Mundo multipolar: enquanto Europa fecha
portas para Turquia, país aposta na América Latina
Ao mesmo tempo que
parceria com OTAN e potências ocidentais só se mostra recíproca quando atende
aos interesses imperialistas, Turquia aposta na América Latina para
intensificar trocas econômicas e diplomáticas e ajudar na própria recuperação
financeira. Só com o Brasil, comércio bilateral cresceu quase 14 vezes em menos
de 20 anos.
No centro do mundo, o
país considerado berço da civilização que já foi palco de acontecimentos
mundiais seculares e viu crescer e ruir impérios. Localizada entre a Europa e a
Ásia, a Turquia sempre atraiu os olhares das grandes potências pela importância
geográfica, política e cultural. Prova disso foi a pressão, ainda em 1952, para
a entrada do país na então recente Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN).
Mas o tempo só mostrou
que a parceria nunca seria uma via de mão dupla, principalmente quando os
interesses imperialistas das grandes potências da aliança não fossem
respeitados. É o caso da ofensiva turca contra os curdos na Síria em 2018, que
lutavam contra o governo do presidente Bashar al-Assad: desagradou tanto que
fez a gestão Donald Trump jurar publicamente que "destruiria" a
economia de Ancara. A partir de 2020, o país entra em crise financeira,
agravada pela taxação em 50% pelos Estados Unidos de um dos seus principais
produtos de exportação, o aço. O resultado: aumento da dívida externa,
desvalorização da moeda local e inflação acima de 75%.
Para reconstruir a
própria economia e também apostar na multipolaridade cada vez mais dominante na
geopolítica global, a Turquia tem voltado os olhares com maior frequência para
a América Latina. Em El Salvador, por exemplo, a empresa turca Yilport vai investir
mais de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,84 bilhões) para aumentar a capacidade de dois
grandes portos no país. Já no Brasil, principal parceiro econômico na região, o
comércio bilateral saltou de US$ 950 milhões (R$ 5,2 bilhões) em 2002 para US$
13,9 bilhões (R$ 76,7 bilhões) em 2023, uma alta de quase 14 vezes.
O jornalista,
sociólogo e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP)
Fábio Metzger explica ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o partido
Justiça e Desenvolvimento (AK, na sigla em turco), do presidente Recep Tayyip
Erdogan, está no poder desde 2002, mesmo momento em que surgem novas forças
econômicas que vão reunir países em desenvolvimento para maior parceria e
cooperação — a ideia mais tarde culminaria na criação do BRICS.
"Nesse momento a
Turquia também tem outro projeto político próprio […]. De certa forma, o país
tenta se voltar para a lógica da globalização, em um processo de mundialização
da economia. Temos que lembrar que o país está em uma zona de passagem, entre
Ásia e Europa, e a maior cidade dela [Istambul] está inserida nos dois
continentes ao mesmo tempo. Além disso, é um país muçulmano, mas não do islã
árabe; é um islã com características próprias. Sempre teve mais contato com a
Europa do que com os países árabes, já que também era o centro do Império
Otomano", enfatiza.
Desde 2006, o país
está no processo de adesão à União Europeia, que apesar de tantos anos, parece
cada vez mais distante. "Como a Europa está fechando as portas para a
Turquia, tem proximidade com o Oriente Médio e a Rússia. Além disso, não é um
país do terceiro mundo clássico, mas também não está inserido naquele primeiro
mundo ocidental. Diante disso, passa a procurar a América Latina, que é um
grande bolsão mais ocidental do que ocidentalizado, e que está no Sul Global. E
se a Turquia é uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, por que também não ser
entre o Norte e o Sul [Global]?", justifica.
• Qual a relação entre Brasil e Turquia?
Já a professora de
relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Dominique Marques faz um paralelo ao podcast Mundioka sobre o novo rumo tomado
nas relações exteriores da Turquia, com medidas realizadas também pelo Brasil.
"Nós tivemos em
dados momentos da história períodos de política externa independente. Mas
quando buscamos novas parcerias e estamos muito alinhados com os Estados
Unidos, como no caso de Brasil e Turquia, só essa aproximação com outros atores
já faz Washington interpretar isso como uma agressão ou traição. Mas temos o
fim do sistema bipolar e uma tendência cada vez mais multipolar, com países
emergentes buscando novas parcerias para melhorar as próprias condições
econômicas", explica.
