quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Paulo Kliass: ‘Quando o governo ousa pouco na Economia’

A proximidade do processo das eleições municipais acabou por deixar um pouco à margem nos grandes meios de comunicação o debate a respeito da perda de popularidade do presidente Lula e da avaliação de seu governo. É compreensível que a emergência e a polarização do pleito nas mais de 5.700 cidades terminem por colocar essa questão em segundo plano na agenda política. No entanto, como haverá segundo turno em menos de 100 destes locais, é provável que o debate a respeito da contradição entre a realidade exibida pelas estatísticas oficiais de economia e a popularidade em queda passe a merecer mais espaço na imprensa.

A dúvida que se coloca é a respeito de quais são as razões que poderiam explicar a incapacidade de as pesquisas de opinião pública captarem algum sentimento mais efetivo de melhora da percepção da maioria da população quanto aos aspectos supostamente positivos da política econômica comandada por Fernando Haddad. Afinal, os números de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 superaram – e muito! – as expectativas apresentadas pela Pesquisa Focus encomendada pelo Banco Central (BC). O problema é que ali são representadas as opiniões de apenas 171 presidentes e dirigentes de empresas do financismo, todos eles criteriosa e rigorosamente selecionados para responder ao questionário do órgão encarregado pela fiscalização e pela regulamentação do próprio sistema financeiro. O resultado é um misto de torcida uniformizada com chantagem contra propostas que possam contrariar os interesses do setor.

No começo do ano passado, esse pessoal dizia que o PIB não iria crescer mais do que 0,8% ao longo dos 12 meses. Como sempre, a nata da banca privada confundia mais uma vez seus desejos contra o governo que havia derrotado o candidato apoiado por eles nas eleições de outubro de 2022 com algum lampejo de análise objetiva da realidade econômica. Com isso, eles foram mais uma vez desmoralizados com a divulgação do resultado oficial do IBGE, que registrou um crescimento de 2,9% no PIB para o ano passado. Um dos fatores que contribuíram para esse quadro foram as despesas públicas e os investimentos estatais garantidos pela negociação da PEC da Transição, quando o novo governo conseguiu recursos orçamentários para executar parte de seus compromissos anunciados durante a campanha eleitoral. Ou seja, exatamente o oposto da austeridade fiscal burra e cega que os representantes da banca propõem o tempo todo.

·        Haddad: insistência cega na austeridade fiscal

Para o ano atual há uma tendência de manutenção do mesmo ritmo de elevação do PIB. Ao longo dos meses, o governo e os próprios representantes do assim chamado “mercado” foram elevando suas projeções. Nos primeiros meses, estes últimos projetavam uma elevação de apenas 1,60% para o final do presente ano. Mas o povo da Faria Lima terminou por aceitar a realidade e reajustou suas projeções. Atualmente, o próprio Ministério da Fazenda refez seus cálculos e passou a trabalhar com uma expectativa de 3,2% para o encerramento de 2024. Para tentar surfar nessa onda de boas novidades para o chefe, o pessoal da área da economia tenta emplacar a narrativa de que tais resultados só estão surgindo por conta da rigidez com que Haddad vem tratando a questão da austeridade fiscal. Ocorre que a verdade é bem oposta: essa melhoria está ocorrendo apesar das regras da austeridade.

Na área do emprego, as informações divulgadas pelos órgãos governamentais também apresentam um quadro interessante. Confirma-se uma tendência de redução do desemprego, que atingiu seu nível histórico mais baixo segundo os dados do IBGE. No segundo trimestre deste ano, a chamada taxa de desocupação atingiu 6,8% do total da população economicamente ativa (PEA). Trata-se da menor taxa jamais registrada para esse período nos últimos 10 anos. Ocorre que há problemas associados à metodologia utilizada pelo órgão. O questionário pergunta se o indivíduo procurou emprego durante os últimos 30 dias. Como há muita gente desempregada por um período mais longo de tempo e que desistiu de procurar um posto de trabalho, geralmente os dados são subdimensionados.

·        Inflação e precariedade no emprego: popularidade de Lula em baixa

Esse é o fenômeno que gera um contingente conhecido como “população desalentada”. Afinal, procurar emprego, particularmente em cidades com características metropolitanas, custa dinheiro. E as pessoas terminam desistindo depois de muitas tentativas infrutíferas. Esta é a razão pela qual os indicadores de entidades como o DIEESE, por exemplo, apontam taxas de desemprego bem mais elevadas do que a oficial. Na pesquisa que a entidade mantida pelo movimento sindical realiza para o DF, por exemplo, o desemprego se aproxima de 15% da PEA.

