semelhante ao que ocorreu na Colômbia na década de 1990, Marona afirma
que sim, sobretudo em áreas onde já é fortalecido. Segundo ela, "nessas áreas,
a combinação da violência com a pobreza e a corrupção acaba tornando as
instituições locais mais suscetíveis à influência criminosa".
"Então o risco se
amplifica justamente quando o crime organizado consegue eleger representantes
políticos que vão atuar em seu benefício, enfraquecendo aquela estrutura do
Estado de direito, a própria legalidade e a capacidade das instituições políticas,
das instituições democráticas de darem resposta à sociedade."
<><> A
Justiça brasileira está preparada para lidar com o desafio?
Alberto Rollo afirma
que uma das principais ferramentas para coibir a infiltração de organizações
criminosas na política é a Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas daqueles
que estão condenados. A questão, segundo ele, é que uma das táticas usadas por
grupos criminosos é apoiar candidatos com ficha limpa que não vão ser barrados
pela Justiça e que, depois de eleitos, "vão trabalhar em função dos
interesses dessas facções".
"O que talvez dê
para fazer é que os processos criminais tramitem mais rápido, aqueles que vão
refletir depois na ficha limpa ou na justiça eleitoral. Esses processos não
podem demorar quatro, cinco, dez anos. Então, talvez se a gente falar em mudança
nesse ponto, sim, tornar mais rápidos os processos para que a justiça comum
criminal dê a resposta mais rápido, aí reflete isso na justiça eleitoral",
afirma.
Há, no entanto,
pessoas que, mesmo condenadas e com vínculos comprovados com facções
criminosas, conseguem se eleger porque estão recorrendo da decisão da Justiça.
É o caso de Fernanda Costa (MDB), filha do traficante Fernandinho Beira-Mar,
preso desde 2001. Em abril do ano passado, ela foi condenada a quatro anos e
dez meses de reclusão no regime semiaberto por repassar mensagens do pai para
lideranças do Comando Vermelho (CV). Porém, como ainda recorre da decisão,
conseguiu se eleger no domingo, com 7.355 votos, ficando entre os dez
candidatos mais votados do município de Duque de Caxias.
Casos como esse
indicam a necessidade de medidas mais radicais no combate à infiltração do
crime organizado na política. Marona afirma que uma possibilidade seria
reformar a legislação eleitoral, ampliando a Lei da Ficha Limpa "para
cobrir casos em que os candidatos estão sendo investigados por crimes graves,
desde que haja a prova robusta de sua vinculação com organizações
criminosas", não prejudicando assim o princípio da presunção de inocência.
"Para além disso,
aprimorar o controle financeiro, então fortalecer o monitoramento das fontes de
financiamento, ampliar a atuação das unidades de inteligência financeira para
rastrear o dinheiro ilícito em campanhas. É bem importante também intensificar
a cooperação com organismos estrangeiros para combater fluxos financeiros
globais associados ao crime organizado. Por fim, no sentido de proteger
candidatos e eleitores, é importante que se criem mecanismos de proteção contra
a coerção dos eleitores e de outros candidatos em regiões que são dominadas por
grupos criminosos."
Ela acrescenta que há
também exemplos positivos na Colômbia e no México que poderiam ser
implementados no Brasil, de legislações específicas para barrar candidatos
ligados ao crime, junto com maior envolvimento da unidade de inteligência
financeira, no Brasil representada pelo Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf).
"A Colômbia
implementa restrições bastante rigorosas para políticos ligados ao crime
organizado, especialmente o narcotráfico, grupos paramilitares, utiliza
legislação específica para inibir a captura de cargos públicos por esses
grupos. E, no México, se utiliza a unidade de inteligência financeira para
monitorar as contas eleitorais e, com isso, coibir o uso de dinheiro ilícito em
campanhas, se impondo também algumas sanções bastante rigorosas àqueles
envolvidos. São exemplos que a gente poderia seguir aqui, que mostram que
reformas mais focadas no combate à infiltração criminosa em campanhas
eleitorais podem, de fato, fortalecer a proteção da democracia e prevenir
infiltração da política pelo crime organizado, pelo narcotráfico",
conclui.
• O crime organizado, a política e as
redes sociais Por Luís Nassif
O caso Pablo Marçal
precisa ser encarado de frente pelas autoridades. Não propriamente pelas
autoridades eleitorais, mas judiciárias e policiais. Marçal vem do submundo
extra-legal. Especializou-se em toda sorte de golpes, tendo como
instrumento-mãe o controle das redes sociais.
Recentemente, The
Intercept enviou o repórter Paulo Motoryn à África e ao Nordeste. Na África
para levantar o que foi feito com quase R$6 milhões captados junto ao público
para a construção de casas em uma aldeia africana. Não foram entregues nem 10%.
Depois, foi para uma cidadezinha do Nordeste, onde supostamente estariam
localizadas duas ONGs que receberam as doações. Eram ONGs fantasmas.
Este foi apenas um dos
golpes aplicados por Marçal e identificados pelo jornalismo – não pelo sistema
judicial. Toda sua fortuna e carreira foram moldados nesse submundo, onde não
entra a fiscalização oficial.
O empreendedorismo de
Marçal abarca todas as formas de arrancar dinheiro de incautos, todos os
modelos de estelionato. Manobra a crença
dos seus seguidores, vende livros de autoajuda, simula milagres divinos, levanta
dinheiro para as causas mais nebulosas, tem negócios de toda espécie, até em
Angola, além de parcerias virtuais com influenciadores acusados de ligações com
o tráfico.
Há estelionatos de
toda espécie, que culminaram com o falso diagnóstico de consumo de cocaína por
um adversário político. O parceiro é um médico envolvido em outros
estelionatos. E a tentativa de assassinato reputacional de um adversário,
revela o modus operandi das grandes organizações criminosas.