Em 2006, por exemplo,
a Turquia promove o ano da América Latina e Caribe para as relações exteriores,
em um início da aproximação com a região.
No caso do Brasil, a
especialista acrescenta que inclusive existiram acordos de comércio bilateral e
amizade entre o então Império Otomano, do qual a Turquia fazia parte, e o
Império Brasileiro em 1858. Porém a aproximação só se intensifica séculos depois,
em 2009. Segundo a professora da UFRJ, a primeira visita de um chefe de Estado
a Ancara ocorreu justamente nesse ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva se encontrou com o homólogo, Erdogan, que também veio ao Brasil em 2011.
"O presidente
Lula busca manter boas relações com todos os presidentes, independentemente do
que os nossos grandes parceiros dos Estados Unidos vão pensar. Tanto que nós
tivemos boas aproximações com o Irã, e independentes das opiniões internacionais.
Essa aproximação com a Turquia está sendo interessante porque foi criado um
centro de estudos latino-americanos através dessas maiores proximidades entre
ambos os presidentes. Isso é importante para essa troca cultural, essa troca de
aprendizados científica e tudo mais. Nós tivemos também um maior número de
embaixadas e consulados por vontade da Turquia. Então ambos os países estão
promovendo esse fortalecimento diplomático. Passamos a ter voos diretos entre
Turquia e Brasil", resume.
Neste ano, o
presidente turco ainda demonstrou interesse na adesão do país ao BRICS, quando
chegou a pedir que Lula apoiasse o processo, o que também iria fortalecer a
parceria com o Brasil.
• Quais são as consequências da
islamofobia?
Por a Turquia ser um
país islâmico, Dominique Marques analisa que é um desafio para a proximidade
com a América Latina o preconceito contra os muçulmanos, nutrido muito durante
a década de 2000, após o ataque às Torres Gêmeas e a Guerra ao Terror promovida
pelo governo norte-americano. "Eu acredito que ainda haja uma certa
resistência do Ocidente à questão da religião. E quando a gente fala, por
exemplo, que o islamismo é a religião que mais cresce no mundo, ainda há
pessoas que estão preocupadas, pelo fato de estarem associando isso com as
questões que ocorreram ali na década de 2000", diz.
Outra dificuldade é o
idioma, o que também afeta até a busca de informações sobre a Turquia.
"Existem outras
questões, como diferenças comportamentais. Aqui na América Latina, temos uma
tendência a sermos cada vez mais flexíveis. No caso da Turquia não é assim, são
muito mais rígidos com relação a prazos e metas. Então isso pode ser uma inconveniência
também nas relações entre as empresas. Outro desafio que pode estar
dificultando é que a Turquia quer segurança nas suas relações comerciais e, por
isso, é um pouco resistente a acordos de livre comércio. E aqui na América
Latina, uma das formas de a Turquia se aproximar mais das nossas empresas seria
através desses acordos", finaliza.
• Especialista explica que retaliação a
China pode tomar na disputa com a UE sobre veículos elétricos
O objetivo do aumento
das tarifas da UE sobre os carros elétricos chineses "é impulsionar a
indústria europeia de veículos elétricos", mas pode acabar desencadeando
uma guerra comercial massiva, a menos que ambos os lados tentem resolver a disputa,
disse o especialista em China baseado em Pequim, Francesco Sisci, à Sputnik.
A decisão da União
Europeia (UE) de impor tarifas sobre veículos elétricos chineses mudou o foco
para como e quando Pequim retaliará pela escalada em sua maior disputa
comercial com o bloco em anos.
De acordo com a
Bloomberg, enquanto as negociações continuam, a posição adotada por alguns
Estados-membros do bloco europeu sobre as medidas na semana passada (4), pode
sugerir de que forma Pequim deve seguir com sua resposta afetando diferentes
partes da Europa, uma vez que os que votaram pela implementação das medidas
devem ser vistos de forma diferente pelo gigante asiático.
Durante a votação, o
bloco acabou definindo a imposição de tarifas, com 10 Estados-membros a favor,
cinco contra e 12 se abstendo. O Ministério do Comércio chinês disse que as
tarifas vão abalar a confiança das empresas chinesas que investem na Europa e
prometeu "tomar todas as medidas" para garantir os interesses de suas
empresas.