Além disso, os dados do IBGE apontam um crescimento da informalidade nas posições ocupadas. As sucessivas mudanças introduzidas na legislação trabalhista nos governos Temer e Bolsonaro, com vistas a retirar direitos dos assalariados, mascaram a realidade do mercado de trabalho. As pessoas estão empregadas, mas em condições de elevada precariedade e, por vezes, recebendo até mesmo uma remuneração mensal inferior a um salário mínimo. Esse fato pode ser captado também pelo contingente da população subutilizada. São 18,5 milhões de pessoas que gostariam de trabalhar mais horas do que estão conseguindo atualmente em sua jornada laboral.

Outro aspecto que poderia eventualmente contribuir para melhorar a avaliação do governo refere-se à redução da taxa de crescimento dos preços. Em 2022, o IPCA registrou um acumulado de 5,6%. Em 2023, a inflação oficial registrou 4,6%. Atualmente, o acumulado de 12 meses até agosto aponta 4,2% e uma projeção para encerramento do ano em um patamar ainda mais elevado. Por outro lado, a desagregação dos preços em grupos aponta para crescimento acima da média em itens de maior sensibilidade, tais como alimentação (4,59%), transportes (4,53%), saúde (5,70%), despesas pessoais (4,45%) e educação (6,91%). Isso significa que todo o esforço realizado pelo arrocho monetário não tem conseguido reduzir de forma significativa a inflação para a meta claramente irrealizável de 3% ao ano. Por isso teria sido fundamental o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter se rendido às evidências da realidade e ter promovido uma alteração na meta oficial para o crescimento dos preços. Mas Fernando Haddad se opôs radicalmente a tal iniciativa.

·        Povo não come PIB!

Ora, tudo leva crer que a combinação oferecida por um crescimento não expressivo do PIB e uma inflação persistente em setores que mais pesam no bolso da população de baixa renda não tem logrado arrefecer o descontentamento com a situação de dificuldades vivenciadas nos setores da base de nossa pirâmide da desigualdade. Afinal, ao longo da última década, o crescimento do Produto Interno foi pífio. Entre 2015 e 2024 registrou-se um índice acumulado de 5,7% – o que corresponde a pouco mais de 0,5% por ano. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, o crescimento populacional observado ao longo dos mesmos 10 anos foi de 4,4%. Na verdade, foi uma década de semi-estagnação da economia de forma geral. Ou seja, por mais que neste mesmo intervalo de tempo tenha havido seis anos entre Temer e Bolsonaro, o fato é que existe um limite de aceitação de situações de infortúnio por parte da maioria da população.

O resultado do primeiro turno das eleições municipais pode ser analisado também por essa ótica. Como dizia a querida e saudosa mestra, a professora e economista Maria Conceição Tavares, o povo não come PIB. Isso significa que, com toda a certeza, as políticas de austeridade fiscal e de arrocho monetário levadas a cabo pela área econômica não têm contribuído para que o eleitorado avalie de forma positiva ou compreensiva o governo. Pelo contrário, o que as pesquisas de opinião têm demonstrado é uma insatisfação com o desempenho de Lula e de seu governo.

·        Lula precisa redefinir os rumos de seu governo

Estamos nos aproximando da metade de seu terceiro mandato. Ainda existe tempo para que o presidente opere uma mudança de linha e de rota com vistas a recuperar a credibilidade da maioria da população e prepare as forças progressistas para o grande embate eleitoral que deverá ocorrer em 2026. Caso ele opte pela manutenção do “mais do mesmo” no que se refere à condução da política econômica pautada pela austeridade fiscal, é bem provável que assistamos a um aumento das dificuldades políticas para sua própria reeleição. Afinal, a experiência tem comprovado que os resultados sociais e políticos provocados pela combinação austericida de juros elevados com estrangulamento orçamentário só beneficia os setores do parasitismo financeiro.

Para recuperar as bases de uma popularidade de seu segundo mandato, quando encerrou o governo com índices superiores a 80%, Lula precisará realizar mudanças que podem até desagradar parte das elites do financismo. Mas quem decide as eleições são as dezenas de milhões de cidadãos que aguardam os efeitos positivos de um governo desenvolvimentista e comprometido com programas sociais voltados à maioria.

 

¨      Banco Central não deve "virar as costas ao poder democraticamente eleito", diz Galípolo em sabatina

O diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, indicado para assumir a presidência do BC a partir do ano que vem, disse, nesta terça-feira (8), que a missão essencial da autoridade monetária é perseguir a meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e não se deve “virar as costas” para o “poder democraticamente eleito”.

As declarações do economista foram dadas durante sabatina promovida pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Galípolo precisa ter o nome aprovado tanto pela CAE quanto pelo plenário do Senado, o que deve ocorrer ainda nesta terça.

Questionado por senadores sobre a autonomia do BC em relação ao governo, Galípolo deixou claro que defende uma relação harmônica entre a autoridade monetária e o Executivo, apesar da independência do órgão.