Em um mundo onde o PCC
e outros grandes grupos movimentam bilhões com tráfico e outras formas de
ilegalidades, quem sabe até onde vão as parcerias dos empreendedores digitais,
se nem Receita, nem Polícia Federal têm a menor ideia sobre seu fluxo de faturamento?
Em suma, as redes
sociais permitiram a proliferação de golpes por todos os poros. Permitiram a
expansão das organizações criminosas bancando candidaturas municipais,
explorando o universo das organizações sociais. E, agora, surge um organizador
geral ambicionando o poder político, trazendo atrás de si a parceria com
estelionatários de todos os tipos, os religiosos, os vendedores de auto-ajuda,
os vendedores de solidariedade.
As redes lhes deram
poder de dar golpes, ameaçar pessoas, criar seguidores cegos, unidos por
crenças e por relações de subordinação emocional, tudo, enfim, o que
caracteriza o modus operandi das grandes organizações criminosas. E essa
atividade foi naturalizada pela mídia, cobrindo o “fenômeno”, como se fosse um
empreendedor em atividades legais.
A ascensão do fenômeno
Marçal acende todas as luzes amarelas da democracia. E exigem medidas rápidas e
profundas:
1. Levantamento de todas as formas de
negócios desenvolvidas por ele, para identificar suas ramificações e
ilegalidades.
2. Acelerar a legislação de controle das
redes sociais.
3. Convocar a Polícia Federal, policias
civis estaduais, Ministérios Públicos Estaduais para uma ação concatenada
contra o crime organizado, especialmente contra o que explora organizações
sociais.
Conheço melhor apenas
duas cidades do interior: Poços de Caldas e São João da Boa Vista. Em ambas as
cidades, há golpes frequentes das prefeituras locais com organizações sociais
golpistas. E, em ambos os lugares, sob beneplácito dos promotores estaduais.
Agora, com o auxilio generoso das bets, abre-se mais uma frente de consolidação
desse país paralelo.
Ou se monta uma grande
frente contra o crime organizado ou, em breve, este país se converterá em uma
grande Colômbia.
• Operação apreende 3 fuzis desviados do
Exército da Bolívia em sítio do PCC no interior de São Paulo
Em uma operação feita
pela Polícia Civil de São Paulo contra a facção paulista Primeiro Comando da
Capital (PCC), foram apreendidos três fuzis com brasões do Exército da Bolívia,
o que indica que as armas foram desviadas do país.
De acordo com o portal
Metrópoles, a ação, desencadeada no último domingo (6), resultou na apreensão
de dez fuzis de guerra e mais de 1,5 tonelada de cocaína pura. A droga, vendida
a peso de ouro, estava escondida em um sítio em Aguaí, no interior do estado.
A cocaína apreendida,
estimada em R$ 30 milhões, estava acondicionada em tabletes prontos para
distribuição. As armas são avaliadas em cerca de R$ 860 mil, relata a mídia.
O grupo investigado,
segundo as forças de segurança, era responsável por financiar ataques a
carros-fortes.
"Durante a
investigação, percebemos que eles estavam aproveitando a logística de
transporte de drogas para movimentar armamento", afirmou o delegado Fábio
Sandrin, da 4ª Divisão de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio
(Disccpat). Essa estratégia permitiu que a quadrilha operasse com maior
eficiência na distribuição de cocaína e armamentos.
A polícia já
identificou outros suspeitos de integrar a quadrilha, e pretende descobrir para
onde a droga e as armas seriam encaminhadas. Autoridades também devem entrar em
contato com o governo boliviano, segundo a Folha de S.Paulo.
Também há a suspeita
de que os armamentos seriam repassados a grupos criminosos especializados em
crimes do chamado "novo cangaço", em que cidades inteiras são
dominadas para o roubo de bancos e carros-fortes, escreve o jornal.
• 'QG da Propina': TRE do Rio declara
Marcelo Crivella inelegível por 8 anos
A Justiça Eleitoral do
Rio de Janeiro condenou Marcelo Crivella, deputado federal e ex-prefeito da
capital fluminense, à perda dos direitos políticos até 2028.
A condenação do
ex-prefeito é resultado do processo que investiga um suposto esquema de
corrupção na Prefeitura do Rio na gestão Crivella que ficou conhecido como
"QG da propina". Além dele, o empresário Rafael Alves também foi
condenado.
A decisão torna os
dois condenados inelegíveis por 8 anos, contando, porém, a partir das eleições
municipais de 2020. Além disso, cada um deles terá que pagar uma multa no valor
de R$ 106.410,00.
No ano passado, o TRE
já havia cassado os direitos políticos de Crivella no julgamento de um caso que
ficou conhecido como "Guardiões do Crivella", em processo no qual o
ex-prefeito é acusado de contratar funcionários para trabalharem em unidades de
saúde cuja função seria impedir críticas à gestão municipal.
No atual julgamento, a
maioria dos desembargadores do TRE acompanharam o voto do relator, Rafael
Estrela, que votou pela manutenção da sentença de primeira instância, que
decretou a inelegibilidade de Crivella e Rafael Alves e determinou pagamento de
multa.
Crivella foi preso em
2020, nove dias antes do término do seu mandato de prefeito. Ele foi acusado de
chefiar a organização criminosa que tinha Rafael Alves como "homem de
confiança".
O ex-prefeito,
entretanto, chegou a passar uma noite no presídio e logo recebeu uma liminar do
Superior Tribunal de Justiça para cumprir prisão domiciliar. Dias depois, o
ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, revogou a sanção.
Fonte: Sputnik
Brasil/Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário