terça-feira, 8 de outubro de 2024

Tereza Cruvinel: ‘Não é hora para auto-engano, mas não é caso para desespero...’

As urnas falaram ontem mas não proclamaram vitoriosos absolutos ou derrotados sem salvação. Nosso próprio sistema partidário não permite tanto. Mas, para a esquerda e as forças aglutinadas pelo governo Lula, não vale tapar o sol com a peneira e ignorar as vitorias colhidas pela direita e a extrema-direita.

E muito menos ignorar o alerta contido na grande votação dada pelos paulistanos a Pablo Marçal, ainda que seu último crime liquide com sua carreira,

Os partidos conservadores, só com o resultado do primeiro turno, já comandarão a maioria absoluta das prefeituras do país. Até agora,  o maior vitorioso neste quesito foi o PSD, com 888 prefeituras, seguido do MDB (863), do PP (752), do União Brasil (590) e do PL (523).

Mas também não é caso para desespero ou derrotismo no campo progressista: Boulos chegou ao segundo turno em São Paulo, mesmo em desvantagem; o PT concorrerá em outras quatro capitais no segundo turno e já garantiu 252, numa leve recuperação das perdas acumuladas, que o fizeram cair de 638 em 2012 para 182 em 2020.

E, mais importante, são aliados do presidente Lula os dois maiores vitoriosos desta eleição: o prefeito reeleito de Recife, João Campos, do PSB, e o do Rio, Eduardo Paes, do PSD, mas apoiado por PT, PC do B, PSB e PDT.

Por ter derrotado o bolsonarismo em seu principal território, vencendo o candidato por quem Bolsonaro mais se empenhou, a vitória de Paes ainda é mais expressiva. Embora ele não seja de esquerda e tenha sido apoiado por grupos conservadores, ele soube construir o que a conjuntura exige, a frente ampla antifascista. A frente para derrotar o bolsonarismo em sua toca, onde tem as mais espúrias alianças.

Voltando aos números e ao que eles disseram, não pode a esquerda subestimar o fato de que, nas 15 capitais onde haverá segundo turno, o PT só concorrerá em quatro, o PSB em uma e o PDT em uma. Já o PL de Bolsonaro levou 9 candidatos ao segundo turno, o União Brasil e o MDB, quatro cada um.

Aparentemente este é um resultado catastrófico para o presidente da República e os partidos que lhe dão sustentação. Mas, tirando-se o PL de Bolsonaro, os outros vitoriosos são também apoiadores pragmáticos do governo Lula. E, nessa condição, mais uma vez suas bancadas valeram-se dos recursos públicos, através de emendas orçamentárias, par irrigar as bases eleitorais e reproduzir o mando local, elegendo prefeitos de seus partidos, que os ajudarão a se reeleger em 2026. Esta é a engrenagem que está por detrás dos resultados de ontem.

A rigor, as urnas falaram sobre mais do mesmo, sobre o que temos sido e continuaremos sendo: um país estilhaçado, que segue dividido sem que um dos lados tenha a hegemonia ou esteja subjugado. Em que o governo federal, com toda a força que devia ter,  não é associado a um partido ou coalizão,  mas a um cozido de siglas pautadas por interesses e não por qualquer programa.

Eleição municipal é uma coisa, presidencial é outra, dizem os políticos. Isso verdade até certo ponto. Quando os partidos que sustentam o governo federal levam a pior numa eleição municipal, alguma coisa está fora do lugar. Ou a população está descontente com os resultados do governo ou o governo está se comunicando muito mal com a população. Não estou falando de campanhas ou de marketing, mas de se fazer entender mesmo.

Esta é uma reflexão que Lula e seus aliados terão que fazer depois do segundo turno.

 

•                                         Não há Paris para todos. Por Moisés Mendes

Muitas rotas de fuga estarão fechadas no segundo turno. Não há como ser neutro em São Paulo e em outras capitais ou tentar se esconder em Paris, Sorocaba ou Alegrete. Eis a realidade condensada diante de convictos e vacilantes em relação ao desfecho das eleições em 27 de outubro:

1. Bolsonaro é a figura que fica diante do maior dilema pós-primeiro turno. Esnobou Ricardo Nunes desde o começo. Depois, quando o Datafolha colocou o prefeito em melhor posição em setembro, correu, meio frouxo, para o lado do esnobado. Quando as pesquisas mostraram que Marçal havia reagido, a partir da base bolsonarista, saltou fora do apoio a Nunes mais uma vez. Sempre disse que Nunes não era o seu preferido. Viu sua base raiz correr em direção a Marçal e agora terá de fazer o que Tarcísio de Freitas pediu e ele desconsiderou, na reta final do primeiro turno: que investisse no candidato do velho MDB para manter um certo controle em São Paulo, sabendo que Nunes é muito mais da antiga direita do que do bolsonarismo. O Bolsonaro que se vê obrigado a se agarrar a Nunes sai avariado da eleição, principalmente com o vexame de Ramagem no Rio.

