Reginaldo S. Fernandes: ‘Fragmentação
partidária nas eleições recentes’
No atual cenário das
representações partidárias, as propostas e plataformas de governo foram pouco
verificadas nas últimas eleições. Não é possível afirmar que houve crescimento
de partidos mais alinhados à direita, esquerda, centro-direita ou centro-esquerda.
Parece que esses elementos perderam relevância, resultado de fatores como
polarização política, redes sociais e personalização da política, onde a imagem
e o carisma dos candidatos frequentemente se sobrepõem às propostas concretas.
Além disso, a
fragmentação partidária e a falta de clareza ideológica dificultam a
identificação de um crescimento claro de partidos alinhados a posições
específicas no espectro político. Isso reforça a ideia de que as eleições giram
mais em torno de indivíduos do que de ideologias ou plataformas de governo.
Para entendermos
melhor a conjuntura, também precisamos incluir a Emenda Constitucional nº.
97/2017. Essa emenda proíbe coligações partidárias nas eleições proporcionais e
estabelece regras sobre o acesso dos partidos aos recursos do fundo partidário
e ao tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão. Busca estruturar o
sistema partidário de maneira mais rígida, visando diminuir a fragmentação e
promover maior clareza ideológica. Ao mesmo tempo, fortalece os partidos
maiores e dá mais ênfase às propostas e plataformas de governo.
A vedação das
coligações pode reduzir o número de partidos, já que os menores terão
dificuldades para se sustentar sem alianças. Isso pode resultar em maior
clareza ideológica, onde partidos consolidados terão mais recursos para
desenvolver e divulgar suas ideias, incentivando um foco maior nas propostas e
plataformas de governo.
Entretanto, mesmo com
essas novas regras, a personalização da política e a influência das redes
sociais podem continuar desviando o foco das propostas. As regras de transição
estipuladas pela emenda podem ajudar os partidos a se adaptarem, mas também gerar
tensões à medida que ajustam suas estratégias para permanecerem relevantes.
Nesse novo cenário
político, o surgimento das federações de partidos exemplifica como os partidos
se mobilizaram para enfrentar as exigências impostas pela emenda. As federações
permitem uma união mais estruturada e duradoura entre partidos, promovendo maior
coesão e coordenação, refletindo uma tendência ao gerencialismo, onde a
eficiência e gestão estratégica se tornam essenciais para o sucesso político.
Com a vedação das
coligações, os partidos menores, antes dependentes das alianças para garantir
sua representação, precisam buscar formas mais eficazes de se organizar e
competir. As federações oferecem uma solução, permitindo que esses partidos
compartilhem recursos, tempo de propaganda e estratégias, fortalecendo sua
presença no cenário político.
Além disso, a gestão
mais eficiente e coordenada dentro das federações pode resultar em um foco
maior nas propostas e plataformas de governo. Isso ocorre porque os partidos
devem apresentar uma frente unida e coerente para atrair eleitores. Assim, o
ambiente político pode favorecer a valorização de ideias e propostas, em vez de
serem ofuscadas pela personalização da política.
A criação da Federação
Brasil da Esperança, composta por partidos clássicos da centro-esquerda e
esquerda, como o PT, PC do B e PV, representa uma mudança significativa na
estratégia política desses grupos. Tradicionalmente, PT e PC do B focaram suas
campanhas na denúncia do capitalismo, na concentração de renda e no
imperialismo ocidental sobre a América Latina. No entanto, ao se unirem em uma
federação, esses partidos adotaram um novo enfoque, centrado na “esperança” e
no bem-estar social.
Essa mudança de
estratégia é uma resposta direta às novas exigências impostas pela Emenda
Constitucional nº. 97/2017, que proíbe coligações partidárias nas eleições
proporcionais. A necessidade de se adaptar a um cenário político mais rígido e
competitivo levou esses partidos a se reinventarem, buscando uma mensagem mais
positiva e inclusiva, capaz de atrair um eleitorado mais amplo.
A ênfase na
“esperança” e no bem-estar social reflete uma tentativa de se conectar com os
eleitores em um nível mais emocional e aspiracional, contrastando com a
abordagem mais combativa do passado. Essa mudança pode ser vista como uma
estratégia para se diferenciar em um cenário político cada vez mais polarizado
e fragmentado, onde a personalização da política e a influência das redes
sociais desempenham um papel crucial.
Além disso, a formação
da federação permite que esses partidos compartilhem recursos, tempo de
propaganda e estratégias, fortalecendo sua presença no cenário político e
aumentando suas chances de sucesso eleitoral. A gestão coordenada pode promover
um foco maior nas propostas e soluções para problemas sociais, garantindo mais
destaque a essas questões.
A fragmentação
ideológica dentro do campo democrático, marcada pelo surgimento de partidos
como PSOL e REDE, evidencia a crise de unidade que enfraqueceu a capacidade de
articulação política em torno de uma agenda comum. Esse processo de ruptura
começou após a eleição de Lula em 2002, quando o PT formou uma coalizão com a
centro-direita. Isso gerou descontentamento em setores mais à esquerda, levando
à pulverização de forças, que, ao invés de fortalecer o campo democrático e
popular, diluiu sua influência.
Os sindicatos e
movimentos sociais, que historicamente serviram como pilares de mobilização e
sustentação política, também sofreram com essa fragmentação. A diminuição da
capacidade organizativa e a perda de influência desses grupos no debate público
contribuíram para o enfraquecimento do campo popular. Com o surgimento do
lavajatismo, que lançou uma ofensiva jurídica e midiática contra lideranças
políticas da esquerda, e o renascimento da extrema-direita, apoiada por setores
pseudo-conservadores, o espaço para lideranças democráticas e populares foi
ainda mais reduzido.
Esse contexto criou
terreno fértil para o avanço de uma retórica antissistema, que, embora voltada
contra a classe política como um todo, afetou especialmente as forças de
esquerda, associadas à corrupção pelos discursos da Operação Lava Jato. A
ascensão da extrema direita, que conseguiu canalizar o descontentamento social,
consolidou um cerco ao campo democrático e popular, dificultando o retorno ao
poder dessas lideranças.
De modo geral, o
cenário atual não demonstra a fraqueza ou o fortalecimento de um partido ou
corrente partidária. Caracteriza-se por uma demanda para que os partidos se
adaptem e busquem novas formas de articulação, até mesmo para a sobrevivência
política. A aceitação efetiva dos eleitores é cada vez menos focada em partidos
e conceitos sociológicos, e mais voltada para os meios digitais e resultados
práticos. A superação da fragmentação e a revitalização do campo democrático e
popular serão importantes para enfrentar os desafios que se apresentarão nas
próximas eleições.
¨ Nas eleições municipais de 2024, alguns alertas e alentos para a
esquerda. Por Erick Kayser
Encerrado o primeiro
turno das eleições municipais de 2024 e havendo ainda 52 cidades em que a
eleição se definirá no segundo turno, um balanço desta disputa eleitoral, ainda
que inicial, se faz necessário. Para a esquerda, o resultado das urnas trouxe
alguns alentos, frente uma conjuntura regressiva de crise democrática ainda não
superada, mas também de alertas que merecem atenção.
Numa análise mais
geral, olhando apenas para os números de prefeituras eleitas, a correlação de
forças políticas aparentemente não sofreu grandes alterações. Partidos da
direita fisiológica – chamados de forma complacente pela mídia de “centrão” –,
seguem majoritários no controle de prefeituras. Uma novidade deste ano foi o
MDB, depois de 20 anos, ser superado por outra legenda em total de conquistas.
O ranking agora é liderado pelo PSD com 878 prefeituras
eleitas no 1º turno, seguido pelo MDB com 847 e o PP
com 743.
