quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Mundo multipolar: enquanto Europa fecha portas para Turquia, país aposta na América Latina

Ao mesmo tempo que parceria com OTAN e potências ocidentais só se mostra recíproca quando atende aos interesses imperialistas, Turquia aposta na América Latina para intensificar trocas econômicas e diplomáticas e ajudar na própria recuperação financeira. Só com o Brasil, comércio bilateral cresceu quase 14 vezes em menos de 20 anos.

No centro do mundo, o país considerado berço da civilização que já foi palco de acontecimentos mundiais seculares e viu crescer e ruir impérios. Localizada entre a Europa e a Ásia, a Turquia sempre atraiu os olhares das grandes potências pela importância geográfica, política e cultural. Prova disso foi a pressão, ainda em 1952, para a entrada do país na então recente Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Mas o tempo só mostrou que a parceria nunca seria uma via de mão dupla, principalmente quando os interesses imperialistas das grandes potências da aliança não fossem respeitados. É o caso da ofensiva turca contra os curdos na Síria em 2018, que lutavam contra o governo do presidente Bashar al-Assad: desagradou tanto que fez a gestão Donald Trump jurar publicamente que "destruiria" a economia de Ancara. A partir de 2020, o país entra em crise financeira, agravada pela taxação em 50% pelos Estados Unidos de um dos seus principais produtos de exportação, o aço. O resultado: aumento da dívida externa, desvalorização da moeda local e inflação acima de 75%.

Para reconstruir a própria economia e também apostar na multipolaridade cada vez mais dominante na geopolítica global, a Turquia tem voltado os olhares com maior frequência para a América Latina. Em El Salvador, por exemplo, a empresa turca Yilport vai investir mais de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,84 bilhões) para aumentar a capacidade de dois grandes portos no país. Já no Brasil, principal parceiro econômico na região, o comércio bilateral saltou de US$ 950 milhões (R$ 5,2 bilhões) em 2002 para US$ 13,9 bilhões (R$ 76,7 bilhões) em 2023, uma alta de quase 14 vezes.

O jornalista, sociólogo e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) Fábio Metzger explica ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o partido Justiça e Desenvolvimento (AK, na sigla em turco), do presidente Recep Tayyip Erdogan, está no poder desde 2002, mesmo momento em que surgem novas forças econômicas que vão reunir países em desenvolvimento para maior parceria e cooperação — a ideia mais tarde culminaria na criação do BRICS.

"Nesse momento a Turquia também tem outro projeto político próprio […]. De certa forma, o país tenta se voltar para a lógica da globalização, em um processo de mundialização da economia. Temos que lembrar que o país está em uma zona de passagem, entre Ásia e Europa, e a maior cidade dela [Istambul] está inserida nos dois continentes ao mesmo tempo. Além disso, é um país muçulmano, mas não do islã árabe; é um islã com características próprias. Sempre teve mais contato com a Europa do que com os países árabes, já que também era o centro do Império Otomano", enfatiza.

Desde 2006, o país está no processo de adesão à União Europeia, que apesar de tantos anos, parece cada vez mais distante. "Como a Europa está fechando as portas para a Turquia, tem proximidade com o Oriente Médio e a Rússia. Além disso, não é um país do terceiro mundo clássico, mas também não está inserido naquele primeiro mundo ocidental. Diante disso, passa a procurar a América Latina, que é um grande bolsão mais ocidental do que ocidentalizado, e que está no Sul Global. E se a Turquia é uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, por que também não ser entre o Norte e o Sul [Global]?", justifica.

•        Qual a relação entre Brasil e Turquia?

Já a professora de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Dominique Marques faz um paralelo ao podcast Mundioka sobre o novo rumo tomado nas relações exteriores da Turquia, com medidas realizadas também pelo Brasil.

"Nós tivemos em dados momentos da história períodos de política externa independente. Mas quando buscamos novas parcerias e estamos muito alinhados com os Estados Unidos, como no caso de Brasil e Turquia, só essa aproximação com outros atores já faz Washington interpretar isso como uma agressão ou traição. Mas temos o fim do sistema bipolar e uma tendência cada vez mais multipolar, com países emergentes buscando novas parcerias para melhorar as próprias condições econômicas", explica.