Questionado sobre as críticas feitas por Lula a Campos Neto desde que o petista tomou posse, Galípolo contemporizou e disse que lamenta não ter conseguido ajudar para que essa relação fosse mais saudável

“Eu aprendi que, nos debates da vida pública, existem algumas palavras-chave que quase são gatilhos. Você usa uma palavra e, de repente, vai parar em uma arquibancada de torcida e aquilo vira uma coisa acalorada. E autonomia é uma dessas palavras que geram um debate acalorado”, brincou Galípolo.

“Se pegarmos a literatura essencial sobre autonomia do BC, os cânones vão dizer que o BC tem autonomia operacional para buscar as metas estabelecidas pelo poder democraticamente eleito”, explicou.

“As metas e objetivos estabelecidos são estabelecidos pelo poder democraticamente eleito. Uma vez estabelecida, cabe ao BC perseguir essa meta. Esta é a definição que existe.”

Indicado por Lula para a presidência do BC e sabatinado no Senado, o economista disse que “existem numerosos desafios pela frente, como a construção de uma agenda capaz de tornar a economia mais equânime”.

Segundo Galípolo, “você tem de obedecer o arcabouço institucional e legal”. “Sou um daqueles que defende que o BC nem deveria votar sobre a meta nas votações do CMN. Hoje nós temos uma meta estabelecida de 3% e cabe ao BC perseguir essa meta de maneira inequívoca, colocando a taxa de juros em um patamar restritivo pelo tempo que for necessário para atingir essa meta”, afirmou.

“De maneira nenhuma, a autonomia deve passar a ideia de que o BC vai virar as costas para o poder democraticamente eleito”, concluiu Galípolo.  

<><> Galípolo diz que sempre ouviu de Lula a garantia de liberdade na tomada de decisões no BC

Indicado à presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo afirmou nesta terça-feira que sempre ouviu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que terá a garantia de liberdade na tomada de decisão no comando da autarquia.

"Toda vez que me foi concedida a oportunidade de encontrar o presidente Lula, eu escutei de forma enfática e clara a garantia da liberdade na tomada de decisões e que o desempenho da função deve ser orientado exclusivamente pelo compromisso com o povo brasileiro", disse em sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado.

Galípolo afirmou ainda que todas as conversas com senadoras e senadores também foram no sentido de assegurar a liberdade na gestão do BC.

Em discurso na sessão marcada para avaliar sua indicação, o diretor disse que atuação do BC tem sido inequívoca na busca pelo atingimento da meta de inflação, ressaltando que reafirma seu compromisso com o arcabouço estabelecido para o trabalho da autoridade monetária.

Ele destacou que o Brasil é hoje reconhecido por sua estabilidade monetária e financeira e acrescentou que os núcleos de inflação no país nos últimos 12 meses ficaram em níveis comparáveis aos de economias estáveis como Estados Unidos e Reino Unido.

Após a análise da CAE, a expectativa é de que a indicação de Galípolo seja avaliada pelo plenário da Casa na tarde desta terça-feira.

<><> Lula diz que a inflação está controlada e que taxa alta de juros "haverá de ceder"

No dia em que seu indicado para a presidência do Banco Central, Gabriel Galípolo, passa por sabatina no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a falar dos juros altos, mas sem o tom de crítica que costuma empregar ao tratar do BC sob o comando de Roberto Campos Neto.

"Eu estou muito feliz, porque a economia está razoável, a taxa de juros está mais alta, mas ela haverá de ceder, temos a inflação controlada, temos a massa salarial crescendo, temos o emprego crescendo", disse.

Galípolo, hoje diretor de Política Monetária do BC, precisa ser aprovado nesta terça pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e depois pelo plenário da Casa para assumir o cargo. A expectativa do governo é que não haverá grandes dificuldades e o diretor assumirá a presidência do banco a partir de janeiro.

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) aumentou a taxa Selic para 10,75% com voto unânime dos diretores, incluindo Galípolo, que é bastante próximo a Lula.

Em discurso durante evento no qual sancionou a lei de criação do combustível do futuro, uma série de incentivos para desenvolvimento de alternativas a combustíveis fósseis e para a transição energética no país, Lula defendeu que o Brasil é um dos países, hoje, mais estáveis do mundo.

"Hoje tem pouquíssimos países com a estabilidade que tem o Brasil. Tem pouquíssimos com o crescimento, que vai chegar a 3,5% este ano, como o Brasil", disse Lula, que contou ter procurado as três principais agências de rating, em Nova York, para entender os critérios usados para definir grau de investimento.

"Alguns dizem que é sorte. Eu digo que é muito trabalho e dedicação desses ministros, foi muita competência da Câmara e do Senado em votar as coisas que precisamos", continuou.

 

Fonte: Outras Palavras/Infomoney/Reuters

 

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