"É claro que os
chineses podem exportar os seus veículos eléctricos para países terceiros e de
lá poderiam introduzir carros na Europa. Mas estas lacunas poderiam ser
preenchidas e não afetariam a tendência geral", enfatizou Sisci.
A União Europeia (UE)
"não recua nisso" e a mediação exercida pela Organização Mundial do
Comércio "já não funciona", logo, seria necessário um "acordo
bilateral que esperamos que as duas partes assinem", acrescentou o especialista.
Se não for alcançado
um acordo, Pequim tem várias opções para reagir ao bloco europeu, cujas
perspectivas econômicas já foram minadas nos últimos anos pelo aumento dos
custos da energia.
As tarifas poderão
afetar até 31% de todas as exportações chinesas de veículos elétricos. Só nos
primeiros oito meses de 2024, a China entregou carros eléctricos no valor de €
7,7 bilhões (cerca de R$ 46,2 bilhões) à UE, de acordo com dados alfandegários.
A Bélgica foi o maior comprador do bloco, com 55% (mais de R$ 25,1 bilhões) de
todas as entregas. A Alemanha ficou em segundo lugar, com 14% (cerca de R$ 6,4
bilhões), e Espanha em terceiro, com 12,5% (aproximadamente R$ 5,7 bilhões) das
importações.
<><> Aqui
estão as possíveis opções de resposta da China:
# Tarifas de dois
dígitos sobre carros de luxo europeus de grande cilindrada, como Porsche,
Mercedes e BMW.
# Tarifas sobre carne
de porco, lacticínios, vinho, conhaque e outros produtos alimentares europeus.
Pequim já anunciou em agosto uma investigação sobre os subsídios da UE às
exportações de produtos lácteos, além de subsídios semelhantes à carne de porco
e ao conhaque.
# As autoridades
chinesas também estão examinando as exportações europeias de produtos químicos
e de saúde em busca de possíveis subsídios ocultos. As exportações de luxo
francesas e italianas, como perfumes, também poderiam estar na meta.
# Outras opções de
retaliação incluem maquinaria, produtos industriais e aeroespacial, embora os
observadores econômicos consultados pelos meios de comunicação econômicos dos
EUA não acreditem que Pequim vá tão longe a menos que seja pressionada.
A China também poderia
escolher um caminho diferente do aumento das tarifas, como aumentar os
investimentos nas fábricas europeias para evitar totalmente as tarifas, por
exemplo.
Em 4 de outubro,
Bruxelas votou pela imposição de tarifas de até 45% aos veículos elétricos
chineses.
Por sua vez, os
partidos têm agora até 30 de outubro para impedir a aplicação das tarifas. A
Câmara de Comércio UE-China criticou a votação, chamando a investigação de
Bruxelas sobre os subsídios aos veículos elétricos chineses que levaram ao
aumento das tarifas como uma "medida protecionista politicamente motivada
e injustificada".
Também é importante
notar que centenas de bilhões de euros estão em jogo no conflito comercial
entre a China e a UE. Em 2023, a China exportou produtos no valor de € 515,9
bilhões (cerca de R$ 3,1 trilhões) para a UE, contra € 223,6 bilhões (mais de
R$ 1,3 trilhão) em troca, o que representa um déficit comercial total com o
país asiático de € 292 bilhões (aproximadamente R$ 1,7 trilhão). As tarifas
podem ser concebidas para preencher essa lacuna, mas o tiro poderá sair pela
culatra se Pequim responder com restrições aos produtos europeus.
<><> China
apresenta queixa contra Turquia na Organização Mundial do Comércio
A China deu o primeiro
passo para iniciar uma disputa comercial com a Turquia na Organização Mundial
do Comércio (OMC) em relação às tarifas sobre importações de veículos
elétricos.
A missão diplomática
chinesa na OMC disse em um comunicado nesta terça-feira (8) que Pequim está
enfrentando crescentes pressões comerciais em todo o mundo devido às suas
progressivas exportações de veículos elétricos.
"A medida
discriminatória tomada pela Turquia é contra as regras da OMC e é protecionista
por natureza. Instamos a Turquia a seguir as regras da OMC e corrigir
imediatamente suas medidas", disse a declaração. O governo turco não
respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Em junho, Ancara
anunciou que estava impondo uma tarifa adicional de 40% sobre as importações de
veículos chineses e, no mês passado, estabeleceu condições rigorosas para a
importação de veículos híbridos plug-in, inclusive da China.