2. Lula não foi escondido pelas esquerdas na campanha pela TV e pelas redes sociais, mas se manteve numa distância analógica da eleição e do cenário mais importante, o de São Paulo. Não foi participativo ao lado de Boulos. Mas agora terá de correr riscos e se engajar à luta. Pode ficar marcado como derrotado, principalmente se Bolsonaro se envolver na disputa? Ou paga pra ver como pode ajudar ou será cobrado, com Boulos vencedor ou perdedor.

3. Fora do campo da luta política, mas por essa contaminação, a Procuradoria-Geral da República de Paulo Gonet terá de sair da hibernação e preparar o roteiro pós-eleição, para abrir o período de denúncias contra Bolsonaro e seu entorno. O Judiciário entra em recesso em 20 de dezembro, e aí para tudo, inclusive no MP, e só volta em 6 de janeiro, cinco dias depois da posse dos eleitos. O procurador calibrou o tempo do MP com o tempo da política até aqui, mas agora não tem mais como adiar o que precisa ser feito. Nunca existirá Paris para Gonet.

4. Alexandre de Moraes, que nunca esteve com a cabeça em Paris, aguentou a carga dos inquéritos que carrega nas costas, alguns há cinco anos, principalmente aquele que começa com as fake news e tem tudo dentro, de civis a gente com farda ou com pijama. O tempo para Moraes se esgota esse ano, porque 2025 já terá o início da guerra para 2026. Toda a delinquência qualificada do fascismo está em algum inquérito conduzido por Moraes, que enfrenta uma pergunta como constrangimento: quem mais será alcançado além dos manés de 8 de janeiro?

5. O povo, esse ente coletivo cada vez mais gasoso e indecifrável pela ciência política, não tem como ir para a Paris de Ciro Gomes. Mas se protege do jeito que dá nos seus biombos. O maior biombo numa eleição é o que acolhe os que se abstêm, somados aos que votam em branco ou anulam ou voto. De cada cem eleitores, 25 em média vão para essa Paris do distanciamento e das ausências, pelos mais variados motivos, mas a maioria se esconde mesmo por gesto deliberado contra a imposição do voto. Esse povo da negação se juntou ao povo do desalento, correu para a extrema direita a partir de 2018, ensaiou a reinvenção do bolsonarismo com Marçal, mas o que fez mesmo foi fortalecer a velha direita nessa eleição. Esse povo é cada vez menos das esquerdas, na maioria das cidades, das grandes aos vilarejos. E não há fuga para as esquerdas que já não entendem o povo.

 

•                                         Após derrota em São Paulo, Marçal já mira nas eleições de 2026

Terceiro colocado no primeiro turno das eleições municipais em São Paulo (SP), a apenas 80 mil votos do prefeito Ricardo Nunes (MDB) – que terminou em primeiro lugar na rodada inicial –, o empresário e influenciador Pablo Marçal (PRTB) classificou o desempenho como “extraordinário” e projetou alçar novos voos a partir de 2026.

Em conversa com jornalistas no fim da noite de domingo (6), algumas horas após o fechamento das urnas, Marçal agradeceu pelos quase 1,8 milhão de votos na capital paulista, mas disse que foi a primeira e última vez que ele disputa a prefeitura de São Paulo. A partir de agora, o objetivo é um governo estadual (não especificou em qual estado) ou a Presidência da República.

“São Paulo perdeu a única oportunidade de me ver prefeito desta cidade. Meu coração estava 100% entregue a isso, mas confesso que a vontade do povo nas urnas prevalece. Eu sei de muitas pessoas que estão tentando construir algumas teorias, mas eu respeito a vontade do povo. A gente chegou de última hora”, afirmou o candidato derrotado.

Questionado sobre seus planos na política, Marçal disse que espera permanecer na vida pública pelos próximos 12 anos e afirmou que “2026 é logo ali”.

O candidato do PRTB descartou concorrer a um cargo no Legislativo – foi candidato a deputado federal em 2022, mas teve o registro indeferido pela Justiça Eleitoral. Maçal não soube responder, no entanto, se pretende disputar o governo de São Paulo, de outro estado (ele é natural de Goiás) ou a Presidência da República.

“Para mim, foi um resultado extraordinário [no primeiro turno em São Paulo]. Entramos no dia 25 de maio nessa disputa, já estavam todos [os candidatos] fechados desde outubro do ano passado. E, quando a gente entrou, a gente entrou com 5% das intenções de voto. E conseguimos um resultado espetacular de 28,14%”, observou.