Em 2006, por exemplo, a Turquia promove o ano da América Latina e Caribe para as relações exteriores, em um início da aproximação com a região.

No caso do Brasil, a especialista acrescenta que inclusive existiram acordos de comércio bilateral e amizade entre o então Império Otomano, do qual a Turquia fazia parte, e o Império Brasileiro em 1858. Porém a aproximação só se intensifica séculos depois, em 2009. Segundo a professora da UFRJ, a primeira visita de um chefe de Estado a Ancara ocorreu justamente nesse ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com o homólogo, Erdogan, que também veio ao Brasil em 2011.

"O presidente Lula busca manter boas relações com todos os presidentes, independentemente do que os nossos grandes parceiros dos Estados Unidos vão pensar. Tanto que nós tivemos boas aproximações com o Irã, e independentes das opiniões internacionais. Essa aproximação com a Turquia está sendo interessante porque foi criado um centro de estudos latino-americanos através dessas maiores proximidades entre ambos os presidentes. Isso é importante para essa troca cultural, essa troca de aprendizados científica e tudo mais. Nós tivemos também um maior número de embaixadas e consulados por vontade da Turquia. Então ambos os países estão promovendo esse fortalecimento diplomático. Passamos a ter voos diretos entre Turquia e Brasil", resume.

Neste ano, o presidente turco ainda demonstrou interesse na adesão do país ao BRICS, quando chegou a pedir que Lula apoiasse o processo, o que também iria fortalecer a parceria com o Brasil.

•        Quais são as consequências da islamofobia?

Por a Turquia ser um país islâmico, Dominique Marques analisa que é um desafio para a proximidade com a América Latina o preconceito contra os muçulmanos, nutrido muito durante a década de 2000, após o ataque às Torres Gêmeas e a Guerra ao Terror promovida pelo governo norte-americano. "Eu acredito que ainda haja uma certa resistência do Ocidente à questão da religião. E quando a gente fala, por exemplo, que o islamismo é a religião que mais cresce no mundo, ainda há pessoas que estão preocupadas, pelo fato de estarem associando isso com as questões que ocorreram ali na década de 2000", diz.

Outra dificuldade é o idioma, o que também afeta até a busca de informações sobre a Turquia.

"Existem outras questões, como diferenças comportamentais. Aqui na América Latina, temos uma tendência a sermos cada vez mais flexíveis. No caso da Turquia não é assim, são muito mais rígidos com relação a prazos e metas. Então isso pode ser uma inconveniência também nas relações entre as empresas. Outro desafio que pode estar dificultando é que a Turquia quer segurança nas suas relações comerciais e, por isso, é um pouco resistente a acordos de livre comércio. E aqui na América Latina, uma das formas de a Turquia se aproximar mais das nossas empresas seria através desses acordos", finaliza.

•        Especialista explica que retaliação a China pode tomar na disputa com a UE sobre veículos elétricos

O objetivo do aumento das tarifas da UE sobre os carros elétricos chineses "é impulsionar a indústria europeia de veículos elétricos", mas pode acabar desencadeando uma guerra comercial massiva, a menos que ambos os lados tentem resolver a disputa, disse o especialista em China baseado em Pequim, Francesco Sisci, à Sputnik.

A decisão da União Europeia (UE) de impor tarifas sobre veículos elétricos chineses mudou o foco para como e quando Pequim retaliará pela escalada em sua maior disputa comercial com o bloco em anos.

De acordo com a Bloomberg, enquanto as negociações continuam, a posição adotada por alguns Estados-membros do bloco europeu sobre as medidas na semana passada (4), pode sugerir de que forma Pequim deve seguir com sua resposta afetando diferentes partes da Europa, uma vez que os que votaram pela implementação das medidas devem ser vistos de forma diferente pelo gigante asiático.

Durante a votação, o bloco acabou definindo a imposição de tarifas, com 10 Estados-membros a favor, cinco contra e 12 se abstendo. O Ministério do Comércio chinês disse que as tarifas vão abalar a confiança das empresas chinesas que investem na Europa e prometeu "tomar todas as medidas" para garantir os interesses de suas empresas.

"É claro que os chineses podem exportar os seus veículos eléctricos para países terceiros e de lá poderiam introduzir carros na Europa. Mas estas lacunas poderiam ser preenchidas e não afetariam a tendência geral", enfatizou Sisci.

A União Europeia (UE) "não recua nisso" e a mediação exercida pela Organização Mundial do Comércio "já não funciona", logo, seria necessário um "acordo bilateral que esperamos que as duas partes assinem", acrescentou o especialista.

Se não for alcançado um acordo, Pequim tem várias opções para reagir ao bloco europeu, cujas perspectivas econômicas já foram minadas nos últimos anos pelo aumento dos custos da energia.

As tarifas poderão afetar até 31% de todas as exportações chinesas de veículos elétricos. Só nos primeiros oito meses de 2024, a China entregou carros eléctricos no valor de € 7,7 bilhões (cerca de R$ 46,2 bilhões) à UE, de acordo com dados alfandegários. A Bélgica foi o maior comprador do bloco, com 55% (mais de R$ 25,1 bilhões) de todas as entregas. A Alemanha ficou em segundo lugar, com 14% (cerca de R$ 6,4 bilhões), e Espanha em terceiro, com 12,5% (aproximadamente R$ 5,7 bilhões) das importações.

<><> Aqui estão as possíveis opções de resposta da China:

# Tarifas de dois dígitos sobre carros de luxo europeus de grande cilindrada, como Porsche, Mercedes e BMW.

# Tarifas sobre carne de porco, lacticínios, vinho, conhaque e outros produtos alimentares europeus. Pequim já anunciou em agosto uma investigação sobre os subsídios da UE às exportações de produtos lácteos, além de subsídios semelhantes à carne de porco e ao conhaque.

# As autoridades chinesas também estão examinando as exportações europeias de produtos químicos e de saúde em busca de possíveis subsídios ocultos. As exportações de luxo francesas e italianas, como perfumes, também poderiam estar na meta.

# Outras opções de retaliação incluem maquinaria, produtos industriais e aeroespacial, embora os observadores econômicos consultados pelos meios de comunicação econômicos dos EUA não acreditem que Pequim vá tão longe a menos que seja pressionada.

A China também poderia escolher um caminho diferente do aumento das tarifas, como aumentar os investimentos nas fábricas europeias para evitar totalmente as tarifas, por exemplo.

Em 4 de outubro, Bruxelas votou pela imposição de tarifas de até 45% aos veículos elétricos chineses.

Por sua vez, os partidos têm agora até 30 de outubro para impedir a aplicação das tarifas. A Câmara de Comércio UE-China criticou a votação, chamando a investigação de Bruxelas sobre os subsídios aos veículos elétricos chineses que levaram ao aumento das tarifas como uma "medida protecionista politicamente motivada e injustificada".

Também é importante notar que centenas de bilhões de euros estão em jogo no conflito comercial entre a China e a UE. Em 2023, a China exportou produtos no valor de € 515,9 bilhões (cerca de R$ 3,1 trilhões) para a UE, contra € 223,6 bilhões (mais de R$ 1,3 trilhão) em troca, o que representa um déficit comercial total com o país asiático de € 292 bilhões (aproximadamente R$ 1,7 trilhão). As tarifas podem ser concebidas para preencher essa lacuna, mas o tiro poderá sair pela culatra se Pequim responder com restrições aos produtos europeus.

<><> China apresenta queixa contra Turquia na Organização Mundial do Comércio

A China deu o primeiro passo para iniciar uma disputa comercial com a Turquia na Organização Mundial do Comércio (OMC) em relação às tarifas sobre importações de veículos elétricos.

A missão diplomática chinesa na OMC disse em um comunicado nesta terça-feira (8) que Pequim está enfrentando crescentes pressões comerciais em todo o mundo devido às suas progressivas exportações de veículos elétricos.

"A medida discriminatória tomada pela Turquia é contra as regras da OMC e é protecionista por natureza. Instamos a Turquia a seguir as regras da OMC e corrigir imediatamente suas medidas", disse a declaração. O governo turco não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

Em junho, Ancara anunciou que estava impondo uma tarifa adicional de 40% sobre as importações de veículos chineses e, no mês passado, estabeleceu condições rigorosas para a importação de veículos híbridos plug-in, inclusive da China.

Apesar disso, nos últimos meses, empresas vêm trabalhando para aprofundar os laços com as montadoras chinesas, assinando acordos com a BYD no início deste ano e, na semana passada, articulando negociações de investimentos com a Chery.

O "pedido de consultas" protocolado pelo governo chinês na OMC é o primeiro passo formal em uma disputa comercial, e, às vezes, as disputas são resolvidas nesse estágio. A China também abriu uma disputa na OMC, em março, contra subsídios dos EUA para proteger sua indústria de veículos elétricos.

•        Após veto da UE, Turquia e Brasil se tornam principais compradores de diesel marítimo russo

Ancara e Brasília são as maiores importadoras de diesel e gasóleo marítimos da Rússia desde que a União Europeia proibiu a importação de produtos petrolíferos do país.

Os dados foram divulgados pelas fontes de mercado e da empresa da Bolsa de Valores de Londres, LSEG.

Antes do embargo total da UE entrar em vigor em fevereiro de 2023, a Europa era a maior compradora de diesel russo. De acordo com dados da LSEG, citados pela Reuters, a Rússia embarcou cerca de 1,07 milhão de toneladas métricas de diesel e gasóleo com baixo teor de enxofre para a Turquia em setembro, após embarcar 1,04 milhão de toneladas no mês anterior.

As exportações de diesel dos portos russos para o Brasil aumentaram no mês passado para 0,78 milhão de toneladas, contra 0,58 milhão de toneladas em agosto, mostram dados de embarque.

Os comerciantes observam volumes crescentes de diesel russo destinados a transferências de navio para navio (STS) perto do porto italiano de Augusta e das ilhas gregas que totalizaram cerca de 370.000 toneladas em setembro, após 230.000 toneladas no mês anterior.

No total, os suprimentos de exportação de diesel e gasóleo marítimos russos aumentaram em setembro em cerca de 7% em relação a agosto, para cerca de 2,8 milhões de toneladas, mostraram cálculos da Reuters com base em dados da LSEG e de fontes de mercado.

Há duas semanas, em Brasília, autoridades russas e brasileiras tiveram um encontro no Ministério de Minas e Energia.

Na reunião, realizada no dia 19 de setembro, "foram abordadas oportunidades de colaboração e investimento em infraestrutura e troca de tecnologias para a otimização de recursos energéticos", informou a pasta, conforme noticiado.

•        Em forte apelo, indústria do conhaque francesa diz que 'não pode ser abandonada' ante taxas da China

A China está planejando o que vai fazer para responder às novas taxas sobre carros elétricos aplicadas pela União Europeia, e um dos setores que Pequim está pensando em taxar seria o de conhaque.

Novas taxas chinesas sobre importações de conhaque europeu teriam consequências "catastróficas" para um dos principais setores de exportação da França, disse o grupo de lobby BNIC, de produtores de conhaque, na terça-feira (8).

"Diante desse acontecimento, as autoridades francesas não podem nos abandonar e nos deixar sozinhos para lidar com a retaliação chinesa que não tem nada a ver conosco", disse o BNIC, acrescentando que "esses impostos devem ser suspensos antes que seja tarde demais".

Nesta manhã (8), a China impôs medidas antidumping temporárias sobre as importações de conhaque do bloco europeu, atingindo marcas de Hennessy a Remy Martin, depois que a UE votou a favor de tarifas sobre veículos elétricos fabricados na China.

Paris disse que trabalharia com o bloco para tomar medidas no nível da Organização Mundial do Comércio (OMC) a fim de protestar contra a decisão.

Ainda segundo a Reuters, o movimento chinês enfraqueceu as ações dos fabricantes de bebidas destiladas, gerando efeitos colaterais para marcas de luxo e automóveis, à medida que aumentava a preocupação de que Pequim pudesse estender suas medidas comerciais.

As montadoras alemãs, que podem ser as mais afetadas pelas medidas retaliatórias da China, também afundaram. A Volkswagen, Porsche, Mercedes-Benz, BMW e Porsche Automobil Holding tiveram ações em declínio entre 1,5% e 3% nesta manhã.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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