Os motivos para o
predomínio desses partidos no comando da maioria dos 5.569 municípios
brasileiros são bastante conhecidos e respondem a dois fatores principais. Um
de ordem estrutural, que envolve mecanismos longevos de poder patrimonialistas,
em especial nas pequenas cidades, onde poucas famílias de grandes proprietários
de terras detêm o controle direto ou indireto da Prefeitura e Câmara de
vereadores. Outro fator são as famigeradas emendas do Congresso nacional, que
recentemente permitiram que parlamentares tenham poder de destinar diretamente
para suas bases eleitorais recursos milionários do orçamento da União de forma
impositiva. O grau de fisiologismo na política brasileira atingiu patamares
inéditos, não sendo casual que 98% dos prefeitos de municípios que mais receberam emendas fossem reeleitos ou elegessem seus sucessores.
Na esquerda, o melhor
desempenho foi do PSB, que governará 312 cidades, com destaque para a reeleição
de João Campos, em Recife, com 78% dos votos. O PT, que após um duro calvário
iniciado em 2016, voltou a crescer em número de prefeituras, passando a governar
248 neste ano. O partido ainda vai disputar o segundo turno em 13 cidades,
sendo 4 capitais: Porto Alegre, Fortaleza, Cuiabá e Natal.
Contudo, outros
partidos de esquerda ou centro-esquerda sofreram reveses. O PDT foi quem teve a
maior queda entre os dez maiores partidos do país, reduzindo sua presença
municipal pela metade. Em 2020, elegeu cerca de 310 prefeitos. Em 2024, 148. O
PCdoB, que tinha 49 prefeituras, caiu para 19 e o PV caiu de 47 para 14
prefeituras. Na Federação PSOL-Rede, o número de prefeitos eleitos em primeiro
turno caiu de 9 para 4. Neste ano, o PSOL não elegeu nenhum chefe do Executivo,
embora tenha ainda dois candidatos que vão disputar o segundo turno, com
destaque para Guilherme Boulos em São Paulo.
Enquanto isso, no
espectro da extrema-direita, o PL de Bolsonaro cresceu em número de
prefeituras, passando a governar 510 cidades, frente as 343 ganhas em 2020,
ficando em quinto lugar no ranking dos partidos que mais elegeram prefeitos. O
PL cresceu muito no grupo das 103 maiores cidades do país – municípios com mais
de 200 mil eleitores em que poderia ter segundo turno – saindo do primeiro
turno como o partido que elegeu o maior número de prefeitos desta faixa, num
total de dez. E a sigla ainda vai participar de 23 segundo turnos, sendo nove
capitais. Mesmo que o bolsonarismo tenha fracassado em sua ousada meta de
eleger mil prefeituras, seu avanço nos grandes centros urbanos indica certa
consolidação eleitoral do extremismo reacionário, não ocorrendo uma desejável
dispersão deste campo, que poderia ter ocorrido após a perda da presidência da
República e a atual condição de inelegível de Jair Bolsonaro.
Ainda que menos
“ideológico”(sic) que o PL, merece atenção a curva ascendente dos Republicanos.
Partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e que tem nos seus quadros o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em 2020 tinha 213 prefeituras. Neste
ano a sigla saiu vencedora em 436 eleições municipais. Na comparação entre as
duas últimas eleições, o Republicanos foi o segundo partido que mais cresceu em
número de prefeituras, ficando atrás somente do PSD.
Possivelmente, mais do
que um avanço eleitoral da extrema-direita, o que assistimos é o esvaziamento
do centro. O contínuo declínio do PSDB, que perdeu quase metade de suas
prefeituras, parece indicar isso. Dada a permanência da polarização política,
esses eleitores que se sentiram órfãos do centro foram para a direita ou
encontraram na direita ressonância momentânea para seus anseios.
Entre as boas
notícias, que servem de alento para a esquerda, além da mencionada recuperação
em prefeituras eleitas, houve um aumento no número de vereadores do PT e PSB.
Os socialistas elegeram 573 vereadores a mais nestas eleições, passando a
contar com 3.583. Já o PT subiu de 2.667 para 3127. Por outro lado, PCdoB e
Psol reduziram sua presença em Câmaras de vereadores, caindo de 691 para 354 e
de 89 para 80, respectivamente, cada um dos partidos.
Sobre o desempenho do
PT, maior partido da esquerda brasileira, sua recuperação de espaço, ainda que
tímido, é importante, mas aquém do que a conjuntura exigiria. Adotando
nacionalmente uma tática eleitoral bastante conservadora para as disputas
eleitorais, abdicando de lançar candidaturas próprias em capitais e cidades
importantes – em alguns casos em prol de partidos aliados com chance eleitoral
menor –, reduziu suas chances de recuperar eleitores. Afinal, ao sequer entrar
na disputa, as chances de vitórias se tornam nulas. O partido viu sua presença
nas grandes cidades encolher. Os municípios mineiros de Juiz de Fora e Contagem
foram as únicas vitórias do PT em cidades com mais de 200 mil eleitores. 188
das prefeituras conquistadas pelo PT são em cidades com menos de 20 mil
eleitores. Com vereadores a situação é similar, dos mais de 3 mil eleitos pelo
PT, 2.122 são em pequenas cidades.
Talvez o recuo da
esquerda e o avanço eleitoral da extrema-direita nos grandes centros urbanos,
mais do que erros organizativos e políticos da esquerda – existentes de forma
abundante – tenha ocorrido, em parte, por uma mudança de prioridades dos
eleitores mais pobres. Os efeitos subjetivos de uma racionalidade neoliberal
ainda imperante, precisam ser melhor compreendidos e enfrentados.
Poderia se esperar
que, sob o governo Lula, o PT e a esquerda pudessem ter um desempenho melhor.
Contudo, além do governo ter apenas dois anos, seu começo tem sido bastante
difícil. Uma novidade para o PT é ser minoritário em um governo presidido pelo
seu próprio partido. Além disso, ao aprovar o chamado arcabouço fiscal, criou
uma série de autolimitações para atuação do governo em políticas públicas,
reduzindo significativamente a capacidade de atingir diretamente as pessoas e
promover desenvolvimento.
Para iniciar um
período de avanço da esquerda no Brasil, o desempenho do governo Lula é um
fator decisivo. Seu ajuste de rumos não poderá tardar. É fundamental, que além
de promover os investimentos necessários para induzir desenvolvimento com
inclusão social, criar e estimular mecanismos de participação, colocando o povo
nas decisões sobre o Orçamento público. Sem algum nível de mobilização social
estimulada pelo governo Lula, a conjuntura será mais adversa.
Devemos ter no
horizonte intensificar a luta para acabar com as emendas impositivas. Sem
promover alguma ruptura com as estruturas patrimonialistas de poder que ainda
vigoram no Brasil profundo, seguiremos assistindo a perpetuação dos mesmos
grupos controlando as administrações municipais na maioria das cidades do país.
A vitória de Lula em
2022 e a recuperação moderada da esquerda nas eleições municipais de 2024 abrem
uma nova oportunidade estratégica. Para recuperar a ofensividade e conquistar a
hegemonia social, é crucial que a esquerda se articule em torno de pautas
populares que atendam às demandas urgentes da população, como a redução das
desigualdades e a defesa de direitos sociais, enquanto constrói uma política
que reconecte amplamente setores da classe trabalhadora e movimentos sociais.
Além disso, deve priorizar a ampliação de alianças progressistas, sem perder
sua identidade, e o uso de novas formas de mobilização e comunicação, a fim de
deslegitimar o discurso da extrema-direita e reafirmar um projeto democrático e
inclusivo que responda às crises econômica, política e climática que afetam o
Brasil.
Fonte: A Terra é
Redonda/Jornal GGN
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