“O PSDB rejeita os extremos e a radicalização. Em São Paulo, o partido recomendará o voto em Ricardo Nunes, do MDB, no segundo turno, contra o lulopetismo, por uma questão de coerência ideológica”, diz a nota

<><> Apoio a Nunes

Na entrevista coletiva, Pablo Marçal indicou que poderá apoiar a candidatura do prefeito Ricardo Nunes, no segundo turno, contra Guilherme Boulos (PSOL), apesar da série de ataques direcionados ao emedebista durante a campanha.

“Vai depender do que ele [Nunes] falar sobre as propostas. Está nítido que ele pegou muito pesado com a minha pessoa, foi muito injusto comigo. Eu entendo que é coisa de marqueteiro isso. Eu não sou de carregar mágoa, de carregar raiva”, minimizou Marçal.

Entre as suas propostas que pretende ver incorporadas ao programa de governo de Nunes, está o ensino de educação financeira nas escolas de São Paulo, além do incentivo ao empreendedorismo.

<><> Idas e vindas

Inicialmente, a assessoria da campanha de Marçal havia informado aos jornalistas que o candidato do PRTB não faria nenhum pronunciamento, no domingo, sobre o resultado das eleições.

Horas depois, Marçal mudou de ideia e convocou uma entrevista coletiva para as 22 horas, em frente à sua residência.

<><> Personagem da eleição

Apesar da derrota no primeiro turno, Pablo Marçal foi um dos principais personagens das eleições de 2024. Desde que se colocou na disputa pela prefeitura da capital, ele abalou as estruturas do establishment político, dividiu o eleitorado bolsonarista na cidade e pautou o debate, sobretudo nas redes sociais. Marçal foi o centro das atenções do início ao fim.

Na largada da eleição em São Paulo, o candidato do PRTB pontuava entre 7% e 9% das intenções de voto, e não demorou para que esses números crescessem exponencialmente, catapultando o ex-coach às primeiras colocações nas pesquisas, posição que manteve durante praticamente toda a campanha, dividindo a ponta com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL).

Sem direito de participar do horário eleitoral no primeiro turno — seu partido não tem nenhum representante no Congresso Nacional, exigência para que as candidaturas tenham acesso ao tempo de TV –, Marçal sofreu um duro revés na fase inicial da campanha. Em agosto, o candidato teve seus perfis oficiais suspensos nas redes sociais pela Justiça Eleitoral, que acolheu uma ação apresentada por Tabata Amaral (PSB). Foram autorizadas, no entanto, contas “alternativas”.

A adversária acusou o influenciador de remunerar usuários que publicassem “cortes” de vídeos de Marçal nas redes, para que esses conteúdos virilizassem. Antes do início da campanha, o candidato contava com 10 milhões de seguidores apenas em seu perfil no Instagram.

O comportamento agressivo de Pablo Marçal durante os debates foi outra marca do primeiro turno da eleição paulistana. Desde o primeiro encontro na TV, o candidato do PRTB não economizou nas ofensas aos adversários, aos quais se referia por meio de apelidos jocosos: “Boules”, “Chatabata”, Dapena” e “Bananinha” foram os mais utilizados contra Guilherme Boulos, Tabata Amaral, José Luiz Datena e Ricardo Nunes.

Marçal também protagonizou o episódio mais polêmico da campanha. No dia 15 de setembro, em pleno debate da TV Cultura, Datena perdeu a paciência e deu uma cadeirada no adversário, sendo expulso do programa. O empresário e influenciador havia acusado o tucano de assediar sexualmente uma ex-funcionária da TV Bandeirantes — o caso foi arquivado pelo Ministério Público.

Uma semana depois, no dia 23, Nahuel Medina, cinegrafista e sócio de Marçal, agrediu o marqueteiro de Ricardo Nunes, Duda Lima, com um soco no rosto, poucos segundos depois da expulsão do candidato do PRTB do debate promovido pelo Grupo Flow, por violar as regras do programa.

Com sua postura disruptiva e um discurso “antissistema” que remonta à eleição vitoriosa de Jair Bolsonaro em 2018, Pablo Marçal conquistou uma legião de fãs – e de eleitores – que apoiam o ex-presidente, mas também acumulou detratores e uma das maiores rejeições da eleição. O candidato do PRTB trocou farpas com o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e foi criticado pelo próprio Bolsonaro, que declarou apoio a Nunes. Contudo, o “estrago” já estava feito e, como indicam as pesquisas, grande parte do eleitorado bolsonarista de São Paulo “fez o M” nas urnas.

As polêmicas chegaram até o último dia da campanha, quando, na noite de sexta-feira (4), Marçal divulgou em suas redes sociais um laudo comprovadamente falso que diz que Boulos teria tido uma crise psicótica e ingressado em uma clínica, onde teria testado positivo para cocaína em exame toxicológico.

 

Fonte: Brasil 247/Infomoney

 

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