Apesar disso, nos
últimos meses, empresas vêm trabalhando para aprofundar os laços com as
montadoras chinesas, assinando acordos com a BYD no início deste ano e, na
semana passada, articulando negociações de investimentos com a Chery.
O "pedido de
consultas" protocolado pelo governo chinês na OMC é o primeiro passo
formal em uma disputa comercial, e, às vezes, as disputas são resolvidas nesse
estágio. A China também abriu uma disputa na OMC, em março, contra subsídios
dos EUA para proteger sua indústria de veículos elétricos.
• Após veto da UE, Turquia e Brasil se
tornam principais compradores de diesel marítimo russo
Ancara e Brasília são
as maiores importadoras de diesel e gasóleo marítimos da Rússia desde que a
União Europeia proibiu a importação de produtos petrolíferos do país.
Os dados foram
divulgados pelas fontes de mercado e da empresa da Bolsa de Valores de Londres,
LSEG.
Antes do embargo total
da UE entrar em vigor em fevereiro de 2023, a Europa era a maior compradora de
diesel russo. De acordo com dados da LSEG, citados pela Reuters, a Rússia
embarcou cerca de 1,07 milhão de toneladas métricas de diesel e gasóleo com baixo
teor de enxofre para a Turquia em setembro, após embarcar 1,04 milhão de
toneladas no mês anterior.
As exportações de
diesel dos portos russos para o Brasil aumentaram no mês passado para 0,78
milhão de toneladas, contra 0,58 milhão de toneladas em agosto, mostram dados
de embarque.
Os comerciantes
observam volumes crescentes de diesel russo destinados a transferências de
navio para navio (STS) perto do porto italiano de Augusta e das ilhas gregas
que totalizaram cerca de 370.000 toneladas em setembro, após 230.000 toneladas
no mês anterior.
No total, os
suprimentos de exportação de diesel e gasóleo marítimos russos aumentaram em
setembro em cerca de 7% em relação a agosto, para cerca de 2,8 milhões de
toneladas, mostraram cálculos da Reuters com base em dados da LSEG e de fontes
de mercado.
Há duas semanas, em
Brasília, autoridades russas e brasileiras tiveram um encontro no Ministério de
Minas e Energia.
Na reunião, realizada
no dia 19 de setembro, "foram abordadas oportunidades de colaboração e
investimento em infraestrutura e troca de tecnologias para a otimização de
recursos energéticos", informou a pasta, conforme noticiado.
• Em forte apelo, indústria do conhaque
francesa diz que 'não pode ser abandonada' ante taxas da China
A China está
planejando o que vai fazer para responder às novas taxas sobre carros elétricos
aplicadas pela União Europeia, e um dos setores que Pequim está pensando em
taxar seria o de conhaque.
Novas taxas chinesas
sobre importações de conhaque europeu teriam consequências
"catastróficas" para um dos principais setores de exportação da
França, disse o grupo de lobby BNIC, de produtores de conhaque, na terça-feira
(8).
"Diante desse
acontecimento, as autoridades francesas não podem nos abandonar e nos deixar
sozinhos para lidar com a retaliação chinesa que não tem nada a ver
conosco", disse o BNIC, acrescentando que "esses impostos devem ser
suspensos antes que seja tarde demais".
Nesta manhã (8), a
China impôs medidas antidumping temporárias sobre as importações de conhaque do
bloco europeu, atingindo marcas de Hennessy a Remy Martin, depois que a UE
votou a favor de tarifas sobre veículos elétricos fabricados na China.
Paris disse que
trabalharia com o bloco para tomar medidas no nível da Organização Mundial do
Comércio (OMC) a fim de protestar contra a decisão.
Ainda segundo a
Reuters, o movimento chinês enfraqueceu as ações dos fabricantes de bebidas
destiladas, gerando efeitos colaterais para marcas de luxo e automóveis, à
medida que aumentava a preocupação de que Pequim pudesse estender suas medidas
comerciais.
As montadoras alemãs,
que podem ser as mais afetadas pelas medidas retaliatórias da China, também
afundaram. A Volkswagen, Porsche, Mercedes-Benz, BMW e Porsche Automobil
Holding tiveram ações em declínio entre 1,5% e 3% nesta manhã.
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário